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Pa u l a d o E s p í r i to S a n to

Paula do Espírito Santo é Doutorada e Agregada pelo Instituto Superior de


Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa (ULisboa), onde
também leciona, e colabora, ainda, como docente no Instituto Superior de

Introdução à Metodologia das Ciências Sociais


Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) assim como em Universidades
estrangeiras. De entre os contributos em livro mais recentes destaquem-se:
Beyond Internet – Unplugging the protest movement wave (coeditora) (2015),
Estudos de comunicação política – Análise de conteúdo da mensagem na
campanha e pós-campanha eleitoral nas eleições presidenciais (2008) e Socio-
Introdução à Metodologia das
logia política e eleitoral – Modelos e explicações de voto (2006).

Introdução à Metodologia das Ciências Sociais – Génese, Fun-


damentos e Problemas apresenta um conjunto de conceitos,
Ciências
ferramentas e técnicas de base da metodologia das ciências
sociais. Debruça-se sobre a génese, fundamentos e proble-
mas das técnicas e conceitos em análise de modo a proje-
tar-lhes um sentido analítico e utilitário. Depois de expostos
os primeiros percursos, aplicações e desenvolvimentos do
Sociais
método científico são introduzidos os métodos qualitativos, Génese, Fundamentos e Problemas
a política comparada, a análise de conteúdo e os inquéritos
e sondagens de opinião como grandes temáticas técnicas e 2ª Edição
conceptuais da metodologia das ciências sociais. Revista e atualizada

Introdução à Metodologia das

Ciências
Sociais 219
ISBN 978-972-618-825-4

9 789726 188254

EDIÇÕES SÍLABO
Aos meus pais
Deolinda e Álvaro, sempre
Ao Oleg, ao nosso filho Aleksandr
Ao futuro

«(...) A ação que mais implica a semelhança ou dis-


semelhança entre vários indivíduos é aquela que,
sendo a mais natural, a mais geral e a mais repetida,
seja ao mesmo tempo a que represente o que cada
indivíduo haja de mais profundo».

Fernando Pessoa. Páginas de Pensamento Político – 1 – 1910-1919, «Para


a Teoria do Sufrágio Político». Organização, Introduções e Notas de
António Quadros. Lisboa: Edições Europa-América, p. 224.
Introdução
à Metodologia
das Ciências Sociais
Génese, Fundamentos e Problemas

PAULA DO ESPÍRITO SANTO

2ª EDIÇÃO
Revista e atualizada

EDIÇÕES SÍLABO
É expressamente proibido reproduzir, no todo ou em parte, sob qualquer forma
ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA, esta obra. As transgressões
serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor.

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www.silabo.pt

Editor: Manuel Robalo

FICHA TÉCNICA
Título: Introdução à Metodologia das Ciências Sociais
– Génese, Fundamentos e Problemas
Autora: Paula do Espírito Santo
Capa: Pedro Mota
1ª Edição, Lisboa, outubro de 2010.
2ª Edição, Lisboa, outubro de 2015.
Impressão e acabamentos: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda.
Depósito Legal: 398844/15
ISBN: 978-972-618-825-4

EDIÇÕES SÍLABO, LDA.


R. Cidade de Manchester, 2
1170-100 Lisboa
Telf.: 218130345
Fax: 218166719
e-mail: silabo@silabo.pt
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Índice

NOTA PRÉVIA 7

Capítulo 1
Primeiros percursos, aplicações e desenvolvimentos
do método científico
1. Método e metodologia 13
2. Atitude científica e humanidade 15
3. Âmbito temporal e contributos pioneiros 17
4. Fundamentos: o caso da metodologia política 22

Capítulo 2
Métodos qualitativos
1. Âmbito 27
2. Génese da aplicação dos estudos qualitativos 28
3. Pressupostos metodológicos 31
4. Problemas de conceção e implementação 34

Capítulo 3
Política comparada
1. Âmbito 41
2. Génese e contextos de investigação do método comparativo 49
3. Pressupostos metodológicos 54
4. Problemas de implementação 62
Capítulo 4
Métodos quantitativos: análise de conteúdo
1. Âmbito 67
2. Génese e importância dos estudos de comunicação e política 75
3. Pressupostos metodológicos 82
4. Problemas de implementação 112

Capítulo 5
Métodos quantitativos: inquéritos e sondagens
1. Âmbito 123
2. Génese: a importância das condições políticas e contextuais 124
3. O desenvolvimento das sondagens em Portugal 131
4. Pressupostos metodológicos e problemas de implementação 137

