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AS CRIANÇAS E OS SEUS DESENHOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

O PAPEL DA PROFESSORA1

THE CHILDREN AND THEIR DRAWINGS IN EARLY CHILDHOOD


EDUCATION: THE ROLE OF THE TEACHER

Ana Karina Corrêa HOELLER 2


Maria Laura Pozzobon SPENGLER3

RESUMO

Este artigo analisa, por meio de uma pesquisa bibliográfica, a postura da professora com relação
ao desenho da criança, que é a sua primeira forma de expressão artística. Concluiu-se que os
conhecimentos sobre teorias que abordam desenvolvimento infantil, ensino de artes e o desenho
na infância são imprescindíveis na formação da professora de Educação Infantil. Também é
importante possibilitar espaços, tempos e meios para as crianças estarem em contato com o
mundo das artes. A professora precisa ter uma formação estética sólida, bem como saber
respeitar a expressão artística de cada criança e não interferir no seu desenho, que é um meio
de auto expressão e possibilidade de experiência estética. Na Educação Infantil, as professoras
presenciam o desenvolvimento de várias crianças, com suas singularidades, possibilidades e
desafios, mas, muitas vezes, se mostram resistentes em respeitar o tempo da criança para
ampliar e aprimorar seus desenhos, por não estarem muito familiarizadas com as teorias no
campo das artes sobre o ensino do desenho na infância.

Palavras-chave: Educação Infantil. Desenho. Criança.

ABSTRACT

The goal of this paper is to analyze, using bibliographic research, the teacher attitude towards
the child drawing. We concluded that knowledge about theories that deal with child
development, the teaching of arts, and drawing in childhood is essential in the formation of the
Early Childhood Education teacher. We also concluded that allowing spaces, time, and means
for the children to have contact with the world of the arts is important. The teacher must have
a solid training on aesthetics and must respect the artistic expression of every child, so to not
interfere in their drawings, which are the means of self-expression and opportunity to
experiment with aesthetics. In childcare, teachers witness the development of several children,
each with their own singularities, capabilities, and challenges. Teachers, however, are often
resistant to respecting the child time to expand and improve their drawings because they are not
familiarized with the theories of childhood arts education.

Keywords: Early Childhood Education. Drawing. Child.

1
A opção pela palavra “professora” demarca a condição feminina da docência na Educação Infantil que,
historicamente, foi (e é) constituída em sua maioria de professoras mulheres.
2
Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de São José/SC. Pedagoga pela Universidade Federal de
Santa Catarina, especialista em Artes na Educação Infantil pela Universidade Candido Mendes.
c.anakarina@gmail.com.
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Professora do Instituto Federal Catarinense (IFC), campus Blumenau. Doutora em Educação pela Universidade
Federal de Santa Catarina. lolyzinha@hotmail.com.
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Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 14, n. 11, p. 33-42, jan./jun. 2019
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1 INTRODUÇÃO

A escrita desse artigo busca compreender a postura da professora frente ao desenho da


