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Trabalho Final
São Paulo - SP
2020
Introdução
a) Sobre o autor
A obra “O Estado e o Direito Depois da Crise” foi escrita após a Crise Financeira de
2008, a pior crise econômica desde a Grande Depressão. A crise eclodiu nos Estados Unidos e
teve repercussões mundiais, afetando a economia de muitos países, essa situação fomentou
mudanças para o modo de organização do Estado e do Direito.
Faria busca identificar e analisar as mudanças que o Estado teve que passar para lidar
com as consequências dessa crise financeira e para se adaptar à realidade contemporânea. A
obra abrange os prejuízos causados pela crise financeira de 2008 e as mudanças de pensamento
provocadas pela crise, além de discorrer sobre as transformações do Estado diante do contexto
de crescimento de um mundo globalizado, criando um cenário de complexidade e
interdependência.
A obra é relevante para entender como as mudanças pelas quais os Estados passaram
após a crise financeira de 2007-2008, expondo as razões pelas quais o Estado contemporâneo é
como ele é hoje. É uma obra que retrata, o papel do Estado na economia, não apenas em um
determinado território, mas em uma ampla perspectiva de um mundo globalizado. Fazendo isso
por meio da análise de vários eventos sociais, históricos e econômicos que surtiram mudanças
no pensamento de como o Estado e o Direito deveriam ser organizados. Em outras palavras,
como o Estado e o Direito foram organizados no mundo contemporâneo após a crise financeira
de 2008 a fim de evitar possíveis crises e preparar o Estado contemporâneo para lidar com essas
possíveis crises? Esta é, essencialmente, a pergunta que Faria responde na obra.
Desenvolvimento
Essa crise gerou uma ampla e intensa discussão sobre o papel do Estado e sobre o
alcance das intervenções estatais e da regulação financeira, o que acabou reinserindo os
pensamentos de Keynes e Schumpeter no debate político e econômico. O mesmo problema que
provocou a reinserção das ideias desses pensadores(isto é, a simplificação analítica, o
enviesamento ideológico e o maniqueísmo políticos) também pode ser encontrado no debate
político-jurídico, que é atualmente marcado por uma disputa entre dois grupos. Um que defende
um maior intervencionismo governamental nos mercados e mais controle direto por parte do
Estado, e outro, que defende que o Estado deve circunscrever sua ação à garantia das condições
de estabilidade macroeconômica e à remoção dos obstáculos à livre concorrência, recorrendo a
instrumentos legais de controle indireto.
Infelizmente, esse processo não durou tanto quanto esses estado-unidenses acreditavam.
À medida que as famílias endividadas deixavam de pagar as prestações e os limites da
capacidade de pagamento dos devedores foram ficando evidentes, a demanda por imóveis
residenciais diminuiu, a oferta aumentou e os ativos imobiliários sobrevalorizados caíram
drasticamente. Com o fim do processo que elevou artificialmente o valor dos imóveis, a riqueza
financeira e a expansão de crédito, as instituições financeiras bancárias e não bancárias que
haviam concedido esses créditos com base em ativos inflados sofreram com grandes perdas, o
que levou a eclosão da crise e criou um cenário de pânico. Além disso, o colapso do mercado
subprime acabou afetando a economia real “por meio dos efeitos de contágio e de reação em
cadeia” (p.52). Além de gerar desconfianças, tensões e até travamentos ou paralisações no
mercado de crédito interbancário. Diante dessa crise, múltiplas instituições financeiras
apresentaram problemas, desde aquelas de pequeno porte até aquelas de grande porte, em
especial, o banco de investimento Lehman Brothers, investidor de uma ampla gama de produtos
financeiros detidos por grandes instituições financeiras no mercados globais, cujo colapso levou
ao travamento dos mercados de crédito, o que fez as autoridades americanas entenderem que
medidas não-convencionais deveriam ser tomadas.