BIBLIOGRAFIA 159
Nota Prévia

A evolução do conhecimento em ciência caminha a par com a evolu-


ção do método. A história das ciências sociais faz-se, paralelamente, com
a dos avanços do método e pode ser melhor compreendida à sua luz. Nos
seus primórdios e ao longo do seu desenvolvimento as ciências sociais
assim como o desenvolvimento do método entrecruzaram os seus avan-
ços. Tanto é assim que deve lembrar-se o seguinte:
⎯ A aplicação dos métodos qualitativos nas ciências sociais permitiu
que se compreendessem novos enfoques analíticos apenas pers-
crutáveis de acordo a profundidade permitida através daqueles.
⎯ A política comparada abriu um alcance amplo, e sempre contras-
tante, a múltiplas temáticas da ciência política e da sociologia
política.
⎯ O nascimento das técnicas da sondagem e do inquérito à opinião
pública bem como o progresso dos mecanismos ou procedimentos
de natureza estatística associados à amostragem e à conceção de
questionários foram condição sine qua non para o desenvolvi-
mento, numa perspetiva empírica, de ciências como a sociologia e
a ciência política.
⎯ Autores de referência pioneiros e contemporâneos das ciências
sociais, à medida que avançaram em diversos objetos de investi-
gação, deram contributos significativos na área da metodologia ao
nível das suas diversas técnicas.

Com o presente contributo, que se pretende sintético e descritivo


sobre o método nas ciências sociais, procura-se um objetivo essencial que
é o de esclarecer contornos metodológicos no que se refere a técnicas cor-
rentes naquela área. O objetivo da presente análise não é o de acumular e
esgotar contribuições teóricas, correntes ou autores mas fazer uma sele-
ção daqueles que consideramos pertinentes para continuar a reabrir um
espaço útil de reflexão nas ciências sociais.
8 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Em relação à importância de cada caminho e das suas fronteiras gos-


taríamos de referir que conhecer e dar a conhecer vários caminhos pode
permitir fazer de cada opção ou opções técnicas, em cada investigação,
uma construção pensada e partilhável e mais conhecedora das possibili-
dades metodológicas ajustáveis. Em ciência deve procurar-se a clareza, a
simplicidade e a fundamentação metodológica, e contrariar o obscuran-
tismo e a arbitrariedade. A inventariação do método, por um lado, e a
exposição das opções possíveis e seguidas, por outro, permite clarificar
percursos e consolidar a validade do caminho escolhido. O desenvolvi-
mento da ciência deve caminhar a par com o do método sendo que as fra-
gilidades da autonomia de cada área científica podem entroncar a mon-
tante nas das suas técnicas.
É importante referir também a seguinte preocupação que se prende
com o método e que assume uma importância fundamental em ciência e
nas ciências sociais em particular. Ao longo do contributo presente procu-
rar-se-á trilhar um caminho onde cada autor, cada corrente, cada opção
analítica tenha um espaço que não se confunda com os demais contributos
que lhe sejam paralelos mas não intersetantes. Com isto queremos salientar
que, em ciência, teorias, abordagens e autores devem ser confrontados
quando for pertinente e teoricamente possível, respeitando-se, no entanto,
os limites conceptuais e metodológicos de fronteira. Aquele cuidado é
fundamental à coerência científica e, claro está, à coerência metodoló-
gica.
Apesar da segmentação das ciências sociais, em geral, em grandes
tipos de métodos assentes nos métodos qualitativos e quantitativos, não
quisemos deixar de ter em conta a especificidade das abordagens corren-
tes no âmbito da sociologia política e da ciência política, como é o caso
da política comparada e da análise de conteúdo. Ao longo da história do
desenvolvimento do método em ciências sociais diversas organizações do
método têm sido consideradas. O exemplo paradigmático do contributo
de Max Weber, no início do século XX, abriria o átrio neste plano vital e
permanente ao desenvolvimento científico nas ciências sociais que é o
método, ao dividir este em função da forma de tratamento dada aos con-
teúdos, considerando os métodos empíricos e os métodos interpretativos.
A segmentação do método por que optámos perfilha alguns contributos
de referência situados na área do método em estudos políticos. Este é o
caso de Gregory Scott (1997) que no âmbito dos métodos em ciência
política considerou as áreas da ‘perspetiva comparativa’ e dos ‘métodos
quantitativos’. Por seu lado, Marsh e Stoker (1995) consideraram o
método estruturado em ‘análise qualitativa’, ‘métodos quantitativos’ e
NOTA PRÉVIA 9