criança, da garatuja4 ao desenho de formas definidas. Como e quando é certo e possível
interferir na produção da criança? Há outras questões que atravessam o desenvolvimento da
escrita, e nos provocam a refletir sobre o efetivo papel da professora na criação artística da
criança pequena como mediadora dos processos de aprender. Ela deve “finalizar/arrumar” o
desenho das crianças para serem vistos e apreciados como “belos” pelos adultos (pais)? Qual
deve ser a postura adotada pela professora que quer ajudar no desenvolvimento/evolução do
desenho da criança, respeitando seu espaço, tempo e possibilidades?
A criança é um sujeito produtor de cultura. O ato de se expressar pela arte, por meio
do desenho, pintura, escultura, dança, música, etc., precisa ter seu espaço garantido no dia a dia
dos Centros de Educação Infantil. O desenho é uma forma de linguagem, tão importante quanto
são as linguagens oral e escrita. É uma forma da criança se expressar para o mundo, deixando
a sua marca.
Para que a criança possa se desenvolver e se expressar dentro das possibilidades e
desdobramentos do desenho, precisamos olhar para a figura da professora e refletir sobre quais
seriam suas melhores escolhas para auxiliar a criança neste campo da linguagem.
Estudiosos buscaram entender a evolução do desenho da criança como forma de
expressão dentro de estágios de desenvolvimento e aprendizagem. As professoras de Educação
Infantil precisam ter conhecimentos sólidos sobre a evolução do desenho na infância e sobre o
direito de livre expressão da criança, com espaços, tempos e meios para desenhar.
O foco deste artigo é analisar e refletir sobre a ação da professora, como agente
facilitador do processo da criança se descobrir e descobrir o mundo da arte por meio do desenho.
A professora precisa estar atenta para possibilitar o suporte físico e emocional para a criança se
expressar dentro de suas possibilidades, sem inibição, comparação e competição. O espontâneo
e o original são qualidades às vezes esquecidas quando se procura mostrar um trabalho “bonito
e padronizado” para ser aceito e apreciado pelos pais/adultos. Afinal quem pode dizer o que é
belo ou não?
Segundo Iavelberg (2013), as professoras que respeitam e conhecem o desenho infantil
permitem que a criança seja protagonista do seu desenho. O que as professoras precisam saber

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Segundo PIRES (2014) garatujas são rascunhos que a criança, no final do seu primeiro ano de vida, faz no papel
pelo prazer de ver o que sua ação produz, sem intenção de produzir alguma representação.
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para respeitar e conhecer o universo do desenho na infância? Esta é uma das perguntas que este
artigo pretende responder.
Para escrever o artigo, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, partindo da leitura
de livros e artigos sobre o tema: a professora de Educação Infantil e o desenho da criança. Entre
autores pesquisadores que desenvolvem estudos sobre o tema, conduzimos essa escrita
permeada pelas de Rosa Iavelberg (2013), Ana Angélica Albano Moreira (2005), Pollianna
Benedito Rosa (2016), Paulo de Tarso Cheida Sans (2014) e Pricilla Cristine Trierweiller
(2013).

2 O DESENHO E A CRIANÇA... E A PROFESSORA?

A Educação Infantil é o primeiro nível da Educação Básica, direito da criança e dever


do Estado, como está definido na Constituição Federal de 1988. A Educação Infantil
compartilha com as famílias a função de educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos. Nos primeiros
anos de vida, as crianças estão se descobrindo e descobrindo o mundo ao seu redor. Elas estão
interagindo com o meio e com as pessoas com quem convivem, aprendendo a se expressar por
inúmeras linguagens, como: oral, corporal, musical, plástica...
Para Manuel Sarmento (2005) a criança é um sujeito de direitos e produtora de cultura,
pois “as crianças não recebem apenas uma cultura constituída que lhes atribui um lugar e papeis
sociais, mas operam transformações nessa cultura, seja sob a forma como a interpretam e
integram, seja nos efeitos que nela produzem, a partir das suas próprias práticas” (SARMENTO,
2005, p. 21). Sendo assim, a infância é um período em que a criança precisa se sentir segura
para se expressar com confiança, liberdade e alegria, transformando cultura. Desta forma, a
professora de Educação Infantil tem um papel muito importante e delicado neste processo da
criança se descobrir como ser atuante, com voz e com expressividade.
Planejar espaços e disponibilizar tempos para a criança poder ser criança, tendo
materiais e condições para se expressar por inúmeras linguagens, se expressar artisticamente, é
papel fundamental da professora. Quando falamos sobre artes, especificamente artes plásticas
na infância, o princípio de tudo se dá pelo desenho.
O desenho é a primeira manifestação gráfica humana, veículo para se comunicar e
contar histórias, segundo Rosa (2016). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
homologada no final de 2017 define para a Educação Infantil objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento no campo de experiências Traços, sons, cores e formas: “Expressar-se
livremente por meio de desenho, pintura, colagem, dobradura e escultura, criando produções
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bidimensionais e tridimensionais” (BRASIL, 2017, p. 46). Indicativos que reforçam a
importância do desenho para a vida e o desenvolvimento integral da criança.
Anterior ao documento da BNCC publicado recentemente, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), publicadas em 2010, já destacavam a importância
da valorização do desenho como forma de registro das vivências e dos processos vividos pela
criança na etapa da Educação Infantil.
Na Educação Infantil, a criança quando desenha retrata o que vê e o que sente, trazendo
um pouco do seu mundo para o desenho. Desde muito cedo, o desenho pode ser a forma pela
qual a criança se expressa, assim como defende Moreira (2005), quando afirma:

A criança pequena desenha pelo prazer do gesto, pelo prazer de produzir uma marca.
É um jogo de exercício que a criança repete muitas vezes para certificar-se do seu
domínio sobre aquele movimento. O registro deste movimento é um rabisco
incompreensível para o adulto: é a garatuja. Que se inicia longitudinal e desordenada
até adquirir certo ritmo. Aos poucos este vai assumindo outras formas. A criança está
no período sensório motor e sua forma de interagir com o mundo é conquistando novas
estruturas de movimento. Seu desenho, nesta fase, não tem compromisso com
representação de qualquer espécie. A criança poderá até nomear seu desenho se o
adulto insistir em saber o que é, contudo para ela é apenas movimento. É a conquista
do controle da mão, giz, lápis, pincel (tato, preensão, textura, instrumento). É o prazer
do gesto deixando sua marca. (MOREIRA, 2005, p. 28).

O desenho na sua forma mais inicial, que aparece nos primeiros rabiscos das crianças,
precisa ser entendido como algo transitório e em evolução, mas com identidade e significação
para a criança que desenha pelo prazer que a ação de desenhar proporciona. Sans (2014, p. 46)
comenta que “dificilmente, os adultos valorizam essa etapa de grafismo infantil, mas é, por
meio dessa fase, que a criança obtém a autoconfiança necessária para progredir com maior vigor
às etapas seguintes”.
A autora Iavelberg (2013) expõe uma classificação para a evolução do desenho na
infância que vai desde o desenho sem significado simbólico (garatuja/rabisco) até o desenho
que é feito com o domínio das técnicas da área do desenho. A classificação mais detalhada é:

• Desenho de Ação: ordenação de linhas sem significado simbólico que também é


classificado por outros autores como garatujas e rabiscos (PIRES, 2014);
• Desenho de Imaginação I: desenho com significados simbólicos lidos pela
criança;
• Desenho de Imaginação II: desenho que é mais completo, com símbolos,
ambientes e diferentes imagens que fazem parte do desenho como um todo;

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• Desenho de Apropriação: desenho que surge no momento em que a criança quer
desenhar sendo o mais fiel possível ao modelo da realidade, que quer dominar a
representação do espaço e formas;
• Desenho de Proposição: desenho que surge quando há um domínio das técnicas
da época, sendo usadas em favor da autoexpressão.

O desenho da criança vai mudando e evoluindo naturalmente, dentro das suas


possibilidades, experiências e trocas com o meio e com outras pessoas (adulto/criança). Quando
a criança, que está aprendendo a desenhar, olha o desenho de outra criança, o desenho da
professora, uma obra de arte, ela vai relacionando com o seu desenho, vendo novas
possibilidades de expressão, e assim constituindo seu próprio repertório estético. É importante
que a professora, e os pais, tenham conhecimento das etapas que o desenho da criança percorre
até alcançar o domínio das técnicas usadas nas artes plásticas, como destaca Sans (2014):

É muito salutar que os adultos, de modo geral, conheçam as etapas da realização do


grafismo da criança. Muitas vezes, os próprios pais exprimem comentários negativos
a respeito dos desenhos de seus filhos. Espera-se da criança um desenho calcado em
uma imagem fotográfica, como se isso fosse a única alternativa de representação e
expressão do mundo. (SANS, 2014, p. 59).