Segundo Faria, a crise financeira de 2007-2008 foi uma crise sistêmica, uma vez que
colocou em xeque o funcionamento do sistema capitalista e estas têm a tendência de ocorrer
quando mudanças estruturais e a lógica operacional desse sistema geram desequilíbrios que não
podem ser equacionados pelos mecanismos corretores de mercados autorregulados. Essa crise
teve terríveis consequências socioeconômicas, entre elas: a perda das casas de 3 milhões de
americanos, um empobrecimento generalizado da população americana, a depreciação cambial
de países emergentes e o aumento do desemprego.
Primeiramente, o professor Faria trata do problema do hiato que existe entre a atuação
global dos mercados e o alcance geograficamente limitado das autoridades monetárias e das
agências reguladoras dos Estados nacionais, o que denota a inexistência de unificação
legislativa mundial capaz de regular a atuação global dos mercados. O segundo problema é a
insuficiência da regulação local ao lidar com as operações financeiras transnacionais (devido à
crescente globalização ocorrida nas últimas décadas do Séc. XX). Em terceiro lugar, Faria trata
do problema da tensão entre a democracia e o capitalismo que decorre da crescente
fragmentação, complexificação e interdependência entre os agentes econômicos e os atores
políticos. Este problema envolve o trilema de Rodrik, isto é, tendo em mente os interesses do
Estado de participar da hiperglobalização, de possuir políticas democráticas e de ter soberania
nacional, os Estados Nacionais somente podem gozar de dois desses interesses pois se houvesse
uma tentativa de cumprir os três objetivos, verificar-se-ia que um deles não seria possível em
função dos outros dois, conceito que Faria cita como “um trilema político fundamental”. Por
último, o autor trata do problema da incapacidade do Estado nacional de dispor novas
estratégias de regulação para lidar com crises sociais, devido a uma falta de condições políticas
favoráveis, instrumentos, ferramentas e recursos orçamentários necessários para atender às
demandas dos estratos sociais mais vulneráveis, agravando a crise e deixando os gestores
municipais a mercê de uma gestão local. Diante das várias indagações e dos problemas
apresentados, Faria propõe cenários hipotéticos de valor heurístico voltados para o futuro do
direito e do Estado que seriam possíveis respostas plausíveis para esses desafios
epistemológicos de Teoria do Estado.
Faria também propõe um cenário no qual existe um direito mundial produzido não
apenas por uma entidade, e sim por uma rede de várias organizações internacionais,
multinacionais e supranacionais, assim, enfatizando a construção do fenômeno jurídico de
forma multidirecional e multidimensional. Neste cenário, os conflitos são de caráter
intersistêmico e os atores desse modelo de governança mundial trabalham juntos para elaborar
soluções, colaborando para a concretização de escolhas coletivas, em nome de um interesse
comum.
Além disso, o autor levanta a ideia de um cenário no qual o poder não é exercido por
um ator central, e sim, por vários atores governamentais, econômicos, parlamentares e sociais,
ou seja, é um cenário no qual a soberania envolve múltiplos atores, denominado por Faria de
“multissoberania”. Como explicado por Faria, temos, como paradigma, o cenário da União
Europeia que entra em consonância com esse cenário hipotético fornecido pelo jurista,
possuindo as suas vantagens, porém, como demonstrado pelo autor, ainda possui problemas de
ordem econômica e financeira cujos efeitos ainda são evidenciados atualmente.
Por último, o jurista propõe o cenário da expansão dos sistemas privados de governança
da atividade econômica, sem que colidam com o direito positivado pelo Estado,
consequentemente, surgindo uma reestruturação dos cenários políticos e a proliferação dos
regimes normativos compartilhados. Os regimes normativos encontrados neste cenário atuam
em espaços abertos, heterogêneos e organizados diferentemente, operando no âmbito de
diferentes demarcações espaciais e funcionais, de modo que nenhum deles seja dominante ou
incompatível com a ordem jurídica estatal. Esse modelo possui, como maior vantagem, o
protagonismo múltiplo e heterogêneo de indivíduos e de organizações sociais, econômicas e
governamentais, que se estabelece como uma solução para a recuperação da capacidade
normativa local, que se mostra enfraquecida e insustentável em um modelo centralizador.