‘método comparativo’. Noutras classificações existe em comum o facto


de o método comparativo aparecer quase sempre autonomamente e para-
lelamente às demais matérias. É o caso da classificação de Duverger em
obra dedicada aos métodos em ciência política.
A obra presente está dividida em cinco capítulos:
⎯ No Capítulo 1 analisam-se percursos, aplicações e desenvolvimen-
tos do método, no que se refere à importância do método e da
metodologia, à atitude científica, ao âmbito temporal e primeiros
contributos sobre o método e aos aspetos genéricos de organiza-
ção do método na área em análise.
⎯ No Capítulo 2 analisam-se os métodos qualitativos desde a sua
génese, passando pelos pressupostos metodológicos e pelos pro-
blemas de conceção até à sua implementação.
⎯ O Capítulo 3 centra-se na política comparada. Aqui destaca-se a
importância da génese e contextos de aplicação do método compa-
rativo, analisando-se também os pressupostos metodológicos
assim como os seus problemas de implementação.
⎯ No Capítulo 4 tratam-se os métodos quantitativos, especifica-
mente, no que se refere à técnica de análise de conteúdo. Além da
génese e importância nos estudos políticos também se analisam os
pressupostos metodológicos assim como os seus problemas de
implementação.
⎯ No Capítulo 5 analisam-se os métodos quantitativos no que se
refere aos inquéritos e sondagens de opinião. O âmbito, a génese,
o caso português, as suas condicionantes políticas e legais assim
como os pressupostos e problemas de implementação são os
aspetos destacados neste capítulo.
Quanto à análise de conteúdo e ao seu enquadramento nos métodos
quantitativos há a salientar o seguinte. Apesar dos contributos que desta-
caram as vantagens e a necessidade de acentuar a vertente qualitativa da
análise de conteúdo, a partir da década de 50, e sobretudo de 80, com
referências como Krippendorf, aquela técnica continua a ter uma matriz
quantitativa predominante e essencial. Esta vertente acaba por ser recor-
rente, pelas características e objetivos da técnica concretizados em grande
parte das análises que se efetuam. Desta forma, tendencialmente, em
obras de natureza empírica que incluem o tratamento dos métodos, onde é
corrente a dicotomia entre métodos quantitativos e qualitativos, a análise
de conteúdo continua a ser enquadrada nos métodos quantitativos. A
título ilustrativo, refira-se que para além da classificação de Duverger que
10 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

compreende esta técnica nos métodos quantitativos, contributos posterio-


res como Scott (1997), Riffe, Lacy e Fico (1998), Berger (2000) e
Wrench et al. (2008) também o fizeram. Conscientes da importância da
sua vertente qualitativa optámos também por incluir a análise de conteúdo
nos ‘métodos quantitativos’.
O contributo presente procura avivar, com a necessária característica
de síntese, o ‘estado da arte’ em matéria de métodos em termos de objeti-
vos e potencialidades dos mesmos, começando por relevar ainda um
conjunto de referências clássicas, em termos de génese nas principais
vertentes consideradas. Em termos de aplicação do método, a nível de
investigação empírica, existe uma ressalva essencial que é a de que o
método deve ser pensado, em simultâneo e paralelamente, aos objetivos e
conteúdos. O método deve ajustar-se à procura, à análise, à investigação,
aos contextos. O método deve estar presente na medida em que os seus
pressupostos são desencadeadores e condicionantes da descoberta. Daí
que o método deve ser exposto previamente à apresentação de conteúdos,
em ordem a melhor compreender o alcance destes. O método condiciona,
decisivamente, o ângulo da descoberta. Na investigação científica assim
como na vida, os objetivos devem nortear os percursos, desencadeando o
ajustamento dos meios aos mesmos. Objetivos, meios e resultados, com
esta sequência, devem constituir a ordem ética e pragmaticamente mais
útil à evolução científica. Com esta ordem pode trabalhar-se no sentido de
melhor conciliar as partes diversas do conhecimento científico referentes
a temáticas e objetos de estudo determinados. Compreendemos que em
ciência deve procurar dar-se espaço aos demais contributos para nos
encontrarmos verdadeiramente com estes e depois connosco. A partir daí
deve procurar-se trilhar um caminho adequado e chegar à construção de
um espaço próprio. A este propósito, a seguinte ilação de Einstein é fun-
damental para o entendimento do espírito científico, da análise científica
e, em particular, do método científico. Em 1921 Einstein recebeu o pré-
mio Nobel da Física «pelos seus contributos à física teórica e especial-
mente pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico» (Freud, Einstein,
1933: 89). Aquando da entrega do prémio Nobel, um jornalista perguntou
ao génio da teoria da relatividade como justificava dar um passo tão
grande na ciência. Albert Einstein respondeu que se tinha chegado mais
longe foi «porque estava aos ombros de gigantes». Standing on the shoul-
ders of giants, expressão atribuída ao filósofo, do século XII, Bernard de
Chartres seria utilizada por vários pensadores, tais como John of Salis-
bury, em 1159, em Metalogicon; Isaac Newton, em 1675 em carta ao seu
colega Robert Hooke; em título de obra do sociólogo Robert Merton,
NOTA PRÉVIA 11

