Você está na página 1de 197

ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (Org.).

Atualidades em psicologia
da saúde. São Paulo: Thomson, 2004. 185 p. ISBN 852210428X.

Página 1

Atualidades em Psicologia da Saúde

Página 2

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

(câmara brasileira do livro, SP, Brasil)

Atualidades em Psicologia na Saúde / Valdemar augusto angerami – camon,


(org.) – são paulo: pioneira thomson leraning, 2004.

Vários autores

Bibiliografia

ISBN 85-221-0428-X

1. Psicologia clinica 2. psicologia da saúde 3. medicina e psicologia 4. Medicina


psicossomática I. Angerami – camon, valdemar augusto.

04-0535 CDD-155.916

Índice para catálogo sistemático:


1. psicologia da saúde 155.916

Página 3

Atualidades em Psicologia da Saúde


Valdemar Augusto Angerami — Camon (Organizador)
Aidyl M.de Queiroz Pérez-Ramos
Geórgia Sibele Nogueira da Silva
Gildo Angeiotti
Maria Margarida M.J.de Carvalho — Magui
Silvia Martins lvancko

THOMSON

Página 4

Gerente Editorial: Adilson Pereira

Editor de Desenvolvimento: Marcio Coelho

Supervisora de Produção Editorial: Patrícia La Rosa

Produtora Editorial: Danielle Mendes Sales

Copidesque: Ornilo Aives da Costa Júnior

Revisão: Sandra Garcia Cortes e Andréa da Silva Medeiros

Composição: DesignMakers Ltda.

Capa: Evandro Linhares Angerami

Copyright © 2004 de Pioneira Thomson Learning Ltda., uma divisão da


Thomson Learning, mc. Thomson Learning TM é uma marca registrada aqui
utilizada sob licença.

Impresso no Brasil.
Printed in Brazil.
1 234 06 05 04
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser
reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão, por
escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos
102, 104, 106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Atualidades em psicologia da saúde/Valdemar Augusto Angerami — Camon,


(org.) --
São Paulo Pioneira Thomson Learning, 2004.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 85-221-0428-X

1. Psicologia clínica 2. Psicologia da saúde 3. Medicina e psicologia 4.


Medicina psicossomática

1. Angerami — Camon,
Valdemar Augusto.
04-0535
CDD-1 55.916

Índice para catálogo sistemático:


1. Psicologia da saúde 155.916

Rua Traipu, 114—3° andar Perdizes — CEP 01235-000 São Paulo — SP


Tel.: (11)3665-9900 Fax: (11) 3665-9901 sac@thomsonlearning.com.br
www.thomsonlearning.com.br

Página 5
Apresentação

Este livro traz os mais recentes avanços na área da Psicologia da Saúde. O


que existe de mais significativo foi arrolado e os autores exponenciais
apresentam aquilo que é a atualidade na Psicologia da Saúde.

A presente obra soma-se às publicações anteriores que igualmente procuram


resgatar a dignidade do homem contemporâneo com o uso da psicologia. Novo
livro. Um alento a acalentar nossos sonhos. Um novo trabalho que exibimos em
forma de livro e que, certamente, será mais um pouco das nossas crenças
rumo a novos horizontes profissionais.

Página 6 – página em branco

Página 7

Os Autores

Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos

Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia da USP (Área


de concentração Psicologia Clínica) e Membro Titular da Academia Paulista de
Psicologia e da New York Academy of Science. Tem participado como Perito
de Projetos Nacionais e Internacionais pela ONU, Unicef e Unesco, e também
como docente em cursos de pós-graduação em universidades espanholas.

Geórgia Sibele Nogueira da Silva

Psicóloga com Especialização em Antropologia pela UFRN, Mestre em


Psicologia Clínica pela UFRJ e Docente da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.

Gildo Angelotti
Psicólogo Clínico, Docente da Universidade São Marcos e da Pós-graduação
em Medicina Comportamental do Depto. de Psicobiologia da

Página 8

Unifesp. Diretor Clínico do Instituto de Neurociência e Comportamento de São


Paulo.

Maria Margarida M. J. de Carvalho — Magui

Professora Doutora do Instituto de Psicologia da USP e do Instituto Sedes


Sapientiae. Pioneira nas áreas de Arteterapia, Hipnoterapia e Psicooncologia
no Brasil. Introdutora do Programa Simonton em São Paulo. Autora de vários
livros, entre eles Resgatando o Viver, Introdução à Psicooncologia, Dor: um
estudo interdisciplinar e A Arte Cura? Recursos artísticos em Psicoterapia.

Silvia Martins lvancko

Especialista em Gestalt terapia pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em


Psicossomática pelo Ibehe. Especialista em Psicossomática Chinesa pela
Universidade de Ortopedia e Acupuntura de Pequim (China). Especialista em
Psiconeuroimunologia pelo IPSPP. Especialista em Estresse pelo IPSPP.
Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da FMUSP.
Mestranda em Psicossomática e Psicologia Hospitalar pela PUC-SP.

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Psicoterapeuta Existencial. Professor de Pós-graduação em Psicologia da


Saúde na PUC-SP. Professor do Curso de Psicoterapia Feno menológico-
Existencial na PUC-MG. Coordenador do Centro de Psicoterapia Existencial e
Professor de Psicologia da Saúde da UFRN. Autor com o maior número de
livros publicados em Psicologia do Brasil e também livros adotados nas
universidades de Portugal, México e Canadá.
Página 9

Sumário

Capítulo 1 - 1

A Psicologia da Saúde no Século XXI — Contribuições, Transformações e


Abrangências
Valdemar Augusto Angerami Camon

Capítulo 2 - 29
Preservação da Saúde Mental do Psicólogo Hospitalar
Aidyl M.de Queiroz Pérez-Ramos

De um aniversário.Trinta e um anos de muita luz - 57

Capítulo 3 - 61
E o Tratamento se Inicia na Sala de Espera...
Silvia Martins lvancko

Página 10

Capítulo 4 - 85
A Dor no Estágio Avançado das Doenças
Maria Margarida Mi. de Carvalho— Magui

Capítulo 5 - 103
Tratamento Cognitivo-Comportamental do Alcoolismo
Gildo Angelotti

De um sorriso doce -129

Capítulo 6 -135
A Racionalidade Médica Ocidental e a Negação da Morte, do Riso, do
Demasiadamente Humano

Geórgia Sibele Nogueira da Silva

Página 1

Capítulo 1

A Psicologia da Saúde no Século XXI — Contribuições, Transformações e


Abrangências

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Introdução

A idéia principal deste trabalho é traçar um breve panorama da psicologia da


saúde e suas perspectivas de desenvolvimento. No momento em que a
psicologia trilha por caminhos cada vez mais alvissareiros e, seguramente, por
uma diversidade que sequer era concebível alguns anos atrás, a reflexão sobre
as novas perspectivas da psicologia da saúde reveste-se de uma peculiaridade
bastante promissora. A psicologia da saúde caminha por atalhos e sendas
visando sempre a uma maior compreensão da condição humana em todas as
especificidades e complexidades. Uma psicologia que se descortina para uma
nova compreensão da saúde humana como algo que possa transcender os
parâmetros de doenças vigentes em nossa sociedade.

Ao refletirmos os conceitos vigentes sobre os quesitos de saúde mental e seu


enfeixamento com outros campos da saúde, deparamo-nos com uma
necessidade cada vez maior de redefinirmos a abrangência da psicologia da
saúde. Nesse sentido, este trabalho coloca-se como sendo um ponto de
reflexão em que tais aspectos terão um

Página 2
fórum privilegiado de discussão. É um trabalho que se soma a outros, escritos
igualmente sobre psicologia da saúde, que procura traçar novas perspectivas
de desdobramentos de atuação nessa área que se descortina como sendo a
psicologia do século XXI.

Breve Reflexão

Em um trabalho anterior‘ fizemos um breve histórico da psicologia da saúde e


suas principais áreas de abrangência. É um trabalho, em que pesem
divergências de alguns colegas da área, que acabou se tornando referência a
tantos que se debruçam em busca de material acadêmico e didático sobre
psicologia da saúde. E pela dinâmica de sua estruturação conceitual, a
classificação que efetivamos sobre as áreas de abrangência da psicologia da
saúde acabou permitindo um arcabouço teórico de amplitude de dimensões
bastante significativas para que novos enquadres e parâmetros fossem
acoplados em sua explanação inicial. Assim será possível enveredarmos por
novos caminhos e atalhos de reflexão para que aquela conceituação inicial seja
ampliada e possa contemplar as novas exigências teóricas e epistemológicas
que se impõem à psicologia contemporânea. Os desafios que se colocam
diante das propostas de intervenção psicológica, nos mais diferentes e
variados contextos, estão a exigir uma estrutura moderna que possa, assim,
contemplar os mais diferentes matizes de abrangência e, até mesmo, de
sedimentação conceitual.

São muitos os aspectos que envolvem a tentativa de conceituação e de


delimitação de intervenção no campo da psicologia da saúde e, dessa forma,
iremos apenas caminhar no sentido de criar espaços reflexivos sem, contudo,
impedir que se abram a novas formas de reflexão e, até mesmo, de
conceituação. É uma exigência cada vez maior aquela que nos impele a
expandir o nosso campo conceitual de modo a permitir que ele possa se abrir
às mais diferentes formas

Página 3
de intervenção reflexivas. Também é necessário que enfatizemos quantas
vezes forem necessárias que a nossa preocupação conceitual é com a
concepção de uma psicologia eminentemente brasileira e que possa, assim,
contemplar as nossas necessidades socioculturais. Respeitamos as reflexões
feitas por colegas de outros países, principalmente aquelas efetivadas em
países latino-americanos, mas queremos, antes de qualquer outro balizamento,
o estabelecimento de parâmetros que sejam inerentes à nossa realidade.
Desse modo, divergências e excludência conceitual serão tidas, simplesmente,
como meras digressões teóricas que se excluem diante de nossa realidade. O
nosso olhar é totalmente direcionado para a realidade do homem brasileiro, do
excluído das teorizações realizadas no Primeiro Mundo. Falamos de um
homem desesperançado, que a cada eleição presidencial perde um pouco de
sua esperança de uma vida digna e sem o aviltamento das elites
socioeconômicas. De um homem que sofre na pele a sina de ser brasileiro, de
ser alguém que sofre com os desígnios da opulência e do arbítrio dos
banqueiros. Uma gente que assiste à miséria se espraiando por todos os
cantos sem ter quem a defenda desse estado de coisas.

De um povo que sequer pode pensar em autocrescimento, pois está ainda


preso ao estágio de luta pela pura sobrevivência. De uma população
desdentada, desnutrida e que assiste a presidente após presidente curvar-se
aos interesses do mercado financeiro, enquanto desfia seu corolário de
sofrimento, padecendo à míngua sem trégua nem piedade de quem quer que
seja. É fato que a nossa elite cultural simplesmente é atendida, em termos de
intervenção psicológica, por modelos teóricos advindos de Viena, no final do
século XIX, ou seja, em um total distanciamento da nossa realidade
sociocultural.

A nossa conceituação de psicologia da saúde é brasileira, apresenta em seu


bojo toda a nossa condição de desesperança, humilhação, dor, desamparo,
submissão cultural, açoitamento existencial, falta de dignidade humana,
colonização, e, principalmente, de sua falta de perspectivas diante de uma
realidade tão turva e tão sem horizontes. E dizer que as possíveis divergências
com as conceituações de colegas de
Página 4

outros países nada mais são do que uma conversão que fazemos para o
interior da nossa própria realidade conceitual. E sem demérito a quem quer que
seja estamos construindo uma conceituação teórica sobre a nossa realidade
por mais que possa desagradar a um sem- número de estudiosos que vivem
debruçados sobre teorias construídas em outras realidades que sequer
tangenciam a nossa condição sociocultural. Uma conceituação que possa
considerar o ranger de dentes da nossa precariedade existencial, na qual todos
os nossos esforços de construção teórico-filosófica esbarram em nossa própria
pobreza sociocultural, que, embora apresente em alguns segmentos requintes
semelhantes àqueles encontrados nos países de Primeiro Mundo, na maioria
dos casos são revestidos de uma quase total falta de embasamento de
condições mínimas necessárias para reversão desse quadro tão desolador. O
que assistimos praticamente sem alternância é o apego dos nossos
profissionais a teorizações que sequer consideram a nossa especificidade.
Desse modo, encontraremos desde concepções teóricas estanques diante de
nossas mudanças estruturais até devaneios que impregnam a tudo e a todos
de um psicologismo simplista. É dizer que a cada dia necessitamos de uma
nova reestruturação de nossos postulados teóricos para não corrermos o risco
de ficar à margem de nossa própria história.

Uma psicologia que se mostre soberana diante de nossos anseios libertários e


que também possa considerar as especificidades de nossa população e
contribuir para que tenhamos no futuro uma população mentalmente sadia.
Estamos trabalhando para construir um nicho de saber e conceituação que
possa dimensionar o aprisionamento do homem contemporâneo diante da
cultura do medo a que ele foi exposto e da qual não tem como conseguir
libertar-se. Uma concepção teórica que considere não apenas os avanços
obtidos ao longo dos últimos anos no campo da psicologia, mas também de
outras áreas do saber, e que de alguma forma contribuem para uma
compreensão mais ampla da própria condição humana.
Somos os artífices de uma nova estruturação conceitual que possa abranger
uma nova realidade de mundo, uma nova estruturação emocional

Página 5

diante dos desatinos que estão a se sedimentar na nossa realidade atual. E


isso é o desafio que se lança à nossa frente, ao mesmo tempo que nos
lançamos na tentativa de superação de nossas próprias limitações para
construir algo que esteja solidamente sedimentado em níveis teóricos e que
possa, assim, ser sustentáculo teórico-prático de tantos que sobre ele se
lancem em busca de uma nova luz de compreensão da própria realidade
humana. Assim, é necessário que estabeleçamos em âmbitos epistemológicos
as bases de sustentação de nossa proposta conceitual, e, a partir disso,
construir um novo modelo de compreensão dessa realidade que se mostra ao
nosso campo perceptivo. Essa é a nossa alternância conceitual e o nosso
desafio no sentido de refletir sobre o enfeixamento de uma base teórica que
considere os moldes sobre os quais o século XXI se apresenta, e o modo
particularmente enigmático que se mostra diante de nossos olhares.

Sempre é bom lembrar que o século XX apresentou, desde sua metade até o
final, um teor de desenvolvimento tecnológico que supera todos os períodos da
história. Assim, qualquer previsão que se faça sobre o novo século que
estamos vivendo é, no mínimo, ingênua, pois a velocidade com que as
transformações e avanços tecnológicos se sucedem superam as mais otimistas
das expectativas. E, no campo do conhecimento envolvendo o comportamento
humano, as novas descobertas da fisiologia estão deixando muitas das
teorizações efetivadas na tentativa de compreensão do homem
contemporâneo. E, de maneira estonteante, assistimos, igualmente, a uma
sucessão indescritível de necessidades que são impostas e que de alguma
maneira acabam se transformando em instrumento de pressão gerador de
muito estresse emocional. Ou é possível negar-se o sofrimento gerado pelo
consumismo de nossa sociedade em nossos adolescentes? Ou ainda a
necessidade que se estabelece de consumos intermitentes dos mais diferentes
objetos impostos pela tecnologia moderna? Basta se considerar, por exemplo,
o paradoxo existente em nossa sociedade, na qual, ao lado de automóveis e
celulares importados, assistimos a um sem-número de pessoas lançadas na
sarjeta sem teto ou qualquer tipo de proteção. Falamos em uma nova
sociedade e convivemos com

Página 6

situações medievais; falamos de teorizações libertárias ao mesmo tempo que


estamos submissos à cultura estadunidense; sonhamos com uma realidade
decididamente brasileira ao mesmo tempo que vivemos o american way of life.

Somos uma realidade que se mostra cada vez mais frágil e cada vez mais
dependente de modelos teóricos importados de outros centros acadêmicos.
Não temos como construir uma nova realidade teórica enquanto não voltarmos
as nossas preocupações unicamente para a nossa historicidade e para a
peculiaridade de nossa população.

O simples fato de utilizarmos conceituações teóricas que foram construídas


diante de realidades estruturais sem a menor semelhança com a nossa já é
indício de que a reversão desse desvio conceitual implica a necessidade de
grandes rupturas para que possamos construir uma psicologia decididamente
nacional. É dizer que não podemos continuar a utilizar elementos conceituais
estanques a nossa realidade, e que tampouco consideram a nossa
especificidade. Assistimos ao avanço de teorizações que tentam enquadrar a
nossa realidade sem, no entanto, sequer considerarmos o caráter absurdo
desses fatos. Exemplo desses abusos é o fato de muitas clínicas escolas,
ligadas a cursos de formação em psicologia, apresentarem em suas
estruturações modelos de atendimento que em nada atendem aos interesses
da comunidade que pretendem atender; ao contrário, os atendimentos visam
única e exclusivamente completar suas grades curriculares. Assim, é frequente
assistirmos a tais clínicas oferecendo atendimentos de ludoterapia,
psicomotricidade e outras tantas modalidades, visando muito mais cumprir com
suas normas curriculares do que propriamente com a estruturação de tipos de
atendimento que sejam mais condizentes com a realidade da comunidade em
que tais clínicas se acham inseridas. A psicologia, nesse sentido, segue o
modelo médico no qual os acadêmicos de medicina treinam suas
especialidades com a população economicamente desfavorecida para, depois
de se tornarem especialistas, exercerem suas atividades com uma população
que possa pagar por essas especialidades. Na realidade, o modelo das
faculdades de psicologia é ainda mais cruel na

Página 7

medida em que impõe a essas populações um atendimento que, muitas vezes,


sequer tangencia sua real necessidade de atendimento. Ao menos os cursos
de medicina focam suas especializações em cima de necessidades reais das
comunidades em que se encontram inseridas. Também é bastante comum a
tentativa de se acoplar às teorizações, quase sempre construídas em outras
realidades sociais, sobre a nossa população, e isso em que pese sua
peculiaridade. Entretanto, é fato que, na atualidade, assistimos a um
movimento muito intenso nos mais diferentes cantos do Brasil, no sentido de se
reverter esse quadro tão desolador.

O crescimento das grades curriculares das diferentes faculdades, espalhadas


ao longo do País, e que contemplam disciplinas como ―psicologia comunitária‖,
―psicologia hospitalar‖, ―psicologia judiciária‖ etc., é indício de que está havendo
uma movimentação, pequena ainda, que se propõe a reverter o atual
panorama da realidade da formação do psicólogo no Brasil. É fato, também,
que essa mudança surge muito mais por uma necessidade mercadológica do
que propriamente por ter sido gerada a partir de uma atitude reflexiva efetivada
pelo psicólogo sobre as reais necessidades de atendimento psicológico de
nossa população.

O estrangulamento do mercado de trabalho, associado a um número muito


grande de faculdades oferecendo cursos de psicologia nos mais diferentes
cantos do País, fez com que a busca de novos nichos de atuação se fizesse
necessária. Nesse sentido, o psicólogo voltou-se, então, para diferentes
campos de intervenção, e nessa empreitada passou, inclusive, a perceber
necessidades da nossa população, que não se faziam presentes na estrutura
curricular dos cursos de psicologia. Tomemos como ponto de reflexão dessas
afirmações a psicologia hospitalar, e seguramente os pontos que levantaremos
servem perfeitamente para outros modelos de intervenção psicológica.

A psicologia hospitalar tem seu início em uma data que se configura até
mesmo como precedente do próprio reconhecimento da

Página 8

psicologia enquanto profissão2. No entanto, ela ganha um dimensionamento de


especialização e mesmo de uma nova configuração da realidade do psicólogo
clínico quando este se vê asfixiado e sem espaço para se desenvolver
profissionalmente. É somente quando o modelo clínico começa a eliminar os
excedentes que a busca da psicologia hospitalar ganha intensidade e adquire
formas específicas de especialização para delimitarem-se modelos de
intervenção. É no momento em que o psicólogo clínico se vê sem condições de
exercer sua atividade em seu próprio consultório que o hospital surge como
sendo o local onde todo o seu potencial clínico poderá ganhar consistência e
configuração. E isso sem contarmos com os inúmeros psicólogos que buscam
o hospital como forma de compensar possíveis rejeições nos vestibulares de
medicina. Assim, a psicologia hospitalar será buscada como compensação à
frustração do vestibular, sendo, dessa maneira, nada mais que uma mera
forma de reparação emocional de desatinos trazidos pela sua inoperância
acadêmica. Temos então duas maneiras distintas de encarar o surgimento da
psicologia hospitalar como alternativa de trabalho do psicólogo contemporâneo.
A primeira delas nos remete ao total estrangulamento do mercado de trabalho
que o obrigou a procurar por novos espaços de intervenção psicológica, e a
segunda a que nos remete a uma busca que procura compensar a reprovação
do vestibular de medicina. A necessidade de atendimento psicológico do
paciente hospitalizado, que é indiscutível e está acima de qualquer balizamento
teórico-filosófico que se queira fazer, surge como uma pequena variável
delineada ao longo do caminho. As verdadeiras razões da busca e do próprio
crescimento da psicologia hospitalar são as apontadas acima. Tudo o mais que
se colocar de acréscimo é mera digressão teórica.

A própria incongruência existente em outras áreas do saber também se faz


presente na psicologia. Assim temos, no Brasil, ao mesmo tempo que os
avanços tecnológicos permitem até mesmo a má formação

Página 9

congênita, um número absurdamente grande de mulheres que parem sem o


menor cuidado pré-natal; ao mesmo tempo que milhões de pessoas utilizam
Internet para as mais variadas atividades, incluindo-se aí até mesmo pesquisa
bibliográfica e acadêmica, temos um contingente enorme de analfabetos; ao
mesmo tempo que assistimos em nossas ruas ao desfile dos mais diferentes
modelos de automóveis importados, presenciamos um grande número de
pessoas que se amontoam nas

ruas em busca de abrigo para o frio e a chuva; ao mesmo tempo que a mais
avançada tecnologia permite que nos comuniquemos com diversas pessoas
simultaneamente, nos mais diferentes lugares, assistimos igualmente ao
espetáculo deprimente de crianças fazendo malabarismo do mais rudimentar
nos semáforos em busca de míseras moedas; paralelamente à existência de
requintadas mansões nos bairros nobres das nossas principais cidades, existe
um amontoado interminável de barracos compondo favelas da mais triste
configuração arquitetônica. E a psicologia também traz em seu bojo o reflexo
dessas contradições, pois ao mesmo tempo que se propõe a ser libertária,
apresenta-se com modelos estanques de compreensão da condição humana.

Nesse sentido, até práticas que se propõem a ser libertárias como a ―psicologia
comunitária‖, a ―psicologia hospitalar‖ etc. estão, muitas vezes, solidificadas em
embasamentos teóricos distantes de maneira abismosa de nossa realidade
social. É dizer que até mesmo quando buscamos a libertação de nossa
condição de estrangulamento socioemocional vamos ao encontra de um
instrumental teórico que perde sua eficácia diante de nossas peculiaridades. A
psicologia, assim, se alinha com outras áreas do saber que, igualmente, estão
sedimentadas em outras realidades sociais e se distancia das especificidades
brasileiras. É cada vez mais importante trazer-se à tona das discussões sobre
a eficácia de abrangência da intervenção psicológica o célebre pensamento de
Maslow, segundo o qual somente após realizar suas necessidades básicas de
sobrevivência é que o homem pode pensar em quesitos como autocrescimento
e autoconhecimento. O que não significa necessariamente afirmar-se que
alguém que vive

Página 10

em péssimas condições socioeconômicas não tenha necessidades de


sustentação emocional. No entanto, vemos com frequência cada vez maior
afirmações que nos direcionam para ideias simplistas as quais mostram que
pessoas expostas a estados calamitosos de precariedade econômica não
podem, igualmente, apresentar problemas na área emocional. É como se
essas pessoas não tivessem o direito de ter conflitos na esfera emocional pelo
simples fato de terem suas vidas estraçalhadas pela miséria socioeconômica.
Esse tipo de afirmação não apenas despreza a própria realidade da condição
humana como também, o que é muito pior, distancia-se de modo abismoso de
uma tentativa mais digna de compreensão do homem contemporâneo.

A psicologia, de outra parte, e na medida em que faz parte do rol das


especialidades incluídas na chamada área da saúde, também apresenta, além
das contradições e dos modelos teóricos de realidades de países de Primeiro
Mundo, somo citamos anteriormente, outro aspecto bastante complicador, que
é a diversidade de suas abordagens teóricas. Assim, se em alguns campos do
conhecimento como a matemática, a física, a engenharia etc. se busca com
intensidade cada vez maior um denominador comum, uma resposta única para
os problemas, a psicologia convive com diferentes tipos de compreensão
representada pelas mais diferentes abordagens. E muitas vezes não
encontramos sequer congruência entre as diferentes tentativas de
compreensão da realidade humana com cada abordagem trazendo para si a
―verdade‖ sobre a maneira mais eficaz de intervenção psicológica. E com uma
abrangência cada vez mais disforme e repleta de controvérsia, a psicologia vai
abrindo os mais diferentes espaços nos mais diferentes campos de atuação. E
sempre que se questiona a real importância da atuação do psicólogo fica
evidenciado que muitas dessas atuações são, como dissemos anteriormente,
uma necessidade ditada muito mais pelo estrangulamento de seu mercado de
atuação do que propriamente por uma real necessidade do paciente.

Não se questiona aqui neste espaço os avanços obtidos pelos experimentos e


pesquisas da psicologia nos mais diferentes campos, citando aí conquistas
importantíssimas na área da neurofisiologia,

Página 11

psiconeuroimunologia etc. Apenas estamos refletindo sobre a maneira muitas


vezes abrupta e desordenada como são buscadas novas frentes de atuação do
psicólogo contemporâneo. Exemplo dessas citações pode ser uma entrevista
de um profissional da área da psicologia do esporte publicada em uma revista
especializada, na qual ele, que era o psicólogo responsável por uma tradicional

equipe de futebol paulista, trazia para si os méritos da vitória da equipe que


estava sob seus cuidados profissionais. Assim, ele não era um dos
coadjuvantes dessa vitória, e sim o responsável maior, e não se trata aqui de
se questionar a abrangência e eficácia de um profissional da área da psicologia
do esporte, mas sim de balizar que são os atletas quem enfrentam o adversário
e, portanto, devem ser considerados os principais responsáveis pela eventual
vitória ou derrota. E em que pese sabermos da importância da condição
emocional na influência de desempenho desses atletas, não é cabível o
psicólogo colocar-se como sendo o único responsável por essa vitória, ainda
que de seu trabalho tenha surgido o sustentáculo emocional dessa equipe.
Trata-se apenas de equacionar que, em um trabalho de equipe, todos têm sua
parcela de contribuição. O depoimento do nosso colega era descabido e sem
propósito, parecendo, assim, algo forçado para mostrar-se mais importante do
que na realidade era, e isso a despeito das variáveis presentes em um trabalho
de equipe.
De outra parte, é também notório que, ao adentrarmos nas reflexões sobre a
inserção da psicologia nas mais diferentes áreas do conhecimento, estamos,
igualmente, refletindo sobre as circunstâncias que implicam essa junção do
mesmo modo que construímos os balizamentos teóricos que fundamentam a
nossa prática profissional. Vivemos um momento ímpar no qual a importância
da psicologia é cada vez mais clara e ganha repercussão que transcende toda
e qualquer previsão que se fazia anteriormente por mais otimista que pudesse
ser. O que se torna realmente necessário é que a psicologia consiga atender
às solicitações de intervenção que lhe são feitas e que possa, assim, ir ao
encontro das reais necessidades sociais, e não, ao contrário, tentando impor à
comunidade modalidades de intervenção

Página 12

que digam respeito apenas ressaltar nesse ponto que não somos contrários
aos avanços obtidos pela psicologia nos mais diferentes segmentos sociais,
apenas queremos enfatizar ser preciso que essas conquistas representem uma
nova dinâmica no quesito de necessidades de intervenção psicológica, e não
apenas um mero acoplamento determinado pelas nossas necessidades
mercadológicas. É na psicologia que se depositam as esperanças de
construção de uma sociedade mais saudável do ponto de vista emocional,
derivando daí, inclusive, uma nova configuração da saúde física em sua
totalidade.

A psicologia necessita assim de uma renovação contínua de seus postulados


para que possa acompanhar as demandas sociais e, dessa maneira, tornar-se
coadjuvante no processo de transformação social. Uma psicologia que, ao
mesmo tempo que se mostre libertária, seja também referência de reflexão
sobre as vicissitudes humanas e ainda sustentáculo e acolhimento para o
sofrimento emocional contemporâneo. É sobre essa abrangência que iremos
refletir em seguida.

Contribuições, Transformações e Abrangência


No quesito contribuições há o fato de o raio de ação da psicologia na
atualidade ser tão amplo e abrangente que seria praticamente impossível
delimitá-la em urna reflexão isolada de um capítulo. Assim, vamos fazer um
delineamento envolvendo apenas o campo de atuação da psicologia da saúde.
Estaremos então reduzindo nosso esboço de intervenção para aspectos
meramente conceituais, abrindo-o, inclusive, para perspectivas que não
tenham sido contempladas nesta reflexão e que, porventura, possam
igualmente fazer parte do delineamento de intervenção da psicologia da saúde.

É no interior das reflexões acerca da abrangência da psicologia na


contemporaneidade que iremos encontrar a tentativa de seu comprometimento
com a demanda das necessidades sociais. Assim, práticas como a psicologia
comunitária serão encontradas no bojo da tentativa

Página 13

de se estender o nosso raio de ação, em âmbitos de intervenção psicológica,


para realidades que igualmente se mostram carentes no campo da
compreensão emocional. Outras práticas também seguem nesse mesmo
caminho com a busca

cada vez mais delineada da necessidade de um comprometimento da


psicologia com as reais necessidades da população.

Em nossa vivência cotidiana, envolta nos mais diferentes afazeres, a virada do


século XX para o século XXI nada mais significou que apenas uma mudança
no calendário. No entanto, e considerando a passagem de séculos anteriores,
quando as referências das criações teóricas são situadas a partir da intenção
da realidade histórica dos séculos nos quais se achavam inseridas, temos
então de modo claro a projeção de que, igualmente no futuro as nossas
produções teórico- acadêmicas serão referendadas a partir do momento dos
séculos em que foram criadas. E no momento em que propomos uma reflexão
da abrangência da psicologia para o século XXI, temos uma tarefa que, além
de árdua, seguramente se mostrará estéril. O avanço vertiginoso da tecnologia
na atualidade, superando todas as expectativas mais otimistas, mostra que até
mesmo no campo da psicologia essas transformações se farão presentes. Ou
então seria crivei que as discussões envolvendo a psicologia dos anos 1990
previsse o surgimento das psicoterapias por meio da Internet?! Ou ainda os
recursos de videoconferências levando os mais diferentes níveis de
conhecimento para cantos onde a própria imaginação sequer poderia
conceber?! A própria realidade acadêmica contemporânea com os mais
diferentes cursos de graduação e pós-graduação com afinco e apuro cada vez
mais sofisticados no quesito das pesquisas científicas está igualmente a
mostrar que o surgimento d novos padrões epistemológicos e até mesmo
investigativos exige cada vez mais novos parâmetros de compreensão e
abrangência.

A rapidez com que as informações circulam pela Internet, exigindo que todos
aqueles que minimamente tenham algum compromisso acadêmico estejam
continuamente ligados a essa rede, é indício da necessidade da constante
atualização exigida na realidade contemporânea. Basta se comparar, por
exemplo, que apenas há uma década para se fazer uma pesquisa acadêmica
era necessário uma série de visitas

Página 14

a várias bibliotecas nos mais diferentes cantos da cidade, algo totalmente


distante da atualidade quando, com a facilidade proporcionada pela Internet, a
partir de simples comandos de botões temos todo o panorama mundial de
pesquisas e publicações diante de nós na tela do computador. E na medida em
que esses avanços são incorporados ao nosso cotidiano simultaneamente aos
seus aparecimentos não nos surpreendemos com a mudança que efetivaram
em nossas práticas teórico-acadêmicas. Apenas e tão-somente quando
refletimos para o passado, embora não tão distante, é que vemos escancarado
o abismo que separa a área do conhecimento em apenas algumas décadas.
Hoje não é mais possível se conceber um pesquisador acadêmico que,
mamamente, não possua o seu e-mal e com o qual se relaciona e se mantém
infoiimado com todos os avanços da ciência. Apesar disso tudo, ainda não
conseguimos desvincular a psicologia do pejorativo de que se trata de uma
área do conhecimento que tenta se impor enquanto ciência, mas que, na
realidade, apenas comprova com instrumentos ditos científicos aquilo que a
sabedoria popular já constatou livremente. Essas críticas, longe de estarem
distantes do real, ao contrário, mostram de modo contundente a necessidade
de um aprumo que incorpore não apenas as verdadeiras necessidades sociais,
como também, e principalmente, mostrem que o avanço das reflexões e das
pesquisas em psicologia estão à frente desses impropérios que nos são
lançados livremente. É fato que uma simples consulta ao conjunto de teses
acadêmicas em psicologia constata nua e cruamente o grande número de
pesquisas efetivadas com animais como se fôssemos apenas um ramo da
zootecnia.

