Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O PAPEL DA PROFESSORA1
RESUMO
Este artigo analisa, por meio de uma pesquisa bibliográfica, a postura da professora com relação
ao desenho da criança, que é a sua primeira forma de expressão artística. Concluiu-se que os
conhecimentos sobre teorias que abordam desenvolvimento infantil, ensino de artes e o desenho
na infância são imprescindíveis na formação da professora de Educação Infantil. Também é
importante possibilitar espaços, tempos e meios para as crianças estarem em contato com o
mundo das artes. A professora precisa ter uma formação estética sólida, bem como saber
respeitar a expressão artística de cada criança e não interferir no seu desenho, que é um meio
de auto expressão e possibilidade de experiência estética. Na Educação Infantil, as professoras
presenciam o desenvolvimento de várias crianças, com suas singularidades, possibilidades e
desafios, mas, muitas vezes, se mostram resistentes em respeitar o tempo da criança para
ampliar e aprimorar seus desenhos, por não estarem muito familiarizadas com as teorias no
campo das artes sobre o ensino do desenho na infância.
ABSTRACT
The goal of this paper is to analyze, using bibliographic research, the teacher attitude towards
the child drawing. We concluded that knowledge about theories that deal with child
development, the teaching of arts, and drawing in childhood is essential in the formation of the
Early Childhood Education teacher. We also concluded that allowing spaces, time, and means
for the children to have contact with the world of the arts is important. The teacher must have
a solid training on aesthetics and must respect the artistic expression of every child, so to not
interfere in their drawings, which are the means of self-expression and opportunity to
experiment with aesthetics. In childcare, teachers witness the development of several children,
each with their own singularities, capabilities, and challenges. Teachers, however, are often
resistant to respecting the child time to expand and improve their drawings because they are not
familiarized with the theories of childhood arts education.
1
A opção pela palavra “professora” demarca a condição feminina da docência na Educação Infantil que,
historicamente, foi (e é) constituída em sua maioria de professoras mulheres.
2
Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de São José/SC. Pedagoga pela Universidade Federal de
Santa Catarina, especialista em Artes na Educação Infantil pela Universidade Candido Mendes.
c.anakarina@gmail.com.
3
Professora do Instituto Federal Catarinense (IFC), campus Blumenau. Doutora em Educação pela Universidade
Federal de Santa Catarina. lolyzinha@hotmail.com.
33
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
1 INTRODUÇÃO
4
Segundo PIRES (2014) garatujas são rascunhos que a criança, no final do seu primeiro ano de vida, faz no papel
pelo prazer de ver o que sua ação produz, sem intenção de produzir alguma representação.
34
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
para respeitar e conhecer o universo do desenho na infância? Esta é uma das perguntas que este
artigo pretende responder.
Para escrever o artigo, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, partindo da leitura
de livros e artigos sobre o tema: a professora de Educação Infantil e o desenho da criança. Entre
autores pesquisadores que desenvolvem estudos sobre o tema, conduzimos essa escrita
permeada pelas de Rosa Iavelberg (2013), Ana Angélica Albano Moreira (2005), Pollianna
Benedito Rosa (2016), Paulo de Tarso Cheida Sans (2014) e Pricilla Cristine Trierweiller
(2013).
A criança pequena desenha pelo prazer do gesto, pelo prazer de produzir uma marca.
É um jogo de exercício que a criança repete muitas vezes para certificar-se do seu
domínio sobre aquele movimento. O registro deste movimento é um rabisco
incompreensível para o adulto: é a garatuja. Que se inicia longitudinal e desordenada
até adquirir certo ritmo. Aos poucos este vai assumindo outras formas. A criança está
no período sensório motor e sua forma de interagir com o mundo é conquistando novas
estruturas de movimento. Seu desenho, nesta fase, não tem compromisso com
representação de qualquer espécie. A criança poderá até nomear seu desenho se o
adulto insistir em saber o que é, contudo para ela é apenas movimento. É a conquista
do controle da mão, giz, lápis, pincel (tato, preensão, textura, instrumento). É o prazer
do gesto deixando sua marca. (MOREIRA, 2005, p. 28).
O desenho na sua forma mais inicial, que aparece nos primeiros rabiscos das crianças,
precisa ser entendido como algo transitório e em evolução, mas com identidade e significação
para a criança que desenha pelo prazer que a ação de desenhar proporciona. Sans (2014, p. 46)
comenta que “dificilmente, os adultos valorizam essa etapa de grafismo infantil, mas é, por
meio dessa fase, que a criança obtém a autoconfiança necessária para progredir com maior vigor
às etapas seguintes”.