Relacionado ao ensino do desenho, Iavelberg (2013) afirma que quando a criança é


exposta a ação educativa intencional, ela pode observar o desenho de adultos e outras crianças,
obras de artes e interagir com outras pessoas enquanto desenha. Nesses momentos, que devem
ser planejados pela professora, a criança sofre um desequilíbrio no seu ato de desenhar e o
reequilíbrio, em níveis mais avançados de desenho, que é realizado pela própria criança.
Pesquisadora do campo das artes visuais, Ana Mae Barbosa (1998) destaca a
importância do ensino de artes estar vinculado em práticas a partir de uma abordagem
triangular, que defende que os conhecimentos artísticos se inter-relacionam em três pilares:
ler/fruir, fazer/experimentar e contextualizar. Dessa forma, podemos inferir que o desenho da
criança, enquanto expressão artística se constitui a partir das experiências estéticas vivenciadas
e sentidas por ela em seu cotidiano.
Buscamos compreender que o rol de experiências estéticas vivenciadas pelas crianças,
por meio de suas expressões artísticas com o desenho, dá à criança a possibilidade de se
reconhecer enquanto “artista” e, portanto, sujeito que produz cultura. O desenho da criança é
experiência estética porque é expressão que revela subjetividade.

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A experiência estética é manifestação da experiência humana, e acontece quando os
sentimentos são

[...] tocados por algum objeto, de tal forma que subjetivamente cada
espectador/leitor vivencie esse sentimento, dando-o significado. Isso acontece
quando o sujeito percebe que está envolvido no processo, quando é afetado ao
representar ou contemplar um objeto, ou seja, a vivência subjetiva pela qual
sente a si mesmo quando afetado pela arte [...]. (SPENGLER, 2017, p. 69).

Para tanto, há de acontecer a partir de uma participação ativa desse sujeito, que é
convidado a “participar da própria experiência sensível e, assim, do próprio processo de
conhecer, em uma relação mais sensível com o mundo” (SPENGLER, 2017, p. 69).
No cotidiano da Educação Infantil, a professora pode ter em uma mesma sala crianças
em diferentes momentos de expressão e domínio das técnicas do universo das artes plásticas.
Seus desenhos podem não corresponder à expectativa das professoras e pais, que almejam por
um desenho que apresenta formas e cores definidas, e que seja um retrato fiel da realidade.
Sobre as expectativas dos adultos com relação ao desenho da criança, Sans (2014) pontua que
“muitos adultos criticam o desenho infantil por não conhecerem o seu real valor, esperam que
as crianças desenhem representando o realismo absoluto e esquecem ou ignoram que a própria
validade da Arte, há muito está desvinculada desse conceito” (SANS, 2014, p. 41).
Talvez na ânsia de corresponder às expectativas que não se fundamentam na evolução
natural do desenho da criança, algumas professoras acabam por “terminar/melhorar” os
desenhos das crianças.
A questão do limite entre interferir ou não na produção artística da criança e a
importância da formação estética da professora, foi investigada por Trierweiller (2013) na sua
dissertação de mestrado. Trierweiller denuncia a prática das professoras de finalizar e dar um
acabamento nos desenhos das crianças, uma ação que diz muito sobre a formação da professora
e sua visão sobre o que é considerado belo. Para a autora, “[...] É justamente o professor quem
realiza a maior parte dos trabalhos ou dá um acabamento aos que são produzidos com a
participação das crianças, como que indicando a elas o que fazer, como fazer e qual deve ser o
resultado” (2013, p. 100). Tal postura é criticada pela pesquisadora, que apoia-se em Bakhtin
(1992) e afirma que toda produção cultural influencia na relação com a experiência estética de
cada sujeito, de acordo com seu repertório, e que alterar o desenho infantil, influenciando a
produção criativa pode interferir também na experiência da criança.

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[...] durante a criação, faz-se uso dos elementos da vida, esses que são atravessados
por valores sociais, que provocam em um outro plano, o da materialização da obra.
Em consequência disso, o ato estético não é neutro, não é condição natural dos
sujeitos, é criado “nas” relações e “pelas” relações que são estabelecidas socialmente.
Falar em estético é pensar nesse complexo caldo axiológico que verte nas relações.
Logo, embora perfeição e beleza também estejam contidas nas expressões artísticas,
não podemos naturalizar essa condição em uma forma superficial de compreensão.
(TRIERWEILLER, 2013, p. 100).