A psicologia caminha a passos céleres para ocupar seu lugar de destaque na


construção de uma ciência que decididamente possa entender a condição
humana de modo mais abrangente e que também esteja livre para abrir-se a
novas perspectivas de desdobramento e desenvolvimento. Não é mais possível
conceber-se quaisquer tipos de atividade que envolvam a condição humana na
qual a psicologia não se faça presente de modo irreversível e absoluto. Quando
fazemos uma reflexão a partir do desenvolvimento da psicologia e seus
primeiros acordes ainda no início do século XX, vamos perceber que de uma
ciência que buscava formas e contornos para ser aceita temos

Página 15

hoje, uma plenitude de produção teórica e acadêmica que lhe assegura lugar
de destaque na proeminência das ciências contemporâneas. E, ao contrário de
outras áreas nas quais se buscam o consenso e a uniformidade teórica, temos
na psicologia um universo cada vez mais amplo de ideias e teorizações que,
debatidas, geram inúmeras outras abordagens nesse fascínio e mistério que é
a tentativa de compreensão da condição humana.
A psicologia da saúde, de outra parte, ganha espaços cada vez mais
significativos no rol das teorizações contemporâneas. E seguramente desde as
nossas primeiras publicações, quando tartamudeávamos as nossas primeiras
criações teóricas e práticas, certamente os nossos universos e perspectivas de
atuação se expandiram de modo absolutamente alvissareiro. Um exemplo
desse panorama são justamente os encontros e simpósios realizados na
tentativa de discussão das atividades empreitadas nessa área. Desde o início
dos anos 1980 são realizados os Encontros Nacionais de Psicólogos da Área
Hospitalar, aos quais se somaram também os Congressos Brasileiros de
Psicologia Hospitalar. Trata-se de encontros dos quais participam elementos de
todas as áreas do País, não apenas para se atualizarem sobre os avanços
ocorridos na área, mas também para efetivarem presença naqueles que são os
mais significativos eventos da área. Em 2001, surge o 1 Congresso Brasileiro
de Psicologia da Saúde e Psicossomática, ao qual se somou também o 1
Simpósio Brasileiro de Psiconeuroimunologia. Esse congresso marcou o início
de uma junção de diferentes áreas que se acoplavam ao escopo da Psicologia
da Saúde. Igualmente, o encontro de muitos colegas dos mais diferentes
cantos do País em busca de diferentes matizes que pudessem embasar suas
práticas clínicas. No Quadro 1 podemos observar os diversos segmentos que
se fizeram presentes nesse congresso. Em 2003, ocorre o II Congresso
Brasileiro de Psicologia da Saúde e Psicossomática e novamente agregando o
II Simpósio Brasileiro de Psiconeuroimunologia. Novamente, colegas de todos
os cantos do País comparecem ao evento, fazendo com que ele passe a fazer
parte do calendário dos principais eventos ocorridos em âmbito nacional. E, o
que é mais importante, contemplando os mais diferentes matizes teóricos em
uma perfeita complementaridade. No Quadro 2, podemos observar o perfil do
evento e a sua abrangência conceitual. E,

Página 16

na medida em que o primeiro desses eventos ocorre justamente no primeiro


ano do novo século, é como se iniciássemos o novo século dando uma nova
formatação à psicologia da saúde, enfeixando, assim, diferentes segmentos de
sua abrangência em eventos conjugados.
Página 17

Um novo tempo da psicologia que se imbrica com o novo século para


determinar novas perspectivas teóricas e também novas abrangências
metodológicas. E para que não nos percamos em nossa exposição é sempre
importante ressaltar que a cada evento que reúne os diferentes profissionais
dos mais diferentes cantos, o somatório das discussões sempre faz com que o
enriquecimento estrutural da área seja não apenas promissor, mas tenha
também contornos e especificidades reais. É dizer, sem medo de erro, que
caminhamos muito a cada encontro. E que a perspectiva de novas publicações
sempre traz em seu bojo um pouco do que foi discutido nesses eventos. Em
cada novo livro temos um pouco da fragrância que restou de cada encontro. É
importante ainda destacar que, segundo levantamento dos conselhos
regionais, é uma das abrangências da psicologia da saúde, a psicologia
hospitalar, a área que mais cresce em termos de procura pelos acadêmicos em
sua busca de espaços de atuação.

Citamos anteriormente a questão mercadológica como determinante da


abertura de novos espaços de atuação na psicologia, e a área hospitalar
igualmente se destaca nesse quesito. No entanto, infelizmente, assistimos a
um quadro desolador na procura dos acadêmicos em busca da psicologia
hospitalar. Pois, se de um lado é fato notório o crescimento da busca de
interessados na temática, de outro constatamos que a inserção do psicólogo no
hospital na quase-totalidade dos casos se efetiva por meio de estágios sem
nenhuma remuneração. Ou seja, o psicólogo foi acolhido no hospital, mas
como estagiário, e temos diante de nós uma situação que apenas se agrava,
pois juntamente com outras áreas que partem em busca do estágio para a
especialização profissional, igualmente a psicologia hospitalar trilha esses
caminhos do estágio profissional sem remuneração. A agravante nesse tipo de
situação é que a instituição hospitalar recebe trabalhos altamente
especializados sem ter a necessidade de contratação. Para se ter uma ideia da
gravidade, basta citarmos os principais cursos de São Paulo, que são ligados
aos principais hospitais da cidade. Esses cursos apresentam uma estrutura
acadêmica com o que existe de mais avançado na área e seus alunos
estagiam nos hospitais

Página 18

que lhes dão chancela. Assim, esses hospitais possuem um trabalho de alto
esmero sem a necessidade de contratação, pois o serviço de psicologia é
praticamente desenvolvido pelos alunos sob a supervisão de alguns poucos
profissionais contratados. Frise-se ainda que alguns hospitais sequer
apresentam profissionais contratados, pois a respectiva coordenação e
supervisão são feitos por profissionais pertencentes às instituições acadêmicas
que, no afã de ministrarem cursos de psicologia hospitalar, fazem convênio
com esses hospitais para que seus alunos possam efetivar o respectivo
estágio. Ocorre que dessa maneira temos a efetivação do estágio pelo estágio,
pois esses alunos, ao adquirirem seus certificados de conclusão, não possuem
campo efetivo de atuação, na medida em que a maioria dos hospitais sensíveis
à atuação do psicólogo já possui serviços de psicologia hospitalar estruturados
a partir de estágios não remunerados. E é evidente que a empresa hospitalar
não pretende modificar essa estrutura na medida em que tem um trabalho
altamente especializado e totalmente sem ônus. As unidades hospitalares que
geralmente possuem psicólogos contratados são aquelas pertencentes à rede
pública de saúde e também aquelas que fazem parte da estrutura acadêmica
de algumas universidades. Ainda assim, no entanto, vamos encontrar, mesmo
nesse segmento, hospitais que têm sua estrutura de funcionamento de
psicologia hospitalar totalmente estruturada nos cursos de especialização em
psicologia hospitalar mantidos por essas instituições. Entretanto, é necessário
que se ressalte ainda que essa estrutura de estágios que praticamente viabiliza
uma mão-de-obra especializada sem nenhuma remuneração não é ―privilégio‖
apenas da psicologia hospitalar. Vamos encontrar, dessa maneira, em quase
todos os segmentos universitários esse mesmo tipo de exploração sem que
nenhum organismo competente tome alguma providência para inibir esse
abuso.

As universidades, no afã de qualificar seus cursos, assinam convênios com


diferentes empresas para possibilitar que seus alunos possam adquirir
experiência prática das teorizações que estudam nas lides acadêmicas.
Ressalte-se que essa nova estruturação dos

Página 19

estágios é contrária ao que ocorria décadas atrás, quando o estágio era uma
passagem de experiência para uma possível efetivação contratual da empresa.
Hoje, infelizmente, o novo panorama solidifica, como vimos anteriormente, o
estágio pelo estágio, sem nenhum compromisso por parte da empresa que não
seja apenas abrir seu espaço para que o acadêmico possa, então, adquirir
experiência em um ambiente profissional. Evidentemente que a mudança
desse estado de coisas irá depender de uma ação conjunta dos acadêmicos e
das universidades às quais pertençam.

A psicologia hospitalar apresenta números muito eloquentes da adesão de


acadêmicos e profissionais para a sua área de atuação, basta apenas que não
nos deixemos levar pelas propostas de estágios apresentadas pelos principais
cursos de especialização, pois do contrário teremos um contingente bastante
significativo de psicólogos especializados na área hospitalar e que não
possuem espaço de desenvolvimento profissional com a devida remuneração.

A psicologia da saúde, entretanto, não tem apenas a psicologia hospitalar em


sua abrangência, e outros segmentos apresentam desenvoltura e
desempenhos profissionais bastante significativos e alvissareiros. Basta
refletirmos, como exemplo, sobre a psicossomática que atinge diferentes
âmbitos de abrangência penetrando nos mais diversos segmentos do
conhecimento com contribuições significativas para uma verdadeira
compreensão da realidade humana. Temos também a psiconeuroimunologia,
que se apresenta com perspectivas cada vez mais promissoras no esboço de
compreensão de quesitos imunológicos e seu enfeixamento com determinantes
psicológicos. Certamente, esse tipo de reflexão é bastante importante, pois faz
com que a psicologia possa, então, adquirir importância significativa em suas
buscas de uma compreensão mais abrangente da condição humana. É cada
vez maior o número das vertentes da psicologia da saúde que estão intervindo
em pacientes que, até bem pouco tempo, eram alvo de atenção apenas de
organismos especializados em saúde pública. Assim, casos como alcoolismo e
mesmo outras formas de drogadicção são, hoje, objeto de

Página 20
intensa reflexão dos instrumentos de intervenção da Psicologia e estão, cada
vez mais, disponíveis e a serviço da população necessitada. É que,
concomitante ao aumento do número de profissionais de houve também uma
preocupação qualitativa sobre os desígnios da psicologia e seu real
comprometimento para construção de uma sociedade libertária na qual os
verdadeiros anseios da população sejam considerados em toda a sua
dimensão. E maneira bastante promissora teremos no século XXI, ao menos é
que se descortina nesses momentos iniciais, uma psicologia que esteja
preocupada apenas e tão-somente com as questões que permeiam a realidade
de nossa elite socioeconômica.

Uma psicologia que se comprometa com a construção de teorias inerentes à


realidade brasileira e que possa estar, assim, disponível ao alcance de tantos
quantos queiram fundamentar se em seus princípios para um verdadeiro
dimensionamento das condições psicológicas de nossa População. Trata-se,
sem dúvida alguma, de um desafio que estará a exigir que os nossos esforços
sejam contínuos desdobrados diante da nova exigência que se impõe perante
nossa realidade conceitual Esse desafio é, seguramente, uma das maiores
barreiras a serem superadas no percurso que implica a construção de uma
psicologia com traços e contornos decididamente brasileiros. Essa revisão de
cada etapa de nosso percurso é condição primeira para que possamos, a partir
de reflexões sistematizadas e contínuas, perceber a necessidade de eventuais
mudanças de rumo e, até mesmo, de horizontes e ‗perspectivas teóricas.
Nesse sentido, inclusive as observações citadas anteriormente, sobre a
questão do estágio pelo estágio na prática do psicólogo hospitalar, nos
remetem à necessidade de uma reflexão bastante pormenorizada sobre o
sentido desses atalhos, em que, certamente, não se questiona o papel da
Psicologia em humanizar as relações ocorridas na instituição hospitalar, mas
colocamos em questionamento o sentido da exploração do psicólogo nesse
emaranhado de fatos nos quais sempre encontramos a figura de outros
Psicólogos explorando e tirando proveito desse estado de coisas. E o mais
interessante, para não dizer dantesco, é que a psicologia

Página 21
hospitalar surgia na década de 1980 como uma das possibilidades que tirariam
a psicologia da situação autofágica, ou seja, algo que vive de si mesmo, que
come a si próprio. Tentou-se ampliar o leque de possibilidades de intervenção
do psicólogo, mas acabou-se lançando- o nas garras de outros psicólogos que,
de maneira ladina, souberam explorar de modo ardiloso seu afã em busca
dessa nova perspectiva de atuação.

Isso tudo mostra de modo bastante claro que a construção de um conjunto de


teorias que contemple a realidade brasileira também precisa contemplar uma
reflexão minuciosa sobre o modo de exploração da mão-de-obra dos
profissionais de psicologia pelas empresas que os recebem como estágio, e o
exploram da maneira mais contundente possível. E a empresa hospitalar não
se difere em nada, nesse quesito de exploração, de outras modalidades
empresariais.

E na realidade quando fazemos tais reflexões sobre a psicologia hospitalar não


estamos fazendo referência à sua inviabilidade enquanto área de atuação do
psicólogo, ao contrário, tentamos trazer um pouco de luz para que,
principalmente, os mais novos possam fazer suas escolhas de modo lúcido.
Dessa maneira, serão consideradas todas as variáveis presentes nessa
escolha, e não apenas a busca por uma atividade extremamente prazerosa do
ponto de vista de gratificação emocional, mas que se mostra totalmente árida
no tocante a uma remuneração digna. O que não podemos, incluindo-se aí até
mesmo a nossa responsabilidade de autor que possui uma grande quantidade
de títulos publicados sobre a área hospitalar, é nos calar diante desse estado
de coisas. Chegamos, inclusive, ao absurdo de ver cursos que reproduzem o
modelo médico de residência de especialização, e que, no entanto, ainda
assim não remuneram esses psicólogos. Ou seja, esses profissionais ou estão
pagando para atuar na medida em que esses cursos apresentam preços
compatíveis com os cursos de graduação, ou simplesmente depois de se
especializarem fazem a chamada residência e atuam sem nenhuma
remuneração. Está em nossas mãos a mudança dessa perspectiva; apenas se
faz
Página 22

necessário que tais questionamentos sejam refletidos de modo amplo para que
se estabeleçam, então, novas diretrizes nessa área.

De outra parte, a psicologia da saúde apresenta um dimensionamento bastante


importante para a psicologia, na medida em que, ao caminhar em direção aos
anseios da comunidade, abre-se também para a perspectiva da criação de
novos modelos de intervenção bastante interessantes. Quando refletimos, por
exemplo, sobre a psicologia comunitária, vemos que o seu raio de abrangência
contempla pessoas que estavam à margem da psicologia até bem pouco
tempo. Não há como negar a contribuição que esse segmento está trazendo
para a construção de uma sociedade mais justa e libertária na medida em que,
atuando junto aos excluídos, pode dar-lhes voz e guarida no sentido de fazer
com que seus anseios de uma vida mais digna se tornem realidade. Os
trabalhos que são produzidos nessa área já começam a se tornar referência na
construção de concepções teóricas que abarquem a nossa realidade social. E
seguramente estarão na vanguarda quando, efetivamente, adquirirmos a
consciência da necessidade da construção de teorias verdadeiramente
brasileiras. Infelizmente, com o grande número de desempregados que cresce
a cada dia no Brasil, e isso sem incluirmos os mais jovens que sequer
conseguem adentrar no mercado de trabalho, temos, então, um panorama que
nos mostra que o contingente de excluídos sociais será cada vez maior sem
que possamos avaliar com precisão as consequências desses dados. A
violência que se espraia por todos os cantos do País, por exemplo, certamente
ganhará dimensões ainda mais desesperadoras, e isso sem dizermos da
depauperação da nossa população que, a cada dia, se vê privada das
condições básicas mínimas para uma vida digna. A sobrevivência passou a ser
a única perspectiva de milhões de pessoas que, atiradas às raias da
desesperança e do desespero, não possuem outra perspectiva que não apenas
e tão-somente buscar o mínimo para continuar simplesmente sobrevivendo. E
uma psicologia para ser decididamente libertária não pode simplesmente
desconsiderar tais aspectos, pois eles fazem parte de modo indissolúvel da
realidade de nossa população.

Página 23

Ao lançar seus raios de ação sobre a população excluída, a psicologia avança


significativamente rumo ao seu desígnio mais nobre, que é, justamente, o de
ser um instrumento colocado ao alcance das pessoas para que elas alcancem
sua plenitude de vida. E também rechaça um antigo preconceito o qual
simplesmente afirmava que pelo fato de essas pessoas estarem em total
situação de penúria econômica não apresentam problemas emocionais. É
como se a vida totalmente carente de recursos econômicos básicos
determinasse uma gama tão grande de problemas e sofrimentos que não seria
possível também a existência de problemas emocionais. Mas como é possível,
então, uma vida sem a menor consistência de dignidade não apresentar os
mais variados tipos de sofrimentos emocionais? Esse tipo de questionamento
passava ao largo da psicologia, que não apenas ignorava tal asserção, como
igualmente lhe virava as costas da maneira mais simplista possível. A
psicologia comunitária resgata esse modo distorcido de compreensão da
realidade, ao mesmo tempo que se coloca na vanguarda no sentido de
resgatar essa população para novas perspectivas existenciais. Dessa maneira,
o leque de possibilidades de intervenção psicológica atinge todos os
segmentos da população, e não apenas aquelas pessoas que possuem
condições econômicas privilegiadas.

É importante ressaltar, nesse aspecto, que a construção de uma psicologia da


saúde cujas pilastras atinjam todos os segmentos sociais certamente precisa
considerar as necessidades desses diferentes contextos sobre os quais, se
deseja sua intervenção. Citamos anteriormente os avanços da psicossomática
e quanto ela contribui na atualidade para que um novo diagnóstico sobre os
sintomas apresentados pelos pacientes também considere de maneira
relevante os aspectos emocionais. E essa conquista se mostra irreversível na
medida em que determinados aspectos de certas ocorrências meramente
orgânicas já são vistos e analisados pela própria medicina como decorrentes
de disfunções emocionais. Assim, por exemplo, as patologias envolvendo o
trato gastrointestinal e mesmo cardiopatias são vistas e analisadas de modo
indissolúvel como comprometimentos orgânicos decorrentes única e

Página 24

exclusivamente de situações de estresse emocional que foram impostas ao


organismo.

Dessa maneira, temos todos os motivos para acreditar que a psicologia


ocupará seu lugar no século XXI e corresponderá a todos os anseios daqueles
que sonham com uma condição humana mais digna. Uma psicologia que
poderá enfeixar-se com outras áreas do conhecimento e trabalhar para que a
fragmentação contemporânea seja algo que fique apenas como reminiscência
de um passado distante, pois urge com cada vez mais frequência a
necessidade de uma compreensão global da condição humana na qual todas
essas áreas sejam contempladas. Uma abordagem psicológica que considere
igualmente os conhecimentos da sociologia, da economia, da antropologia, da
medicina etc. Um esboço teórico que traga em seu corpo as marcas do seu
tempo; algo que possa transcender o reducionismo que encontramos em
muitas das teorias que são apresentadas como modernas, mas que trazem, na
realidade, traços de outras épocas, ponteamentos em que não cabe
contemporaneidade. Uma psicologia que traga para os campos de discussão
da realidade humana contribuições significativas para que possamos avançar
nesse detalhamento que é a compreensão humana em seus aspectos
emocionais.

Os avanços obtidos na área da psicologia da saúde estão iluminando os


caminhos de todos que se interessem pela compreensão humana em seus
aspectos contemporâneos. E na medida em que avança rumo a novas
perspectivas teóricas, certamente, temos como real a possibilidade de que está
próximo o dia em que ela ocupará lugar de destaque em todas as formas de
discussão que envolvam o homem contemporâneo. E não é só. A simples
perspectiva de desdobramento que a psicologia da saúde apresenta em seu
leque de alternativas de atendimentos já é indício de que não apenas um novo
tempo se inicia na psicologia, mas principalmente que estamos construindo
uma psicologia decididamente brasileira, criada e teorizada sobre a nossa
realidade. E esse aspecto é bastante interessante para mostrar que não existe
a necessidade de rejeitarmos teorias criadas em outras realidades

Página 25

sociais, apenas precisamos estudá-las e considerá-las no momento de


criarmos as nossas formas de concepções teórico-práticas. Como dissemos
anteriormente, temos de unir todos os esboços de diferentes áreas do
conhecimento, e isso tem de incluir, naturalmente, outras teorizações
psicológicas. Os modelos concebidos em outras realidades não podem ser
simplesmente desprezados em nome de uma possível xenofobia, mas
considerados em suas limitações, que são determinadas pela origem de suas
criações. A nossa realidade de Terceiro Mundo, e aí incluindo-se países das
Américas Latina e Central, se consideramos todo o atraso de nossas
sociedades que determina, inclusive, condições precárias de pesquisas
universitárias, mostra-se surpreendente no quesito de produção acadêmica em
psicologia. Frise-se que até mesmo publicações nossas, criadas e concebidas
na realidade brasileira, são referência em países da Europa, o que,
seguramente, traz contornos de que, embora ainda tenhamos muito para
caminhar, certamente também temos muito para contribuir na construção de
novos parâmetros no campo da psicologia da saúde.

É fato que, ao produzirmos nossas publicações, não temos consciência nem


mesmo dimensionamento do alcance que esses escritos atingirão. No entanto,
uma vez lançado, o livro segue caminhos que nos surpreendem e mostram que
a nossa contribuição, embora pequena, soma-se a outras experiências na
formação de novos parâmetros na construção de uma nova psicologia. O
nosso primeiro livro de Psicologia da Saúde, publicado em 2000, já traz
contribuições significativas do modo como concebemos diferentes matizes da
compreensão da realidade humana. Esse livro delimitou não apenas aquelas
áreas que julgávamos pertencer ao campo da psicologia da saúde, como
também estabeleceu parâmetros bastante dinâmicos para novas conceituações
e reflexões sobre o nosso campo de intervenção. Ao se tornar referência
nacional e mesmo internacional na psicologia, mais do que simplesmente
estabelecermos novos limites de atuação, ampliamos os horizontes de
perspectivas que podem ser abarcados pela psicologia da saúde. E ao
constatarmos o tanto que avançamos nesse quesito, sem dúvida alguma,
espraiamos nossas ideias de modo amplo a ter, na retrospectiva

Página 26

teórica que fazemos, novos denominadores sobre possibilidades que se


descortinam no campo da psicologia. Temos um trabalho muito árduo pela
frente, principalmente se considerarmos que os fatos são dinâmicos e estão em
constante mudança, de modo a fazer com que determinados aspectos que
prevaleciam em determinado período percam sua importância em outros
momentos. E a psicologia assim terá de, igualmente, ser dinâmica para
acompanhar os fatos e se instrumentalizar, inclusive, para poder alterá-los.
Novos aspectos que se formam em uma nova forma de concepção de valores
e nos quais a psicologia estará presente fazendo-se catalisadora e contribuindo
para que os avanços das diversas áreas do conhecimento direcionem seus
avanços para a verdadeira humanização da condição humana, tão aviltada e
acachapada pelo tecnicismo que assolapa a dignidade do homem
contemporâneo de modo tão impiedoso e cruel. E embora seja fato irreversível
que os avanços tecnológicos estão determinando até mesmo diferentes
configurações inclusive nas relações interpessoais, é mister que os avanços da
psicologia caminhem no sentido de fazer com que não percamos ainda mais a
nossa característica humana diante desses avanços. Assim, estaremos de fato
caminhando para a construção de paradigmas teóricos que façam da
psicologia um instrumento eficaz em nossa busca libertária. Outras vertentes
da psicologia da saúde que trazem em seu bojo avanços da medicina, como a
neuropsicologia, trazem diferentes desdobramentos para o verdadeiro alcance
do raio de ação da psicologia.
Vertentes como a psiconeuroimunologia, a neuropsicologia e o
neurocomportamento, certamente, estão trazendo à luz das discussões
contemporâneas aspectos da condição humana que, seguramente, a
psicologia do século XX não ousava sequer conceber. E de fato os avanços a
que assistimos e que são fruto de diferentes pesquisas nos mais variados
campos de intervenção dão-nos a dimensão de que as mudanças que se
mostram ainda assim não nos permitem imaginar os contornos que terão os
esboços teóricos da psicologia dentro de apenas uma década. Muitas
mudanças ocorrem em uma velocidade incompatível com as nossas mais
otimistas previsões. Nesse sentido, mais do que nunca, é necessário repensar-
se o apego que determinados estudiosos apresentam diante de teorizações
concebidas

Página 27

das no final do século XIX, pois esse modo de agir é por demais dogmático e
está a exigir uma completa revisão de posturas e atitudes.

Uma psicologia da saúde revigorada e que se atualize a cada nova conquista


dos avanços científicos e que se mostre na vanguarda do pensamento
contemporâneo. Isso é o que estamos construindo com nossas reflexões e
digressões teóricas. Algo que seja parte de sua historicidade, presença do seu
tempo nos avanços dos instrumentos utilizados na tentativa de compreensão
da condição humana. Uma psicologia verdadeiramente humana. Uma
psicologia que pulse em nosso peito como o coração, com vigor e irrigando a
todos que sobre ela se debrucem em busca de conhecimento. Uma psicologia
que possamos escrever com a certeza de que ela será um pouco de nós, é
fato, mas também parte de todas as pessoas envolvidas em nosso tecido
social.

Referências Bibliográficas
ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da Saúde. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003.
______________________ O Doente, a Psicologia e o Hospital. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2003.

Página 28 – Em branco

Página 29

Capítulo 2

Preservação da Saúde Mental do Psicólogo Hospitalar1

Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos


Introdução: Importância do Tema

Apenas por uma visão sumária do que se tem escrito sobre os profissionais
que trabalham nas instituições hospitalares, pode-se deduzir que o eixo das
atenções à sua saúde mental vem sendo dirigido aos médicos e ao corpo de
enfermeiros, embora existam nesse contexto psicólogos, assistentes sociais e
educadores, entre outros. Temas de natureza psicológica constituem assuntos
frequentemente referidos na bibliografia especializada, não só em relação à
clientela em atendimento, mas também aos profissionais citados. Com respeito
a estes últimos, são priorizados o seu relacionamento com o usuário e com
demais funcionários, os valores éticos em sua defesa e os cuidados com sua
saúde mental, incluindo o desgaste que lhes causa o trabalho no hospital, em
atenção especial o burnout (estado de exaustão), a que estão sujeitos, entre
outros fatores que podem estender-se também aos demais membros da equipe
clínica.

Página 30

Quanto ao psicólogo hospitalar, conotação que o diferencia dos outros na área,


pouco se tem escrito, nem mesmo são realizadas ações pertinentes, em prol
de sua saúde mental, apesar de sua incorporação nas instituições hospitalares,
em nosso meio, ter acontecido há mais de 50 anos. Acrescem-se a este fato o
aumento cada vez maior de sua representação numérica no referido ambiente,
como também da abrangência de suas funções. Esse profissional, entre outras
funções importantes, integra-se plenamente na equipe interprofissional de
diagnóstico e tratamento; atua como promotor do movimento de humanização
hospitalar; participa da comissão de bioética; é agente de mudanças na
mentalidade dos funcionários, como também dos familiares do atendido, e
também destes últimos. Ademais, é porta-voz de esclarecimentos e
conscientização em tais mudanças, promovendo o acolhimento e a atenção às
necessidades individuais da clientela, como recurso propulsor na resolução ou
minimização de muitos dos problemas de natureza psicológica que esta
apresenta. Ao sentir-se acolhida e compreendida, a adesão às intervenções se
mantém, evitando abandoná-las e de ir ao encontro de vias alternativas sem
base científica, nas quais poderia obter maior receptividade.

O exposto é suficiente para se afirmar o quanto o psicólogo é profissional


indispensável nos programas de natureza clínica que se desenvolvem no
contexto hospitalar. É óbvio prever que, no exercício de suas funções, em um
ambiente de risco, como é o do hospital, ele esteja exposto continuamente a
situações estressantes. O impacto que lhe causa o contato com doentes
portadores de enfermidades das mais diversas, muitas vezes graves e sem
perspectivas de cura, confrontado com as manifestações angustiantes de
sofrimento, dor, aflição, tristeza, desesperança, perante a doença e a própria
morte. Complementa-se a esta problemática o frequente desconhecimento das
reais funções, como psicólogo, por parte dos funcionários, até dos
pertencentes à equipe clínica; as resistências por sua inserção, mesmo na
qualidade de estagiário ou de residente nesse ambiente institucional,
considerado equivocadamente de exclusivo domínio

Página 31

médico; e o escasso reconhecimento de seu valor profissional, entre outras


dificuldades. Deve-se considerar, por outro lado, que nem sempre a formação
do psicólogo hospitalar e seu equilíbrio emocional são condizentes com as
exigências de seu próprio desempenho.
Perante este quadro de frustrações e de tensões emocionais, torna-se
premente conhecer, cientificamente, o fenômeno do stress2 a que o psicólogo
hospitalar está sujeito, causando-lhe preocupações, ansiedade e até
transtornos psicossomáticos. E, em complemento, saber quais as estratégias
ou coping3 que desenvolve como defesa a essa situação.

Trata-se de um chamado dirigido ao próprio psicólogo hospitalar para que


centralize sua atenção nessa problemática, a fim de resguardar seu equilíbrio
emocional e, por conseguinte, promover um satisfatório desempenho
profissional em favor das pessoas atendidas nessas instituições, propiciando
relações apropriadas entre os membros da equipe clínica e também com os
demais funcionários, enfim, proporcionando um ambiente harmônico
indispensável em todo ambiente hospitalar. Tais iniciativas devem ser
fundamentadas cientificamente, conforme abordagens teóricas e
procedimentos metodológicos resultantes das escassas pesquisas existentes,
tanto no âmbito internacional como no local.

Considerações Teóricas e suas Aplicações

Analisam-se os temas referidos como consequência das aquisições mais


atualizadas sobre os fatores de stress que ocorrem no ambiente hospitalar e
também sob o coping que utiliza a equipe clínica, em especial o psicólogo
como membro desta.

Página 32

Com base neste posicionamento, adota-se a concepção interacionista do


stress, por ser considerada a mais atual e por integrar-se melhor ao assunto
em pauta. Com esse fim, utiliza-se do Paradigma SOR, S (estímulo), O
(organismo) e R (reação), que compreende a relação entre agentes
estressantes que incidem no organismo humano, extrapolando as reservas
adaptativas deste e dando origem a transtornos emocionais e/ou fisiológicos
específicos. O stress assim concebido é resultante do confronto entre recursos
individuais (equilíbrio emocional, capacidade cognitiva e fatores de proteção,
de resiliência, entre outros) e certas variáveis ambientais identificadas como
estressantes, provocando as reações referidas, acompanhadas, no melhor dos
casos, de estratégias de superação (Magnusun, 1986; Marin, 1999 e
PérezRamos, 1992).

Interpretando o modelo em referência, considera-se como S (estímulo) o


contexto estressante de ambiente hospitalar, tanto para aqueles que aí
trabalham, quanto para os que usufruem de seus serviços. A própria natureza
dessas instituições, o tipo de atendimento que proporcionam e a condição de
saúde física e emocional dos clientes atendidos provocam a ocorrência de
situações estressantes que afetam a estes e a qualquer funcionário que presta
seus serviços nesse contexto. O momento histórico em que o contexto
hospitalar está inserido é também fator condicionante.