Todavia, Faria explica que apenas o último cenário é o que parece o mais possível, uma
vez que os quatro anteriores possuem um menor potencial de exequibilidade. O primeiro, por
exemplo, é menos possível de ser realizado pois a globalização não representa a conquista de
um mundo comum, além disso, seria impossível submeter todos os Estados a uma única
entidade reguladora global. O segundo cenário superestima a capacidade dos Estados fortes de
constituir as medidas necessárias para a competitividade internacional e de agir
independentemente dos imperativos dos mercados transnacionais que possuem dificuldades de
acesso a crédito internacional. O terceiro modelo confia excessivamente na capacidade dos
atores econômicos de agirem de maneira responsável. E o quarto cenário, como demonstrado
pelos problemas sofridos pela União Europeia, gera graves dilemas jurídicos e institucionais,
consequentemente criando crises institucionais, tensões secessionistas e projetos de
independência. Assim, restando o último cenário como o mais viável.
Após explicar estes cenários hipotéticos, as soluções que buscam trazer, determinando
o mais exequível desses modelos e as razões pelas quais os demais não poderiam ser
simplesmente concretizados, Faria trata de duas estratégias criadas para lidar com um contexto
de globalização, no qual o Estado-nação começou a se enfraquecer como local de ordem e
governo, garantidor de direitos à sociedade, e no qual a alternativa autárquica passou a significar
um direcionamento à estagnação econômica. Nesse sentido, o Estado perde progressivamente
a capacidade de configuração sobre os processos de inovação técnica e econômica, de modo
que passa a ficar preso a várias situações paradoxais. Almejando evitar tais situações, as duas
estratégias surgiram com o objetivo de desvincular o Estado de suas funções controladoras,
reguladores, diretoras e planejadoras no âmbito da economia, consequentemente, acabando com
a rigidez hierárquica da legislação e instituindo uma diversidade e flexibilidade normativa, além
de instaurar o pluralismo jurídico, consequentemente levando o direito positivo a ultrapassar
demarcações territoriais e a se internacionalizar e a se fragmentar em vários campos jurídicos
funcionalmente diferenciados e especializados em escala global.
Tendo explicados todos esses pensamentos, Faria descreve como o direito e o Estado
passaram a ser após a crise financeira de 2008. A economia, como explica o autor, tem a sua
trajetória guiada por instituições, como os Estados e os mercados, por exemplo. Dessa forma,
é necessária uma harmonia entre os mercados e os Estados, que deve ser estabelecida por meio
de sistemas legais mais flexíveis e de Estados funcionais. Nesse sentido, o Estado adotaria
regulamentações mais dinâmicas e flexíveis, atendendo aos mercados mais complexos, além
disso, apenas precisaria cuidar das competências essenciais do Estado, preservar os bens
coletivos essenciais e garantir os direitos de propriedade material e de propriedade intelectual,
assim como o cumprimento dos contratos e a manutenção da ordem e da segurança pública.
Além disso, sob o enfoque do Direito, Faria explica as duas linhas de intervenção
normativa na economia e na sociedade. A primeira, estaria voltada ao funcionamento da
economia, promovendo a higidez econômica por meio de normas; a segunda, estaria voltada à
produção, implementação e execução de programas sociais economicamente orientados à
obtenção de padrões mínimos de coesão ou de integração social. Essas duas linhas, segundo o
jurista, formam “uma espécie de um piso social e de um teto econômico” e tudo entre elas tende
a ser passível de livre negociação e autocomposição de interesses, criando uma regulação mais
plástica, apenas estabelecendo esses dois limites. Esse espaço mais dinâmico garante uma maior
flexibilidade para a resolução de questões complexas aos atores econômicos, sociais e políticos,
oferecendo uma ampla gama de ações possíveis; flexibilidade que também é conferida aos
órgãos estatais, que podem agir a partir da mesma racionalidade dos agentes privados ou exercer
seus papéis regulatórios recorrendo mais ao direito privado. Desse modo, essa forma de
organização é regida sob o princípio de que tudo seria automaticamente autorizado ou
permitido, contanto que não ultrapassasse os marcos regulatórios, ou seja, o piso social e o teto
econômico. Segundo Faria, esse modelo jurídico-institucional estabelece um espaço retrátil
entre esses marcos regulatórios que pode ajudar ao promover uma articulação estratégia e
descentralizada da economia e em consonância com o ordenamento complexo das
regulamentações e normas.