1965, On the Shoulders of Giants – A Shandean Postscript; ou ainda em


título da obra de Stephen Hawking On the Shoulders of Giants: The
Great Works of Physics and Astronomy. O sentido na metáfora «aos
ombros de gigantes» tem-nos inspirado em relação o estudo do alcance e
pragmatismo da ciência e do seu método em ciências sociais.
1
PRIMEIROS PERCURSOS,
APLICAÇÕES
E DESENVOLVIMENTOS
DO MÉTODO CIENTÍFICO

1. Método e metodologia
A distinção entre método e metodologia torna-se importante tanto
quanto o âmbito de ambas deve ser confinado de modo a melhor opera-
cionalizar princípios, pressupostos e problemas basilares de investigação.
O método procura traduzir uma conceção global de planeamento de
uma investigação que compreende, em primeiro lugar, um caminho de
investigação apropriado e validado face a objetivos, meios, resultados
esperados da mesma e contexto de implementação, incluindo a definição
e operacionalização de conceitos e a formulação de hipóteses. A noção de
método deve incluir também, em segundo lugar, o planeamento e concre-
tização de uma ou mais técnicas e procedimentos.
A metodologia em ciências sociais corresponde ao estudo sistemático
dos métodos, concretizados em diferentes técnicas válidas e validadas
permanentemente, métodos aqueles que devem ser planeados e apropria-
dos aos objetos de análise de cada disciplina, em ordem à revisão perma-
nente e crítica do conhecimento científico. A noção de metodologia pres-
supõe os seguintes elementos:
14 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

⎯ uma atitude de reconhecimento da necessidade de apropriação dos


métodos atinentes à consecução da investigação nas diversas áreas
das ciências sociais,
⎯ a distinção de método e técnicas,
⎯ a importância da atitude crítica e permanente de revisão do conhe-
cimento científico.

Existe um conjunto de contribuições primárias e primordiais funda-


mentais para a clarificação acerca da metodologia e do método. A este
propósito, a noção de Holzner (1964: 425) acerca de metodologia traduz
que esta é «o estudo sistemático dos princípios que guiam a investigação
científica. Aquela não deve ser confundida com (a) teoria substantiva uma
vez que aquela apenas está interessada nos campos gerais para a valida-
ção das teorias e não no seu conteúdo; (b) procedimentos de investigação
(modos gerais de investigação) e técnicas (operações específicas para
encontrar ou manipular os factos), uma vez que o metodólogo avalia pro-
cedimentos e técnicas relativamente à sua habilidade para nos fornecerem
um certo conhecimento». Ressalte-se, nesta noção, o papel do metodó-
logo para a avaliação da apropriação das técnicas, o que lhe confere
simultaneamente para além da capacidade de implementar as mesmas, a
capacidade para aferir acerca da sua eficácia e eficiência quanto à investi-
gação científica. Consideramos que, em primeiro lugar, o metodólogo
deve conhecer os princípios, objetivos, conseguir conceber planos apro-
priados de investigação. Em segundo lugar, esta capacidade pressupõe,
obviamente, um profundo conhecimento dos detalhes, limites e natureza
das técnicas em termos da sua implementação.
Tal como Lazarsfeld e Rosenberg lembraram, a origem do termo
‘metodologia’ no seu uso original remonta à filosofia e concretamente ao
ramo da lógica. A falta de resposta da filosofia aos conteúdos ‘sociais’
levou a que os cientistas sociais passassem a conceber uma ‘atitude’ dife-
renciada de procura e investigação e a aplicar o termo metodologia a
«qualquer coisa que tivesse a ver com procedimentos ou técnicas de
investigação» (Lazarsfeld, Rosenberg, 1955 cit. in Holzner, 1964: 425). O
desenvolvimento que as ciências sociais começam a conhecer, particu-
larmente a partir do início do século, é concomitantemente causa e
reflexo de desenvolvimentos no âmbito não apenas dos objetos de análi-
ses, dos conteúdos e problemas científicos como também do método em
ciências sociais. Neste período existe um esforço de delimitação da aná-
lise em ciências sociais, particularmente no que diz respeito a objetos de
cariz social, político e antropológico em relação àqueles de natureza his-
PRIMEIROS PERCURSOS, APLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS DO MÉTODO CIENTÍFICO 15