Citam-se como exemplo dessas instituições consideradas mais estressantes as


psiquiátricas, as geriátricas, as oncológicas e as destinadas ao tratamento de
dependentes químicos. Destacam-se os serviços de pronto atendimento (PS),
terapia intensiva (UTI) e centros cirúrgicos, cujo clima emocional é
expressivamente propício à existência de intensos agentes estressores.
Complementa-se o rol dessas unidades, como intensamente traumatizante, a
denominada Terapia de Dor e Cuidados Paliativos para atendimento de
pacientes com câncer avançado, já existentes em hospitais oncológicos no
Brasil. Kovács et ai. (2002) descrevem o sofrimento da equipe clínica, inclusive
do psicólogo hospitalar, manifestado por sentimentos de impotência,

Página 33

tristeza e angústia perante a luta entre a vida e a morte dos pacientes


atendidos nesses serviços. Situações que, mais uma vez, clamam por um
apoio efetivo a esses profissionais.

Na atualidade, é preocupante o aumento da violência, que ocorre também nas


instituições hospitalares, em diversos países e inclusive em nosso meio,
segundo os estudos realizados por Gbézo (2001), consultor da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) sobre a mobilização de recursos
humanos no contexto hospitalar. Para este autor, os atos de violência estão
presentes até em unidades mais protegidas, como são as de medicina geral,
pediatria e maternidade, colocando em perigo a vida dos usuários, dos
funcionários e até a segurança desses setores, aumentando, assim, os fatores
estressantes nesses contextos. São exemplos desses atos os ocasionados por
grupos de delinquentes e de dependentes químicos que penetram, pela força,
nos serviços hospitalares atraídos pela possível disponibilidade de drogas,
equipamentos e valores. Além disso, os funcionários dos hospitais vêm
enfrentando, com maior freqüência, hostilidade dos clientes e familiares, assim
como assédio sexual, no caso das enfermeiras, particularmente.

A situação de violência, conforme reitera o autor referido, tem sido mais intensa
nos grandes hospitais, onde é livre a movimentação das pessoas, há grande
volume de população a ser atendida, com extensas filas de espera,
frequentemente com insuficiente dotação de pessoal, entre outras
circunstâncias que colocam os funcionários e os assistidos em estado de
tensão e de perigo iminente, aumentando, por conseguinte, a interferência de
outros agentes estressantes.

Baseando-se no exposto sobre a violência nessas instituições, as quais


deveriam caracterizar-se por ser um ambiente de tranquilidade, Gbézo faz um
chamado à implantação de políticas públicas de prevenção e controle dessa
situação, com o compromisso do envolvimento de todas as autoridades e
profissionais responsáveis pelo cumprimento de tais medidas. Condição que
resultará em evidente diminuição da intensidade de fatores estressantes,
resultantes dessa situação perigosa.

Página 34

Voltando à análise do paradigma SOR, consideram-se como O (organismo) os


profissionais da equipe clínica, particularmente o psicólogo, e como R
(reações), as manifestações emocionais e/ou fisiológicas resultantes da
incidência dos estressores próprios do ambiente hospitalar. Acrescem-se,
como reação, as estratégias defensivas, o coping, que permitem a esses
profissionais poder alcançar um razoável equilíbrio na sua saúde mental. Tais
profissionais estão sujeitos a maiores efeitos de impacto, somente pelo fato de
manterem contato direto e regular com clientes e familiares angustiados.
Situação que poderá ser mais intensa no psicólogo hospitalar, em razão de sua
própria formação profissional, o que ocasiona maior conhecimento e
sensibilidade em relação aos problemas humanos.

Para a integração do psicólogo nessa equipe, é importante que este esteja


convenientemente informado sobre os fatores de stress que, segundo estudos
específicos, mais incidem nos enfermeiros e nos médicos. Com respeito aos
primeiros, a bibliografia analisada informa que, independentemente do setor
hospitalar em que atuam e das funções que desempenham, os principais
agentes estressores que aqueles experimentam encontram-se nas dificuldades
que sentem no relacionamento com os profissionais e na inabilidade que
apresentam para a resolução de problemas resultantes da doença e da morte
(Guppy e Gutteridge, 1991). Tratando-se de impactos ainda mais intensos, tais
funcionários os sentem, como se prevê, quando atuam em setores hospitalares
de maior risco (cuidados intensivos — UTI e centros cirúrgicos), como também
nas variações do turno de trabalho. Nessas situações, os fatores de stress de
maior intensidade são os referidos à gravidade da doença e ao risco de morte
dos atendidos, como também à subordinação ao médico, com expressiva falta
de autonomia na tomada de decisões (Bianchi, 1990; Jamal e Baba, 1992). Em
relação aos médicos, constatam-se como principais estressores a pressão do
tempo, excessivo número de clientes, contato direto e regular com doentes e
também as dificuldades que apresentam no relacionamento com outros
profissionais (Richardsen e Burke, 1991).

Página 35

Quanto ao stress no psicólogo do ambiente hospitalar, dispõe-se de uma única


pesquisa realizada em nosso meio, referente à atuação daquele em um dos
contextos considerados altamente estressantes, isto é, hospitais psiquiátricos e
centros-dia de atendimento ao psicótico (Rego, 2000). Dos seus resultados se
infere que do contato deste profissional com os portadores de psicose, e seus
familiares, derivam os mais intensos e significativos estressores, seguidos dos
relacionados com as dificuldades inerentes ao relacionamento com os outros
membros da equipe clínica; a falta de clareza no desempenho de suas funções
e as limitadas perspectivas de auto-realização; além dos referentes à
instabilidade da estrutura e dinâmica organizacionais. É de se estranhar que
tais fatores mostrem-se mais evidentes nos psicólogos que atuam em centros-
dia, embora seus usuários sejam portadores de quadros psicóticos menos
pronunciados e estejam convivendo na comunidade de onde procedem. Outras
razões a serem investigadas poderão explicar essa situação.

Com respeito ao coping, ainda em referência às instâncias O (organismo) e R


(reação) do modelo escolhido, dispõe-se também de outra pesquisa inovadora
(Cunha, 2000) orientada pela autora do presente artigo, referente ao psicólogo
que exerce funções clínicas em hospitais não psiquiátricos. Para a
compreensão dessas reações defensivas ao stress há necessidade, a
princípio, de verificar qual é o conceito sobre esse construto que a autora
adotou no trabalho. Com tal finalidade, valeu-se de dois critérios: a concepção
mais atualizada sobre o tema, a partir de uma análise efetuada sobre sua
evolução, e o instrumento de avaliação do coping que mais se adaptasse à
ideia escolhida. Neste sentido, também estudou vários deles.

Foi nas contribuições mais atualizadas de Lazarus e Folkman (1996) e de


Schaefer e Moss (1993) que a autora encontrou respostas para empregar tais
critérios. Quanto ao coping, este é concebido como um conjunto de tentativas
estratégicas, de natureza cognitiva e comportamentais, utilizadas pelas
pessoas para perceber os agentes estressantes e sua intensidade, como
também o impacto emocional

Página 36

que poderão experimentar em consequência. Para alcançar esses objetivos,


realizam avaliação cognitiva do estressor e preveem os seus possíveis efeitos,
assim como os recursos pessoais de que dispõem para tentar superá-los.
Tendo uma ideia de ambos, passam a empregar comportamentos defensivos
de confronto ou de evasão (fight or flight), sobre a causa e a intensidade da
ameaça percebida. É importante considerar que tais processos se
desenvolvem tão rapidamente que nem sempre é possível diferenciá-los.

No entanto, eles existem em forma individualizada e são avaliados por


instrumentos apropriados e caracterizados conforme dimensões de confronto e
de evasão. A primeira é compreendida pelo emprego de estratégias cognitivas
de avaliação realística dos estressores e de seus efeitos, como também dos
recursos pessoais para enfrentá-los, seguidos de decisões dirigidas
diretamente à situação estressante. Por outro lado, a dimensão evasão é
concebida por avaliações racionalizadas e evasivas, por aceitação resignada
dos agentes estressantes, seguidas de alternativas depreciativas, de
extravasamento emocional, ou, ainda, de compensações satisfatórias
estranhas à situação. Da análise dessas dimensões, infere-se que a primeira é
percebida como uma estratégia saudável, e a segunda, como problemática.

Os resultados da pesquisa comprovam que, a julgar pela observação do


Quadro 1, em geral, os psicólogos participantes desta apresentam defesas
saudáveis, perante o stress (dimensão de confronto), com diferenças
significantes a seu favor, quando comparadas com aquelas consideradas
problemáticas (dimensão de evasão). Observa-se também neste quadro
grande variabilidade nas pontuações, principalmente na primeira, a de
confronto. Neste quadro, quando analisadas as frequências individualmente,
denotam—se resultados atípicos, representados por inversão de valores
(dimensão de evasão maior que a de confronto), no número 13. Percebem- se,
igualmente, semelhanças de ambas estratégias no número 7 e diferenças
pouco sensíveis nos números 28, 29 e 30. Quanto à distribuição

Página 37

da dimensão evasão, encontram-se picos acima da linha média nos indivíduos


identificados com os números 7 e 23.
Quadro 1 – Distribuição Individual das Médias das Respostas dos Sujeitos nas
Dimensões de confronto e de Evasão
Inventario sobre superação de Stress Profissional (ISSP)

Página 38

Com o intuito de compreender o significado de tais variações, Cunha (2000)


realizou cruzamentos entre ambas dimensões de coping e as variáveis
sociodemográficas e situacionais no trabalho, apresentados pelo grupo de
psicólogos participantes na pesquisa. A autora encontrou diferenças
significantes apenas no variável estado civil e na da especialidade hospitalar.
Em relação à primeira, os solteiros ou separados se manifestaram muito mais
evasivos do que os casados. Por outro lado, diferentemente do que se espera,
os psicólogos que trabalham em hospitais especializados, incluindo os de
moléstias infectocontagiosas e de oncologia, apresentam mecanismos de
confronto significantemente mais intensos do que aqueles que atuam em
instituições hospitalares de caráter geral. Em síntese, pode-se afirmar que esta
pesquisa proporciona informações e diretrizes para a realização de novos
estudos sobre este importante tema.
Questões Metodológicas

Para fins de continuidade a novas pesquisas sobre a saúde mental do


psicólogo hospitalar, apresentam-se subsídios de natureza metodológica
relativos às funções deste profissional, focalizando os temas em referência,
stress e coping, bem como a seleção, adaptação ou elaboração de
instrumentos utilizados para a coleta de dados.

Com respeito ao primeiro item, é importante reiterar, como requisito principal, o


cumprimento de normas éticas e, mais especifica- mente, da bioética nos
estudos e pesquisas que se realizam com pessoas humanas e, no caso
particular, com os psicólogos como funcionários dos hospitais. Tais normas se
referem, principalmente, à sua proteção como ser humano, em referência à sua
saúde física e psicológica e ao sigilo profissional, entre outros aspectos de real
importância. Também prevê a preservação da boa imagem da instituição, bem
como a confiabilidade dos dados obtidos na pesquisa e o necessário retorno
dos resultados às suas origens. Antecipa-se, outrossim, em termos de proteção
à saúde mental dos funcionários, em especial dos

Página 39

profissionais da equipe clínica, destacada atenção ao stress a que estão


sujeitos em um ambiente de risco, como é a instituição hospitalar. Os códigos
de Ética de Psicologia (Conselho Regional de Psicologia, 1997) e de Medicina
(Dailari, 1999) respaldam, em seus respectivos campos, tais normas.

Percebem-se, em decorrência ou paralelamente a esses esforços, mudanças


dos procedimentos na realização de pesquisas no gênero, bem como na
redação e publicação dos trabalhos resultantes. Para fins de controle destas
atividades, estão as comissões de ética, e mesmo de bioética, que atuam nos
hospitais e nas universidades. A elas competem a supervisão e o controle dos
procedimentos que possam garantir a proteção dos participantes e dos
pesquisadores, assim como a qualidade das contribuições que nesse sentido
se realizam e a divulgação pertinente. Esses grupos de trabalho estão no dever
de exigir, de um lado, termos de compromisso por parte do pesquisador e, de
outro, a necessária anuência, bem como a acessibilidade e a facilidade
proporcionadas pela instituição para obter as informações requeridas por
aquele.

Em termos de redação e publicação são válidas as sugestões apresentadas


por Pérez-Ramos (2002), quanto aos cuidados no uso de designações e
referências que possam desvalorizar a pessoa humana. Nesse sentido, é
aconselhável a substituição de ―sujeitos da pesquisa‘ usual em muitos
trabalhos, pela de ―participantes da pesquisa‖. Evita- se dessa forma denegri-la
ao designá-la como ―sujeitos‖, termo este que vem sendo vulgarizado com
conotação negativa. Acrescenta-se, ainda, a necessidade de esclarecer
devidamente o uso desta substituição para não confundi-la com as de
―auxiliares‖ e ―colaboradores‖ da investigação, entre outras. Com tal propósito,
considera-se como da maior importância a motivação e o interesse dos
participantes de tomar parte na pesquisa, respeitando sempre a dignidade e o
anonimato dos mesmos.

Com respeito aos instrumentos de coleta de dados, vários critérios são


utilizados para a seleção, adaptação e mesmo para sua elaboração, se for
necessário. Citam-se os considerados mais importantes:

Página 40

a disponibilidade em nosso meio; a atenção às normas éticas; a adaptabilidade


ao objeto da pesquisa e a sua fundamentação teórica; as características
individuais dos participantes e, por outro lado, as qualidades de validade,
precisão, fidedignidade e, também, a comprovação de sua pertinência
mediante estudo piloto.

Dos instrumentos disponíveis no Brasil, que atendem às principais exigências


citadas e destinados a avaliar o stress e o coping experimentados pelo
psicólogo no contexto hospitalar, apresentam- se dois deles, recentemente
elaborados: o Questionário S-1 de Stress Ocupacional, de Juan Pérez-Ramos
(Rego, 2000), e o Inventário sobre Superação do Stress Profissional (ISSP), do
mesmo autor, em uma adaptação do Coping Responser Inventary — CRI, de
Moos, 1993 (Cunha, 2000).

O primeiro instrumento, isto é, o Questionário S-1 de Stress Ocupacional


(Anexo 1 deste artigo), tem por finalidade avaliar as situações identificadas
como estressantes na atuação do psicólogo em hospitais e centros-dia de
atendimento às pessoas portadoras de psicose. Constituiu instrumento de
coleta de dados da pesquisa citada anteriormente sobre o tema, realizada por
Rego (2000), sob orientação de Juan Pérez-Ramos. Foi elaborado baseando-
se em um levantamento dos principais fatores estressantes que sentiam os
psicólogos, atuando nos contextos citados, bem como dos instrumentos
disponíveis para avaliar tais agentes no ambiente de trabalho. Serviram de
exemplos, neste sentido, o Scope-stress de Vasconceilos (Chaves, 1994) e o
Índice de Stress de Gmelch e colaboradores, adaptado por Juan Pérez-Ramos
(Schimidt, 1992). Sua validação foi assegurada não somente pela realização de
um estudo piloto, mas também pela pesquisa citada, efetuada por Rego (2000).
Nesta se comprovou que o instrumento em referência mostrou-se adequado à
população estudada e metodologicamente consistente.

Este instrumento, como pode ser observado no Anexo 1, consta de duas


partes: a primeira, referente aos dados sociodemográficas que investigam as
características individuais e a situação profissional, de modo a configurar um
perfil do psicólogo participante; a segunda,

Página 41

constituída por 56 afirmações com respostas tipo Likert, subdivididas em sete


blocos relativos às fontes de stress, de acordo com as categorias apresentadas
na Tabela 1, com os itens do questionário a elas referentes.

Tabela 1 - Categorias de estressores e seus respectivos itens


CATEGORIAS ITENS
(1) Desempenho profissional 1a8
(2) Inter-relacionamento com a equipe multiprofissional 9 a 16
(3) Desempenho de papéis 17 a 24
(4) Reconhecimento/compensação profissional 25 a 32
(5) Perspectivas de progresso 33 a 40
(6) Estrutura e dinâmica organizacional 41 a 48
(7) Relacionamento com o cliente e seus familiares 49 a 56

Os resultados de sua aplicação permitem verificar um perfil do psicólogo


respondente quanto a seus dados pessoais (idade, sexo, estado civil e número
de filhos) e a identificação funcional no trabalho (tipo de instituição, área de
atendimento, tempo de serviço, regime de trabalho, situação funcional e nível
hierárquico) como também um perfil das categorias citadas na Tabela 1, a fim
de se configurar as situações estressantes que incidem no psicólogo que atua
nos hospitais psiquiátricos e centros-dia para psicóticos. Os dados obtidos
nestas categorias poderão ser analisados de acordo com as variáveis
sociodemográficas e situacionais de trabalho citadas, obtendo assim um
conhecimento relacional das possíveis circunstâncias que podem explicar as
diferenças entre as situações estressantes identificadas.

O segundo instrumento mencionado, isto é, o Inventário sobre Superação do


Stress (ISSP), tem por finalidade avaliar as estratégias de coping utilizadas
pelo psicólogo como membro da equipe de hospitais não psiquiátricos. Foi
comprovada sua eficiência em estudo piloto e na

Página 42

pesquisa realizada por Cunha (2000),já referida. Compõe-se, além das


instruções para a sua aplicação, de dois blocos: um sobre os dados pessoais e
profissionais e outro que é compreendido de 48 afirmações, com respostas tipo
Likert, destinadas a avaliar as tentativas de coping.
Os dados pessoais a serem obtidos pelo primeiro bloco compreendem: sexo,
idade, estado civil e número de filhos, e os de natureza profissional, tipo de
hospital, regime de trabalho, situação funcional, tempo de trabalho, setor de
atendimento e nível hierárquico. Os itens que compõem o segundo bloco
destinam-se à avaliação das dimensões de confronto e de evasão, em suas
categorias (Tabela 2). São distribuídos em forma simulada para evitarem-se
respostas influenciadas pela referida classificação.

CONFRONTO
CATEGORIAS ITENS
(1) Raciocínio lógico Tentativas cognitivas para compreender e preparar-se
mentalmente para enfrentar essa situação
Esforços cognitivas de construir ou reestruturar
(2) Reavaliação positiva mentalmente uma situação estressante aceitando sua
realidade positivamente
(3) Orientação/apoio Ações comportamentais para a busca de informações
orientação ou ajuda.
(4) Tomada de decisão Ações comportamentais para tomar decisões e atuar
diretamente na situações estressante
EVASÃO
(5) Racionalização evasiva Esforços cognitivos para evitar pensamentos
realísticos sobre a situação estressante.
(6) Aceitação resignada Tentativas cognitivas para aceitar, com resignação a
situação estressante.
(7) Alternativas compensatórias Ações comportamentais para criar, em substituição,
novas fontes de satisfação.
Esforços comportamentais para reduzir a situação
(8) Extravasamento emocional estressante mediante a expressão de emoções
intensas e depreciativas.

Página 43
Para avaliação dos resultados obtidos pela prova, relacionam-se os dados
obtidos em ambos os blocos, cuja pertinência foi comprovada na pesquisa de
Cunha (2000).

Considerações Gerais

A compreensão integral deste trabalho conduz à inferência básica de que a


relevância da preservação da saúde mental do psicólogo hospitalar é
comprovada cientificamente, além de constatar a possibilidade de desenvolver
esta área do conhecimento mediante estudos e pesquisas, e suas aplicações
no exercício clínico desse profissional.

Trata-se de um tema, a inferir pelo conteúdo desta exposição, complexo,


abrangente e de premência na continuidade dos esforços que se realizam
sobre o mesmo, não somente pela sua importância prática e teórica, como
também pela escassez de estudos que permitem fundamentar novos
empreendimentos.

Atenta-se para a realização de pesquisas semelhantes em outros contextos


hospitalares, para poder generalizar as observações e inferências desta
exposição. Questões mais específicas e de necessidade prática clamam pela
efetivação de trabalhos sobre a resiliência dos psicólogos hospitalares e/ou
sobre os fatores de proteção existentes no contexto de trabalho, os quais, de
alguma forma, possam contrastar a influência negativa dos agentes
estressantes incidentes. São estes exemplos de investigações que poderão
motivar os pesquisadores ou estudantes de pós-graduação na área de
psicologia da saúde, ou mesmo dos cursos de aprimoramento ou de
especialização que se realizam no próprio ambiente hospitalar.

Em termos de prática clínica na instituição hospitalar, há muito o que realizar.


Constitui sugestão importante a realização de treinamentos em serviço para os
profissionais referidos ou, ainda, para residentes ou estagiários em psicologia
hospitalar, que contemplem mecanismos de auto-aprendizagem relacionados
com a sensibilidade
Página 44

aos fatores de stress provenientes dos diferentes setores e serviços do hospital


e, particularmente, das condições críticas das pessoas aí internadas. Por outro
lado, devem ser postos à reflexão os recursos pessoais para enfrentar tais
agentes negativos, como são o fortalecimento da autoestima, a avaliação do
potencial resiliente, o equilíbrio emocional e a habilidade cognitiva para avaliar
situações estressantes e tomar decisões realísticas de superação.

Nesses cursos são também propícios temas sobre a análise das condições do
ambiente hospitalar que possam compensar a influência negativa dos agentes
estressores existentes, como seriam a valorização das funções do psicólogo na
equipe clínica, o acolhimento do mesmo nesse contexto, a consideração que
possa receber de seus companheiros de trabalho e a clara identificação do seu
rol profissional, entre outros.

Para concluir, segue-se uma mensagem aos psicólogos hospitalares:


Sinta-se orgulhoso de poder, mesmo enfrentando dificuldades, contribuir com
sua pessoa e sua bagagem de conhecimentos para aliviar os momentos de
angústia e de dor dos seres humanos. Fortaleça-se em sua saúde mental, pois
ela constitui um pilar imprescindível para essa importante missão.

Página 45

Anexo 1 — Questionário ―5-1 de Stress Ocupacional‖

Instruções

O presente questionário tem por finalidade identificar as principais fontes de


stress percebidas por você, na sua atuação, nos hospitais ou centros-dia que
atendem portadores de psicose. Ele consta de duas partes: a primeira se refere
aos dados pessoais e de seu emprego; a segunda compreende 56 itens
especificativos de situações de stress relacionados com o seu trabalho.
Não se trata de uma prova de rendimento ou de um teste de capacidade; por
essa razão, não há respostas certas nem erradas. O importante é que você,
além de indicar os dados referidos na primeira parte, expresse o grau de
intensidade ou de freqüência com que percebe as condições estressantes
apresentadas na segunda parte deste instrumento. Trata-se de um questionário
que deve ser preenchido por você mesmo, com a maior franqueza e
naturalidade. Ao realizá-lo, evite, no caso de pesquisa, escrever seu nome ou
qualquer identificação de ordem pessoal, para assim assegurar o anonimato e
o caráter confidencial do conteúdo de suas respostas.

As informações da primeira parte devem ser preenchidas colocando um X nos


parênteses correspondentes de cada item, especificando sua resposta quando
solicitada. Os dados da segunda parte serão marcados por um círculo no
número que corresponde ao grau de freqüência ou intensidade percebido por
você, em relação a cada uma das situações estressantes indicadas.

Por exemplo: ―Preocupam-me os comentários negativos em relação a minha


profissão‖:

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem: sequência de número de 1 a 5. onde o 1 é ―nunca. O 2 é


―raramente‖. O 3 é às vezes. O 4 é frequentemente. O 5 é sempre. Deve-se
circular número que lhe representa. No exemplo da imagem está circulado o
número 4.

Fim da descrição
Nota-se que foi circundado o item 4 (frequentemente), porque a pessoa que
respondeu esse item percebeu que a citada preocupação é sentida
frequentemente (4).

Agora que você sabe como proceder, procure responder completamente o


questionário, não deixando nenhum item sem resposta. Reflita sobre o
conteúdo de cada um deles, respondendo com toda liberdade e amplitude de
julgamento, como também com a maior sinceridade possível.

Página 46

Marque com um X, nos parênteses correspondentes, o número indicativo que


lhe for aplicável.

1.1 Idade
1.( )até 20 anos
2.( )de 21 a 25anos
3.( )de 26 a 30 anos
4.( )de 31 a 35 anos
5.( )de 36 a 40 anos
6.( )de 41 a 45 anos
7.( )de 46 a 50 anos
8.( )de 51 a 55 anos
9.( )de 56 a 60 anos
10.( ) mais de 60 anos

1.2 Sexo
1. ( ) masculino
2. ( ) feminino

1.3 Estado civil


1.( )solteiro(a)
2. ( ) casado(a)
3.( )separado(a)
4. ( ) divorciado(a)
5.( )viúvo(a)

1.4 Filhos
0.( )nenhum
1.( )1 filho
2.( )2filhos
3.( )3filhos
4.( )4filhos
5. ( ) 5 filhos ou mais

1.5 Tipo de instituição


1.( )hospital
2.( )centro-dia

1.6 Área de atendimento


1.( ) ambulatório
2.( )internação
3. ( ) laborterapia
4. ( ) outras (indicar)

1.( )de6al0anos
2.( )dellal5anos
3.( )del6a2oanos
4.( )de2la25anos
5.( )de26a3oanos
6.( ) mais de3l anos
1.7 Tempo de serviço (instituição atual)

1.8 Regime de trabalho


1. ( ) tempo parcial
2. ( ) tempo integral
1.9 Nível hierárquico
1. ( ) chefe de setor ou unidade
2. ( ) profissional da equipe
3. ( ) outros (especifique)

2.0 Situação funcional


1.( ) efetivo
2. ( ) contratado

Página 47

Parte 2 — Fontes de Stress

1. Fico tenso (a) no desempenho do meu trabalho pelas constantes


interrupções dos outros.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

2. Minha atuação no trabalho é extenuante por causa do excesso de serviço


sob minha responsabilidade.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

3. O tempo de que disponho para minhas atividades profissionais é realmente


insuficiente.
1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

4. As atividades profissionais realizadas fora do horário de trabalho prejudicam


minhas responsabilidades pessoais e familiares.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

5. Eu me sinto insatisfeito (a) com as mudanças impostas às minhas


atividades, sem a conveniente preparação.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

6. Minhas atividades profissionais ficam prejudicadas pelo número excessivo


de atendimentos que tenho de realizar.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 48
7. Sinto-me aborrecido (a) com o desinteresse dos outros profissionais pelo
meu desempenho,

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

8. Minhas atividades profissionais são prejudicadas pela realização de tarefas


administrativas (relatórios, formulários, reuniões etc.) a mim incumbidas,

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

9. Os recursos materiais e os instrumentos de que disponho no meu trabalho


são e superados.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

10. Minhas atividades profissionais no trabalho são rotineiras e pouco


estimuladoras.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

11. Fico confuso (a) no meu trabalho porque verifico que minhas funções estão
insuficientemente definidas.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

12. As atividades paralelas, não específicas de minhas atribuições


profissionais, minha atuação no trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

13. Sinto-me perdido (a) no meu trabalho por não estar seguro(a) de minha
posição na estrutura da instituição

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 49

14. Meu prestígio profissional fica prejudicado com a imagem negativa que os
outros têm da instituição em que atuo.
1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

15. Eu me sinto frustrado(a) com a desordem que se observa na rotina da


minha instituição.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

16. A ausência de programas de reconhecimento e de mérito no trabalho


prejudicado meu interesse profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

17. A natureza dos serviços que são prestados pela instituição cria-me
nervosismo e desgaste nas minhas atividades profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
18. A falta de linhas de supervisão bem definidas atrapalha minha rotina de
trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

19. A insuficiente atualização a estrutura organizacional de meu serviço


desestimula meu desempenho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

20. As repetidas mudanças de atividades no meu serviço atrapalham minhas


realizações.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 50

21. A experiência que estou acumulando no trabalho atual limita minhas


aspirações no progresso profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

22. As atividades repetitivas que realizo bloqueiam minhas aspirações


profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

23. A limitação de oportunidades para atualizar-me no meu serviço prejudica


minhas perspectivas profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

24. Ao perceber que minha categoria profissional vem perdendo prestígio,


sinto-me diminuído (a) nas minhas aspirações.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

25. A falta de apoio no trabalho que exerço, para desenvolver minhas


capacidades e ideias, empobrece minhas perspectivas profissionais.
1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

26. A insuficiência da remuneração pelo meu trabalho desestimula meu


crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

27. A falta de programas para o desenvolvimento de pessoal no meu serviço


dificulta minhas tentativas de atualização profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 51

28. Os conflitos e ciúmes entre colegas no meu serviço entorpecem meu


progresso profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

29. A falta de identificação entre as metas da instituição em que trabalho e as


do seu pessoal bloqueia minhas aspirações profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

30. Os altos índices de insatisfação observados no meu serviço prejudicam


minhas aspirações de crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

31. Na minha organização há reais situações de conflito entre grupos de


funcionários prejudicando meu desempenho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

32. No meu trabalho há ―panelas‖ ou ―grupinhos‖ de colegas que se esforçam


em dominar o ambiente criando tensão.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

33. Fico nervoso (a) com os conflitos, de relacionamento entre as pessoas que
são atendidas na instituição e os profissionais desta.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

34. A evidente falta de cooperação existente entre meus colegas de trabalho


repercute negativamente em meu estado de ânimo.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 52

35. Sinto-me tenso (a) com o excesso de atendimentos que impedem o bom
relacionamento com os atendidos.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
36. Quando me destaco no desempenho de meu trabalho os meus colegas se
distanciam de mim.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

37. Fico preocupado (a) porque certos colegas transgridem os princípios éticos
no trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

38. A falta de lealdade e cooperação dos meus colegas para comigo incide
negativamente no meu trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

39. Sinto-me preocupado (a) com a falta do conceito de equipe existente no


meu serviço.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

40. É prejudicial para o meu trabalho o distanciamento que existe entre os


superiores e os profissionais de minha categoria.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

41. Sinto-me decepcionado (a) com os resultados da avaliação de meu


desempenho profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 53

42. É frustrante para mim perceber a escassa importância que a instituição


dispensa ao meu desempenho no trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

43. A insegurança que tenho em conservar meu emprego atual afeta


negativamente meu estado de ânimo.
1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

44. Fico desanimado (a) ao verificar que as condições de minha instituição não
oferecem melhores possibilidades de crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

45. Vejo-me obrigado (a) a continuar no meu trabalho atual pela falta de outras
oportunidades de emprego.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

46. E conflitante para mim sentir que a estrutura de minha organização não
oferece oportunidades de promoção.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

47. O clima emocional existente nmeu trabalho afeta minha produtividade.


1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

48. Sinto que não sou considerado (a) nas decisões de importância para meu
trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 54

49.0 que a instituição espera de minha atuação é realmente extenuante.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

50. É frustrante o fato de que a instituição em que trabalho não facilite a minha
participação em eventos que visem ao crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
Comentários:

Página 55

Referências Bibliográficas

BIANCHI, E. R. F. Estresse em enfermagem: análise da atuação do enfermeiro


em centro cirúrgico. São Paulo, Tese de doutorado, ll8p., Escola de
Enfermagem, Universidade de São Paulo, 1990.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 6 REGIÃO. Manual do CRP — 6


Região. São Paulo: GraphBox-Caram Editoração Eletrônica e Gráfica, 1997.

DALLARI, D. A. Bioética e direitos humanos. In: COSTA, 5. 1. F.;


GARRAFA, V. e OZELKA, C. (orgs.). Iniciação à bioética. Brasília:
Conselho Federal de Medicina, 1998.

CUNHA, 1. M. F. F. O. Estratégias de supera ção do stress nos psicólogos em


instituições hospitalares. São Paulo, Dissertação de Mestrado, ll8p. Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, 2000.

GBÉZO, B. E. Servicios de Salud: donde ei peligro acecha. Trabajo: revista da


OIT (41), 24-7, 2001.

GUPPY, A. e GUTTERIDGE. Job satisfaction and occupational stress. In: UK


general hospital nursing staff. Work & Stress, 5(4), 315-23, 1991.

JAMAL, M. e BABA, V. V. Shiftwork and department. Type related to job stress


work attitudes and behavioral intentions. A study of nurses. Journal of
Organizational Behavior, 12(5), 449-64, 1992.

KOVÁCS, M. et ai. Implantação de um serviço de plantão psicológico numa


unidade de cuidados paliativos. Boletim de Psicologia, LI
(114), 1-22, 2001.

LAZARUS, R. 5. e FOLKMAN, 5. Stress, appraisal and coping. Nova York:


Springer Publishing Company, 1984.

Página 56

MAGNUSUN, D. Situational determinants of stress: interactional perspective.