A autora Iavelberg (2013) expõe uma classificação para a evolução do desenho na
infância que vai desde o desenho sem significado simbólico (garatuja/rabisco) até o desenho
que é feito com o domínio das técnicas da área do desenho. A classificação mais detalhada é:
36
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
• Desenho de Apropriação: desenho que surge no momento em que a criança quer
desenhar sendo o mais fiel possível ao modelo da realidade, que quer dominar a
representação do espaço e formas;
• Desenho de Proposição: desenho que surge quando há um domínio das técnicas
da época, sendo usadas em favor da autoexpressão.
37
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
A experiência estética é manifestação da experiência humana, e acontece quando os
sentimentos são
[...] tocados por algum objeto, de tal forma que subjetivamente cada
espectador/leitor vivencie esse sentimento, dando-o significado. Isso acontece
quando o sujeito percebe que está envolvido no processo, quando é afetado ao
representar ou contemplar um objeto, ou seja, a vivência subjetiva pela qual
sente a si mesmo quando afetado pela arte [...]. (SPENGLER, 2017, p. 69).
Para tanto, há de acontecer a partir de uma participação ativa desse sujeito, que é
convidado a “participar da própria experiência sensível e, assim, do próprio processo de
conhecer, em uma relação mais sensível com o mundo” (SPENGLER, 2017, p. 69).
No cotidiano da Educação Infantil, a professora pode ter em uma mesma sala crianças
em diferentes momentos de expressão e domínio das técnicas do universo das artes plásticas.
Seus desenhos podem não corresponder à expectativa das professoras e pais, que almejam por
um desenho que apresenta formas e cores definidas, e que seja um retrato fiel da realidade.
Sobre as expectativas dos adultos com relação ao desenho da criança, Sans (2014) pontua que
“muitos adultos criticam o desenho infantil por não conhecerem o seu real valor, esperam que
as crianças desenhem representando o realismo absoluto e esquecem ou ignoram que a própria
validade da Arte, há muito está desvinculada desse conceito” (SANS, 2014, p. 41).
Talvez na ânsia de corresponder às expectativas que não se fundamentam na evolução
natural do desenho da criança, algumas professoras acabam por “terminar/melhorar” os
desenhos das crianças.
A questão do limite entre interferir ou não na produção artística da criança e a
importância da formação estética da professora, foi investigada por Trierweiller (2013) na sua
dissertação de mestrado. Trierweiller denuncia a prática das professoras de finalizar e dar um
acabamento nos desenhos das crianças, uma ação que diz muito sobre a formação da professora
e sua visão sobre o que é considerado belo. Para a autora, “[...] É justamente o professor quem
realiza a maior parte dos trabalhos ou dá um acabamento aos que são produzidos com a
participação das crianças, como que indicando a elas o que fazer, como fazer e qual deve ser o
resultado” (2013, p. 100). Tal postura é criticada pela pesquisadora, que apoia-se em Bakhtin
(1992) e afirma que toda produção cultural influencia na relação com a experiência estética de
cada sujeito, de acordo com seu repertório, e que alterar o desenho infantil, influenciando a
produção criativa pode interferir também na experiência da criança.
38
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
[...] durante a criação, faz-se uso dos elementos da vida, esses que são atravessados
por valores sociais, que provocam em um outro plano, o da materialização da obra.
Em consequência disso, o ato estético não é neutro, não é condição natural dos
sujeitos, é criado “nas” relações e “pelas” relações que são estabelecidas socialmente.
Falar em estético é pensar nesse complexo caldo axiológico que verte nas relações.
Logo, embora perfeição e beleza também estejam contidas nas expressões artísticas,
não podemos naturalizar essa condição em uma forma superficial de compreensão.
(TRIERWEILLER, 2013, p. 100).
O ato de desenhar não é neutro, mas recebe a influência do meio em que a criança vive,
do contato que ela tem com o mundo das artes, do desenho que ela assiste na televisão, do
letreiro que ela vê na rua, das ilustrações dos livros que lê...
Ainda no início de sua trajetória de expressão artística, quando a criança “rabisca”, ela
já reconhece o desenho como seu. Assim sendo, é possível afirmar que quando a professora
finaliza “detalhes” no desenho da criança, a mesma o percebe e isso se torna uma “agressão”
para a construção artística autoral da criança.
A ação de interferir na criação da criança está diretamente relacionada ao julgamento
que o adulto faz dessa criação, seja desenho, pintura, escultura... Para Iavelberg (2013), cabe à
criança/autora classificar e julgar sua criação, porque ela deve ser um meio de livre expressão
pessoal e artística. Na Educação Infantil, professoras e crianças podem comentar sobre o
desenho de seus colegas, mas a classificação do que seja belo ou não e a exigência de que se
siga o retrato fiel da realidade na escolha de cores e formas deve ser evitado.