tórica. Holzner refere que «a definição de metodologia emergente do tra-


balho dos filósofos post-kantianos exerceu influência considerável no uso
contemporâneo através de M. Weber, A. von Schelting e T. Parsons»
(Holzner, 1964: 425). Parsons (1937: 23-24) salientou a importância e
lugar das técnicas de investigação na ciência, no entanto quando tenta
classificar a metodologia confere-lhe um lugar ainda ambíguo, localizável
algures, entre a filosofia e a ciência. De acordo com aquele, o termo
metodologia não se refere «primariamente a ‘métodos’ de investigação
empírica como estatísticas, estudos de caso, entrevistas, e outros afins. A
estes últimos é preferível chamar técnicas de investigação. Metodologia é
a consideração dos campos genéricos em ordem à validade dos procedi-
mentos e sistemas científicos. Não é nem uma disciplina estritamente
científica nem estritamente filosófica» (Parsons, 1937: 23-24). A corrobo-
rar o atrás exposto, mais tarde, em 1957, Merton (1957: 87-89), referência
incontornável em sociologia, reforça que da metodologia se devem
excluir «as orientações sociológicas gerais», as quais estão incluídas na
teoria e não no campo da metodologia das ciências sociais.

2. Atitude científica e humanidade


No âmbito do papel para a humanidade, da ciência, do espírito cientí-
fico e do método várias contribuições começaram a despontar e a desta-
car-se a partir do início do século XX. Neste contexto, um importante
contributo foi o de Albert Einstein. A obra deste físico alemão judeu,
naturalizado americano em 1940, acerca da teoria da relatividade con-
substanciaria as suas descobertas acerca da matéria e energia, concretiza-
das, inicialmente, em doutoramento defendido em 1901 e publicadas a
partir de 1905.1 Prémio Nobel da física em 1921, as suas descobertas tra-
riam orgulho à comunidade científica e à sociedade em geral e renova-
riam o interesse pela ciência e pelos seus impactos na construção e refle-
xão humana. Infelizmente, o seu génio permitiu, simultaneamente, um
aproveitamento da ciência com consequências que em nada dignificaram
a inteligência e o progresso humanos, já que em 1939 uma carta de Eins-
tein ao Presidente Roosevelt desencadearia o fabrico da bomba atómica.

(1) VerAlbert Einstein, 1920. Relativity: The Special and General Theory. New York:
Holt.
16 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Os impactos da I Guerra Mundial motivaram o interesse e reflexão de


