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Capacitação de Técnicos/as que intervêm com agressores/as

Módulo I: Dinâmicas de Violência

Estudo de Caso

Helena, 72 anos está casada com António, 78 anos, há 52 anos, após 4 anos de relação de namoro. Desta união

nasceram dois filhos, atualmente com 50 e 48 anos de idade.

Afirma ser vítima de violência física, psicológica, sexual e privação financeira alegadamente perpetrada pelo seu

marido desde a relação de namoro. Reportou assim para o terceiro ano de namoro o primeiro episódio de violência,

em que após recusa em perder a virgindade antes de casar, foi empurrada por aquele e violada sexualmente. Por

tal facto e movida pela vergonha do sucedido, sentiu-se na obrigação de casar com aquele – “casamo-nos como

dois criminosos” (sic).

Após o casamento, Helena passou a ser agredida de forma reiterada. Relatou inúmeros episódios de violência com

recurso frequente a pontapés, murros, bofetadas, tentativa de estrangulamento, agressões com objectos (eg.:

mangueira, candeeiro, cinto, pratos, entre outros), gritos, proibições, insultos, humilhação ameaças de morte, cuspir

na cara, coação e violação sexual. Paralelamente alegado agressor nunca contribuiu para as despesas do agregado

surgindo actualmente inúmeras discussões e agressões decorrentes desta privação financeira.

Mais acrescentou que a violência esteve presente no dia a dia do casal, assinalando ter abortado em duas das suas

quatro gravidezes, na sequência “dos grandes tareões que ele me deu” (sic).

Alegado agressor é descrito como um homem muito violento que, pese embora ter já tido dois cancros, continua a

assumir uma postura de grande autoritarismo e agressividade para com a Helena – “ está um monte de ossos mas

mesmo assim tem uma força bruta (…) quando ele está zangado eu sei logo… fica com umas cordas aqui no pescoço
da grossura dos meus dedos” (sic).

António tem ainda antecedentes criminais pelo crime de tentativa de homicídio, tendo cumprido uma pena de prisão

efectiva de 04 anos no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira.

Frequentemente Helena é ameaçada de morte sendo que António tem em sua posse duas armas de fogo, pelo que
teme que o mesmo efetive as ameaças que tem vindo a proferir diariamente.

No decurso do último episódio de violência, ocorrido a 12 de Setembro de 2013, em que a sra. foi agredida com
pontapés, empurrões, tentativa de estrangulamento e tentativa de colocar a sua cabeça dentro do forno, decidiu
formalizar denúncia por violência doméstica na esquadra da PSP.

Na sequência dos episódios de violência, a Sra. ficou por inúmeras vezes com hematomas por todo o corpo, fraturas
bem como traumatismos cranianos.

Formadora Sónia Alves Soares


psi.soniasoares@gmail.com
Apesar de ter dois filhos de maioridade, não os quer no momento envolver nesta sua decisão de saída de casa, pois
das duas vezes que tentou romper com esta relação, os filhos não aceitaram e foram-na levar à casa de morada
de família, dando a indicação “de eu não falar com o pai” (sic) como estratégia de segurança.

Tendo em conta os conteúdos programáticos abordados no Módulo I – Dinâmicas de Violência, os seus conhecimentos
pessoais e profissionais e a sua experiência de trabalho nesta área e em rede, que respostas oferece às seguintes
questões:

1. Identifique a(s) tipologia(s) de violência, de acordo com a classificação de Johnson e Ferraro, descrita(s) no caso
e os modos como a violência se manifestam.
De acordo com as tipologias classificatórias de Johnson e Ferraro (2000) e, tendo por base as
informações disponibilizadas no caso em apreço, estamos diante de um contexto de terrorismo
íntimo, em que o agressor é o homem e a vítima é a mulher. A violência exercida sobre Helena
é múltipla – física, psicológica, sexual -, severa e reiterada, integrada num padrão de controlo e
de dominância por parte de António (violência instrumental). Da leitura do caso ressalta ainda
o sentimento de medo permanente evidenciado por Helena.

2. A hipótese apresentada convoca-nos para a reflexão acerca de algumas características dos agressores no
contexto da violência doméstica. Convidamo-la/o a apresentar algumas delas procurando enquadrá-las num
dos perfis abordados durante o presente módulo.

A literatura reúne um conjunto de características das pessoas agressoras no contexto de violência


doméstica e que encontramos bem evidenciadas na análise do presente caso, nomeadamente:
pessoa agressora é do sexo masculino; apresenta uma necessidade em deter o controlo e o poder
sobre a sra. Helena; evidencia um padrão de agressividade generalizada e a presença de
antecedentes criminais; fracas competências empáticas, entre outras.

Tendo por referência as tipologias/perfis de agressores podemos afirmar que, de acordo com a
tipologia de Holtzworth–Munroe and Stuart (1994) considera-se que o Sr. António apresenta
um perfil GVA – Geralmente Violento/Antissocial, inserindo-se no subtipo mais perigoso, com
níveis severos de violência intrafamiliar e extrafamiliar, com histórico de reclusões.

As características identificadas em António permitem-nos, ainda, enquadrá-lo no Tipo I –


Grupo dos Instrumentais, de Tweed e Dutton (1998), uma vez que estes indivíduos apresentam
níveis superiores de violência física e aparentam um carácter de maior frieza afectiva (menor ou
ausência de empatia).

Formadora Sónia Alves Soares


psi.soniasoares@gmail.com
Dos dados disponibilizados podemos ainda aferir que António apresentava uma necessidade de
impor o seu poder e controlo também por via da sexualidade uma vez que, da análise do caso
resulta a identificação de uma violação por poder logo no inicio da relação (quis possuir a
sexualidade de Helena após recusa por parte desta).

Formadora Sónia Alves Soares


psi.soniasoares@gmail.com

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