Iavelberg (2013) apresenta uma linha do tempo sobre a didática do desenho no meio
escolar. Na escola tradicional acreditava-se que as crianças deveriam copiar desenhos de
adultos, treinando repetidas vezes até alcançar a cópia perfeita. Mas por volta do século XIX
isso foi mudando e na escola moderna a didática do desenho tinha como objetivo a
autoexpressão. Não havia um exemplo a ser seguido, e se defendia as possíveis formas de
expressão da criança e as transformações no seu desenho no decorrer do desenvolvimento
infantil. A arte adulta, nesse momento, não era algo a ser copiado, mas um instrumento para
dialogar com o desenho da criança, para ela aprender e se apropriar de conteúdos artísticos.
A ação da professora está vinculada a sua formação, sua visão de mundo, como vê a
criança, sua relação com a família e seus colegas de trabalho. O diálogo e reflexão constante
entre professoras, entre professoras e pais, e entre professoras e crianças, pode criar uma rede
de apoio para compreender, aceitar e respeitar o ato de ser criança no seu tempo, espaço e
expressão.
Com relação à postura da professora para com a criação artística da criança e também
outras formas de expressão, Pires (2014) salienta a importância da autorreflexão constante da
39
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
professora sobre a sua prática e sua responsabilidade em criar situações didáticas interessantes
e instigantes para as crianças, sem apresentar conceitos e conteúdos como verdades absolutas.
Ainda podemos ampliar a reflexão da autora, caminhando na mesma linha de raciocínio, e
destacar o cuidado da professora em não julgar a produção artística da criança como belo ou
não. Tal julgamento de valor, além de ser muito subjetivo, não respeita a expressão, opinião e
gosto do outro.
Segundo Pires (2014), a professora precisa conhecer as necessidades infantis e o papel
da arte no desenvolvimento das crianças (instrumento para expressar desejos, sonhos, medos e
descobertas). A professora também deve estruturar um espaço adequado para as crianças
criarem, partindo de pesquisas, descobertas, observações e estudos para que a sala se torne um
ateliê artístico ou laboratório de experiências. Ideia também defendida por Sans (2014) quando
afirma:
O ensino de Arte deve ser libertador, para que percorra o caminho positivo da
autoexpressão. É vital que o professor e também os pais, saibam da importância que
o desenho tem para a criança e a incentive para que aproveite o que lhe é próprio e
natural, expresso por meio do ato de desenhar. (SANS, 2014, p. 106).
3 CONCLUSÃO
Neste artigo buscamos refletir sobre a ação da professora frente ao desenho da criança,
especialmente sobre a prática de “finalizar” o desenho, seja fazendo um contorno que faltou ou
pintando um pedaço que ficou esquecido. Analisando e refletindo sobre o posicionamento de
vários autores da área da educação e artes, a professora que altera o trabalho da criança está
interferindo de forma negativa na ação autoral e no desenvolvimento criativo da mesma.
O ato de dar um “acabamento” no desenho de uma criança não é uma ação positiva
para o desenvolvimento dela. É possível dar sugestões, fazer observações, mas é preciso evitar
interferir deliberadamente na produção artística de outra pessoa. Interferir no desenho da
criança pode resultar em uma criança insegura, oprimida, tímida e travada para se expressar
artisticamente.
Para que o cenário anteriormente citado não se concretize, temos que ter professoras
capacitadas, interessadas e atentas ao ato de desenhar na infância e no contato da criança com
o mundo das artes, espaço para a liberdade de expressão, imaginação e criação. Quando a
professora tem uma formação sólida e alguma experiência e vivência no mundo das artes, ela
apresenta uma postura pedagógica mais fundamentada e coerente com o desenvolvimento e
expressão infantil.
Assim, finalizamos essa escrita (pretendida apenas como uma provocação inicial às
professoras de Educação Infantil) buscando compreender a importância da expressão plástica
da criança como um exercício de subjetividade, no qual ela vivencia diferentes formas de
41
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432
experiência estética, e assim, constitui-se enquanto sujeito que participa da cultura e dela faz
parte.
REFERÊNCIAS
MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador. 10. ed.
São Paulo: Edições Loyola, 2005.
PIRES, Heloisa. Arte na Educação Infantil. São Paulo: Encontro Cultural, 2014.
SANS, Paulo de Tarso Cheida. Pedagogia do Desenho Infantil. 4. ed. Campinas: Alínea,
2014.
SPENGLER, Maria Laura Pozzobon. Alçando voos entre Livros de Imagem: o acervo do
PNBE para a Educação Infantil. 2017. 213 f. Tese (doutorado) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Florianópolis/SC.
42
Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
DOI: 10.29031/pedf.v14i11.432