O ato de desenhar não é neutro, mas recebe a influência do meio em que a criança vive,
do contato que ela tem com o mundo das artes, do desenho que ela assiste na televisão, do
letreiro que ela vê na rua, das ilustrações dos livros que lê...
Ainda no início de sua trajetória de expressão artística, quando a criança “rabisca”, ela
já reconhece o desenho como seu. Assim sendo, é possível afirmar que quando a professora
finaliza “detalhes” no desenho da criança, a mesma o percebe e isso se torna uma “agressão”
para a construção artística autoral da criança.
A ação de interferir na criação da criança está diretamente relacionada ao julgamento
que o adulto faz dessa criação, seja desenho, pintura, escultura... Para Iavelberg (2013), cabe à
criança/autora classificar e julgar sua criação, porque ela deve ser um meio de livre expressão
pessoal e artística. Na Educação Infantil, professoras e crianças podem comentar sobre o
desenho de seus colegas, mas a classificação do que seja belo ou não e a exigência de que se
siga o retrato fiel da realidade na escolha de cores e formas deve ser evitado.
Iavelberg (2013) apresenta uma linha do tempo sobre a didática do desenho no meio
escolar. Na escola tradicional acreditava-se que as crianças deveriam copiar desenhos de
adultos, treinando repetidas vezes até alcançar a cópia perfeita. Mas por volta do século XIX
isso foi mudando e na escola moderna a didática do desenho tinha como objetivo a
autoexpressão. Não havia um exemplo a ser seguido, e se defendia as possíveis formas de
expressão da criança e as transformações no seu desenho no decorrer do desenvolvimento
infantil. A arte adulta, nesse momento, não era algo a ser copiado, mas um instrumento para
dialogar com o desenho da criança, para ela aprender e se apropriar de conteúdos artísticos.
A ação da professora está vinculada a sua formação, sua visão de mundo, como vê a
criança, sua relação com a família e seus colegas de trabalho. O diálogo e reflexão constante
entre professoras, entre professoras e pais, e entre professoras e crianças, pode criar uma rede
de apoio para compreender, aceitar e respeitar o ato de ser criança no seu tempo, espaço e
expressão.
Com relação à postura da professora para com a criação artística da criança e também
outras formas de expressão, Pires (2014) salienta a importância da autorreflexão constante da

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professora sobre a sua prática e sua responsabilidade em criar situações didáticas interessantes
e instigantes para as crianças, sem apresentar conceitos e conteúdos como verdades absolutas.
Ainda podemos ampliar a reflexão da autora, caminhando na mesma linha de raciocínio, e
destacar o cuidado da professora em não julgar a produção artística da criança como belo ou
não. Tal julgamento de valor, além de ser muito subjetivo, não respeita a expressão, opinião e
gosto do outro.
Segundo Pires (2014), a professora precisa conhecer as necessidades infantis e o papel
da arte no desenvolvimento das crianças (instrumento para expressar desejos, sonhos, medos e
descobertas). A professora também deve estruturar um espaço adequado para as crianças
criarem, partindo de pesquisas, descobertas, observações e estudos para que a sala se torne um
ateliê artístico ou laboratório de experiências. Ideia também defendida por Sans (2014) quando
afirma:

O ensino de Arte deve ser libertador, para que percorra o caminho positivo da
autoexpressão. É vital que o professor e também os pais, saibam da importância que
o desenho tem para a criança e a incentive para que aproveite o que lhe é próprio e
natural, expresso por meio do ato de desenhar. (SANS, 2014, p. 106).