estudiosos interessados não apenas na ciência como no desenrolar do
caminho a seguir pela humanidade, após um período intenso de sofri-
mento. Foi o caso de Einstein e de Freud. Este último produziu vários
escritos com reflexões suas acerca dos acontecimentos recentes e das suas
causas em termos, essencialmente, psíquicos, sociais e políticos. Em
1933, surgiria a publicação Porquê a Guerra? que continha correspon-
dência entre Freud e Einstein com reflexões acerca do destino da humani-
dade e a propósito da guerra. Freud e Einstein apenas se encontraram uma
vez e foi em Berlim em 1927, em casa do filho mais novo de Freud. No
entanto, pelo valor científico de Freud e porque a Sociedade das Nações o
pedira, Einstein convidou uma personalidade à sua escolha – Freud – a
com ele corresponder-se acerca de um problema também por Einstein
escolhido para reflexão – a guerra. A posição de Freud ia no sentido de
lembrar a importância das pulsões naturais da humanidade para a destrui-
ção e para o prazer. As soluções, além de passarem pela intervenção de
um organismo regulador como a Sociedade das Nações, passariam tam-
bém pelo progresso cultural implementado pelos Estados e pelo poder
político em especial. Nas palavras de Freud, «tudo o que fomente a evo-
lução cultural atua contra a guerra» (Freud, Einstein, 1933: 75). Aquela
publicação continha também reflexões anteriores de Freud expressas em
escritos como Considerações Atuais sobre a Guerra e a Morte (1915) e
Caducidade (1915). As ideias de Freud acerca do período que se atraves-
sava tinham já sido expressas em outros títulos como Psicologia das
Massas e Análise do Eu (1921), O Futuro de uma Ilusão (1927) e O Mal-
-Estar da Civilização (1929).
Em 1921, em Inglaterra, Norman Campbell publica obra sobre os
pressupostos do método científico e sobre a natureza da ciência e do seu
conhecimento. Outros contributos se seguiram, no mesmo âmbito, como
os de Thorstein Veblen e Morris Cohen e Ernest Nagel, já na década de
30, nos Estados Unidos. Ao longo das décadas de 30 e 40 do século XX
reflexões essenciais acerca da importância do conhecimento e do método
científico foram trazidas por vários investigadores. Em 1939, Lynd
publica obra com reflexões e críticas explícitas ao envolvimento dos
Estados Unidos no II grande conflito mundial. Já no final deste conflito,
em 1944, o economista sueco Gunnar Myrdal, outro eminente investiga-
dor, reflete também sobre política e ciência interrogando-se sobre o papel
desta na política. Quando, anos mais tarde, em 1967, é convidado a dar a
wimmer lecture no St. Vincent College acerca das noções valorativas nas
ciências sociais, este produz comunicação intitulada American Dilemma.
PRIMEIROS PERCURSOS, APLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS DO MÉTODO CIENTÍFICO 17

Nessa conferência Myrdal ressalta o ambiente extraordinário de produção


científica na Suécia no pós-guerra e reflete sobre a procura da objetivi-
dade em ciências sociais, lembrando também o papel crítico das valora-
ções no conhecimento científico. As valorações estariam dependentes, em
grande medida, da reflexão individual mas também do debate público
incutido pelos Estados democráticos. Como refere Myrdal (1976: 20) «a
democracia é definida como ‘governo por meio do debate público’; de
facto, não há nenhuma forma de governo que possa suprimir o debate
público totalmente ou por um longo período. O debate político nacional
ou internacional baseia-se no pressuposto de que há uma ampla aceitação
de certas noções valorativas que são comuns à generalidade das pessoas,
especialmente em relação às valorações que são estabelecidas a um nível
superior».
Outros investigadores preocupar-se-iam com o devir da guerra no
progresso científico e humano em geral. Foi o caso de Lundeberg (1947)
que também formulou reflexões sobre o papel da ciência para a humani-
dade e de Malinowski (1947) que dissertou acerca do rumo da civilização
ocidental e do modo como a liberdade individual enquanto valor funda-
mental nortearia o curso da história e dos povos. Em obra de 1949, tam-
bém Sullivan se interrogava sobre o alcance da ciência para o bem-estar
da humanidade. Pode-se concluir que a ciência e, naturalmente, o seu
método constituíram uma luz de esperança, em termos de debate cientí-
fico, em particular na primeira metade do século XX, no plano do mundo
ocidental, particularmente saído de um pós-guerra profundamente mar-
cado política, social e economicamente e que urgia soluções eficazes de
reconhecido mérito e um debate consequente com vista a restaurar a con-
fiança no futuro e na humanidade.

3. Âmbito temporal e contributos pioneiros


O período que compreendemos nesta secção, acerca das primeiras
abordagens sobre o método em ciências sociais, inclui contribuições apre-
sentadas até aos finais da década de 50 do século XX. O motivo desta
segmentação decorre de considerarmos esta data um marco a partir do
qual o investimento no método passa a ter contornos diferentes em termos
qualitativos e quantitativos. Consideramos que, até sensivelmente finais
da década de 50, o método em ciências sociais encontra-se a dar os pri-
meiros passos e a sedimentar abordagens e posições. Pode-se afirmar que,
18 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