In: Goldberger, L.; Breznitz, S. Handbook of stress: theoretical and clinical
aspects. Nova York: The Free Press, 1986, p. 23 1-53.

MARIN, J. R. Psicología social de la salud. Madri, Sintesis, 1999.

PÉREZ-RAMOS, J. Stress no ambiente organizacional: conceitos e tendências.


Boletim de Psicologia, 42(96), 89-98, 1992.

___________ resenha de WESTCOTT, H. e CARTER, S. Guide to writing


effective psycological report (DSE). London: Open University. Boletim da
Academia Paulista de Psicologia, XXII (1/02), 27-9, 2002.

REGO, D. P. Stress ocupacional no psicólogo em instituições de aten


— dimento ao portador de psicose. Sao Paulo, Dissertaçao de Mestrado,
l3lp. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2000.

RICHARDSEN, A. N. e BURKE, R. J. Occupational stress and job satisfaction


among Canadian physicians. Work & Stress, 5(4), 301- 13, 2000.

Página 57

De um aniversário.
Trinta e um anos de muita luz

Valdemar Augusto Angerami — Camon


Para o palhacinho punk,
a nossa Claudinha

Balzac imortalizou a expressão...


mulher de trinta
é a mais fascinante.., a mais bonita... reúne a
maturidade do desenvolvimento com o esplendor
de suas formas... trinta anos é um marco na vida
das pessoas... uma data que vinca emoções, descobertas
e conquistas... na vida da mulher é o período em que
ela se sente desabrochando para a vida.., para o amor...

Trinta anos e muita dor... choro, lágrima e muito


sofrimento.., um quê de desilusão e a certeza de

Página 58

que não haveria outros aniversários.., nem tampouco


a própria ilusão que a vida nos oferece nessas datas...
tudo era turvo e tudo está completamente perdido...
tudo era uma névoa onde não havia lugar para a
esperança e nem para a ilusão...
diagnósticos e mais diagnósticos... e a total
falta de perspectiva de vida como sendo
a nossa única realidade...

Felizmente a vida nos reserva surpresas... e até


o mais seguro dos diagnósticos não consegue
vencer a esperança, a obstinação pela vida...
o azul consegue superar o cinza do desamor...
tudo deixa de ser real diante da perspectiva
que o amor desabrocha em nossos corações...
e o que era lágrima ontem, hoje é sorriso...
e o que era tristeza é apenas reminiscência
de um tempo que passou e que não volta mais..,
tudo é esperança... tudo é amor...
e o ceticismo dos diagnósticos é derrubado
pelo teu sorrir.., pelo teu jeitinho faceiro
de a todos conquistar...

Página 59

Fazer trinta e um anos é mais do que


uma simples comemoração... é saber que
a tua superação é luz.., vida.., azul.., força
capaz de superar as mais intransponíveis barreiras...
é fazer de cada momento a certeza de
que somos privilegiados em partilhar da
tua alegria e da tua superação nas vicissitudes
que a vida colocou em teu caminho...
somos a tua porção de fragilidade.., e nos
fortalecemos com a tua alegria e com a
luz da tua alma, alegre e radiante,a
nos mostrar que
a vida é uma eterna superação...

Página 60 – Em branco

Página 61

Capítulo 3

E o Tratamento se Inicia na Sala de Espera...

SiIvia Martins Ivancko

―Para o paciente que se acha só e confuso, perdido no labirinto da crise, a


abordagem franca e confirmatória de sua existência e o reconhecimento de sua
angústia pelo terapeuta têm a experiência da mão que se estende do alto do
abismo para impedir-lhe a queda definitiva. Nessa fase, o terapeuta não só
consegue estabelecer um vínculo satisfatório com o paciente, como também
produzir certo alívio derivado da anulação da sensação de o paciente achar-se
absolutamente só e desamparado.‖

Ferreira Santos (1999)

Estamos na sala de espera de uma clínica oncológica.

Podemos observar rostos sombrios, preocupados, tensos, ansiosos, sérios,


com medo e tristes. São estas as expressões dos pacientes que aguardam por
uma consulta um diagnóstico, e muitas vezes a revelação do futuro que o
aguarda. No silêncio, olham em direção à televisão como se estivessem
interessados em qualquer coisa que ela pudesse trazer, qualquer coisa que
tirasse de dentro deles as fantasias tristes que os trazem àquela clínica.
Podemos ouvir seus pensamentos:

Será que estou com câncer? Será o fim de tudo?

Página 62

A cirurgia vai dar certo? Será que vou retirar os pontos? E o dreno? Terei que
fazer novos exames? Será que estou curado? E se tiver uma recidiva?
Metástase? Por que a quimioterapia? Terei que fazer radioterapia?
Vou me curar? E se não der certo? Que medo!‖

Segurando firme nas mãos os envelopes de exames quase sempre


indecifráveis, algumas vezes acompanhados por pessoas próximos, outras
vezes sozinhos por não haver ―pessoa próxima‖ ou por julgar ser esta uma
tarefa solitária.

Os minutos são intermináveis...


A cada nome pronunciado há a expectativa de ouvir o seu.

E a espera continua, alimentando os temores cada vez mais.

Não é para menos, carregamos o estigma da palavra (quase sempre


impronunciável) da doença que assola o nosso século: o câncer.

O diagnóstico de câncer sempre vem associado à morte, perda de órgãos,


perda de cabelos com a quimioterapia, queimaduras na pele na radioterapia,
sofrimento, dor, perda de amigos, companheiros de trabalho, hospital, cirurgias,
perda de peso, até o encontro inevitável da morte indesejável.

É bem verdade que este fato ainda ocorre, com muito menos freqüência do que
há poucos anos, mas no momento em que se ouve o diagnóstico, estes
―fantasmas‖ nos invadem sem nos pedir licença.

Mas ainda estamos na sala de espera.

Esta cena é muito comum em clínicas e hospitais oncológicos, todos já vimos


ou até mesmo já vivemos cenas como esta.

Quando pensamos em termos psicossomáticos, entendemos que neste


momento de espera, em sala aguardando um ―veredicto‖ existe com certeza
um paciente.

Página 63

Independentemente de diagnóstico ou terapêutica, estamos diante do paciente


psicossomático, onde a doença pode ou não existir concretamente (mas é real
para o paciente), porém o quadro emocional já está caracterizado sem dúvida.

Diante da expectativa da consulta, já se concretizou um perfil psicossomático,


esses pacientes estão vivendo sintomas tais como: insônia, distúrbios
alimentares, ansiedade, tristeza, irritabilidade, angústia, depressão, medo,
apatia, distúrbios gastrointestinais, dores locais, enxaquecas, stress etc. É
inegável, o paciente doente e sente-se desta forma. Além disso, um sentimento
de vergonha (em razão do estigma) envolve a baixa autoestima, assim
percebemos que os olhares são evitados em uma sala de espera, as pessoas
buscam sentar-se nos locais mais distantes uns dos outros e, em geral, evitam
conversas até para não se tocar no assunto. Às vezes, inquietas, dirigem-se à
secretária, perguntando sobre a demora, ou sobre quantas pessoas há na sua
frente; retornando ao seu lugar. Outras, impacientes, reclamam do atraso do
horário e descarregam parte da ansiedade e irritação nas secretárias, sem que
haja possibilidade de se alterar a espera.

O clima fica tenso e constrangedor, mas quem poderia esperar outra coisa
diante dessa situação?

A espera é um dos momentos mais difíceis para o paciente, inclusive para seu
acompanhante e familiares. É o momento de ―suspensão‖ quando não há um
caminho para dar vazão às emoções. Não há direção para se prepara todas as
possibilidades são viáveis e o paciente imagina tudo o que pode acontecer,
mas não pode agir.

Depois de muito tempo de espera, às vezes horas, o encontro tão esperado e


indesejável com o médico acontece e então a temida palavra câncer é
pronunciada. O mundo do paciente desaba em questão de segundos!

Morte? Dor? Perda dos cabelos? Perda do emprego? Como fica a família?

Enfim, uma avalanche de imagens, medos, cenas desaba sobre a pessoa.

Página 64

As reações da pós-consulta são as mais diversas. Há pessoas que se


entristecem e tentam controlar o choro; existem aquelas que não conseguem
controlar as lágrimas e deixam a tristeza transparecer; as que negam o
diagnóstico, nem chegam a ouvi-lo e buscam um médico ―mais competente‖;
há também as que deixam a raiva se aflorar, demostrando a frustração e a
decepção por terem sido surpreendidas pelo inimigo.

Reações naturais de quem vive um momento decisivo em sua vida.

Após a consulta, com o veredicto, encontra-se a ―porta‖ de saída das emoções:


comemora-se a vitória de um tratamento, de uma cirurgia, uma biópsia
negativa; ou se iniciam os preparativos para uma cirurgia, quimioterapia,
radioterapia; mas enfim a angústia cessa.

Agora se tem um caminho de alívio ou de vazão das emoções, mas a espera


chegou ao fim!

Normalmente esses pacientes vivem essas emoções de forma solitária, sem


apoio, fragilizados, tentando demonstrar força, naturalidade, disfarçando até
para si próprios o momento que enfrentam, tanto na pré como na pós-consulta.

O câncer, nesse momento, só é percebido nos exames, como um nódulo, ou


um sintoma, muitas vezes não há dor física, mas sempre há uma enorme dor
psíquica no nosso paciente psicossomático. E é essa dor psíquica que deve
ser tratada nesse momento.

―E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção

Página 65

Então, eu te convidaria Pra uma fantasia


Do meu violão...‖
Fantasia
(Chico Buarque de Hoflanda)

Como Tudo Começou...A Primeira Experiência

Durante a minha especialização em Psicologia Hospitalar no Hospital das


Clínicas da FMUSP, com a exigência de uma monografia fui autorizada a
frequentar uma Sala de Espera da 3 Clínica Oncológica Cirúrgica, na qual o
psicólogo Niraldo Santos convidava os pacientes (que aguardavam pela
consulta pré ou pós-cirúrgica oncológica) a se dirigirem a uma sala reservada
para conversarem. Alguns pacientes optavam por essa Sala, onde podiam falar
de seus problemas e contavam sobre seu tratamento.

Eu, gestaltista e a psicodramatista Maria Cristina Salto observamos por um


mês o trabalho realizado pelo Niraldo, lacaniano. Depois da nossa observação,
começamos a intervir no grupo, cada um com seu estilo, e percebemos que
Peris, Moreno e Lacan conviveram muito bem!

Comecei então a coleta de dados para a minha monografia. Ao final das


sessões, que duravam em média uma hora e meia, pedíamos autorização aos
pacientes para gravar o discurso de cada um sobre o que era, para eles, a
―Sala de Espera‖ Os 52 pacientes que autorizaram tiveram seus depoimentos
gravados.

O objetivo do trabalho era saber se a Sala de Espera contribui, e de que forma,


para o paciente.

Página 66

A partir desses depoimentos foi feita, por meio de uma metodologia qualitativa
proposta por Fernando Lefêvre (2000), a classificação do ―Discurso do Sujeito
Coletivo‖ de acordo com as seguintes palavras-chave:
Tempo, Catarse, Esclarecimento Comparação, Amizade, Avaliação da Sessão
do Dia, Mudanças de Atitude, Expectativas de Continuidade da Sala de Espera
e Equipe de Atendimento do Hospital, em um total de nove grupos.

Os discursos são analisados individualmente e tudo o que se refere ao mesmo


tema é unido em um Único discurso representativo da coletividade, já que o
tema se repete oriundo de diferentes sujeitos.

Após a divisão dos discursos nas nove categorias, foi feito um único relato de
cada categoria representativa dos pacientes em questão.
Na categoria Tempo, foram colocados os discursos que relacionam a Sala de
Espera ao fato de o tempo passar mais rápido.

―.. Quando a gente conversa passa o tempo rápido; calado, o tempo demora a
passar, aqui as horas passam e você nem vê... para mim sala de espera é
aquela lá fora onde o tempo não passa, essa aqui não; aqui o tempo passa
rápido. É melhor do que lá fora porque aqui o tempo passa e a gente nem num
vê, num é verdade? Enquanto esperamos, é melhor ficar conversando, ajuda a
hora passar.‖

Na categoria Catarse, os discursos se referem a sentir-se bem ao falar, ao


elemento catártico de que falar leva a um bem-estar.

―A gente expõe o que a gente sente, se está triste ou se está alegre... a gente
põe para fora a tristeza, é bom, falar é bom e poder colocar para fora o
sentimento de cada um é muito bom. Ficar se distraindo, ouvindo as emoções
das pessoas, você se sente bem e ficar calada esperando você junta um
problema com o outro e só atordoa a cabeça da gente. Aqui não enche a
cabeça, até esvazia, tira o stress... Se não tivesse isso aqui, a gente não
suportava o problema da gente, porque aqui a gente amadurece, a gente
cresce, com o problema de cada um e a gente suporta carregar a cruz da gente
com mais facilidade. É diferente da

Página 67
outra sala, porque, às vezes, na outra sala alguém te conta um problema e
você não desabafa com ninguém e vai segurando o problema de um, o
problema de outro e chega uma hora que você fica pior do que já estava, e
aqui já é um outro modo... dá pra desabafar, ajuda muito nessa parte de medo,
a gente conversa, descarrega um pouco os problemas... ajuda. Ficar calado
assim é neurótico, a gente desabafa, a pessoa desabafa, eu acho muito
importante falar tudo o que está acontecendo..., o desabafo faz bem! Eu vou
pensar em mais alguma coisa e confessar mais algumas outras; por exemplo,
que nem da outra vez que eu vim, tinha umas pessoas que estavam muito
impressionadas, um nervoso, até falando palavrão e no fim ele estava
totalmente tranquilo, e se sentiu bem no final da reunião, as pessoas têm medo
e o medo é pior do que a doença...‖

Na categoria Esclarecimento, os discursos relacionados são os que relatam


algum tipo de esclarecimento em Sala de Espera.

―Se tiver alguma dúvida, a gente pergunta e lá fora não; a pessoa fala do
problema dela e você do seu e fica na mesma ou até pior, né? Aqui se tem um
esclarecimento maior, a gente fica mais preparada, depois de ter passado aqui
pelas reuniões. Eu me senti mais segura, mais confiante, eu sei o que nós
devemos fazer e estamos fazendo. Agora eu estou mais preparada para
enfrentar, não sou mais aquela pessoa nervosa, que ficava ansiosa. A gente
fica ciente de muitas palavras, de muitos conselhos, de muitas explicações,
muitas coisas que falaram, eu não sabia e aprendi hoje... Sobre reclamar, eu
não sabia... é um direito meu!...‖

Na categoria Comparação, os relatos selecionados foram aqueles nos quais o


paciente cita comparações entre si e os outros ou entre dois outros pacientes
como uma forma de conforto ou de parâmetros para
Situar:

―Às vezes, a gente fica meio oprimido, achando que está sendo vítima, e
conversando aqui, a gente nota que tem pessoas que estão passando por
situação ainda pior do que a da gente; então é muito reconfortante. Tem gente
que não tem nem um real para tomar condução para vir aqui, então a gente se
sente numa condição privilegiada. A gente se emociona também com a
emoção dos outros, você pensa na situação dos outros... a dele está pior do
que a minha ou a minha está pior do que a

Página 68

dele... eu já estive aqui chorando... A gente se sente bem melhor quando


conhece o problema dos outros...‖
Na categoria Amizade, as frases selecionadas são as que associam a Sala de
Espera com o fato de se relacionar socialmente e conhecer novas pessoas.

―... Aqui a gente também fica amigo dos outros, conta o seu problema, ouve o
problema dos outros, fica conhecendo muita gente... as pessoas são amigas
que ajudam a gente a segurar a mesma barra... eu converso com o pessoal, é
bom ver as pessoas.‖

Na categoria Avaliação da Sessão do Dia, foram eleitas as frases relativas a


uma avaliação dos pacientes no que diz respeito à sessão de Sala de Espera
do dia em questão.

―Eu venho nessa reunião e eu gostei, aqui dá pra gente aquela força, aquela
liberdade; é um trabalho maravilhoso, eu acho vir aqui bom à beça... se ainda
me for possível vir aqui da próxima vez... eu acho que vale a pena... foi ótimo
hoje... É muito importante o trabalho que vocês fazem porque descontrai e
ajuda muito as pessoas, então eu acho que esse trabalho que vocês fazem é
magnífico, eu gostei muito.‖

Na categoria Mudanças de Atitude, foram preservadas as frases em que o


discurso indica mudança de atitude a partir da vivência em Sala de Espera.

―Agora eu estou rindo, mas eu cheguei nos nervos para falar com o médico,
que eu pensei: vou me embora, mas agora eu já mudei de atitude, vou falar
mais alegre com o homem... Eu tô me sentindo melhor agora, eu não tô tão
inseguro, né, quanto tava, realmente ajudou, agora eu tenho confiança, eu me
trancava muito e sofria muito, mas depois que eu passei a vir na sala de espera
eu melhorei muito, hoje eu consigo falar, antes eu não conseguia...‖

Na categoria Equipe de Atendimento do Hospital, selecionou-se os discursos


dirigidos aos médicos, enfermeiros e psicólogos da Sala de Espera.

Página 69

―Vocês (coordenadores) compreendem a gente no nosso sofrimento e nos


ajuda dessa forma; ter uma comunicação assim de paciente e médico, isso é
muito importante, né? Eu acredito também na ciência, nos médicos, acredito...
Os médicos que tratam a gente com o maior amor e sei que eles fazem o
máximo que eles podem, a gente aqui é muito bem tratado também pelas
enfermeiras, é espetacular, não tenho do que reclamar...‖

Na categoria Expectativas de Continuidade da Sala de Espera, são narrados os


discursos relativos ao assunto.

―A reunião de vocês é muito boa, espero que vocês continuem porque é muito
importante! Eu espero que vocês levem esse projeto adiante... e que Deus
ajude que vocês possam levar esse trabalho em todas as outras áreas.‖
Também foram incluídos trechos de discursos de caráter catártico, nos quais
os pacientes, ao serem inquiridos sobre a avaliação da Sala de Espera, não
responderam a questão, mas aproveitaram o momento para falar de seus
medos, insatisfações, inseguranças e problemas que estavam sendo vividos,
muitas vezes ditos pela primeira vez.

Paciente 1 — ―Neste mês, eu contei segundo por segundo para chegar a hora
da consulta porque isso (mostra o local do câncer) está me incomodando
muito..., dói... e me irrita muito a burocracia, faz seis meses que estou tentando
curar isso só na espera de falar com o médico. Porque o pobre é tratado de
qualquer jeito, é um problema político, o brasileiro não sabe reclamar nada‘
Paciente 2 — ―Estou muito preocupada por ter aparecido este outro tumor, não
contei para ninguém lá em casa (começa a chorar) ...‖

Paciente 3 — ―Esperei meu filho até as 6 horas da manhã, ele não apareceu e
então eu vim sozinha de ônibus... é difícil para mim, pois tenho muitas dores na
perna e às vezes ela endurece e não consigo andar. Minha vida é muito
sofrida, moro sozinha, sou separada desde muito tempo e tenho só um filho.
Durante alguns anos, morei junto com ele e minha nora, mas ela me tratava tão
mal, que precisei ir embora de lá. Vocês acreditam, que meu prato e os meus
talheres ela separava dos outros da casa? Depois que eu tomava banho, ela
entrava no banheiro e ficava desinfetando, como se esta doença fosse
contagiosa.‖

Página 70

Paciente 4 — ―Faz tempo que eu venho aqui e nada é resolvido, este tumor
vaza e faz uma fedentina horrível, tem dia que chego a trocar quatro vezes de
camisa.‖

Paciente 5 — ―É muito difícil, sou de Pernambuco, deixei lá meu marido, meus


filhos e minha mãe. Moro com meu pai aqui há um ano e meio.‖

Paciente 6 — ―Pra mim é difícil estar aqui para fazer este tipo de consulta, eu
jogava futebol como amador, e tive que parar o esporte... quando saio na rua,
às vezes, minha perna fica endurecida e os amigos me chamam de saci...
estou oprimido, não posso mais jogar bola, não posso fazer mais nada,
enquanto estiver com este tumor, quero que seja feito aqui o melhor, quero ser
operado logo para retirar ele daqui... às vezes, tenho vontade de rasgar isso
com uma faca.., foi bom estar aqui porque pude desabafar a história do saci,
nunca contei isso a ninguém, só para vocês:‘

Paciente 7 — ―A notícia da doença pega a gente de surpresa, atrapalha nossos


planos futuros..., depois do diagnóstico passamos a pensar diferente..., fiquei
muito triste. Estava para me casar e adiei o casamento porque não sei o que
vai acontecer, tenho um tumor na perna. O câncer destrói os planos da gente e
causa uma tristeza muito grande. É muito bom poder dividir com a família os
problemas. É a primeira vez que eu venho..., eu achei bom, porque dá ânimo
na gente, se ficamos sós na sala de espera, ficamos pensando na doença e
suas consequências, a expectativa para entrar no consultório médico é muito
alta.‖

Paciente 8 — ―Fiz a biópsia, porém não pude ser operado, pois o médico me
disse que a chance de morrer na cirurgia é grande, sinto muita dor, estou mal,
não estou gostando desta situação (da doença), na verdade eu tenho ódio do
mundo por estar assim. Sei que estou na clínica de hematologia, prefiro não
saber o que tenho...‖

Paciente 9 — ―Quando soube do diagnóstico, reuni meus filhos na minha firma


e contei a eles e à minha mulher. Eu disse: ‗Está difícil falar sobre isso, hoje
vocês estão me vendo abatido e abalado, mas sei que vou superar e conto
com vocês!‘ Tenho ansiedade, expectativa do resultado de qual o tratamento
que terá que seguir daqui pra frente, acho que talvez tenha que fazer
radioterapia.‖

Paciente 10 — ―... Mas tem o seguinte, comentar aqui é uma coisa, para quem
sabe do nosso problema, fora daqui são poucas as pessoas que sabem que
tenho câncer, pois as pessoas são preconceituosas e temem que esta doença
seja contagiosa.‖

Página 71

Paciente 11 — ―Nunca fiquei doente, nunca fui a um hospital, não gosto de


falar em doença e nem de ouvir coisas que de repente nem têm cura..., é ruim.
Ninguém quer ficar doente, todo mundo quer ter saúde. Mas errar o
diagnóstico, é demais, deixar chegar no estado em que chegou para mandar
fazer biópsia... é para estar revoltado, eu nem sei se o meu caso tem cura ou
se vou morrer em três meses, mas com essa demora ficou pior. Acho que não
é bom ficar falando, queria voltar para a roça onde moro e tocar a vida como
sempre, esquecer isso.‖

Os resultados obtidos a partir da observação dos relatos dos pacientes que


frequentaram a Sala de Espera da 3‘ Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo nos leva a constatar
que o espaço ―Sala de Espera‖ contribui positivamente para os pacientes.

Este resultado tem concordância com os objetivos de Melio Filho (1998), ao


que se refere a fazer um atendimento de qualidade à grande demanda de
clientes que esperam longo tempo pela consulta. Nesse seu trabalho, também
afirma que ―é mais fácil falar das emoções com um igual a partir da relação que
se institui no grupo e que a sala de espera sensibiliza o paciente quanto às
dimensões psicológicas da sua situação, trocando a posição passiva e
receptiva do paciente para uma posição ativa e participativa‖.

Maldonado (1998) também refere que, em sala de espera, transforma-se o


tempo ocioso em tempo de trabalho e as vivências são compartilhadas, sua
expressão incentivada e as informações solicitadas pelo grupo são dadas de
forma prática e informal.

Neste aspecto, Gonçalves (1998) ressalta que os pacientes apresentam um


sofrimento psíquico e que a necessidade de compartilhar com alguém este
momento de espera, tendo pelo menos uma escuta, pode refletir de forma
positiva criando um alívio ao sofrimento emocional.

Segundo Winnicott (1949), este seria o ―espaço potencial‖, ou seja, a ―área


onde se dão as trocas entre o indivíduo e o meio e onde

Página 72

ocorre toda a experiência satisfatória mediante a qual o indivíduo pode


alcançar sensações intensas e a consciência de estar vivo‘
Santos (1999) conclui em seu trabalho que o atendimento em grupos de sala
de espera atinge um número considerável de pacientes com problemas
semelhantes de saúde, dentro de um enfoque educacional, que permite a
aquisição de estratégias eficazes para enfrentar a doença.

Ferreira Santos (1999) afirma que o apoio vindo do terapeuta produz o alívio da
sensação de o paciente sentir-se absolutamente só e desamparado. Além
disso, a participação ativa do paciente no processo de tomada de decisão em
relação ao tratamento facilita sua cooperação com as intervenções propostas,
assim como a adesão ao tratamento.

―O mundo fere todas as pessoas,


mas depois, muitas se tornam
fortes nos lugares feridos...‖
Ernest Hemingway

A Sala de Espera

Concluído o trabalho do Hospital das Clínicas da FMUSP, fui convidada por um


Instituto de Cancerologia a apresentar um projeto de trabalho que se
adequasse às reais necessidades dele.

A sala de espera desse instituto é frequentada por pacientes de diversos


planos de saúde, o corpo médico constituído por médicos oncologistas e
cirurgiões das mais diversas especialidades.

Na minha primeira visita ao instituto, encontrei as mesmas expressões


sombrias que havia visto no Hospital das Clínicas. Apesar do nível
socioeconômico diferente, o sofrimento, a angústia, o medo, a tristeza eram os
mesmos.

Página 73
Ao iniciar meu trabalho nessa clínica, notava certa curiosidade por parte dos
funcionários e alguns médicos não estavam bem certos do benefício que a
atuação na sala de espera pudesse trazer, mas aguardaram os resultados.

Comecei como no Hospital das Clínicas... Observando! Neste instituto há


também uma confortável sala para quimioterapia que comporta cinco pacientes
em poltronas reclináveis, com duas enfermeiras e uma TV. Apesar de todo o
conforto, muitos pacientes tinham medo até de olhar em direção àquela porta
com a placa: ―Sala de Quimioterapia‘

A sala de espera, finamente decorada, divide o ambiente em uma sala grande


e outra pequena com uma TV para cada uma das salas. Frequentemente,
podia-se ver os pacientes mais debilitados, em cadeira de rodas ou que
perderam os cabelos na quimioterapia, envergonhados, buscando a sala menor
como refúgio, escondendo-se dos demais.

Os pacientes chegam a esse instituto indicados pelos seus médicos, ou pelo


livreto do convênio, mas quando saem do elevador deparam-se com o nome do
instituto; e a palavra ―CANCEROLOGIA‖, fazendo com que os menos avisados
sofram o primeiro impacto do nome câncer. Foi então que me perguntei: o que
poderia ser feito para aliviar a dor emocional desses pacientes?

Voltei às categorias do meu trabalho no Hospital das Clínicas, e pensei muito


em cada uma delas. Decidi experimentar como início a categoria
―Esclarecimento‖ porém, desta vez, com um caráter intencional e não casual ou
decorrente do encontro, como foi no Hospital das Clínicas.

Cheguei então na sala de espera, apresentei-me a todos como psicóloga e


disse que estava lá para conversar. Quem quisesse participar iria para a sala
grande, mas os que preferissem ver TV, ler, ou não participar poderiam ficar na
sala pequena. Senti as pessoas muito surpresas com a minha ―aparição‖ nunca
tinham visto algo parecido.
Uma psicóloga conversando na sala de espera? Para quê? Ela quer me
analisar? Será que ela vai perceber como estou? Alguém para me

Página 74

dar atenção, para falar comigo? Que bom! Que medo! Essas foram algumas
das frases que ouvi, tempos depois, de alguns pacientes.

Mas, continuando, após me apresentar, refiro-me ao nome do instituto com a


palavra ―Cancerologia‖ que visa desmistificar o estigma da doença, fazendo
com que possamos pronunciar câncer, assim como pronunciamos diabetes,
hipertensão, gastrite, reumatismo etc. com a mesma naturalidade. Além disso,
o Instituto não trata apenas pacientes de câncer, mas todos que pretendem
fazer exames preventivos ou cirurgias de tumores benignos e malignos. O
caráter de esclarecimento alivia alguns medos advindos do desconhecimento
de um assunto, tabu conhecido até pouco tempo como ―doença ruim‖ e palavra
jamais dita na frente de crianças. O medo do desconhecido diminui quando se
tem a informação necessária, portanto, dentre os assuntos de Sala de Espera
surgem temas tais como: por que o médico pede exames complementares,
casos cirúrgicos, anestesia, internação, pontos, drenos, indicação de
quimioterapia, possíveis efeitos colaterais da quimioterapia, tempo de
aplicação, a palavra quimioterapia, radioterapia, o que é mastectomia radical,
parcial, de quadrante, cirurgia plástica de reconstrução, próteses externas,
perucas, beleza, estética, vaidade, cura, alta, metástases, recidiva, avanços da
medicina, atualidades em medicina diagnóstica, casos de cura etc.? Os temas
variam sempre de acordo com a demanda de cada Sala de Espera.

É possível se direcionar temas da Sala a partir da agenda médica que assinala


se o paciente vem para primeira consulta, se é retorno para trazer exames, se
vai marcar cirurgia, se vai fazer curativo pós- cirúrgico. Assim, já se tem um
panorama de quem é o paciente que vamos encontrar naquela Sala e os
possíveis interesses, dúvidas e esclarecimentos a serem dados.
A maioria dos pacientes vem acompanhados e, quando há demanda, é
discutido o papel da família no tratamento, os cuidados com o paciente e com o
acompanhante. Os esclarecimentos são dados em um clima descontraído,
informal e natural, sem que pareça uma

Página 75

aula, intercalando-se depoimentos espontâneos de pessoas que tenham vivido


situações citadas e que contam suas experiências.

Assim, podemos agrupar o caráter catártico com o de esclarecimento, em que


os papéis se invertem e se alternam, muitas vezes despertando uma
compreensão do outro, uma aproximação, troca de telefones, interesses
mútuos, o que nos leva à lembrança da categoria Amizade, encontrada
também no Hospital das Clínicas.

A separação por categorias é meramente didática, pois elas ocorrem


concomitantemente e muitas vezes sem que se dê conta. Como ocorre na já
citada categoria Tempo: o que se observa é que, antes de se começar uma
sessão de Sala de Espera, os pacientes estão frequentemente se levantando e
perguntando às secretárias se vai demorar.

Após iniciar a Sala de Espera, poucas pessoas levantam-se para saber sobre
tempo de espera, e ao serem chamadas, às vezes com muito atraso, dizem:
―Já sou eu?‖ Outras vezes chegam a não escutar seu nome ao serem
chamadas, algumas pessoas chegam mesmo a retornar à Sala de Espera após
a consulta para ficar mais um pouco ou para completar um depoimento com o
resultado de sua consulta.

Um fato curioso é que, surpreendentemente, os pacientes que mais sofreram


em número de cirurgias, em mutilações, em perdas, são os que, com mais
freqüência, dão apoio aos pacientes fragilizados com a primeira consulta, ou
com a primeira cirurgia. Pode-se levantar a hipótese de que após o
enfrentamento e inevitabilidade das situações por que passou, não existe mais
o medo do imaginário, mas a busca de soluções para-o problema real. Então
englobamos também o aspecto de Comparação entre os casos, que também
foi encontrado na experiência anterior. O paciente, ansioso com uma pequena
cirurgia, fica conformado ao ouvir um depoimento esperançoso de uma
mastectomia radical bilateral, ou quando vê um paciente chegar feliz exibindo o
dreno pós-cirúrgico na expectativa de deixar seu ―cachorrinho‖ (assim
chamamos carinhosamente O dreno) com a enfermeira após o curativo. É
inevitável a comparação, e a consequente constatação de que ―existem casos
piores do que o meu, que não e tão grave‖.

Página 76

No instituto, não foram gravados depoimentos, porém o conteúdo que foi


ouvido em Sala de Espera, nos corredores ou mesmo dito para os médicos, em
nada difere do primeiro estudo no Hospital das Clínicas. Informalmente, os
depoimentos são ouvidos, como esse dado a um médico:

―Doutor, o senhor deu o mesmo diagnóstico do outro médico, mas vou fazer a
cirurgia com o senhor, por dois motivos: gostei do senhor e gostei do trabalho
na Sala de Espera‖ (dito a um médico).