Conclui, enfim, que dentro dessa nova concepção de Estado após a crise financeira de
2008, a institucionalidade vigente não deverá sofrer mudanças radicais, apenas fazendo
mudanças necessárias para um funcionamento mais articulado e mais eficiente, o que também
poderá ocorrer com as formas e mecanismos de controle direto e indireto de regulação
econômica e do controle dos mercados de crédito, ou seja, a institucionalidade vigente na
relação do Estado com o sistema financeiro dificilmente mudará. Para o jurista, num panorama
repleto de dúvidas, contingências e infinitas questões abertas, no qual mudanças econômicas
aceleradas levam as teorias a defasar rapidamente e as conjecturas acerca do futuro são
inversamente proporcionais ao seu conhecimento, essa concepção de Estado contemporâneo
mais adaptável e dinâmico seria uma das poucas apostas possíveis de se realizar. Esclarece o
autor, porém, que o intuito da sua obra não foi de defender essa aposta ou justificá-la, nem
mesmo criticá-la, o seu objetivo era de registrar ela, analisando os seus encadeamentos
históricos e ressaltando a necessidade de teorias sociojurídicas novas e mais adequadas à
realidade econômica contemporânea.
Conclusão
Diante do que foi apresentado aqui neste trabalho, podemos concluir que a obra do
Professor Faria é uma excepcional obra para o entendimento do Estado contemporâneo atual,
da arquitetura funcional do Direito e da estruturação jurídica da ordem econômica mundial. A
obra explica com muitos exemplos como o Estado contemporâneo passou a ser organizado da
forma que ele é hoje, esclarecendo as relações dessas mudanças com eventos históricos como
a crise financeira de 2008 e o seu agravamento entre 2011 e 2013, assim como a intensificação
da globalização, que aumentou a complexidade dos mercados e da Economia em geral.
O autor nos dá cinco cenários hipotéticos e conclui que o mais plausível desses não seria
o retorno de Estados mais intervencionistas e com regulações mais rigorosas, e sim, a
continuidade de um modelo de ordem jurídica caracterizado pelo pluralismo jurídico, no qual
múltiplos regimes normativos operam em suas respectivas demarcações territoriais sem que
uma seja dominante sobre a outra e sendo que nenhuma é colidente com a ordem jurídica
estatal. Nota-se aqui, como explicado por Faria, que as noções de hierarquia e governo são
abandonadas, e são substituídas pelas ideias de heterarquia e governança, criando um modelo
de direito no qual as estratégias de desjuridificação e procedimentalização são implementadas
resultando em um direito mais flexível, dinâmico e adaptável. Ademais, esses processos
estratégicos foram os passos que precisaram ser tomados para que o Estado abrisse mão da
exclusividade sobre a produção do direito positivo e sua soberania, deixando de ser o eixo de
um sistema normativo único, passando a fazer parte de um sistema jurídico de múltiplos níveis,
assim, observamos aqui uma ordem jurídica caracterizada por um pluralismo jurídico. Faria
entende que talvez essa forma de organização de Estado e de Direito é uma das poucas
alternativas que existem em frente a uma realidade de tantas incertezas e de mudanças
constantes. Por fim, o autor ressalta que a sua obra não é a favor ou contra esse modelo de
Estado e de Direito apresentado, o seu trabalho está voltado ao registro desse modelo e busca
fomentar novas teorias sociojurídicas mais adequadas para a realidade contemporânea.
Bibliografia
FARIA, José Eduardo. O Estado e o Direito Depois da Crise. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017
FARIA, José Eduardo. Poucas certezas e muitas dúvidas: o direito depois da crise financeira.
Revista Direito GV, [S.l.], v. 5, n. 2, p. 297-323, jul. 2009. ISSN 2317-6172. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/24276>. Acesso em: 09
Nov. 2020.