grosso modo, a partir de finais do decénio de 50, a produção científica em


geral, e, em particular, na área das ciências sociais, cresce exponencial-
mente. A partir deste período, na maioria das democracias ocidentais,
começam-se a experimentar melhores condições de estabilidade política,
social e económicas vindas de uma revitalização económica, moral e
política nascida do pós-guerra. É que acontece, pelo menos no caso dos
Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, países intervenientes e
massacrados com a guerra onde, a partir deste período, começa a concre-
tizar-se um contexto favorável com melhores condições para a produção
científica. A partir do pós-guerra gera-se um sentimento de vitalidade e
entusiasmo académico propício a um maior amadurecimento aos níveis
teórico, metodológico e experimental.
Como advertência face aos critérios de exposição na secção presente
queremos ressaltar o seguinte:
⎯ Os desenvolvimentos no método nas ciências sociais assentaram,
em grande parte, nas primeiras tentativas de sistematização e apli-
cação do método em diversas áreas no âmbito das ciências sociais.
O nosso interesse em considerar pioneiros e primeiras contribui-
ções relevantes na área do método científico em geral e em ciên-
cias sociais até finais da década de 50 constitui uma base essencial
para poder sustentar, fundamentar e melhor compreender o con-
texto metodológico e teórico dos diversos contributos considera-
dos ao longo desta exposição.
⎯ A análise seguinte será empreendida com base numa seleção de
obras e artigos sobre o método publicadas a partir de inícios do
século XX, com especial relevo para aqueles que relevam o
desenvolvimento de técnicas como a entrevista, os inquéritos e
sondagens, as escalas e a análise de conteúdo.

Diversas investigações fundamentais que decorreram neste primeiro


período – a partir de inícios do século XX – não seriam possíveis se não
se tivesse iniciado já uma base metodológica sistematizada e sólida quer
em termos de conceção do método científico. É sobre a atitude metodoló-
gica dos cientistas e sobre o método científico aplicado às ciências sociais
que daremos reflexo.
O método científico aplicado na investigação social tem constituído,
sobretudo a partir de inícios do século XX – neste período em particular
nos Estados Unidos – uma área cujo desenvolvimento tem sido sistemá-
tico e permanente até à atualidade. No âmbito genérico da investigação
social, no que se refere ao método, existem pelas várias áreas científicas
PRIMEIROS PERCURSOS, APLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS DO MÉTODO CIENTÍFICO 19

cujos desenvolvimentos têm sido transversais, com afinidades evidentes e


com reflexos entre si. A especificidade do método em ciências sociais
fez-se e vai sendo construída da aplicação dos procedimentos genéricos
das suas áreas científicas, de onde se pode destacar a sociologia, a ciência
política, a psicologia, a antropologia ou a economia (quando se pensa nos
modelos econométricos aplicados às mais diversas áreas da ciência polí-
tica).
A partir dos primeiros anos do século XX começaram a despontar
vários contributos fundamentais no que concerne à metodologia em ciên-
cias sociais. Foi o caso de Max Weber que se destacou logo no início do
século XX com diversos contributos.1 A procura de delimitação da área da
metodologia é visível na análise empreendida por Weber, em 1905, em
Critical Studies in the Logic of the Cultural Sciences, obra esta publicada
no mesmo ano da sua análise acerca da sociedade rural alemã publicada
em ensaios que tomariam, mais tarde, a designação em obra The Protes-
tant Ethic and the Spirit of Capitalism, traduzida pela primeira vez para
inglês por Talcott Parsons, com publicação em 1930. Na supracitada obra
sobre metodologia – Critical Studies in the Logic of the Cultural Sciences
– Weber empreende uma análise e crítica a outro metodólogo contempo-
râneo, Eduard Meyer acerca da sua obra de 1900, Zur Theorie und
Methodik der Geschitchte. No seu ensaio Weber critica vários aspetos
metodológicos de Meyer como a sua tendência para fundir a análise cau-
sal com a análise ética ou quando este coloca no mesmo plano a ‘liber-
dade’ e a ‘racionalidade de ação’. Como refere Weber «este velho erro é
tão perigoso precisamente do ponto de vista da preservação do caráter da
história porque introduz problemas bastante diferentes dos do campo da
história e produz a ilusão de que uma certa convicção (antideterminista) é
a pressuposição da validade do método histórico» (Weber: 1905: 124). A
exposição de Meyer, de acordo com Weber, teria fragilidades sérias do
ponto de vista da análise e esclarecimento do papel dos valores nos inte-
resses históricos a fatores de ordem factual objetiva derivados de relações
de causa e efeito inerentes ao devir histórico.
Nas primeiras abordagens ao método em ciências sociais, pelas afini-
dades em termos de técnicas, predominaram os contributos nas áreas da
psicologia social, da psicologia e da sociologia. No âmbito do método em
psicologia social destacaram-se os contributos a nível da técnica das

(1) Trêsdos seus contributos sobre metodologia estão reunidos em coletânea:


Max Weber, 1904 a 1917. The Methodology of the Social Sciences. New York: The
Free Press. 1949.
20 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

escalas de atitudes. Destes refira-se o contributo de Bogardus (1925), de


Thurstone e Chave (1929) e de Likert (1932). As escalas desenvolvidas
por estes investigadores constituiriam marcos essenciais na análise em
psicologia e em psicologia social no que se refere ao posicionamento
inferido pelos indivíduos acerca de assuntos correntes do dia-a-dia, como
os referentes à classificação de atitudes referentes à sua vida nos âmbitos
pessoal, familiar, social, política e cultural. No âmbito psicossocial
Moreno foi outro dos autores que marcou a investigação social em termos
de métodos, pela conceção inovadora introduzida no âmbito da análise
informal das relações entre indivíduos em termos de pequenos grupos. A
técnica introduzida por Moreno, a sociometria, foi sendo atualizada nos
seus procedimentos, constituindo hoje em dia um mecanismo de referên-
cia aplicado ao nível das relações informais no seio das organizações. A
partir, sobretudo, de finais dos anos 20 do século XX, Allport (1950;
1929) destacou-se com contribuições no âmbito da psicologia das multi-
dões, dos fenómenos massivos, dos boatos, empreendendo também pes-
quisa acerca dos métodos de análise em psicologia social. A técnica da
observação participante, com importância em várias áreas das ciências
sociais como a antropologia, a sociologia ou a psicologia social, teve
também desenvolvimentos importantes no que se refere à sistematização
sobre o método, no início do século XX (ex.: Kluckhohn, 1940).
O método em psicologia cedo usufruiu de algumas contribuições. Na
década de 30, Guilford (1936) apresentou obra sobre a caracterização dos
métodos psicométricos. Naturalmente, a sua sistematização teria impactos
nos primeiros desenvolvimentos a nível da psicologia mas também sobre
o método em geral, como o comprovam contribuições posteriores que o
reconheceram, tal como Hatt e Goode (1952). Outro psicólogo eminente,
com numerosos artigos e obras, Rogers (1945), distinguiu-se também
pelas suas preocupações acerca do método. A delimitação e importância
do método não diretivo, por este empregue, nas análises por si desenvol-
vidas acerca da mente foram importantes em termos de conceção do lugar
e utilidade da psicologia para o estudo da natureza humana. Nos anos 40
e 50 Cattell escreveu numerosos artigos e obras no âmbito, essencial-
mente, dos métodos quantitativos aplicados à análise da personalidade.
Bell (1948) constituiu também referência importante no âmbito das técni-
cas projetivas em psicologia assim Bales (1950) que promoveria também
investigação ampla sobre os processos de interação entre grupos e as téc-
nicas de os estudar, para salientar alguns dos mais eminentes estudiosos.
No que se refere aos métodos em sociologia várias referências foram
sendo destacadas nas primeiras décadas do século XX, algumas com
Pa u l a d o E s p í r i to S a n to
Paula do Espírito Santo é Doutorada e Agregada pelo Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa (ULisboa), onde
também leciona, e colabora, ainda, como docente no Instituto Superior de

Introdução à Metodologia das Ciências Sociais


Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) assim como em Universidades
estrangeiras. De entre os contributos em livro mais recentes destaquem-se:
Beyond Internet – Unplugging the protest movement wave (coeditora) (2015),
Estudos de comunicação política – Análise de conteúdo da mensagem na
campanha e pós-campanha eleitoral nas eleições presidenciais (2008) e Socio-
Introdução à Metodologia das
logia política e eleitoral – Modelos e explicações de voto (2006).

Introdução à Metodologia das Ciências Sociais – Génese, Fun-


damentos e Problemas apresenta um conjunto de conceitos,
Ciências
ferramentas e técnicas de base da metodologia das ciências
sociais. Debruça-se sobre a génese, fundamentos e proble-
mas das técnicas e conceitos em análise de modo a proje-
tar-lhes um sentido analítico e utilitário. Depois de expostos
os primeiros percursos, aplicações e desenvolvimentos do
Sociais
método científico são introduzidos os métodos qualitativos, Génese, Fundamentos e Problemas
a política comparada, a análise de conteúdo e os inquéritos
e sondagens de opinião como grandes temáticas técnicas e 2ª Edição
conceptuais da metodologia das ciências sociais. Revista e atualizada

Introdução à Metodologia das

Ciências
Sociais 219
ISBN 978-972-618-825-4

9 789726 188254

EDIÇÕES SÍLABO

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