―Eu vim ontem trazer minha mãe para a quimioterapia e fiquei ouvindo o
trabalho da Sala de Espera, hoje trouxe minha mãe novamente para a quimio,
mas também trouxe minha avó e minha tia para participarem da Sala de
Espera‖ (acompanhante de paciente de quimioterapia na sala de espera).

―Vocês todos são maravilhosos, atenciosos, prestativos, preocupados conosco;


mas o convênio..., é por isso que estou bravo‖ (marido de paciente que
retornou para resolver a cirurgia de reconstrução de mama de sua esposa que
o convênio não autorizou).

―Eu fiz cirurgia com o doutor..., e digo que você pode ficar tranquila porque está
em boas mãos‖ (paciente na Sala de Espera para outra paciente).
Ao que se refere à equipe médica, à Sala de Espera e ao atendimento, também
temos opiniões semelhantes às do primeiro estudo. Não há avaliação em
relação à continuidade da Sala de Espera, pois não se trata de um projeto
experimental, como foi no anterior; também não há exatamente uma ―avaliação
da sessão do dia‖, pois não é pedido como anteriormente, mas, mesmo assim,
alguns pacientes avaliam como muito positivo, onde aprenderam algo, e vêem
como um diferencial do Instituto: ―Não vi esse trabalho em lugar nenhum! É
muito bom!‖

As mudanças de atitude são percebidas e assinaladas para os pacientes:


―Você percebeu que a tempos atrás você estava com medo e chorando aqui na
Sala e hoje, após a cirurgia, você está ensinando e encorajando as pessoas?‖
(feedback dado a uma paciente na Sala de Espera)

―Ë que naquela época eu estava precisando receber; hoje, eu tenho para dar!‖
(resposta da referida paciente)

Página 77

―Na primeira vez que eu estive aqui, só chorava... Hoje, estou muito ansiosa,
nervosa, mas não estou chorando! Quem sabe da próxima vez vou estar mais
calma!‖

Descrever essa experiência a empobrece muito, pois fica praticamente


impossível descrever o tom, o colorido, a emoção, o aroma, o sabor, por meio
de palavras. Mas se foi possível visualizar a cena anterior em uma sala de
espera comum, dita normal, vou ousar expor em palavras um pouco do que
vivemos nessa Sala de Espera, digamos, diferenciada.

No início, como já disse, havia surpresa, dúvida e desconfiança, tanto dos


médicos e dos funcionários como dos pacientes.

Hoje, vemos que apesar das dificuldades enfrentadas, é permitido sorrir,


brincar, fazer piadinhas, falar sério, chorar, compartilhar, estar VIVO apesar do
câncer. Com certeza, essa postura deixou o Instituto muito mais ―barulhento‖ e
leve, bem diferente da conotação anterior da palavra câncer!

Mesmo antes da ―sessão‖ de Sala de Espera, já se pode observar que os


―veteranos‖ assumiram uma nova postura, conversam com os ―novatos‖,
perderam a vergonha de se expor, de assumir o tratamento, a careca ou o
―cachorrinho‖ Os pacientes que voltam para o controle referem-se à ―nossa
revisão de quilometragem‖.

O bom humor, a descontração e a retirada do ―pré-conceito‖ são efeitos visíveis


na Sala de Espera.

Ter um câncer é diferente de Ser um câncer!

E ninguém É um câncer. Se o câncer é um aglomerado de células ―malucas‖


que perderam a sua função, o Todo, o Eu é maior que isso e pode vencer
essas células.

Eu sou mais forte e melhor que essa parte minha que está doente; por que vou
deixar que o menor e mais fraco me vença?

Se eu preciso parar para fazer uma cirurgia e me restabelecer, eu paro, mas


depois continuo vivendo, trabalhando, amando, estudando, comendo, me
divertindo, indo ao cinema, viajando.

Página 78

Se eu tiver que fazer quimioterapia, eu vou, quando sair da aplicação vou me


dar um presente, fazer uma coisa bem gostosa. Se eu perder o cabelo, uso
boné, peruca, lenço, turbante, chapéu, assumo a careca como as atrizes; e não
vou me envergonhar por estar lutando pela minha vida; vergonha de quê?

Se enjoar, sei que vai passar, pois é só uma reação, e quando passar, vida
normal!
Se eu tiver que fazer radioterapia, vou todos os dias, é rápido; depois tenho o
dia todo, e o fim de semana para viver a vida normalmente.

―Se despertas aquilo que está dentro de ti,


O que despertas te salvará.
Se não despertas o que está dentro de ti,
O que não despertas te destruirá.‖
Jesus Cristo

No Que as Emoções Podem Afetar o Tratamento?

A relação mente—corpo também explica muitos efeitos terapêuticos da


medicina convencional e o sucesso das medicinas não-convencionais.

Se a pessoa acredita que vai ser curada por alguma coisa, como cogumelos,
xamãs, u por um placebo, ela realmente pode se autocurar, através da
modulação do sistema imunológico pela mente. Até mesmo o efeito pós-
cirúrgico de uma operação complexa e radical pode ser afetado, em última
análise, pelas reações psíquicas do paciente, como relata Dr. Bernie Siegel
(1989).

No caso de uma situação crônica de distúrbio emocional ou psicológico, essa


reação se perpetua, causando numerosas disfunções e até danos orgânicos
permanentes.

O médico e pesquisador canadense Hans Selye, em 1950, descobriu que


existe uma enorme ativação do eixo hipófise-adrenal. Estas

Página 79

glândulas secretam hormônios, que controlam muitas de nossas funções


metabólicas e fisiológicas internas, que vão desde o ciclo menstrual e a
produção de espermatozoides, até a reação à inflamação e a agentes
bacterianos externos.

O sistema imunológico é profundamente alterado por alguns desses


hormônios, como os corticoesteróides.

As emoções negativas, depressão, mau humor e o estresse crônico têm a


capacidade de afetar nossa resistência às doenças, e as pessoas sujeitas a
elas podem ficar doentes, surgindo as enfermidades psicossomáticas,
conforme explica Selye.

Um estudo recente sobre a atividade das células natural killer (importantes na


imunidade contra tumores) mostrou que os efeitos de programas que
estimulam o bom humor e o riso resultam no aumento da atividade desses
componentes imunológicos e, em contrapartida, os estados depressivos
enfraqueciam esse aspecto da defesa orgânica (Takahashi, 2001).

Berk e colaboradores (2001) também puderam estudar a modulação


neuroimunológica durante e depois de pacientes terem sido submetidos a
programas associados ao bom humor e ao riso. Puderam concluir que o riso e
o bom humor podem ter efeitos benéficos na saúde, recomendando esse tipo
de terapia para melhora do bem-estar e como coadjuvante ao tratamento
médico formal.

Segundo pesquisas de Hassed (2001), o riso tem um importante papel na


redução dos hormônios envolvidos na fisiologia do stress, melhorando a
intensidade e realçando a criatividade das respostas, reduzindo a dor e,
sobretudo, melhorando a imunidade e reduzindo a pressão do sangue. As
pessoas que sabem se divertir e rir são, geralmente, mais saudáveis e mais
capazes de sair de situações de stress com mais facilidade.

Atualmente, a psiconeuroimunologia tem estudado a relação entre o sistema


imunológico, que nos protege contra diversas instabilidades
Página 80

internas, e os distúrbios psíquicos. Já se sabe que o stress, a ansiedade


crônica e a depressão trazem profundas alterações em nossa capacidade de
defesa imunológica e até mesmo o câncer pode ser favorecido nas pessoas
cronicamente deprimidas.
O hipotálamo, parte do cérebro estreitamente ligada ao comportamento
emocional, secreta vários hormônios liberadores, que atuam sobre a hipófise,
ativando-a ou inibindo-a.

Também existem fortes evidências de que o mecanismo genético das células é


alterado pela secreção aumentada do cortisol. A função dos genes é alterada,
assim como a síntese de proteínas, e a permeabilidade da membrana das
células, podendo levar à morte dos neurônios, se eles forem estimulados em
excesso (excitotoxicidade).

Essas descobertas nos mostram que existe uma relação estreita entre mente e
doença. Quanto mais saudáveis formos, do ponto de vista emocional e
psíquico, melhor será para nossa saúde orgânica.

Os antigos já diziam que o bom humor afasta as doenças, ―Quem canta seus
males espanta‖, ―Mens sana in corpore sano‖, e isso é uma verdade, agora
sabem os cientistas.

Se o sistema imunológico estiver saudável, reconhecerá as células defeituosas


e as destruirá, ou pelo menos as manterá encapsuladas, evitando a sua
propagação. Se o sistema não estiver saudável, as células imperfeitas
continuarão a crescer.

E neste ponto interpõe-se a questão proposta pelos Simontons (1987):

―...o que impede que o sistema imunológico de uma pessoa, num determinado
momento, reconheça e destrua células anormais, permitindo, assim, que elas
cresçam e se convertam num tumor que ameaça a vida?‖
Para respondê-la precisamos considerar os aspectos mentais e emocionais da
saúde, percebendo que a doença é um estado de desequilíbrio ou desarmonia
gerado pelo stress prolongado.

Página 81

Numerosos estudos sobre a causa do câncer sugerem que três situações


podem provocar tensões cruciais no ser humano e gerar sentimentos de
desespero, desesperança ou impotência. São eles a ameaça a algum papel da
pessoa na sociedade, a ameaça a alguma relação satisfatória central da sua
identidade e uma sucessão de momentos nos quais aparentemente não há
saídas ou meios de superação.

O modelo psicossomático de câncer, estudado pelo casal Simonton e outros


investigadores, demonstra que o stress emocional inibe o sistema imunológico
e ao mesmo tempo acarreta desequilíbrios hormonais, provocando a produção
de células imperfeitas e malignas. E isso começa a ocorrer de 6 a 18 meses
antes do diagnóstico do câncer!

Assim, reconhecendo e compreendendo o contexto mais amplo das tensões,


podemos inverter o processo. De início, identificando as principais tensões que
ocorreram em nossa vida, de 6 a 18 meses atrás, sem sentimentos de culpa ou
de recriminações, mas criando uma base tranquila certa para inversão dos
processos psicossomáticos que levam à doença.

Simultaneamente, devemos desenvolver uma atitude positiva de esperança e


expectativa, sabendo que esses sentimentos influenciam nos processos
biológicos restauradores do equilíbrio e revitalizadores do sistema imunológico.
Com esta abordagem psicológica, a terapia física ou convencional toma outros
rumos, fazendo decrescer notavelmente o número de células cancerosas e
fortalecendo o sistema imunológico, com grandes e surpreendentes
possibilidades de cura.
Conclusão

O espaço Sala de Espera não tem o intuito de curar o paciente, substituir a


psicoterapia, nem de se aprofundar em questões individuais, mas é
fundamental no sentido de dar um acolhimento geral, suporte, esclarecimento,
amenizar a ansiedade, a depressão, o medo. E aliviar a espera.

Página 82

Por outro lado, desenvolve naturalmente uma atitude positiva de esperança e


expectativa, já que esses sentimentos influenciam nos processos biológicos
restauradores do equilíbrio e revitalizadores do sistema imunológico. Então,
podemos dizer que:

―O tratamento se inicia na Sala de Espera‖!

―Tenho a convicção de que, quando a fisiologia


estiver suficientemente desenvolvida,
o poeta, o filósofo e o fisiologista
se entenderão mutuamente.‖
Claude Bernard

Referências Bibliográficas

BALLONE, G. J. Psiquiatria Oncológica. In: PsiqWeb Psiquiatria


Geral. Disponível em <http://sites.uol.com.br/gballone/psicosso
matica/cancer.htmj>

BALTRUSCH, H. J.; STANGEL, W. e TITZE, 1. Stress, cancer and imrnurity


New developments in biopsychosocial and psychoneuroimmunologic
research.Napoli:ActaNeurol, 1991, 315-27.

BERK, L. S.; FELTEN, D. L.; TAN, S. A.;‘BITTMAN, B. B.; WESTEN-


GARD, J. Modulation of neuroimmune parameters during the
eustress of humor-associated mirthful risada. A/tem Ther Health Med,
2001, 7(2) :62-72, 74-6.

COX, T. e MACKAY, C. Psychosocial factors and psychophysiologi-


cal mechanisms in the aetiology and development of cancers. Soc
Sci Med, 1982, 381-96.

Página 83

GREER, S. e WATSON, M. Towards a psychobiological model of cancer:


psychological considerations. Soc Sci Med, 1985, 773-7.

GONÇALVES, S. A. Monografia: Reflexões sobre os Aspectos Psico— lógicos


de Pacientes em Sala de Espera de uma Enfermaria Cirúrgica. HC — São
Paulo, 1998.

GROSS, J. Emotional expression in cancer onset and progression. Soc Sci


Med, 1989, 1239-48.

HASSED, C. How humour keeps you well. Aust Fam Physician 2001, 30(1):25-
8.

IVANCKO, S. M. Monografia: Contribuições da Sala de Espera da 3‖ Clínica


Cirúrgica de Pacientes Oncológicos do Hospital das Clínicas da FMUSP — São
Paulo, 2000.

LEFÈVRE, E; LEFËVRE, A. M. C.; TEIXEIRA, J. J. V. O discurso do sujeito


coletivo. Educs, 2000, 138p.

MALDONADO, M. T. P. Maternidade e paternidade. vol. 1. São Paulo: Vozes,


1998, 16-25.

MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: ArtMed, 1992.. Grupo e


corpo. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
SABBATINI, R. M. E. Doenças misteriosas. Disponível em
<http://nwww.epuv.org.br/correio/medicina/corr96/6htm>

SANTOS, A. R. Grupos de sala de espera em instituições de saúde. Revista


Médica Virtual, fev. 1999. Serviço de Psicologia do Hospital de Base da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.

Página 84

SANTOS, E. E Psicoterapia breve: abordagem sistematizada de situações de


crise. São Paulo: Ágora, 1999.

SELYE, H. Stress — a tensão da vida. São Paulo: Ibrasa, 1956, 35lp.

SIEGEL, B. 5. Amor, medicina e milagres. São Paulo: Best Seller, 1989,

SIMONTON, O. C.; SIMONTON, 5. M. e CIGHTON, J. L. Coma vida de novo.


São Paulo: Summus Editorial, 1987, 238p.

TAKAHASHI, K.; IWASE, M.; YAMASHITA, K.; TATSUMOTO, Y.; UE, H.;
KURATSUNE, H.; SHIMIZU, A.; TAKEDA, M. The elevation of natural killer cell
activity induced bylaughter in a crossover designed study. IntJMol Med, 2001,
8(6):645-50.

TEMOSHOK, L. Personality, coping style, emotion and cancer: towards an


integrative model. Cancer Surv, 1987, 545-67.

VASCONCELLOS, E. G. Tópicos de psiconeuroimunologia. São Paulo: Ipê


Editorial, 1998.

WINNICOTT, D. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre:


ArtMed, 1983.
Página 85

Capítulo 4

A Dor no Estágio Avançado das Doenças

Maria Margarida M.J.de Carvalho — Magui

Introdução

Os estágios avançados das doenças frequentemente envolvem muitas dores.


Nos casos de câncer, por exemplo, as pesquisas revelam entre 60% e 90% de
pacientes com dor intensa. Os tratamentos médicos podem minorar ou até
mesmo eliminar a maioria das dores físicas. Mas a medicina pode auxiliar na
dor da perda da saúde, da perda da vida, na dor de morrer?

Nós nos deparamos no contato com os doentes gravemente enfermos, com


dores muito mais complexas e profundas, existenciais, que se referem ao
significado da vida e da morte. Saunders (1991) fala da dor total referindo-se às
diversas dimensões da dor: física, emocional, social, financeira, interpessoal,
familiar e espiritual. Nos doentes terminais é a dor total que encontramos e é
da dor total que precisamos cuidar. No momento do ―não há mais nada a fazer
para curar‖, surge a necessidade de cuidar desses pacientes, na sua condição
humana.

Página 86

Esta é uma necessidade crescente na vida atual, em que a evolução dos


recursos médicos possibilita o prolongamento da vida, mesmo sem a
possibilidade da remissão da doença. Esses pacientes podem sobreviver por
muito tempo na condição de terminalidade.

Deve a vida ser prolongada ou encurtada por meio de recursos técnico-


científicos? O paciente pode decidir sobre medidas para o prolongamento ou o
encurtamento da vida, evitando dores e sofrimento? A família tem esse direito?
Os médicos? Todas estas e muitas outras questões relativas ao processo de
morrer e as dores do morrer são atualmente os temas da Bioética, que é o
estudo das dimensões morais das ciências da vida. Segundo Pessini (1997)
devemos cuidar para que a vida e a morte aconteçam com dignidade e que a
competência técnico-científica caminhe junto ao humanismo. O compromisso
com a qualidade da morte de cada paciente é hoje a preocupação dos
profissionais de saúde, no atendimento aos pacientes fora de possibilidade de
cura.

O cuidar desses pacientes exige uma equipe especializada em dor total, uma
equipe multidisciplinar, envolvendo médicos, enfermagem, psicólogos,
assistentes sociais, amparo espiritual. Esses cuidados são oferecidos dentro do
que é hoje denominado cuidados paliativos. Esta é uma área, segundo Kovács
(1999), de

abordagem multidimensional que promove o alívio e controle de sintomas


incapacitantes, relacionados com certas doenças e seus tratamentos e tem
como objetivo a promoção de qualidade de vida. Não existe uma proposta de
prolongar a vida a todo custo e, sim, favorecer todo e qualquer tratamento que
promova qualidade de vida e alívio de sofrimento até o momento da morte (p.
329).

Para que estes objetivos sejam alcançados, o atendimento à dor total vem
como necessidade básica.

Assim, no estágio avançado das doenças ou fase terminal de vida, qualquer


dor presente, seja física, psicológica ou espiritual, pode e

Página 87

deve ser controlada e, se possível, abolida, visando a um morrer sem


sofrimento, um morrer tranquilo e em paz.
Segundo Keleman (1997), existem pequenas mortes e a grande morte e o
morrer não precisa ser amedrontador nem doloroso. Vivemos pequenas mortes
no dia-a-dia das nossas vidas, quando terminamos fases e iniciamos outras,
quando rompemos relacionamentos, quando terminamos trabalhos, quando um
dia acaba e começa a noite. E cada pequena morte nos ensina um pouco
sobre a grande morte, o final desta vida. Podemos, portanto, aprender a
morrer, podemos não morrer como mártires ou vítimas, mas como seres
humanos conscientes do processo natural do viver e do morrer.

Sobre a Dor

Antes de focalizarmos a dor total, ainda enfocamos apenas a dor física, já


encontramos componentes subjetivos. A dor é pessoal, intransferível e
ninguém sabe realmente como é a dor do outro, quanta dor ele sente/Ao
percebermos a própria dor, somos influenciados por nossas histórias de vida, a
forma como as dores foram tratadas na nossa infância, pelos nossos
cuidadores. O grupo sociocultural e étnico a que pertencemos, o qual tem
diferentes padrões de reação à dor, dá forma à nossa dor, matizando suas
nuances. Por exemplo, italianos, segundo pesquisadores, apresentam uma
reação maior à dor do que anglo-saxões; filhos de mães que valorizavam as
dores na infância tendem a dar muita importância à dor, possivelmente
aumentando sua potência pela focalização excessiva (Carvalho, 1999).

Erickson (1992) escreveu:

A dor é um complexo, um constructo, composto de dores lembradas, a


experiência da dor presente e a antecipação da dor no futuro. A dor imediata é
aumentada pela dor passada e pelas possibilidades futuras de dor (p. 96).

Página 88

Na própria definição de dor, formulada pela Sociedade Internacional para o


Estudo da Dor (1979), encontramos que a dor é uma experiência sensorial e
emocional desagradável, descrita em termos de lesões teciduais reais ou
potenciais. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende a utilizar este
termo por meio de suas experiências traumáticas.

Em resumo, cada dor é a dor de uma pessoa, com sua história, sua etnia,
personalidade contexto, momento. A mesma dor, em diferentes situações,
pode nem ser percebida ou ser muito forte, em decorrência da distração ou
atenção oferecidas a ela. Para tratá-la, portanto, é necessária a compreensão
da complexidade e da realidade de todas as dores para quem a sente
(Carvalho, 1994).

Ainda citando Erickson (1992), a dor pode estar servindo certos objetivos úteis
para a pessoa. Ela é um aviso persistente da necessidade de ajuda. Traz
restrições físicas à atividade, mas frequentemente beneficia o sofredor.
Portanto, a dor não é apenas uma sensação indesejável a ser abolida, mas
uma experiência a ser cuidada de forma que o sofre- dor obtenha benefícios.

Fica evidente no estudo da dor não só a sua complexidade, mas também os


possíveis significados dados a ela, as possíveis necessidades que estão sendo
atendidas, os objetivos subjacentes. Em nossa prática clínica, por exemplo,
atendemos uma mulher que conseguiu atenção e afeto da sua família antes
distante, quando apresentou um caso de dor oncológica. Os médicos
receitaram analgésicos potentes, mas ela não os ingeria, alegando problema
no estômago. Na verdade, ela temia perder o aconchego familiar, recém-
adquirido graças à dor. A obtenção do afeto sem a necessidade da dor foi o
objetivo da nossa ajuda. Este é um dos inúmeros casos de dor, em que o sofre-
dor é que precisa de cuidados e não a dor.

Várias linhas teóricas focalizaram a dor, cada uma trazendo contribuições


valiosas para a área: psicanálise terapia comportamental,

Página 89

terapia cognitiva, hipnose e hipnoterapia, entre outras. A psicanálise,


levantando a possibilidade de forças inconscientes estarem agindo sobre a dor
ou mesmo provocando a dor, abriu o caminho para a psicologia entrar na
equipe que cuida da dor. As linhas desenvolvidas posteriormente focalizaram
outros aspectos e trouxeram novas abordagens. Segundo inúmeras pesquisas,
a hipnoterapia, que é a utilização de estados hipnóticos dentro de um processo
de psicoterapia, é a melhor modalidade de alívio da dor. Técnicas cognitivas
vêm sendo cada vez mais utilizadas a partir da visão da dor como uma
experiência multidimensional, com componentes sensoriais, afetivos, cognitivos
e comportamentais. A urgência do alívio da dor aguda e da atenuação do
sofrimento e depressão na dor crônica tem levado ao desenvolvimento de
recursos psicológicos imediatos e eficazes, programas psicoeducacionais
aplicados ao paciente e à família e psicoterapias breves focadas na dor total.

Uma das maiores dificuldades no cuidar da dor é sua avaliação. Segundo


Mattos Pimenta (1999), esta vai abranger a lesão tecidual, o substrato
emocional, cultural e ambiental das reações da dor, permitindo a compreensão
da origem e da magnitude da dor. Os métodos para a avaliação são
basicamente inferenciais, baseados no auto-relato do paciente, mas também
no conhecimento do caso clínico (história da doença, exames físicos e
laboratoriais) e técnicas para a aferição das características da dor e da sua
repercussão nas atividades cotidianas (funcionamento biológico e
psicossocial).

Para facilitar a comunicação da dor e a avaliação da sua intensidade, foram


criadas escalas que propiciam, ao paciente e ao profissional de saúde, uma
aferição aproximada da sua grandeza. A escala mais utilizada é a que utiliza
números de O a 10, sendo que O representa ausência de dor, com posições
intermediárias, e 10, o máximo de dor. O paciente faz uma autoavaliação
utilizando um número para expressar a sua dor.

Página 90

Dor Total
O conceito de dor total foi elaborado por Cicely Saunders, na década de 1960,
na Inglaterra. De formação multiprofissional — enfermeira, médica e assistente
social —, Cicely Saunders dedicou sua vida aos doentes fora de possibilidade
de cura. Para ela, quando não era mais possível curar, era possível cuidar. E
com o objetivo de permitir que o paciente e sua família pudessem viver tão
plena e dignamente quanto possível a doença, a morte e o luto, fundou o
Hospice São Cristóvão, santo padroeiro dos viajantes, em 1967.

A palavra hospice significa abrigo, albergue. Sua origem vem da Idade Média,
quando, nas longas peregrinações aos lugares santos, os viajantes aí
encontravam hospedagem, alívio e apoio para os seus males. Cansados e
doentes, os viajantes muitas vezes morriam nos hospices, terminando sua
árdua caminhada nesses albergues.

Inspirada no conceito dos antigos albergues, Saunders criou um hospice que


visa cuidar dos pacientes com uma equipe multiprofissional, composta por
médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, religiosos, voluntários e
outros profissionais quando necessários. Seus pacientes eram os considerados
irrecuperáveis pela medicina, ou seja, aqueles nos quais a doença era
progressiva e nenhum tratamento poderia alterar o seu curso. Nesse processo
de evolução da enfermidade, os cuidados nos hospices visavam manter o
paciente livre de dor e sofrimento; oferecer informações e controle das
decisões ao paciente; ouvi-lo e acolhê-lo como ser humano, com suas
dificuldades, medos, esperanças, crenças, valores; e ter a possibilidade de
morrer onde o paciente escolhesse.

No cuidar da dor, Cicely Saunders percebeu a presença de um estado


complexo de sentimentos dolorosos no paciente terminal, denominando este
estado dor total. Seus componentes são: dor física (sensação de dor associada
a lesões reais); dor psíquica (medos do sofrimento, da morte, do desconhecido,
tristeza, raiva, revolta, perdas,

Página 91
insegurança, incerteza, desespero, depressão); dor social (isolamento,
rejeição, abandono, mudança de papéis, dependência, inutilidade); dor
espiritual (falta de sentido na vida e na morte, medo do pós- morte, do
submeter-se, das culpas perante Deus, busca de fé, de conforto espiritual).

Posteriormente, Cicely Saunders acrescentou novas dimensões da dor: dor


financeira (perdas, dificuldades); interpessoal (isolamento, estigma); familiar
(mudança de papéis, perda de controle, perda de autonomia, abandono).

Elias e Giglio (2002) propõem uma classificação para a dor do paciente em


estado avançado da doença, a qual denominaram dor simbólica da morte. Esta
engloba a dor psíquica e a dor espiritual. Na dor psíquica estariam o medo do
sofrimento e o humor depressivo representado por tristezas, angústias e culpas
ante perdas; na dor espiritual, o medo da morte e do pós-morte e culpas
perante Deus.

Atendimento Domiciliar

O atendimento da dor total nos cuidados paliativos pode ocorrer nos hospitais,
nos hospices e no atendimento paliativo domiciliar. Este é considerado a
melhor forma de atendimento, quando a família tem condições de cuidar do
paciente com o auxílio da equipe especializada do hospital ou do hospice. O
doente prefere sua casa, sua cama, a presença da família, do calor humano e
do afeto, em seus últimos momentos de vida. A presença regular da equipe de
cuidados paliativos é fundamental na manutenção da qualidade de vida do
paciente, que deve ser monitorado nas suas dores, no seu conforto, seu
sofrimento.

É importante ressaltar o treinamento específico dessa equipe. Ela é composta


por profissionais capacitados para escutar atentamente o paciente e procurar
responder a todas as suas perguntas; captar e identificar os problemas do
paciente e sua família, no que concerne

Página 92
à doença, e oferecer soluções, segurança, apoio, conforto; individualizar as
queixas e reconhecer sinais de emergência; examinar as dores expressas por
diferentes formas e com diversos significados; considerar que as metas de
trabalho são curtas e que a intenção não é prolongar a vida, mas, sim, não
prolongar a morte.

Mais especificamente, a equipe especializada de cuidados paliativos vai


atender às seguintes necessidades: efeitos secundários dos remédios
(náuseas, vômitos); sintomas do aparelho digestivo (halitose, estomatite,
anorexia, constipação); sintomas respiratórios (tosse, dispnéia, ronco pré-
morte); lesões cutâneas (descamação, maceração, dermatites); úlcera de
decúbito; alterações psíquicas (ansiedade, depressão, medo); necessidades
espirituais; dor total.

A atitude de cada membro da equipe diante do doente é de respeito por um ser


humano que, embora próximo da morte, está vivo e quer ser tratado com
dignidade; quer ser reconhecido na sua personalidade, seus valores, sua visão
da vida e da morte, suas crenças. Cumprimentá-lo chamando-o pelo nome, dar
a mão (se possível, nas circunstâncias específicas), olhá-lo nos olhos, sentar a
seu lado, tocá-lo (pedindo licença) são posturas de compaixão, humanidade e
respeito. E sempre na conversa mantida com o enfermo, preservar a sua
esperança.

Entretanto, nos momentos em que a equipe de cuidados paliativos domiciliares


‗não estiver presente, deverá haver um cuidador na casa, que poderá ser um
membro da família. A tarefa de cuidar de um parente em sua fase terminal de
vida é difícil e requer grande disponibilidade. Pode ser que a pessoa a ser
cuidada necessite de cuidados físicos, como ser banhada, vestida, alimentada.
Ou que os aspectos psicológicos é que necessitem de amparo — os medos, a
depressão, o desespero. Ou que todas essas dificuldades ocorram
entrelaçadas. Pode estar presente também uma forte agressividade,
envolvendo a doença, a família, os médicos, Deus. E a revolta e o ódio
aumentam significativamente a dor total.
Página 93

O desgaste físico e emocional no cuidado ao doente, acrescido da dor da


perda iminente, pela realidade da morte próxima, sacrificam o cuidador. Este
pode chegar a um grave quadro de estresse. É preciso, portanto, que este
cuidador tenha consciência desta possibilidade e busque auxílio, seja em
outros familiares ou amigos, seja uma ajuda profissional de um médico ou um
psicólogo.

Outro fator complicador reside na faixa etária do cuidador. Se este é muito


jovem, seus sentimentos são de desamparo, frustração, tristeza e revolta. Sua
vida fica interrompida — muitas vezes seus estudos, sua vida social e seu lazer
precisam ser abandonados. Sua revolta pode gerar culpa, e o quadro psíquico
complicar-se cada vez mais. Se é um adulto, sua vida profissional
frequentemente entra em crise, pela dificuldade de dividir o tempo entre o
cuidado com o doente e as tarefas e o horário do trabalho. Sua vida pessoal
fica também afetada e seus sentimentos são, frequentemente, ambivalentes.
Irritabilidade, preocupação, momentos de raiva e tristeza caracterizam o seu
comportamento. O cuidador idoso tem suas próprias deficiências — suas
doenças, suas limitações físicas, suas próprias dores. Sua tendência é
deprimir-se no sentir a realidade das mortes, do doente e a sua própria,
também próxima, nos seus últimos anos de vida.

E todos esses cuidadores, em todas as idades, além das dificuldades objetivas,


estão enfrentando o sentimento de perda do familiar enfermo. Os aspectos
subjetivos presentes — emocionais, morais, espirituais — geram uma vasta
gama de sentimentos difíceis, desgastantes, complexos, doloridos.

A presença da morte traz sempre à tona a certeza da própria morte. Os medos


do paciente podem tornar-se os medos do cuidador. Neste momento, a grande
ajuda vem da espiritualidade. Não necessariamente na religiosidade, mas no
sentido de transcendência, de imortalidade da alma, do espírito que permanece
vivo. A morte digna e consciente é facilitada pela noção de passagem de uma
forma de vida à outra.

Página 94

Um exemplo muito significativo de permanência de vida, sem religiosidade, foi


o de um paciente de 36 anos, ateu, engenheiro, que estava morrendo de
câncer. Conversando sobre a morte e pós-morte, ele dizia que para ele a morte
era o fim da vida e que seu corpo viraria material de adubo. Sugerimos que os
adubos são ótimos fertilizantes e que sobre o seu túmulo poderia crescer um
jardim. Surpreendido e encantado com a ideia, ele começou a projetar um
jardim com suas flores favoritas. E utilizando seus conhecimentos de
paisagismo e botânica, ele passou suas últimas sessões, até morrer, criando
um jardim colorido, estético, planejado, belíssimo. Sua morte foi tranquila e
sem dor — apenas uma chama de vida se apagando. Mas a vida, na sua
grandeza, permanecendo através das flores plantadas por ele, na realidade da
sua imaginação.

Segundo Gimenes (2003), para que uma pessoa possa vivenciar e aceitar a
morte sem medo é necessário que haja a manutenção de um vínculo entre a
sua alma e o Eu Superior, no momento da morte do corpo físico. E a crença de
que a vida é contínua e eterna.