O ato de desenhar na Educação Infantil deve estar engendrado em possiblidades,


recursos e meios. Além disso, este ato deve ser convidativo e libertador, pois é no início da
educação formal que são formados os princípios estéticos de futuros artistas e apreciadores da
arte, como já destaca Iavelberg (2013).
A criança costuma mostrar seu desenho para pedir alguma sugestão de qual cor usar
ou ajuda para desenhar algo. Iavelberg (2013) aponta que o acolhimento, a forma como a
professora reage quando a criança mostra seu desenho, é muito importante. O incentivo dado
pela professora nesse momento pode encorajar a criança a tomar suas próprias decisões para
desenhar, seu momento de criação e expressão. Para que esse incentivo seja realmente positivo
e válido para a criança, a professora precisa acompanhar e estar atenta ao desenvolvimento e
evolução do desenho da criança. Cada desenho é uma parte da trajetória heterogênea de criação,
que conta uma história de descobrimento, evolução, aprendizagem e comunicação.
Respeitar o desenho da criança significa que ninguém irá alterar a expressão artística
para acrescentar um detalhe ou dar um “acabamento”, tentando deixar aquele desenho mais
apresentável para os olhos de alguém que não sabe que ele é perfeito para o momento, para as
habilidades e possiblidades de quem o fez. Também significa respeitar a criança, autora do
desenho, que naquele desenho deixa sua marca, sua história e sua identidade. O desenho infantil
tem um papel fundamental para o desenvolvimento da criança, como pontua Sans (2014):
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O desenho infantil é de suma importância para o desenvolvimento sadio e para a
formação mental do ser humano. O desenho engloba as potencialidades do indivíduo,
constituindo-se em uma atividade plena, pois auxilia a expansão do original, da
inventividade, da criatividade, da pesquisa, da auto expressão, do raciocínio, da
compreensão e da sensibilidade individual em relacionar-se com o mundo. (SANS,
2014, p. 105).

É pelo desenho que a criança dá os seus primeiros passos no universo da linguagem


plástica. Desenhar envolve conhecer materiais e fazer uso deles para criar e se expressar
artisticamente e com liberdade. Também envolve olhar o desenho do outro com respeito,
compreensão e apreciação. É descobrir um mundo novo através de um lápis, de um pedaço de
carvão, em uma folha de papel, em um pedaço de madeira, ou ainda em um canto, no chão de
um pátio de um Centro de Educação Infantil.

3 CONCLUSÃO

Neste artigo buscamos refletir sobre a ação da professora frente ao desenho da criança,
especialmente sobre a prática de “finalizar” o desenho, seja fazendo um contorno que faltou ou
pintando um pedaço que ficou esquecido. Analisando e refletindo sobre o posicionamento de
vários autores da área da educação e artes, a professora que altera o trabalho da criança está
interferindo de forma negativa na ação autoral e no desenvolvimento criativo da mesma.
O ato de dar um “acabamento” no desenho de uma criança não é uma ação positiva
para o desenvolvimento dela. É possível dar sugestões, fazer observações, mas é preciso evitar
interferir deliberadamente na produção artística de outra pessoa. Interferir no desenho da
criança pode resultar em uma criança insegura, oprimida, tímida e travada para se expressar
artisticamente.
Para que o cenário anteriormente citado não se concretize, temos que ter professoras
capacitadas, interessadas e atentas ao ato de desenhar na infância e no contato da criança com
o mundo das artes, espaço para a liberdade de expressão, imaginação e criação. Quando a
professora tem uma formação sólida e alguma experiência e vivência no mundo das artes, ela
apresenta uma postura pedagógica mais fundamentada e coerente com o desenvolvimento e
expressão infantil.
Assim, finalizamos essa escrita (pretendida apenas como uma provocação inicial às
professoras de Educação Infantil) buscando compreender a importância da expressão plástica
da criança como um exercício de subjetividade, no qual ela vivencia diferentes formas de

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experiência estética, e assim, constitui-se enquanto sujeito que participa da cultura e dela faz
parte.

REFERÊNCIAS

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MEC/SEF, 2010.

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TRIERWEILLER, Pricilla Cristine. Repertórios artístico-culturais de professores da


Educação Infantil: Discursos e sentidos estéticos. In: ROCHA, Eloisa A. C., KRAMER, Sonia
(orgs.). Educação Infantil: Enfoques em diálogo. 3. ed. Campinas: Papirus, 2013.

Recebido em: 19 de fevereiro de 2019


Aceito em: 10 de maio de 2019

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