O psicólogo da equipe de cuidados paliativos que efetua atendimento domiciliar


ao paciente com dor define uma estratégia de atuação, levando em conta seus
pressupostos teóricos, as condições do paciente e da família. No atendimento
domiciliar, o psicólogo vai atender todas as ―dores‖ daquela casa, muitas vezes
encontrando dores maiores na família do que no próprio paciente. Roth (2002)
diferencia, no processo da enfermidade, o estar doente e o sentir-se doente,

/pois a doença vivida pelo paciente é impregnada pelo significado que ele
atribui a ela, pelas perdas que sofreu em decorrência da doença, pelo
impedimento de retornar às atividades anteriores, pelo futuro interrompido e
suspenso, pela autoimagem e autoestima alteradas (p. 141).
O paciente na fase de cuidados paliativos pode estar no estágio de aceitação
do final da vida e aproximação da morte, estágio este denominado ―a entrega‖
por Gimenes (2001). Nesta fase, o paciente

Página 95

sabe que vai morrer e aceita em paz esta realidade. A família, entretanto, pode
estar ainda revoltada, culpada por possíveis omissões ou erros de conduta,
triste, desamparada, perdedora.

O atendimento domiciliar à dor total, portanto, requer uma atenção à família e


um conhecimento do trabalho com esta. O estar na casa do paciente traz à
tona a necessidade de informações sobre terapia familiar e aspectos
específicos de terapia domiciliar. O terapeuta vai atender necessariamente a
várias situações que estarão ocorrendo naquela casa, de inter-
relacionamentos, influências, conflitos. Ele não estará atendendo apenas a um
caso de dor, mas a dor de uma pessoa em seu contexto familiar. Quem é essa
pessoa nessa casa: um filho? Uma mãe? Uma avó velhinha? Qual seu papel,
sua importância na estrutura familiar? E como o psicólogo será recebido nessa
estrutura: um apoio? Um intruso?

O psicólogo está diante de um paciente e uma família interagindo no sofrimento


de estarem tendo perdas — a família perdendo um de seus membros, o
paciente perdendo a vida. O reconhecimento da problemática e das
necessidades especiais de cada um é fundamental na atuação do terapeuta,
tanto no auxílio psicológico às dores físicas como nas dores psíquicas. Nas
dores físicas as meditações podem ter falhado, seja porque o médico
subestimou a dor ou falhou na administração dos analgésicos. Ou mesmo
porque o paciente e a família não aderiram ao tratamento medicamentoso por
valores, crenças, medos, desinformação, problemas econômicos. E dentro
deste quadro com tantas possíveis variáveis, o psicólogo vai buscar atender à
dor total, visando a uma boa qualidade de vida ao paciente fora de
possibilidades terapêuticas de cura.
O sentimento de perda de todos os implicados leva a um estado de luto
antecipatório (Fonseca, 2001), estado esse que requer também uma atenção
especial do terapeuta. Segundo Bromberg (1998),

Página 96

sabe-se que o processo de luto não começa com a morte e sim com as
relações existentes antes da morte, que serão o determinante crucial na
qualidade do processo de luto. As vicissitudes da terminalidade colocam a
unidade de cuidados (paciente e família) diante de decisões, lembranças,
revivências, que poderão trazer aspectos dificultadores ao processo em si,
merecendo, portanto, atenção por parte dos profissionais envolvidos (p. 188).

As dores do luto acabam por se confundir com as dores físicas e todas elas
interagem no processo de sofrimento.

Este quadro acaba muitas vezes levando a um desejo de acabar com a própria
vida, com um suicídio (Carvalho, 1996). O psicólogo que atende ao paciente
manifestando este desejo deve estar preparado para interpretar o seu apelo.
Na maioria das vezes, a ideia de suicídio é um pedido de ajuda, de socorro, de
alívio do sofrimento da dor total. E este pedido pode ser revertido com o
atendimento às suas necessidades. Segundo Viorst (1990), nos ―casos
terminais há um interesse crescente na ideia de suicídio‖ O desejo de não
sofrer, de manter o controle, de ser lembrado pelas pessoas que amam como
eram antes, tudo isso motiva algumas pessoas a escolher a hora da própria
morte... Mas, acrescenta a autora,

certamente há pessoas que jamais escolheriam o suicídio, que recebem a


morte de braços abertos, pessoas para quem a morte é a libertação, o alívio‘, o
resgate, o fim desejado (p. 323).

E estes aguardam a morte em paz.


Assim, quando atendemos a dor total de um paciente em seus momentos finais
de vida, temos de estar preparados para enfrentar a dor da morte ou a
aceitação da morte, mas sempre enfrentar a dor da perda da vida. Esta vida
acaba e este sentimento de finitude causa grande dor ao homem. Neste
momento, o homem espiritualizado atravessa o portal da morte com uma visão
de imortalidade da sua alma, o que proporciona uma morte com menos dor.

Página 97

Cuidando do Cuidador

Todos os cuidadores, profissionais de saúde ou familiares, sofrem um grande


desgaste ao cuidar de pacientes no estágio avançado das doenças. Desgaste
físico e emocional, por estarem acompanhando um processo de doença
evolutiva e a triste realidade da morte estar próxima; pelo sofrimento do
enfermo no despedir-se das pessoas queridas e na despedida da própria vida.
E por acompanhar um dia-a-dia, muitas vezes dolorido e penoso, no caminho
da morte.

O cuidador sofre pela sua impotência na impossibilidade de reverter o


processo, pela sua perda no acompanhar alguém que vai embora, pelas culpas
por alguma omissão ou engano no tratamento e tantas outras dificuldades
presentes nos cuidados paliativos. É difícil cuidar sem poder curar!

A medicina moderna possui recursos científicos e tecnológicos de alta


precisão, mas os cuidadores são seres humanos, nas suas falhas e na sua
grandeza. Seres humanos com necessidades e limites, medos e frustrações. E
com capacidade de dedicação, amor e doação. A dor e o luto do cuidador não
podem ser negligenciados por ele. Nem os familiares, nem os profissionais de
saúde estão isentos de sofrer no compartilhar o sofrimento de um paciente na
fase final de vida.

Lederberg (1990) escreve sopre o estresse dos profissionais de saúde e da


necessidade do estudo da psicologia do cuidador. Escreve sobre a importância
do seu preparo, da sua formação, nos cuidados paliativos. Ela relata que,
frequentemente, os sentimentos iniciais de tristeza, pena, frustração e
impotência podem se tornar irritação, repugnância e raiva. Esses sentimentos
passam a ser desconfortáveis e inoportunos, causando um grande mal-estar no
cuidador, que não sabe o que fazer para não senti-los. A saúde mental do
cuidador corre risco, se ele não cuidar de si, cuidando de seu físico, seu
psíquico e seu espírito. Acompanhar procedimentos médicos penosos,
desfiguramentos físicos

Página 98

causados por tumores, queimaduras ou outras enfermidades, lidar com mau


cheiro, excrementos, pus e sangue, lidar com ideações suicidas, enfim, com
toda uma gama de situações objetivas e subjetivas adversas e aversivas são
tarefas árduas.

Lederberg (1990), ainda, organiza em três áreas as grandes problemáticas


enfrentadas pelos profissionais de saúde que acompanham a terminalidade:
questões sobre a morte e o morrer, burnout e questões bioéticas. A ansiedade
e a angústia despertadas no profissional de saúde diante da morte podem ser
trabalhadas e aliviadas por uma compreensão pessoal e aceitação da própria
morte, por uma filosofia de vida e espiritualidade, por um preparo específico no
enfrentamento da morte. Kubler-Ross (1981) foi uma das pioneiras no estudo
das fases pelas quais o paciente passa no processo de morrer: revolta,
negação, depressão, negociação e aceitação. Essas fases, que podem ocorrer
em sequência ou não, todas elas ou apenas uma, na qual o doente se fixa,
também podem ser sentidas pelo cuidador. O psicólogo da equipe, que tem por
função ser um facilitador da aceitação do processo de morrer e da morte, para
que o doente possa evoluir no sentido de um morrer tranquilo, não está livre da
sua dor ante a dor do paciente.

O burnout, que significa ―queimado, destruído, esgotado‖, foi o termo criado


para descrever o desgaste físico e psíquico, em especial, dos profissionais de
saúde, pela proximidade com o sofrimento, pelo alto nível de exigências
profissionais, fadiga, esforço, tensão constantes. O resultado de uma situação
de burnout é, frequentemente, uma apatia, um desinteresse pelo trabalho,
muitas vezes chegando ao cinismo e à inflexibilidade, prejudicando seu
desempenho profissional e sua vida pessoal. Problemas psicossomáticos
podem ocorrer, gerando maior dificuldade na execução de suas tarefas. O
esgotamento do profissional de saúde o leva, com freqüência, ao abandono da
profissão, caso não haja um auxílio na compreensão e no tratamento do seu
estresse. Um processo psicoterápico, ajudando a encontrar uma melhor forma
de

Página 99

enfrentamento e uma melhor qualidade de vida no desempenho de suas


funções é, nesses casos, um suporte valioso.

Bioética é o neologismo derivado das palavras gregas bio (vida) e ethike


(ética), segundo a Enciclopédia de Bioética (1995). É definida como sendo o
estudo sistemático das dimensões morais — incluindo visão, decisão, conduta
e normas morais — das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas, em um contexto interdisciplinar. Segundo
Pessini (1997/2001), as áreas de atuação da Bioética são as do
relacionamento profissional-paciente, saúde pública, questões sociopolíticas na
saúde, morte e morrer, fertilidade e reprodução humana, doação e transplante
de órgãos, pesquisa biomédica, códigos de ética, eutanásia, suicídio assistido,
distanásia, entre outros tópicos.

As questões biônticas se tornaram de especial relevo ante as situações criadas


pelo desenvolvimento da medicina nas últimas décadas. As possibilidades de
manutenção artificial de vida nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), as
decisões de prolongamento ou não da vida após a morte encefálica, as
decisões de interrupção do tratamento, a preocupação com a qualidade de vida
e com a dignidade na morte, com o alívio e o controle da dor total são questões
de difícil solução e de suma importância para cada paciente.
Holland (1990) dá ênfase aos problemas de comunicação do diagnóstico e do
prognóstico como fortes fatores de estresse para o profissional de saúde. O
médico dando a informação de que a cura não é mais possível, o psicólogo
dando suporte para o desespero e a desesperança são situações geradoras de
angústia e dor. No atendimento ao paciente no final da vida, essas questões
estão necessariamente presentes. Mas quando bem enfrentadas pelo
profissional de saúde, levando o paciente a viver e a morrer com dignidade e
paz, sem sofrimento e dor, são extremamente gratificantes para o cuidador.

Nós, psicólogos, temos, portanto, como responsabilidade no atendimento à dor


total do paciente, no final da vida: trabalhar com informações,

Página 100

crenças e valores, do paciente, da família e da equipe de saúde que os atende;


utilizar e desenvolver estratégias e técnicas psicológicas de manejo e alívio da
dor total; avaliar a dor, englobando a dor fisica, psíquica, social e espiritual;
minorar a ansiedade, o medo, a depressão, as perdas, a incapacitação, o
descontrole e tantos outros fatores presentes; atender às dores dos entes
queridos. E atender às próprias dores.

Referências Bibliográficas

BROMBERG, M. e Helena, P. E A Psicoterapia em situações de perdas e luto.


Campinas: Editorial Psy, 1994.

_______________ Cuidados paliativos para o paciente com câncer: uma


proposta integrativa para equipe, pacientes e famílias. In: CARVALHO, M. M.
M. J. (org.). Resgatando o Viver. São Paulo: Summus Editorial, 1998.

CARVALHO, M. M. M. J. Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus


Editorial, 1999.

_____________ Introdução à psicooncologia. Campinas: Editorial Psy, 1994.


_____________ Resgatando o viver. São Paulo: Summus Editorial, 1998.

_____________ Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, M. H. P. F.


(org.). Vida e morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

ELIAS, A. C. A. e GIGLIO, J. 5. Intervenção psicoterapêutica na área de


cuidados paliativos para ressignificar a dor simbólica da morte de pacientes
terminais através de relaxamento mental, imagens mentais e espiritualidade.
Revista Psiquiatria Clínica, 2002, 116-29.

Página 101

ERICKSON, M. H. Hypnotherapy. NovaYork: Irvington Publjshers, 1992.

FONSECA, J. P. Luto antecipatório: as experiências familiares diante de uma


morte anunciada. Tese de Mestrado. São Paulo: PUC, 2001.

GIMENES, M. G. A passagem: um desafio ao amor. São Paulo: Portailis, 2001.

KOVÁCS, M. J. Morrer com dignidade. In: CARVALHO, M. M. M. J. (org.).


Introdução à psicooncologia. Campinas: Editorial Psy, 1994.

KOVÁCS, M. F. Pacientes em estágios avançados da doença, a dor da perda e


da morte. In: CARVALHO, M. M. M. J. (org.). Dor: um estudo multidisciplinar.
São Paulo: Summus Editorial, 1999.

MATTOS-PIMENTA, C. A. Fundamentos teóricos da dor e de sua avaliação. In:


CARVALHO, M. M. M. J. (org.). Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo:
Summus Editorial, 1999.

ROTH, W. C. Atendimento psicológico domiciliar. In: ANGERAMI, V. A. (org.).


Novos rumos na psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2002.
SAUNDERS, C. Hospice and pailiative care: an interdisciplinary approach.
Londres: EdwardArnold, 1991.

VIORST, J. Perdas necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 1986.

Página 102 Em branco

Página 103

Capítulo 5
Tratamento Cognitivo-Comportamental do Alcoolismo

Gildo Angelottí

As ideias centrais deste capítulo serão abordadas por meio da conceituação de


alcoolismo, etiologia, epidemiologia, as políticas que envolvem o uso e abuso
do álcool, bem como o tratamento cognitivo-comportamental do alcoolismo.
Com base em estudos cientificamente comprovados pela literatura nacional e
internacional especializada, o leitor poderá desfrutar deste texto mediante
dados recentes que abarcam desde a história natural até as formas de
tratamento mais atuais, no que diz respeito à compreensão biopsicossocial da
dependência química.

Conceituação do Alcoolismo

O alcoolismo é classificado pela medicina como um estado patológico,


resultante do abuso do álcool. Já o alcoólatra é considerado uma pessoa adicta
em bebidas alcoólicas, mas que tem como premissa idolatrá-la, enquanto o
alcoolista é a pessoa que sofre de alcoolismo.

Página 104
Pithecantropus erectus há 250 mil anos havia se encantado com o sabor da
bebida alcoólica, com a ingestão de sucos de frutas maduras, que, ao caírem
no solo, eram fermentadas pela exposição ao calor proporcionado pelas luzes
solares. Tal reação se dava pela presença do açúcar da fruta e da água, sendo
fermentada pelo calor.

Em registros históricos, as bebidas fermentadas tiveram sua origem na Índia,


coincidindo com o esplendor da cultura asiática, alastrando-se para o Oriente
Médio, a Grécia e o Egito. Difundiu-se por meio da civilização mediterrânea e
chegou ao Império Romano, sendo considerada uma bebida euforística. No
início, limitava-se ao uso doméstico, mas, por exigências comerciais, passou a
ser negociada em forma de trocas.

A notícia que se tem da primeira bebida alcoólica produzida pelo homem e em


grande escala foi da cerveja, derivada da cultura do arroz na Índia ou da
cevada cultivada no Egito. Na Babilônia, a cerveja era utilizada seis mil anos
a.C. em cerimoniais religiosos e, posteriormente, como uma das mais
importantes indústrias locais.

No Brasil, antes da chegada da expedição portuguesa, a bebida fermentada


era utilizada pelos povos indígenas, extraída da mandioca cozida ou do suco
de frutos, como o caju e o milho, que eram mastigados, misturados e colocados
para ferver em vasilhas de cerâmica e, logo após, enterrados por alguns dias
para fermentar. A bebida era conhecida como cauim. Com a colonização
portuguesa, foram instalados os primeiros engenhos de cana-de-açúcar, para a
produção de açúcar e da aguardente, em regiões do Nordeste, Rio de Janeiro
e São Paulo, oferecendo a oportunidade aos índios e escravos negros de se
embriagarem.

O alcoolismo passou a ser considerado como uma doença crônica por Magnus
Huss, em 1849, em sua obra Alcoolismo Crônico, descrita em termos da
desorganização de estruturas e funções orgânicas, que não é muito diferente
do que se sabe hoje em dia (Bertolote, 1997).
Página 105

Atualmente, os critérios mais utilizados para caracterizar os indivíduos que


ingerem bebidas alcoólicas e se utilizam dela em razão de uma necessidade
física ou mental são descritos topograficamente no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, 1994, p. 190), sendo a
dependência fisiológica de álcool indicada por evidências de tolerância ou
sintomas de abstinência, caracterizada pelo desenvolvimento dos seus
sintomas, mais ou menos 12 horas após a redução do consumo pesado e
prolongado. Por ser considerada intensa e desagradável, apesar das
consequências adversas, os dependentes se utilizam do álcool para aliviar as
crises de abstinência, e apenas 5% dos dependentes conseguem experimentar
complicações severas da abstinência, tais como delirium ou convulsões.
Apesar das evidências de consequências psicológicas e físicas, como
depressão, apagamentos, hepatite ou outras sequelas, é dedicado um tempo
substancial ao (ab)uso de bebidas alcoólicas.

Indivíduos que abusam de álcool apresentam inicialmente um baixo


desempenho escolar e/ou ocupacional, negligenciam os cuidados com os filhos
ou afazeres domésticos, prejudicam os relacionamentos sociais e podem sofrer
danos significativos a sua integridade como cidadão e prejudicar pessoas
relacionadas ou não ao seu ambiente (p. ex.: dirigir embriagado, abuso dos
filhos e detenções por comportamento intoxicado).

Critérios Diagnósticos para Intoxicação com Álcool

A. Ingestão recente de álcool.

B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e


mal adaptativas (p. ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado,
instabilidade de humor, prejuízo no julgamento, prejuízo no funcionamento
social ou ocupacional) desenvolvidas durante ou logo após a ingestão de
álcool.
Página 106

C. Um ou mais dos seguintes sinais, desenvolvendo-se durante ou logo após o


uso de álcool:

(1) fala arrastada


(2) falta de coordenação
(3) marcha instável
(4) nistagmo
(5) prejuízo na atenção ou memória
(6) estupor ou coma

D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor
explicados por outro transtorno mental.

Já os dependentes que experimentam a abstinência de álcool sofrem quando


as concentrações sanguíneas de álcool declinam de forma abrupta (4-12
horas) após a cessação ou redução. Entretanto, alguns alcoolistas podem
desenvolver períodos mais longos de tempo. Os sintomas de abstinência
atingem seu pico, em geral, no segundo dia e tendem a apresentar melhoras
no quarto ou quinto dia, enquanto os sintomas de abstinência aguda
(ansiedade, insônia e disfunção autonômica) persistem por um período de três
a seis meses em níveis inferiores de intensidade.

Critérios Diagnósticos para Intoxicação com Álcool

A. Cessação (ou redução) do uso pesado ou prolongado de álcool.

B. Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvendo-se dentro de


algumas horas a alguns dias após o Critério A:

(1) hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou taquicardia)


(2) tremor intensificado
Página 107

(3) insônia
(4) náuseas ou vômitos
(5) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias
(6) agitação psicomotora
(7) ansiedade
(6) convulsões de grande mal

C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento ou prejuízo clinicamente


significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.

D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor
explicados por outro transtorno mental.

Especificar se:
Com perturbações perceptuais

Existem outros transtornos induzidos por álcool, mas vou apenas citá-los, sem
tecer comentários: delirium por intoxicação com álcool; delirium por abstinência
de álcool; demência persistente induzida por álcool; transtorno amnéstico
persistente induzido por álcool; transtorno psicótico induzido por álcool;
transtorno do humor induzido por álcool; transtorno de ansiedade induzido por
álcool; disfunção sexual induzida por álcool e transtorno do sono induzido por
álcool.

Além dos transtornos induzidos por álcool, há também aqueles relacionados e


que estão associados com a dependência ou abuso de substâncias (por
exemplo, Cannabis, cocaína, heroína, anfetaminas e sedativos, hipnóticos e
ansiolíticos e, por fim, a nicotina). A interação entre essas drogas pode levar o
dependente a apresentar sintomas de depressão, ansiedade e insônia, que
muitas vezes precedem o
Página 109

Aspectos culturais, sociais, bioquímicos e psicológicos, quando unilaterais,


deixam de conceber um marco para o conhecimento e esclarecimento de suas
múltiplas facetas, que, unidas, promovem o desenvolvimento e aprimoramento
de ideias. O conhecimento profundo de uma cultura leva o pesquisador a
investigar fatores divergentes entre outras culturas de uma mesma população
em diferentes níveis sociais.
Tradições culturais que envolvem o uso de bebidas alcoólicas em contextos
familiares, religiosos e sociais, principalmente na infância, podem afetar os
padrões de uso quanto à probabilidade de desenvolver problemas relacionados
ao álcool. Baixo nível educacional, desemprego e baixa situação
socioeconômica estão associados, embora haja dificuldade em separar a
causa do efeito.

Transtornos de conduta e comportamento antissocial em adolescentes e


adultos, com transtorno de personalidade antissocial em adictos, em geral,
estão associados a dependência ou abuso de substâncias ilícitas (cocaína,
anfetaminas e heroína), provocando danos à população, vítimas de atos
criminosos.

De fato, foi demonstrado que qualquer que seja o comportamento desviante


escolhido para estudo, ele geralmente é encontrado em uma ampla variedade
de tipos de personalidade, assim como pessoas que diferem acentuadamente
em seus atributos de personalidade podem aprender a fazer uso excessivo dt
tabaco, também, se houver condições de aprendizagem social adequadas,
indivíduos que possuem características de personalidade diversas podem
aprender a tomar bebidas alcoólicas em excesso (Bandura, 1979).

A cultura pode influenciar o padrão e o contexto, assim como a quantidade do


consumo de álcool, e o padrão desse consumo pode, por sua vez, ser um
determinante importante dos problemas com a bebida. Os franceses
consomem vinho habitualmente nas refeições
Página 110

associado a um consumo per capita relativamente alto, e, constantemente, são


predispostos a complicações orgânicas crônicas, tais como cirrose e certos
tipos de câncer.

A classe trabalhadora masculina do Reino Unido e América do Norte possui


índices elevados de intoxicação pelo abuso do álcool acompanhados de
consequências sociais adversas, tais como desarmonia conjugal, violência
interpessoal ou infrações por embriaguez. Já nas sociedades judaicas, o beber,
em geral, é socialmente aceitável, mas com conotações negativas quanto à
embriaguez pública, enquanto na Irlanda os indivíduos são encorajados a
beber como parte da ordem social geral (Edwards, Marshall e Cook, 1999).

O álcool é rapidamente absorvido na circulação, pelo estômago, intestino


delgado e pelo cólon, e sua concentração máxima no sangue gira em torno de
30 a 90 minutos. A absorção varia de acordo com o volume de álcool ingerido,
presença de dióxido de carbono e bicarbonato em bebidas efervescentes,
alimento consumido, temperatura corpórea, exercícios físicos ou presença de
açúcar no sangue reduzem ou aumentam sua absorção. Por se tratar de uma
substância hidrófila, tende a se acumular nos tecidos com maior teor de água
(Agarwal e Goedde, 1990; Hobbs et al., 1996).

De 90% a 98% do álcool ingerido são eliminados do corpo pela oxidação em


dióxido de carbono e água, e a maior parte que escapa da oxidação é
excretada, inalterada, no ar expirado, na urina e no suor, dependendo da
quantidade ingerida ou em temperaturas elevadas, podendo ocorrer um
aumento no escape por estas vias corporais.

Em geral, de 90% a 98% do álcool são metabolizados no fígado e o índice


médio de metabolismo em adultos sadios é de 120 mg por quilo por hora,
equivalente a 30 ml em três horas, variando conforme o peso e grau de
dependência.
O efeito estimulante-euforizante do álcool, mediado pela liberação aumentada
de dopamina, é menor do que o observado para estimulantes do SNC, como as
anfetaminas e a cocaína. No entanto,

Página 111

o reforço positivo associado ao sentimento de euforia ou de recompensa


também pode explicar o desenvolvimento de uma dependência psicológica do
álcool.

Foram propostos vários processos fisiológicos que mediram o fenômeno pelo


qual pequenas quantidades de álcool disparariam o processo de ingestão de
grandes quantidades dessa substância. Encontraram alterações no
metabolismo celular, inibições nos centros de controle do cérebro e a ativação
de circuitos neurais específicos localizados no hipotálamo que desencadeiam a
compulsão pelo álcool (Formigoní e Monteiro, 1997).

Quanto a consequências psicológicas, o álcool prejudica sensivelmente muitos


aspectos da função psicomotora e cognitiva. Ocorre o desequilíbrio do controle
emocional que pode resultar em violência contra outras pessoas. Implica
significativamente a autoagressão intencional e suicídio. Outra consequência
frequente do consumo pesado e prolongado do álcool é o comprometimento da
memória de curto prazo ou, menos comumente, um quadro de demência.
Comuns no ambiente hospitalar, mas não tão destacadas em termos
populacionais, estão as síndromes como delirium tremens, alucinação alcoólica
ou convulsões pela abstinência. A dependência do álcool é uma complicação
psicobiológica que pode sobrevir do uso maciço, e então perpetuá-lo, com
riscos de muitos problemas relacionados (Edwards, 1998).

A princípio, uma pessoa que começa a beber pesadamente pode ampliar seu
repertório e a variedade de estímulos que a predispõem a beber. Conforme a
dependência avança, os estímulos relacionam-se crescentemente ao alívio ou
evitação da abstinência do álcool, e seu repertório pessoal de beber torna-se
cada vez mais restrito. O adicto começa a beber a mesma quantidade nos dias
de trabalho, finais de semana ou mesmo em feriados; a natureza da companhia
ou seu próprio humor não alteram a ordem dos fatores, ou seja, fazem cada
vez menos diferença.

Página 112

Na dependência avançada, a ingestão pode se organizar segundo um horário


diário rígido, para manter um alto nível de dosagem alcoólica no sangue. No
entanto, a síndrome deve ser entendida como sutil e plástica, e não como algo
rígido, mas, na medida em que a dependência avança, os padrões tendem a
tornar-se cada vez mais fixos (Edwards, Marshall e Cook, 1999).

Os adictos em estado de abstinência podem relatar que pensam


compulsivamente na bebida alcoólica e que desenvolveram uma estratégia
para bloquear essas ruminações, procurando pensar em outras coisas. Este
sentimento irracional e indesejado, no caso do dependente, parece ser a
experiência particular difícil de transmitir.

O clínico deve estar atento aos significados das palavras que fazem parte do
repertório verbal de cada paciente, mas, de forma geral, refletem a cultura em
que aprendeu a beber e as contingências que mantêm o comportamento de
ingestão de álcool. A possibilidade de compreensão muitas vezes será
destruída se termos convencionais como a compulsão ou a perda de controle
forem introduzidos prematuramente.

Epidemiologia do Alcoolismo

O consumo de drogas psicoativas é considerado como um dos mais


importantes problemas de saúde pública no mundo inteiro. Em função do
consumo exagerado e dos riscos produzidos à saúde pelo consumo de álcool,
uma grande variedade de pesquisas tem sido conduzida com o objetivo de
compreender melhor os problemas relacionados ao ab(uso) do álcool.
Os achados epidemiológicos sobre o consumo de álcool em todo o mundo, em
decorrência das diferentes características encontradas nos usuários, reforçam
a necessidade de uma vigilância contingente e ativa, a fim de definir o padrão
epidemiológico populacional e

Página 113

definir estratégias governamentais e não governamentais de ação (Lima,


1997).

Paz Filho et ai. (2001) detectaram em um estudo de prevalência realizado em


um pronto-socorro da cidade de Curitiba, com uma amostra de 374 sujeitos,
sendo 46,8% do sexo masculino e 53,2% do sexo feminino, 35,82% com
transtorno decorrente do uso de álcool. Nos Estados Unidos 85% da
população, segundo dados do Nationai Institute of Alcohol Abuse and
Alcoholism (1998), já consumiu bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida.

No Brasil, os estudos de prevalência são transversais, pois proveem


informações imediatas sobre a prevalência e fatores associados ao consumo
de álcool com um custo menor do que o de outras metodologias. Pechansky e
Barros (1995) investigaram o padrão de consumo de bebidas alcoólicas em
adolescentes de Porto Alegre e identificaram que 71% da amostra, sendo a
maioria do sexo masculino, com 17 anos ou mais, já havia apresentado pelo
menos uma intoxicação alcoólica.

Conforme Santana e Almeida-Filho (1987), na América Latina, pesquisas sobre


o consumo de álcool descrevem prevalências de alcoolismo variando entre 3%
e 23%, enquanto Almeida e Coutinho (1993) identificaram que, em países
como Estados Unidos, Austrália e Canadá, as taxas de consumo chegam a
90%, e Colômbia e México, em torno de 50%.

Almeida e Coutinho (1993) entrevistaram 1.459 pessoas na Ilha do


Governador, e 51% consumiam álcool, 4,9% do sexo masculino e 1,7% do
feminino. Outro estudo realizado em Porto Alegre indicou prevalência de 9,3%
de dependência do álcool e 15,5% classificados como bebedores pesados,
consumindo mais de 30 gramas de álcool/dia.

Página 114

As co-morbidades psiquiátricas são muito comuns, conforme estudos


realizados por Robins e Regier no Epidemiologic Catchment Área Study (ECA)
(1991). Nos Estados Unidos, das pessoas que procuram tratamento em
clínicas especializadas, 19,6% apresentam diagnóstico psiquiátrico de
Personalidade Antissocial; 5,4% de Mania; 5,7% de Abuso de Drogas; 3,4% de
Esquizofrenia; 2,6% de Pânico; 2,0% são Obsessivo-Compulsivos; 1,7% de
Distimia; 1,6% de Depressão Maior; 1,4% de Fobias; 1,1% têm Déficit
Cognitivo e 2,0% apresentaram outros diagnósticos.

O primeiro episódio de intoxicação com álcool tende a ocorrer no período


intermediário da adolescência, com idade de início da dependência de álcool
atingindo um pico da casa dos 20 à metade da casa dos 30 anos. A maioria
dos indivíduos que desenvolvem transtornos relacionados ao álcool o fazem
próximo dos 40 anos.

O abuso e a dependência de álcool são mais comuns entre o sexo masculino,


com a razão de homens para mulheres afetadas chegando a 5:1. Entretanto,
esta razão varia substancialmente, dependendo do grupo etário. As mulheres
tendem a começar a beber excessivamente mais tarde do que os homens e
podem desenvolver transtornos relacionados ao álcool mais tarde. Uma vez
que o abuso ou a dependência de álcool desenvolvam-se em mulheres, a
condição pode progredir mais rapidamente, de modo que, na meia-idade, as
mulheres podem ter a mesma faixa de problemas de saúde e consequências
sociais, interpessoais e ocupacionais que os homens (DSM-JV, 1994).

Vários estudos, foram conduzidos por pesquisadores brasileiros em diferentes


regiões brasileiras indicando a prevalência de alcoolismo em cada região em
períodos distintos, conforme descrito por Santana e Almeida-Filho (1990) na
Tabela 1.
Página 115

Tabela 1 — Prevalência de alcoolismo dividida por região

Autor/Ano/local N População Prevalência de


Estudada alcoolismo
Azoubel Neto/1 962/ 203 Vila Sta.Terezinha 6,2% —
Ribeirão Preto alcoolismo crônico
13,3% —
bebedores excessivos
Luz Jr./1 974/Porto 514 Vila Vargas 6,2%
Alegre
Coutinho/1976/ 742 Maciel 22,6%
Salvador
Santana/1978/Salvador 1549 Bairro de baixa 3,4%—
renda alcoolismo
14,2%—
consumo diário
Almeida-Filho/1985/ 1047 Área industrial 6,2%
Salvador alcoolismo
21,2%-
consumo diário
19,1% —
embriaguez semanal

Página 116

Por meio dos dados citados na Tabela 1, podemos ter uma noção dos estudos
realizados no Brasil e, em razão da carência de recursos financeiros, torna-se
impossível conduzir pesquisas que envolvam estudos longitudinais, de modo
que fica quase impossível organizar e executar uma política de saúde voltada
ao estudo do álcool.
Políticas do Álcool

Por se tratar de uma questão que atinge toda ou grande parte da população
mundial, políticas de saúde desenvolvidas em países desenvolvidos e em
desenvolvimento, ao longo do espaço e tempo históricos e dentro do contexto
de sistemas de valores determinados cultural- mente, de fórmulas
administrativas e de crenças quanto à natureza fundamental das questões-
alvo, estes problemas deram origem a uma diversidade de respostas políticas.
Algumas políticas incluem: proibições quanto ao uso; racionamento e
monopólios estatais; impostos cobrados sobre a venda de bebidas alcoólicas;
leis dirigidas ao licenciamento a distribuidores; horários de consumo ou
definição da idade legal para fazer uso do álcool; campanhas de informação,
educação e, para finalizar, as crenças desenvolvidas quanto ao consumo de
álcool e comportamentos em geral, entre outras (Edwards, 1998).

Foram encontrados diferentes índices de mortalidade em diversos países,


tendo como causa a cirrose originária do álcool, entre eles, o campeão em
mortalidade, com 54,0%, a Hungria, sendo 79,7% homens e 32,6% mulheres.
O segundo país é o México, com 48,6%, sendo 72,5% homens e 2 1,8%
mulheres. Tais dados foram fornecidos pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) e adaptados por Edwards (1998).

Nos Estados Unidos, em 1990, os gastos totais do abuso de álcool, relativos a


tratamento, morbidade e mortalidade, giram em torno de US$100 bilhões, e no
Brasil, Reino Unido, Austrália, Canadá e Japão, os dados fornecidos à OMS
não foram computados em razão de

Página 117

alguns elementos inclusos nas análises estatísticas não publicadas (Rice,


1993).
Quanto às tendências encontradas em vários países que consomem álcool per
capita, verificou-se que, na década de 1990, a França atingiu o índice de 12,7
litros de etanol, seguido de Luxemburgo com 12,2 e de Espanha e Suíça, com
10,8, enquanto a Turquia apresentou apenas 0,6 litro de etanol ( World Drink
Trends, 1992).

Os problemas que as políticas do álcool priorizam deveriam ser definidos de


modo amplo. O objetivo da política não deveria ser limitado ao alcoolismo, ao
dependente de álcool ou a uma doença física grave. A definição-alvo que
melhor fundamentará o desenvolvimento das políticas deve tomar
conhecimento dos problemas relacionados ao álcool e da dependência do
álcool; ela dará alta prioridade a problemas agudos ou referentes a acidentes,
assim como a patologias crônicas; lidará com problemas sociais e psicológicos
e com problemas físicos. Pesquisas também demonstram que uma política
deve abarcar a totalidade da população que bebe e definir o alcance da ação
de saúde pública.

Tratamento Cognitivo-Comportamental

A abordagem Cognitivo-Comportamental no tratamento do alcoolismo


pressupõe que o beber-problema é o que deve ser tratado. Implícita nesta
abordagem está a crença de que o beber-problema é principalmente um
comportamento aprendido, e o tratamento envolve substituir o padrão
desadaptativo do comportamento de beber por um beber mais apropriado ou
pela abstinência. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) salienta o papel
das expectativas em relação ao álcool no desenvolvimento da ingestão e suas
consequências (Edwards, Marshall e Cook, 1999).

Para a maioria das pessoas, a mudança de comportamento(s) indesejado(s)


tornou-se relativamente simples, mas sua

Página 118
manutenção é árdua e bem mais complexa. A dificuldade não está no parar de
beber, mas, sim, em manter-se em abstinência.

A TCC é baseada no modelo teórico de que afeto e comportamento são


determinados pelo modo que o indivíduo organiza e estrutura seu mundo. Tem
como produto a combinação de estratégias cognitivas e comportamentais, que
visam à elaboração de metas no intuito de atingir mudanças cognitivas e
comportamentais.
Sua matéria-prima são as chamadas cognições (pensamentos, imagens,
conceitos, ideias, crenças irracionais), que se configuram em uma determinada
disposição e arranjo mental específico e individual, denominado esquema
central. Esses esquemas orientam, organizam, selecionam suas novas
interpretações e ajudam a estabelecer critérios de avaliação de eficácia ou
adequação de suas ações no mundo do indivíduo (Rangé, 1995).

Resultado de um aprendizado, o indivíduo pode organizar seus esquemas,


mediante comportamentos mal adaptativos, e reaprender outros mais bem
adaptados (Beck et al., 1997).

A premissa básica da TCC nos comportamentos adictivos está calcada em três


proposições primordiais, segundo Knapp & Bicca (1998):

• a atividade adicta é afetada pelo comportamento;


• a atividade adicta pode ser monitorada e alterada; e
• a mudança de comportamento desejada pode ser afetada pela mudança do
pensamento cognitivo.

Por se tratar de uma abordagem focal, a TCC deve ser ativa, diretiva e
estruturada, caracterizada pela aplicação de procedimentos clínicos como
introspecção, insight, teste de realidade e aprendizagem, visando aperfeiçoar
discriminações e corrigir concepções equivocadas, tais como comportamentos,
sentimentos e atitudes perturbadoras. O foco principal é ajudar o paciente a
examinar o modo
Página 119

como constrói e entende seu mundo e auxiliá-lo, de forma colaborativa, a


experimentar novas maneiras, adequadas e/ou gratificantes, demonstrando
suas habilidades de enfrentamento.

Nesta abordagem teórica são enfatizados dois aspectos importantes na


prevenção da recaída: as crenças em relação ao comportamento de beber e a
modificação dos estímulos externos (ambientais) e internos (sentimentos) de
alto risco para a recaída. O objetivo principal da TCC é identificar, examinar e
manejar as distorções cognitivas que o indivíduo atribui a cada estímulo e o
conjunto de crenças e atitudes adotadas para lidar com momentos diferentes
de cada estímulo específico.

Na Figura 1 é apresentado o modelo cognitivo nos comportamentos adictivos


de recaída de Beck et al. (1993).

Figura 1 — Modelo Cognitivo de Beck

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem: estímulos ativados (internos ou externos) -> ativação de


crenças -> pensamentos automáticos -> fissura -> crenças facilitadoras ->
plano e estratégias de ação -> lapsos/recaída.
Fim da descrição

Entrevista de Motivação (EM)

A Entrevista de Motivação (EM) desde 1983 é aplicada como uma técnica


terapêutica em adictos, por se tratar de uma abordagem prática e aceitável
para os indivíduos relutantes em mudar e ambivalentes em relação à mudança.
Incorpora-se de estratégias de aconselhamento, da TCC, da teoria dos
sistemas e da psicologia social de persuasão (Miler

Página 120

e Rollníck, 1991). Não faz parte do papel do terapeuta ser autoritário, muito
menos utilizar-se de confrontos com o cliente, mas conduzi-lo à mudança,
criando urna base positiva. A meta a ser estabelecida é aumentar a motivação
do paciente, deixando-o com a responsabilidade de efetuar a própria mudança,
visto que a busca pela terapia é metade do caminho que deverá ser percorrido.

Prochaska e Di Clemente (1982) descreveram cinco estágios de mudança


separados, que podem ser aplicados tanto ao entendimento do comportamento
de ingestão quanto ao trabalho prático do tratamento. Esses estágios são: pré-
contemplação, no qual uma pessoa não reconhece um comportamento como
problemático; contemplação, os indivíduos reconhecem que têm um problema
e começam a pensar nas implicações da mudança; segue-se o estágio de
determinação, em que ocorre a pretensão de agir e tentar a redução do álcool
e decidir mudar, passando ao estágio de ação. No último estágio considerado o
de manutenção, o indivíduo tenta manter as mudanças para evitar a recaída.

Avaliação

Um modelo conceitual que se faz necessário para uma melhor compreensão


quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, utilizado para integrar os fatores que
sustentam d consumo individual ou relacionado a circunstâncias ambientais ou
relacionamentos interpessoais, por meio de repetidas combinações com
reforço positivo ou negativo ou mesmo por antecipação de reforço é conhecido
como modelo Sorc. Esse modelo Sorc integra considerações em um modelo
específico ao consumo de bebidas alcoólicas. O S indica os estímulos
ambientais previamente à ingestão, evocando reações cognitivas, afetivas e
fisiológicas do — O — organismo. Segue-se a — R — resposta do ato de
ingestão a qual pode ser mantida pelas — C — consequências positivas do
consumo.

Página 121

Fatores individuais, familiares e interpessoais, entre outros, podem estar


relacionados à ingestão de bebidas alcoólicas. No âmbito individual,
antecedentes ambientais podem estar associados com situações específicas
de consumo, determinados momentos do dia ou o próprio odor. As variáveis
ligadas ao organismo, tais como a fissura, sintomas de abstinência, afetos
negativos, auto avaliações negativas ou mesmo as crenças irracionais
provenientes do (ab)uso do álcool, ou expectativas positivas quanto ao efeito
proporcionado pela bebida em situações particulares, quando reforçados
individualmente, podem diminuir os sintomas de desejo ou abstinência,
reduzindo o afeto negativo ou mesmo aumentos no afeto positivo, diminuindo
as auto avaliações negativas ou a idade de esquecer problemas (McCrady,
1999).

Técnicas Cognitivas e Comportamentais

Nos estágios de ação e manutenção, o treinamento das habilidades sociais e o


treinamento da assertividade são tidos como o primeiro foco dos estágios
considerados tardios. Os pacientes são prejudicados por uma incapacidade
subjacente de funcionar em situações sociais, e o tratamento mediante role-
play, dessensibilização sistemática ou outros métodos comportamentais, tais
como a assertividade, que irá ensinar o paciente a aprender a dizer não à
bebida (Holder et al., 1991).
Outra técnica utilizada é o treinamento das habilidades de solução de
problemas, que consiste em ajudar o paciente a desenvolver estratégias
alternativas de manejo para usar em situações de alto risco (Monti et ai., 1989).

O treinamento em relaxamento ajuda os pacientes a aliviarem a ansiedade e a


lidar com o desejo intenso de beber. Muitos adictos apresentam dificuldades
em lidar e expressar a raiva que sentem. A técnica de manejo da raiva em
conjunção com o treinamento da assertividade pode ser benéfica nestes casos.

Página 122

A solução de problemas ajuda o paciente a identificar as situações que


possivelmente estimulam o paciente ao ato de beber e como manejá-las;
utilizando-se de estratégias para lidar com possíveis problemas e com as
adicções, por meio do manejo do craving (fissura).

A base da TCC no tratamento de adictos é a reestruturação cognitiva, que


contempla a identificação de pensamentos automáticos e crenças básicas,
ajudando o indivíduo a substituí-los por pensamentos positivos. Para isso, são
usados os Registros Diários de Pensamentos Disfuncionais (RDPD, na Figura
2), em que são registrados os eventos situacionais, emocionais e cognitivos
relevantes. A detecção desses pensamentos durante a consulta é crucial para
uma demonstração adequada das distorções cognitivas em ocorrência, pois é
por intermédio dessa experiência que o paciente aprende a detectar seus
pensamentos disfuncionais, como um primeiro passo para aprender a manejá-
los (Rangé, 1995).

Uma vez adquirida a compreensão lógica do processo, identificando


pensamentos disfuncionais e fazendo as reestruturações cognitivas de suas
cognições, o terapeuta passa a exercer papel de orientador, e não mais de
interventor, apoiando o paciente fora do contexto terapêutico a generalizar seus
pensamentos, sentimentos e comportamentos diante de situações
consideradas de alto risco antes do processo de mudança.
Figura 2 — Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais (RDPD — Beck et
ai., 1997)

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem

Dia/hora - Situação - Sentimentos Emoção(ões) - Pensamento(s) Automático(s)


– Resposta Racional

Fim da descrição

• assinalar a intensidade do sentimento (0 a 10);


• assinalar o grau de convicção do pensamento (0 a 10).

Página 123

O Plano Semanal de Atividades Diárias (PAD, na Figura 3) irá contribuir com o


emprego de tarefas graduadas, na auto-exposição a situações específicas, na
prevenção de respostas e como técnica auxiliar na prevenção de recaída.

Os indivíduos que aprendem com as emoções e estão atentos, quando as


crenças são ativadas, conseguem reconhecê-las e neutralizá-las, evitando o
ato de beber. A aplicação clínica da TCC consiste na modificação do sistema
de crenças do paciente, além de ensina-lo a enfrentar ou evitar situações de
alto risco (Beck et ai., 1993).
No final do tratamento, o paciente deverá apresentar o que aprendeu e
concluiu por meio de sua conduta e o que notou que não estava evoluindo, de
modo que o terapeuta se coloque à disposição para ajudá-lo.

Figura 3 — Piano Semanal de Atividades Diárias (PAD — Beck et ai., 1997)

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem: tabela de compromissos de segunda a domingo com os


horários em uma lista de uma em uma hora, das 7:00 as 8:00 horas até as
23:00 – 24:00

Fim da descrição

Página 124

Conclusão
O amplo conhecimento a respeito da conceituação, etiologia e epidemiologia
ajuda-nos a compreender melhor o (ab)uso do álcool, não só como uma
substância psicoativa, mas todas as consequências devastadoras que ele
provoca. Sua etiologia ainda desconhecida, mas com teorias que buscam
sustentação, favorece uma gama de hipóteses, que intrigam a maestria das
maiores autoridades no tratamento de adictos. Por sua vez, ajudam a
esclarecer fatos intimamente ligados à sintomatologia e ao estudo de diversas
culturas relacionadas ao comportamento de beber.

Os números obtidos em pesquisas recentes quanto ao consumo são


estarrecedores, o que fez com que muitos pesquisadores, em diversas regiões
do planeta, se dispusessem a promover campanhas educativas relativas à
política do álcool.

Nota-se que, com a mobilização de toda a sociedade, se faz jus, a incansável


tarefa de prevenção de recaída, em razão dos danos causados pela ingestão
excessiva dessa substância, tanto em nível orgânico quanto psicológico, social,
familiar etc.

A Terapia Cognitivo-Comportamental, uma das formas de psicoterapia mais


eficazes no tratamento e manejo de problemas relacionados ao abuso do
álcool, juntamente com a integração e utilização de técnicas comprovadamente
eficazes na modificação de comportamentos, auxiliada e calcada na resolução
de problemas, acrescenta ao tratamento farmacológico ganhos para o paciente
e para a sociedade de modo geral, permitindo que outras abordagens teóricas
possam se utilizar dos princípios fundamentais, que vão da educação ao
manejo de crenças disfuncionais à readaptação de pensamentos mais
apropriados.

Página 125

Referências Bibliográficas
AGARWAL, D. P. e GOEDDE, H. W. Alcohol metabolism, alcohol in tolerance
and alcoholism, biochemical and pharmacogenetic aspects. Berlim: Springer-
Verlag, 1990.

ALMEIDA, L. M. A. e COUTINHO, E. S. F. Prevalência de consumo de bebidas


alcoólicas de alcoolismo em uma região metropolitana do Brasil. Revista de
Saúde Pública, 1993, 23-39.

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental


Disorders. 4. ed. Washington, DC, 1994.

BANDURA, A. Modificação do comportamento. Rio de Janeiro:


Interamericana, 1979.

BECK, A. T. et ai. Cognitive therapy of substance abuse. Nova York:


The Guilford Press, 1993.

Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre:


ArtMed, 1997.

BERTOLOTE, J. M. Conceitos em alcoolismo. In: RAMOS, S. P. e


BERTOLOTE, J. M. Alcoolismo hoje. Porto Alegre: ArtMed, 1997.

EDWARDS, G. A política do álcool e o bem comum. Porto Alegre:


ArtMed, 1998.

EDWARDS, G.; MARSHALL, E. J. e COOK, C. C. H. O tratamento do


alcoolismo. Um guia para profissionais da saúde. Porto Alegre: ArtMed, 1999.

FORMIGONI, M. L. O. S. e MONTEIRO, M. G. A etiologia do alcoolismo. In:


RAMOS, 5. P. e BERTOLOTE, J. M. Alcoolismo Hoje. Porto Alegre: ArtMed,
1997.

Página 126
HOBBS, W. R.; RALL, T. W. e VERDOON, T. A. Hypnotics and sedatives,
thanol. In: HARDMAN, J. G. e LIMBERD, L. E. Goodman and Gilman‘s The
Pharmacological Basis of Therapeutics. Nova York: McGraw-Hill, 1996, 346-6
1.

HOLDER, H.; LONGABAUGH, M. W. R. e RUBONIS A. V. The cost


effectiveness of treatment for alcoholism: a first approximation. Journal of
Studies onAlcohol, 1991, 5 17-40.

KNAPP, P. e BICCA, C. Abordagem conitivo-comportamental dos


comportamentos adctivos. In: CORDIOLI, A. V. Psicoterapias. Abordagens
Atuais. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

LIMA, M. 5. Epidemiologia do Alcoolismo. In: RAMOS, 5. P. e BERTOLOTE, J.


M. Alcoolismo hoje. Porto Alegre: ArtMed, 1997.

MCCRADY, B. 5. Alcoolismo. In: BARLOW, D. H. Manual clínico dos


transtornos psicológicos. Porto Alegre: ArtMed, 1999.

MILLER, W. R. e ROLLNICK, 5. Motivational interviewing: preparing people to


change addictive behaviour. Nova York: Guilford Press, 1991.

MONTI, P. M. et al. Treating alcohol dependence. Nova York:


Guilford Press, 1989.

Natjonal Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism. News release. AlcoholAlert,


1998, 1-3.

PAZ FILHO, G. J. et al. Emprego do questionário CAGE para detecção de


transtornos de uso de álcool em pronto-socorro. Revista da Associação Médica
Brasileira, (47)1, 2001.
PECHAN5Ky, F. e BARROS, F. C. Problems related to alcohol consumption by
adolescents living in the city of Porto Alegre, Brazil. TheJournal ofDruglssues,
25, 1995, 735-50.

Página 127

PROCHASKA, J. O. e DI CLEMENTE, C. C. Transtheoretical therapy: toward a


more integrative model of change. Psychotherapy: Theory, Research and
Practice, 19, 1982, 276-88.

RAMOS, 5. P. e BERTOLOTE, J. M. Alcoolismo hoje. Porto Alegre: ArtMed,


1990.

RANGÉ, B. Psicoterapia cognitiva. In: RANGÉ, B. Psicoterapia comportamental


e cognitiva. Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas. Campinas: Editorial
Psy, 1995.

RICE, R. D. The economic cost of alcohol abuse and alcohol


dependence.AlcoholHealth and Research World, 17, 1993, 10-8.

ROBINS, L. N. e REGIER, D. A. Psychiatric disorders in America: the


epidemiologic catchment area study. Nova York: Library of Congress, 1991.

SANTANA,V. 5. e ALMEIDA-FILHO, N. Alcoolismo e consumo de álcool:


resumo e achados epidemiológicos. Revista ABP-APAL, 9, 1987, 15-22.

_____________ Aspectos epidemiológicos do alcoolismo, 1990.

WORLD DRINK TRENDS. Produktschap voor Gedistilleerde Dranken, and NTC


Publications, Henley-on-Thames, 1992.

Página 128 – página em branco

Página 129
De um sorriso doce...

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Para Cacheadinha...

SERRA DA CANTAREIRA

Eu quero da vida o teu sorriso doce... o mesmo que você exibe quando te
estreito em meus braços... quero passear pelo teu corpo do mesmo modo
como caminho pela serra nas manhãs e madrugadas... sentindo cada detalhe
da caminhada com um prazer que nunca se exaure... e sempre se renova...

Página 130

eu quero da noite o teu sorriso meigo...


aquele que você mostra
quando tomamos vinho diante da
lareira... ver o teu contorno emoldurado
pelo fogo e sentir a emoção de
abraçá-la em cada fragrância
da magia dos nossos momentos...

eu quero da vida a paz do teu sono...


o teu espreguiçar pela manhã e o teu
sorriso de bom dia... de como você
reclama das minhas molecagens
logo cedo... a tua fala que se mistura
com a algazarra dos pássaros no
amanhecer... eu quero a vida com
a serenidade com que você se
debruça sobre os teus livros para
produzir intelectualmente... um olhar
penetrante e abrangente...

Página 131

JOÃO PESSOA

A Lua nasce sob o horizonte e


deixa a água do mar com um prateado
reluzente.., um prateado que toca a alma
de modo único... a Lua vai deixando as
águas e vai subindo em direção ao céu...
e o seu rastro prateado encanta e se espraia
e nos abraça com um suave toque de
magia... eu sinto tua falta... falar ao telefone
não basta... preciso te ver admirando esse
luamento... como de outras vezes aqui em
João Pessoa, em Natal e na Cantareira...

A praia pela manhã me traz tua ausência... caminhar


sozinho pela areia é saber que você está
longe.., noutros cantos... sentir falta dos teus
beijos é como sentir falta da própria seiva
da vida.., de como tudo é incompleto sem você...
o mar que se derrama na areia não tem a mesma
beleza de quando você está ao meu lado...

Página 132

O pôr-do-sol na Praia do Jacaré é espetáculo


insosso.., tudo é um só tédio quando você não
está ao meu lado.., vir a esse espetáculo é
lembrar do teu sorriso diante da magnitude
desse espetáculo.., da tua alegria em registrar
com fotos o sol se escondendo no horizonte...
não há como estarem João Pessoa e não
te encontrarem cada canto.., em cada quina de
esquina.., em cada pedaço de chão, de areia,
de mar... é lembrar, sonhar e constatar:
sua ausência é uma doce reminiscência de
que te viver é sonhar um sonho azul,
é esperar com muita ansiedade o dia de
te reencontrar e poder abraçar e beijar
na sua delicadeza dessa magia que estamos
vivendo, onde cada momento é revestido
de um mistério e um fleuma que torna
tudo inesquecível, indescritível.., uma
ilusão, uma paixão, uma emoção...
tudo isso é você, é João Pessoa,

Página 133

é a Cantareira... é o prazer de te estreitar


em meus braços na madrugada e
sorrir como criança.., de um sorriso
doce que me fascina e que torna as minhas coisas
uma suave fragrância de paz e amor...
é assistir à florada da Sibipiruna na primavera
e saber que em tudo existe um pouquinho de
você.., do teu ser... do teu sorrir...

Serra da Cantareira, numa manhã de primavera

Página 134 - Página em branco

Página 135

• Capítulo 6
A Racionalidade Médica Ocidental e a Negação da Morte, do Riso, do
Demasiadamente Humano

Geórgia Sibele Nogueira da Silva

Ao grupo de teatro Clowns de Shakespeare, e aos nossos pequenos pacientes,


vivos e mortos, por me ensinarem muito sobre a beleza e intensidade de um
momento, sobre a vontade de vida.

―Não somos rãs pensantes nem aparelhos de objetivação e máquinas


registradoras com vísceras congeladas — temos constantemente de parir
nossos pensamentos de nossa dor e maternalmente transmitir-lhes tudo o que
temos em nós de sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento,
constantemente tudo o que nos atinge: não podemos fazer de outro modo.‖
Nietzsche

Duas imagens de dor, de intenso sofrimento, me obsediaram desde que escolhi


dialogar com o tema da racionalidade médica em um livro que nos convida ao
diálogo com a psicossomática. As imagens invocam a presença da morte. Não
falo da morte física, mas da morte em vida, da morte da sensibilidade, da
ausência do contato

Página 136

humano, afeto, respeito à dor do outro, envolvimento, entrega, de um ouvir que


não escuta, da morte ou interdição dos sentimentos.

Falo de imagens fictícias e reais. Ei-las:

Até a água eles custam a me dar. Parece que eu contamino só com a


presença. O médico não acredita que eu possa sair dessa, ele diz isso com
seus olhos, com sua desatenção. Ele pouco vem aqui. Acho que ele tem medo
quando eu tento tocá-lo, que a minha morte o leve também. Ele não aprendeu
que a morte é de cada um, ela não é contagiosa, cada um tem a sua e pior, eu
sei que ela não avisa quando vem mesmo que o doutor se iluda achando que
ele sabe o meu tempo... e o dele, será que ele também sabe?

Sabe, é como se eu já tivesse morrido, eu preciso estar provando que estou


vivo, por isso eu às vezes tenho essas ―crises de nervoso‖. (Portador do HIV/
1998/ ficção ou realidade?)

Um jovem soldado, durante a primeira grande guerra mundial, é atingido por


uma bomba, perde seus braços e pernas, seus olhos, nariz e boca, mas
permanece vivo, com a mente funcionando, porém os médicos acreditavam
que ele não estivesse lúcido e, por isso, aceitam sem muito pesar a
manutenção de sua vida. Ë prescrito um medicamento para seus movimentos
(abalos musculares) e é também prescrito que nenhum membro da equipe
deve ter ―envolvimento emocional‖ com o paciente. Este é deixado num quarto
isolado onde ninguém pode vê-lo ou saber de sua existência. Duas
personagens transgridem esta prescrição. A primeira, uma enfermeira que se
penaliza do rapaz, abre as janelas e, com o calor do sol em sua pele, Johnny
pôde começar a medir o tempo, dia, noite, dia, semana, semana, mês, outro
mês, até que se passa um ano, vários anos (em seu calendário interno). A
segunda, uma outra enfermeira (curioso que sejam enfermeiras a
desempenhar esse papel e não médicos) que, ao ver o paciente pela primeira
vez, chora e acaricia sua testa (e, em sua mente, Johnny grita, ao sentir as
lágrimas caindo em seu corpo: ―que bom, você não tem nojo de mim‖. Num
outro momento, Johnny tem um sonho erótico, fica excitado (seu pênis fica
ereto), a enfermeira não entende por que ele se debate, procura o motivo
retirando as cobertas, o vê excitado e o masturba. Depois, ainda por resolução
dela, aparentemente sem motivo algum, ou sem lógica alguma, a não ser a
lógica de seu sentimento, a enfermeira escreve com a

Página 137
ponta de um dedo a expressão ―Merry Christmas‖ no peito do paciente. Este
compreende a mensagem, acena com sua cabeça que compreendeu e, em
sua mente, grita de felicidade e agradece comovido à enfermeira.

Perseguindo um modo de se comunicar com ―os de fora‘ como os denomina,


Johnny descobre que pode usar o código Morse e começa a ―telegrafar‖
mediante movimentos de sua cabeça. A enfermeira observa, não entende o
que está havendo, mas percebe que ele quer expressar algo e vai em busca de
alguém que possa entender do que se trata. Assim ocorre, vêm os médicos, o
capelão, o telegrafista (anos haviam-se passado; percebemos isto pelo
envelhecimento do médico que o operara, o qual, quer o autor tenha
representado casual ou intencionalmente, usa muletas).

Percebem que ele está tentando se comunicar. O telegrafista, entendendo o


código, pergunta-lhe, ―telegrafando‖ em sua testa, o que deseja. Ele responde
que quer poder ser útil, quer poder ganhar sua vida e que o modo de conseguir
isto seria sendo exibido em praça pública, sendo uma espécie de atração
circense: o homem sem braços, sem pernas, sem olhos, sem ouvidos, sem
boca, sem nariz, mas que pensa e sente. E isto para que todos possam ver a
tragédia que a guerra pode causar a um ser humano.

A junta de médicos e militares lhe diz que ―infelizmente, isso não é possível‖.
Ele retruca que, se é assim, se não vão permitir que ele saia, ele prefere que o
matem e repete insistentemente: ―matem-me, matem-me‖. Eles saem e o de
patente superior determina que o ocorrido não seja divulgado a quem quer que
seja.

A enfermeira, novamente a sós com Johnny, resolve atender a seu pedido, e


chorando obstrui o tubo de oxigênio. O referido superior retorna ao quarto,
desobstrui o tubo, expulsa a enfermeira, fecha as janelas, seda o paciente, sai
e fecha a porta. Johnny fica sozinho no quarto, sonolento pela medicação e, no
entanto, apesar de todo o seu desespero, continua ―telegrafando‖ um pedido de
ajuda: S.O.S... S.O.S... Assim termina o filme Johnny vai à guerra, do diretor
Dalton Trambo.
Nessas imagens, ficção e realidade se confundem; os sentimentos que elas
invocam estão presentes no meu cotidiano como psicóloga. E no decorrer
deste escrito outras imagens se aliam. São cenas de riso presente nas
enfermarias e corredores hospitalares por onde

Página 138

passam os doutores da UPI! (Unidade de Palhaçada Intensiva). A relação com


os doentes e suas doenças suscita reflexões em minha prática e minha vida,
que talvez não surgissem sem eles. É com dor e paixão que tento parir meus
pensamentos e caminho na busca constante por interlocutores que partilhem o
desejo de gerar outra realidade. Herbert Daniel (sociólogo, militante na luta
contra a Aids) nos lembra: ―E o mundo melhor é a parte melhor que criamos
dentro dos nossos peitos, fazendo nossos braços de raízes‖

Escolher o tema da Racionalidade Médica para dialogar e lançar para o diálogo


esse pensamento — a Racionalidade médica e a negação da morte, do riso, do
demasiadamente humano — é o resultado de uma aflição interna em busca de
expressão. O ato de escrever foi a maneira encontrada para exorcizar esse
desassossego que é existencial, mas também epistemológico.

Dialogo com vários autores, na tentativa de aliviar minha solidão. Insinuo


assertivas, encontro alguns abrigos em teóricos e praticantes de uma ―nova‖
medicina e Psicologia. Parto do meu caminho e arrisco-me ao dividir os
primeiros frutos nascidos de algumas sementes, plantadas em direção a uma
prática hospitalar capaz de acolher o riso e a dor e, quem sabe, imaginar pistas
para uma racionalidade mais tolerante, acolhedora, saudável e de fato humana.

Em alguns momentos sinto que Foucault tem razão: a palavra é a morte da


coisa. Em outros, como diria Samira Chalhub, a escrita caminha como um
corpo falante. Minhas idéias, ainda em gestação, estão expostas, e o
desassossego continua...
Razão e Paixão na Medicina Ocidental

―A porta da verdade estava aberta mas só deixava passar meia pessoa de


cada vez. Assim, não era possível atingir toda a verdade, porque a meia
pessoa que entrava só trazia o perfil da meia-verdade. E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis

Página 139

não coincidiam. Arrebentaram aporta. Derrubaram aporta. Chegaram ao lugar


luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.‖ Carlos Drummond de Andrade

Por capricho, ilusão ou miopia, o mundo ocidental moderno fez a opção de


isolar a razão dos afetos na produção do conhecimento. Tal separação é
resultado da crença de que a verdade está além do sujeito que a produz. Luz
(1988) afirma que a racionalidade científica moderna postula a razão e o
método científico como norma fundamental para obtenção do conhecimento ou,
de modo mais geral, como o modo de produção da verdade, nos quatro
séculos de sua construção. ―Uma razão instrumentada pela observação
repetida, tecnificada.‖ É essa razão que institui a Natureza como objetividade e
como exterioridade ao homem, como materialidade a ser apreendida e
explicada, que se constrói com o renascimento científico, que se explicitava no
século XVII como ―revolução científica‖.

A essa revolução deve-se a grande ruptura epistemológica Natureza—Homem,


Natureza—Cultura. Temos as rupturas dualistas da racionalidade moderna:
sujeito/objeto, corpo/alma, razão/sentido, quantidade/qualidade, bom/mau,
masculino/feminino, normal/patológico; por que não dizer, saúde/doença,
tristeza/alegria. Dentro de tal racionalidade, não é possível enxergar pontos de
convergência, de interseção. Tudo o que se coloca no centro dessa dualidade
é considerado situação marginal, desordem, caos — portanto, um ruído para a
ciência que precisa ser eliminado. Tudo o que causa dúvida, insegurança, que
simbolize o perigo, é afastado. Portanto, a doença, ao encontrar-se no centro
da dualidade vida-morte, também é sinal de anomia, de perigo.

Ruptura que não é apenas epistemológica, mas social e psicológica, na medida


em que institui instâncias socialmente exclusivas

Página 140

para o exercício de cada um desses compartimentos: a produção de verdades


para a razão (ciência); as paixões para a política e para a moral (ética); os
sentimentos e os sentidos para as artes (estéticas). Temos nessa
fragmentação a marca do avanço da Racionalidade Científica na modernidade.

Racionalidade esta bastante eficaz na expulsão dos sentimentos, da


subjetividade, na ruptura do próprio sujeito, em sua compartimentação. O início
da expropriação da subjetividade é herança da obsessão em direção ao
mundo-verdade inaugurado pelo platonismo, filho do dualismo socrático. Então
a verdade não pode estar atrelada aos descaminhos da subjetividade, da
experiência sensível, das aparências.

Giacoia (2000) comentando Nietzsche afirma, em O nascimento da tragédia,


que ele recorre ao espírito trágico dos gregos para mostrar como o homem
socrático — cuja racionalidade é a matriz do cientificismo moderno — se
refugiou no otimismo metafísico como forma reativa de se furtar ao ciclo de
trevas e luz, de construção e destruição, que constitui a vida e torna a
existência incompreensível e absurda aos olhos míopes e covardes do olhar
logocêntrico. Com Sócrates, o único caminho à verdade se dá pela via lógico-
racional.

Assim, vamos ter a máxima da pureza da razão e, a partir de Descartes, sob a


égide da máquina, o mundo natural e humano passa a ser expiado. A ciência é
a teologia da época; o relógio é a grande metáfora do Universo; o Positivismo,
o guia necessário. A expulsão da subjetividade é a base dessa conquista. No
entanto, desde o início do século XX, as dúvidas quanto à exequibilidade desse
dualismo exacerbado vêm crescendo.

O saldo do progresso civilizatório dos últimos séculos foi desastroso. Quanto


mais nos afastamos e dominamos a natureza, em nome da tecnologia, do
avanço, mais contribuímos para a degradação da qualidade de vida. Nosso
progresso foi uma questão predominantemente racional e intelectual. Essa
evolução unilateral atingiu

Página 141

um estágio alarmante que beira a insanidade. Hoje fica cada vez mais evidente
que o paradigma cartesiano encontra-se obsoleto.

Almeida (1992) ressalta que hoje emerge a desconfiança e a tomada de


consciência de que o modelo cartesiano de pensar começa a esgotar as
estratégias que moldaram, nos últimos séculos, um homem dolorosamente
fraturado. A produção de conhecimento, como resultado exclusivo da razão, a
busca pelo ideal ascético e a negação da influência dos sentimentos, das
emoções, nas construções que fazemos da realidade exigem revisão. Não é
mais possível não escutar as profecias de Zaratustra.

Cabe a pergunta: e na medicina, qual foi o lugar encontrado para a razão e a


paixão? Luz (1988) nos responde apontando que a medicina apenas exprime e
ilustra, com radicalidade, um processo de racionalidade amplo que atingiu o
Ocidente, desde o classicismo grego, mais crescentemente com o capitalismo
moderno.

A separação entre ciência e arte, com o predomínio da primeira, a expulsão do


Deus Dionísio (paixão) do nosso cosmos e o enaltecimento do Deus Apolo
(razão) contaminam a medicina de forma hegemônica no Ocidente, sendo
responsável por um tipo de racionalidade que desloca o objeto do saber sobre
o doente para o saber sobre a doença.
Ao utilizar a categoria Racionalidade Médica, estou acolhendo a definição de
Luz (s.d.), que advoga tratar-se de um construto lógico e empiricamente
estruturado em presença de cinco dimensões fundamentais (morfologia,
dinâmica vital, doutrina médica, sistema de diagnose e sistema de intervenção
terapêutica). Tende a constituir-se em proposições ―verdadeiras‘ ou seja,
verificáveis de acordo com procedimentos racionais sistemáticos
(preferencialmente os de racionalidade científica), e de intervenções eficazes
em face do adoecimento humano.

Como apontei anteriormente, houve um deslocamento epistemológico e clínico


da medicina moderna. A milenar arte de curar doentes é substituída pela
ciência das patologias. A história da civilização

Página 142

ocidental, em sua obsessão pelo saber científico, promove a hegemonia da


diagnose sobre a terapêutica, ambas subjugadas à episteme.

Seduzidos pelo imaginário médico amparado na razão e na cosmologia


mecanicista, que torna o corpo humano uma máquina digna de reparos e exige
instrumentos eficazes, além de um bom técnico, assistimos à configuração de
uma medicina tecnológica especializada. Uma tecnologia que não admite o
erro, o medo, a morte. Ou mesmo o riso. Toda expressão de emoção torna-se
ruído dentro dessa lógica.

O itinerário percorrido pela medicina para gerar em suas entranhas essa


racionalidade teve início, portanto, quando a medicina descritiva hipocrática —
que integrava Natureza e Homem, advogava uma visão monista, unicista do
ser e consequentemente tinha como objeto a pessoa humana em sua
totalidade — se aproximou da experimentação, da observação e classificação
de atos e sintomas. Cedeu lugar a perspectivas da Escola de Galeno, em que a
doença é vista como algo autônomo, terreno fecundo para o desenvolvimento
de uma medicina mecanicista.
O segundo momento dessa viagem, marcado pela expansão do capitalismo,
define o projeto epistemológico da promoção de uma ciência das patologias,
fortalecida nas primeiras décadas do século XIX com o surgimento de uma
nova forma de pensar e agir médicos — o nascimento da clínica. Aqui ocorre a
passagem do homem para o organismo patológico. A vida passa a ser vista por
intermédio da anatomia e da morte (necropsia). As doenças são classificadas e
catalogadas em sintomas. As descobertas da microbiologia e o aparato
tecnológico crescente se aliam, transformando a doença em uma entidade.
Não estamos mais diante de um doente, mas da doença. Não lutamos a favor
da vida, mas combatendo a morte. Nesse percurso, o agir terapêutico tem sua
mais irracional perda — a relação terapeuta/paciente é implodida. Aqui, nossas
intenções diante do adoecimento perdem a dimensão do humano.

Página 143

Camargo Jr. (1992) acentua que, para o médico, o sofrimento é irrelevante e o


paciente sofre de distorções. Sua relação é com a doença, e o paciente é um
mero canal de acesso a ela. Um canal ―ruim‖, por sinal, já que introduz ruídos
em níveis insuportáveis. Isso limita as possibilidades de atuação médica ao
biológico, o que impõe sérias restrições, do ponto de vista da eficácia, a esta
prática. Por paradoxal que isso possa parecer, abandonando a busca da
quimera científica, talvez possamos ser científicos como nunca fomos. Ter
certeza como a clínica supõe ter é fatal às dúvidas, matriz da investigação
científica. Morin esbraveja que um paradigma que não incorpore o ruído é
mortificador e Kierkegaard poeticamente nos convida a pensar quando diz: ―a
verdade não deve ser buscada senão na paixão‖

No entanto, em nome do mito da razão, da cientificidade, expulsamos a


subjetividade, o contato humano — o riso, a dor, o ruído, a morte, a própria
vida. Talvez por miopia, construímos uma medicina sem paixão e acreditamos
na ilusão de que sem a morte subiremos ao Olimpo.

O Início do Ritual de Iniciação da Racionalidade Médica Ocidental: Exorcizar a


Morte e Abraçar o Olimpo
―Eu quero das mortes a mais traiçoeira. Diferente da que, sincera, se anuncia.
Não quero aquela que vai-se chegando com as rugas, atrasando os
movimentos, dificultando o gozo. Não quero a morte perversa, que toma o
braço do senil e fica ao lado do entrevado. Não quero a morte sincera, nem
respeito mais a morte que avisa que já vem vindo, morte catatônica. Morte que
não me deixa esquecê-la. E, quando for chegando a hora, que venha ainda em
silêncio, sem avisar a ameaça. De manso, durante um bom sono, tome-me.
Morte, boa morte, é a que nem se deixa perceber, depois de uma vida muda,
cega e tetraplégica, ressurge uma vez só e toma de assalto e vence. Uma bala.
Um golpe pelas costas. Quero para mim da morte a mais traiçoeira.‖

Anna Verônica Mautner

Página 144

―Eu só queria que tivesse alguém para segurar minha mão, talvez fosse menos
difícil morrer.‖

Estudante de Enfermagem, em fase ―terminal‘

As falas acima revelam, no primeiro momento, a desejada morte repentina,


atitude familiar na modernidade e, no segundo, o desejo do acolhimento de
alguém que vivencia os últimos momentos de sua existência. Fala do apelo a
uma nova forma de relação com a morte, de um vínculo possível entre
médico/paciente, por que não dizer, da procura por uma nova racionalidade
médica.

Camus (1989) nos colocou que uma forma cômoda de travar conhecimentos
sobre uma cidade é procurar saber como se ama e como se morre. Como
lidamos com o morrer, como se porta o homem diante da morte, nos desvenda
quem é esse homem, como é a sociedade que ele criou, em que valores ela se
assenta. Podemos dizer que a concepção de morte revela a concepção de
vida. Uma sociedade que nega a morte, para a qual a morte não tem sentido, é
também uma sociedade, como dizia Weber, que perdeu o sentido da vida.

A grande dádiva da negação é permitir que se instaure o interdito definitivo


sobre a morte. No século XX a morte foi escondida, expulsa pela cultura
ocidental. Há uma interdição até do direito de chorar os mortos, que dirá do
direito de gerenciar a própria morte. O local da morte é transferido do lar para o
hospital, com a justificativa dos cuidados especializados e intensivos que o
avanço da medicina proporcionou. No entanto, o paciente que não tem mais
como sobreviver encontra sua última morada na frieza de uma UTI. Ali a família
perde o paciente antes da morte. A maioria das pessoas não vê os parentes
morrerem. Nossos mortos morrem sozinhos em hospitais, cercados por
aparelhos e tubos. Transformamos um dos momentos mais importantes de
nossa existência em um ato impessoal, mecânico e desumano, mais solitário
ainda, portanto digno de repulsa e temor. Trata-se de uma morte limpa,
higiênica, técnica, solitária e, às vezes, desumana.

Página 145

De acordo com Martins (1985), não sabemos lidar com a morte porque
transformamos a doença e a morte em um problema técnico, e para isso
criamos as empresas, os técnicos mais qualificados, os equipamentos mais
sofisticados, capazes de prolongar a agonia de um homem durante meses,
anos, mas incapazes de devolver-lhe a vida, a vida verdadeira, a vida com
sentido.

Esse exorcismo da morte em nossa cultura é um elemento estrutural da


civilização contemporânea que atende aos desejos da racionalidade médica
ocidental. Essa insinuação que proponho encontra amparo na seguinte
assertiva de Luz (s.d.): ―Toda racionalidade (mesmo a racionalidade científica)
conserva suas bases em valores, interesses e investimentos de desejo, que
permeiam o conjunto de representações, concepções e teorizações que a
definem como racionalidade‖. Portanto, vivemos em um mundo que cultua
corpos sãos, ativos, produtivos, reprodutivos, dentro de um sistema cujo
objetivo é a eficiência, a rentabilidade e o consumo. Tolerar a existência da
morte é no mínimo dificílimo — torna-se imprescindível exorcizá-la em nome da
manutenção do nosso modo de vida consumista, voltado para noções
instituídas de juventude e progresso.

Martins (1985) explica que a expropriação da morte de sua dimensão


simbólica, cultural, sua desumanização, reforça a concepção médica da
dimensão meramente biológica do existir, haurida na sua formação, e alimenta
suas fantasias de poder. Não é à toa que temos esse aforismo: ―Quando o
aluno entra na faculdade de medicina, pensa que é Deus; quando sai, não tem
a menor dúvida‖.

O início dessa fantasia tem sua marca nas aulas de Anatomia, mediante o
estudo de um sem-número de cadáveres, destituídos de subjetividade. A
dissecação é fruto do Renascimento, tempo em que a separação corpo/alma
tornou o corpo e a morte objetos de estudo.

Nessa mesma direção, Zaidhaft (1990) nos convida à reflexão, dizendo: Por
seu desamparo e passividade, o cadáver permite aos alunos experimentar a
sensação de poder absoluto. A relação mantida com o

Página 146

cadáver é registrada e se torna a relação ideal, que será buscada anos depois
no encontro com os pacientes (p. 143).

Cabe salientar que esse fato talvez possa ser considerado a coroação do ritual
de iniciação na racionalidade médica, sendo o seu processo permeado por um
constante aprendizado de negação da morte, da dor, da capacidade de
envolver-se, de vincular-se; emoções incompatíveis com a racionalidade
tecnológica.
―Não se envolva com o paciente‖; ―é preciso ter sangue frio‖; ―para aprender é
assim mesmo‖; ―são apenas corpos‖; ―se você ficar sofrendo a cada morte de
paciente, você não aguenta e larga a medicina‖

Estes são alguns dos elementos introjetados para se atravessar o batismo de


fogo, um verdadeiro ritual de iniciação na medicina, responsável, no futuro, por
relações mortas entre paciente e terapeuta, na qual infelizmente o cadáver é o
doente ideal buscado em cada novo paciente.

Inevitavelmente, as imagens que me obsediaram no início do texto retornam


agora e ilustram esta reflexão, mostrando a presença do papel do médico como
o senhor da vida e da morte, na situação do personagem Johnny. Revela ainda
a fragilidade do médico em lidar com um paciente que lembra a sua própria
finitude, a sua humanidade, tão evidente na fala do paciente portador do HIV
que atendi como psicóloga, cuja dor partilhei, que se tornou parte do móvel
dessa reflexão e da constatação de que somos atingidos pela iminência da
morte de nossos pacientes. Ele nos convida a pensar a nossa morte, ou
melhor, a nossa vida, nossos planos, sonhos. A morte, no contexto hospitalar,
simboliza o fracasso, rompe o poder, retira os profissionais do Olimpo.

É comum o relato de profissionais que afirmam se sentirem impotentes diante


do paciente incurável: ―não tenho nada a fazer‖ Diante disso, a negação, o
distanciamento, é muitas vezes a resposta para não lidar com o sentimento de
fragilidade, com a reflexão sobre a própria finitude. Os pacientes à morte são
uma ameaça ao poder

Página 147

médico. Portanto, a morte é silenciada também nos hospitais. A linguagem


nessa instituição denuncia este fato. Não se morre no hospital, vai-se a óbito,
perde-se na mesa, tem-se alta celestial.
Penso que se nosso referencial não for a cura, salvar a qualquer preço, mas
um retorno à arte terapêutica, o cuidar daquele que sofre, poderemos ter re-
significado nossa ação e o nosso papel de cuidadores.

É conhecido o fato de que, costumeiramente, em nossas formações


acadêmicas apenas frieza, objetividade, tecnicismo são valorizados. Quaisquer
aspectos que envolvam uma relação pessoal são desencorajados. É prescrito o
não-envolvimento emocional, é parte do ritual de iniciação.

Na realidade, com o desenvolvimento da ciência, houve um adiantamento do


momento da morte sem uma conseqüente preocupação com a qualidade de
vida do sobrevivente, com o tempo de vida antes da morte, sem um preparo do
profissional, que cada vez mais lida com o doente que presentifica a morte.

Embora se fale hoje que a equipe de saúde deve estar atenta aos aspectos
emocionais do paciente, nem sempre reconhecemos com a mesma ênfase que
o emocional da equipe é parte fundamental nessa relação. Pouco é dito sobre
o cuidado com o cuidador, que é atingido pelo sofrimento do seu paciente. É
imprescindível cuidar do cuidador. Estamos falando em formação acadêmica,
em medidas profiláticas, se quisermos caminhar em direção a um atendimento
mais humanitário, de maior qualidade; se quisermos caminhar para uma
racionalidade que priorize o agir terapêutico, que resgate o papel da relação
médico (profissional de saúde) /paciente; em que o paciente possa ser
reconhecido como sujeito em toda sua subjetividade, que valorize a arte de
curar e, principalmente, a tarefa maior da humanidade que, segundo
Kierkegaard, é o cuidado. Uma medicina que promova o encontro entre as
pessoas.

Página 148

Sabemos que outras racionalidades médicas integram essas dimensões e por


isso mesmo são buscadas pelos pacientes, como, por exemplo, a homeopatia
e a medicina oriental.
Penso que há momentos na vida de uma profissão que para ser fiel a si mesma
e a seus princípios éticos é preciso mudar. Mudar talvez menos do lugar
teórico, mas muito mais do lugar da prática. Não é possível lidar com a vida
humana sem paixão, a não ser eliminando a vida em nós mesmos. Não é
possível mais pensar, desejar uma ordem que não cura, mortifica. Mas desejar
que, em vez de promover o caos, possa ser responsável pela reorganização,
possa retirar o mundo do desencantamento com o próprio homem.

O mito da razão precisa ser revisto, precisamos de outras imagens mitológicas


capazes de agregar o poder restaurador que o padecimento do olhar pode
promover para aliviar a dor do outro. A qualidade de nossa presença se
exprime pelo olhar; pelo toque nos momentos de comunicação silenciosa
(verdadeiro abraço na alma), em que os suspiros são aceitos, e o espaço do
encontro parece ser infinito. É disso que nos fala a estudante de enfermagem
citada no início deste texto. Ajudamos verdadeiramente alguém quando somos
capazes de acolher o seu sofrimento. Cabe lembrar as palavras de Heidegger,
quando nos presenteou:

―A morte ilumina a vida‖. Ela pode nos iluminar para um novo ethos. Não
podemos negar o fato de que a morte define a vida como um campo limitado,
nos lembra que temos um tempo marcado (como nos alertou ―aquele‖ paciente
HIV positivo). A questão é, se exorcizamos a morte, negando-a, ou insistimos
em percebê-la como uma conselheira invisível, que nossa jornada alerta para
que não esperemos pelo amanhã, incita a fazer o que pudermos, queremos e
sonhamos para re-significar nossa vida pessoal e profissional. O carpe diem é
a reconciliação da vida com a morte.

Tudo isso para dizer que estou convencida de que pensar o lugar da morte nas
instituições de saúde pode contribuir para melhorar a

Página 149

qualidade de vida e de morte presente na prática médica e de toda a equipe de


saúde. Lançar o olhar para o exorcismo realizado com a morte pode levar ao
reconhecimento do ritual de iniciação da racionalidade médica ocidental e
possibilitar a visão das sequelas dessa história macabra, na qual muitas vezes
o paciente é morto em vida, para não lembrar a nossa própria finitude.

Mas uma pergunta me desassossega: como alguém não consegue se envolver


com a morte? Talvez seja preciso não se envolver com a vida! Busco auxílio
nas observações de Zaidhaft (1990):

Na tentativa de negar a realidade inexorável da morte, o estudante (acrescento


o médico) primeiramente tenta negar a própria finitude, posteriormente nega a
morte do outro e finalmente mata o que tem de vida em si, ou seja, sua
capacidade de se envolver, de se comprometer com o outro e consigo mesmo
(...) quem não morre são os deuses, ou quem já morreu (p. 89).

Medicina Psicossomática e a Racionalidade da Metáfora Atrevida — A Verdade


Nietzscheana

―Há muito mais verdades entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.‖
Hamlet

Shakespeare, por meio das palavras de Hamlet, já profetizara sobre as muitas


verdades desconhecidas e o nosso vão esforço em reduzi-las, mas o ritual de
iniciação da racionalidade médica ocidental é obsessivo, ao expulsar a
possibilidade da presença dos sentimentos, julgando trilhar o itinerário para o
verdadeiro mundo. O mundo do dualismo socrático, tão bem operacionalizado
por Platão.

Página 150

Percurso este, que, ao realizar a fratura razão/emoção, negou sua própria


paternidade: a medicina hipocrática. Riechelmann (2000) declara:

A medicina ocidental moderna nasceu das mãos de um filósofo, no país onde


nasceu a filosofia. E mais: a medicina também já nasceu psicossomaticamente.
Uma leitura atenta aos Aforismos de Hipócrates (século VI a.C.) faz ver
facilmente que o pai da medicina nunca deixou de considerar as relações entre
a lesão corporal, os estados psíquicos (chamados ―da alma‘ na época) e os
fatores ambientais (p. 171).
Para o referido autor, compreender sobre o que nos fala a medicina
psicossomática é empreender um retorno, um resgate ao berço hipocrático. O
avanço tecnológico é imprescindível nesse caminho aliado ao cuidado. Razão,
emoção, técnica e cuidado sinalizam pistas para outra racionalidade, ampliam
a visão reducionista da medicina tradicional, por isso Riechelmann fala em elos
perdidos. Penso que inverter a lógica da verdade estabelecida pela ciência
clássica, como nos convida Nietzsche, pode promover a criação de caminhos
os quais, em vez de separar, possibilitem rejuntar os elos perdidos, evitando
que continuemos portadores de ―negligência unilateral‖
Analisando os relatos dos brilhantes estudos de Oliver Sacks, fui convidada a
pensar que muitas vezes atuamos como os pacientes portadores de
―negligência unilateral‘ ou seja, só percebemos parte do que ocorre nas
diversas situações.

Sacks anuncia a incompletude de nosso olhar científico, de nossas verdades.


Dentre tantos exemplos, o estudo da Sra. S., no livro O homem que confundiu
sua mulher com um chapéu, no capítulo 8, me remeteu à nossa cisão. Trata-se
de uma sexagenária que, depois de um derrame, teve afetada parte de seu
hemisfério cerebral direito. Com sua inteligência perfeitamente preservada, ela
teve uma alteração curiosa em sua percepção visual. Às vezes reclamava que
as enfermeiras não punham a sobremesa ou o café em sua bandeja. Quando
elas replicavam: ―Mas, Sra. S., está bem aqui, à esquerda‖ Ela parecia não
entender e não olhava para a esquerda. E sua cabeça

Página 151

era delicadamente virada, de modo que a sobremesa ficasse à vista, na


metade preservada do seu campo visual. Ela dizia: ―Ah, está aqui — não
estava antes‖. Ela havia perdido por completo a noção de esquerda com
relação ao mundo e a seu próprio corpo. Às vezes, ela se queixava de que as
porções que lhe eram servidas eram pequenas demais, mas isso acontecia
porque ela só comia o que estava na metade direita do prato — não lhe ocorria
que também havia a metade esquerda. Ela sabia disso intelectualmente,
achava graça, mas, para ela, era impossível sabê-lo diretamente.

A nossa recusa em girarmos nossas cabeças para o outro lado da bandeja faz
sentido dentro do percurso realizado pela medicina e por todos nós,
profissionais de saúde. Engolimos verdades absolutas e irrefutáveis, cobrimos
a nossa própria visão e continuamos famintos.

Des-cobrir o que o pensar metafisico ocidental escondeu, estigmatizou, é o


intuito de Nietzsche, quando pretendeu ―colocar a verdade de cabeça para
baixo‖, inverter seu sentido, transformá-la em seu avesso. É disso que nos fala
sua metáfora atrevida. O argumento pavimentado por ele é a metáfora da
verdade como mulher. O significado da metáfora que identifica verdade e
feminilidade não por acaso vai estar no prefácio do livro Para além do bem e do
mal, em que ele realiza a desconstrução fiel da condição metafísica e o início
da sua exposição sobre vontade de poder-perspectivismo.

Giacoia (2000), comentando sobre a inversão da verdade nietzscheana, nos


diz:
Se a verdade for posta de ―cabeça para baixo‘ então o acesso da verdade
platônica consistirá precisamente na valorização positiva da aparência, dos
véus, do disfarce, da sedução, das paixões, do corpo e do desejo — isto é, de
tudo aquilo que, ao longo da tradição metafísica ocidental, esteve associado
com o feminino, com o perigoso, com a carne, as paixões, o mundo sensível (p.
49).

A operação de inversão, móvel da metáfora atrevida, inaugura a noção de


perspectivismo, denunciando que não é possível um

Página 152
conhecimento desvinculado de condicionamentos subjetivos, O
condicionamento racional puro manteve-se dissimulando o perspectivismo.
Este des-cobriu a imparcialidade de um conhecimento desinteressado, a
inexorabilidade das determinações históricas, sociais, culturais,
psicofisiológicas e linguísticas que condicionam o conhecer, o julgar e o agir
humanos.

Não se trata de positivar as dimensões da corporalidade, dos sentimentos, do


não facilmente revelado, de retirar a estigmatização de outrora, mas sim de
transformar todo conhecer em um interpretar, vedando qualquer acesso
possível a fatos brutos, que seriam como textos a serem interpretados. É
preciso ver, compreender não apenas com os olhos, mas com o olhar.

Nietzsche e Sacks parecem seguir a profecia de Hamlet, quanto à


impossibilidade de um conhecimento bruto e transparente. Denunciam a
impossibilidade de uma interpretação da realidade sem que o próprio intérprete
se veja implicado e obrigado a escarafunchar as intenções e motivações
subterrâneas, seja de que ordem for. A subjetividade, em vez de ser expulsa,
precisa de um canal de reconhecimento para poder ser bem utilizada. Negar
não elimina seus efeitos, talvez os torne iatrogênicos. Vejamos a reflexão de
Blank (1985), ao abordar essa questão, dialogando diretamente com a
medicina:

O médico, antes de procurar sempre colocar-se no polo objetivo do confronto


subjetividade versus objetividade, não está imune, ele mesmo, às contradições
da subjetividade, uma vez que seu raciocínio está sujeito ao crivo de re-
situação do conhecimento objetivo na sua práxis (p. 34).

O autor afirma que a própria forma de interrogar o paciente pode induzir o


sintoma. Por mais objetivos que sejam os dados do exame, sua utilização está
sempre sujeita à subjetividade.
Seguindo a trilha das reflexões que questionam a produção de conhecimentos
como resultado exclusivo da razão, encontramos abrigo nos estudos realizados
por Damasio (1996) e outros neurologistas,

Página 153

ao demonstrarem que o córtex cerebral deixa de ter como único morador a


razão. Afirmam que o pensamento racional é influenciado pela emoção,
argumentando que profundas interconexões biológicas demonstram que a
ausência de emoção impossibilita a ação do raciocínio.

Tais pensamentos nos instigam a considerar que o fundamental canal de


acesso à dor do paciente, ao seu diagnóstico e, consequentemente, à
terapêutica, passa necessariamente pelo resgate da principal perda decorrente
do nosso olhar logocêntrico. Falo da implosão da relação terapeuta/paciente,
do resgate para olhar em direção ao doente, portanto ele, sua doença, sua
história, seu existir. Compreender o paciente o mais globalmente possível é na
realidade ampliar e fortalecer o instrumental diagnóstico e terapêutico, é girar a
cabeça para o outro lado da bandeja.

Cabe a esta altura do percurso trilhado arriscar a assertiva de que a


psicossomática se move olhando para todos os lados da bandeja, talvez por
acreditar que a verdade também seja feminina. Ela não inverte o sentido, mas
acata a metáfora de Nietzsche, a incorporação atrevida da emoção que
qualifica e permite compreender com mais propriedade o sintoma, e intervir
aliando a arte da técnica à arte de cuidar. E reconhecer o que nos ensina
Sebastiani (1997):

Possuímos, ainda que não tenhamos nos dado conta, uma profunda relação de
intimidade com nossos órgãos e sistemas e, a despeito de toda cisão a que
fomos expostos como indivíduos/objeto nestes últimos tempos, ainda assim
mantivemos uma relação muito estreita entre nossas emoções e seus
correspondentes biológicos (p. 29).
Júlio de Melo (1992), por sua vez, conceituando a psicossomática, assinala:

É uma ideologia sobre a saúde, o adoecer, e sobre as práticas de saúde, é um


campo de pesquisas sobre estes fatos e, ao mesmo tempo, uma prática, a
prática de uma medicina integral (p. 19).

Página 154

Vale ressaltar que a psiconeuroimunologia e a psicooncologia trilham o


caminho da psicossomática; são companheiras na arte de guiar nossas
cabeças em direção à sobremesa, ou seja, a reedição de uma medicina
integral.

Sem dúvida, trata-se do retorno à medicina hipocrática, em que o médico,


como terapeuta, é um servidor, fiel à origem do termo grego therapeuren, que
significa servir, prestar assistência, ou, ainda, cuidar, ser solícito. Não temos a
presença, nessa perspectiva, do médico senhor da vida e da morte, que salva
a qualquer custo, mas a de um cuidador.

É oportuno lembrar que a arte terapêutica da Escola de Cós (hipocrática)


possuía duas faces que integravam interno e externo, doença e cura,
representadas pelas figuras mitológicas de Higéia e Panacéia. Sayd (1995)
explica:

Higéia é a saúde e a força intrínsecas à natureza, presente em todos os seres


vivos e a Panacéia é o poder curativo presente nas ervas, em sua
multiplicidade e variedade (p. 5).

Em outras palavras, temos em Higéia a personificação das dimensões internas


do paciente, seu potencial para recuperação e cura, bem como para o
adoecimento, enquanto Panacéia representa os recursos externos
medicamentosos ou tecnológicos.
Diante do exposto, o caminho da medicina psicossomática promove o encontro
dessas dimensões. Sua concepção de doença e prática médica não admite a
divisão entre mente e corpo, nem reconhece a apreensão do conhecimento a
partir da ruptura sujeito/objeto.

Riechelmann (2001) é enfático ao alertar que as tentações do reducionismo,


biologismo, dualismo e psicologismo podem nos afastar do grande objetivo da
Medicina Psicossomática. Em suas palavras: ―compreender e intervir de forma
global e integrada na relação com nossos pacientes‖ (p. 182). E continua
explicando:

Página 155

A abordagem psicossomática hoje se baseia na visão de pessoa como um


verdadeiro monobloco psicossomático reagindo a relações, ou, dito de outro
modo, a unidade dinâmica corpo-mente-ambiente. É preciso ressaltar o
adjetivo dinâmica, que enfatiza a permanente modificação das proporções
entre os fatores biológicos, psicológicos e sociais que compõem o quadro atual
da pessoa doente (idem, p. 182).

O mesmo autor explica que tal abordagem tem implicações importantes para o
diagnóstico. Este pressupõe necessariamente uma anamnese biológica, que
significa estabelecer um diálogo não diretivo, interrogatório; dirigir a atenção
para perceber a demanda por trás da queixa (verdade feminina); e o terceiro
elemento, do qual depende o sucesso dos outros dois — a postura profissional
que favoreça a formação do vínculo interpessoal. Ele afirma:

Trata-se de uma relação de confiança, sinceridade, cumplicidade, respeito,


afeto e, principalmente, interesse no que o outro tem a dizer. A principal
habilidade do médico para uma abordagem psicossomática correta é estar
disponível e atento para ouvir bem (idem, p. 47).
Tudo isso para dizer que, rejuntando os elos perdidos, recuperamos a arte da
terapêutica; ampliando nosso olhar e nossa intervenção, re-significamos o lugar
do paciente, do terapeuta, e a importância do vínculo interpessoal.

Esdras Vasconcelos (2000) brilhantemente sintetiza meu desassossego e a


minha aposta, quando diz:

Não podemos falar de emoções, sem considerar o sistema cognitivo; de


fenômenos físicos, sem reações químicas; de processos políticos, sem
influências econômicas; de fé, sem um corpo que a abrigue; de melodia de um
instrumento, sem o ar que a difunde; de flores, sem estação; de cultura, sem
expressão; de sociedade, sem inconsciente coletivo; de medo, sem instinto de
sobrevivência; de razão, sem paixão, de revolução, sem amor (p. 40).

Acrescento da doença sem vontade de saúde; da dor sem o riso; de continuar


esse exorcismo de idéias e sentimentos sem a UPI!.

Página 156

Ainda assim, as muitas verdades entre o céu e a terra continuarão a existir.


Este foi um dos grandes ensinamentos de Shakespeare, cuja função parece ter
sido dar vida à nossa mente, permitindo que nos tornemos conscientes do que
jamais descobrimos sem ele.

A UPI!: Um Encontro Entre o Riso, a Solenidade da Doença e a Vontade de


Potência

Conta-nos a lenda:

Deméter, deusa da fertilidade, tem uma filha que se chama Perséfone, a quem
ama muito. Hades, deus do reino dos infernos, rapta sua filha. A deusa sai à
procura da filha, mas não consegue encontrá-la, fecha-se em sua própria dor e
para de rir. Em razão da dor da deusa da fertilidade, interrompe-se na Terra o
crescimento das ervas e dos cereais. A serva Jamba faz um gesto obsceno e a
deusa ri. Com o riso da deusa a natureza volta a viver e sobre a Terra retorna a
primavera.

Trazer para o diálogo com a racionalidade médica ocidental o trabalho


realizado pela Unidade de Palhaçada Intensiva (UPI!) traduz a tentativa de
acrescentar, às imagens reais e fictícias do início do texto, imagens de vida
presente na dor e no riso dos pequenos pacientes atendidos pelos doutores da
UPI! Imagens que nos dizem muito sobre como acolher o convite em direção a
uma racionalidade que nos devolva o lugar de humanos. Cada pensamento
arriscado, cada história contada, cada argumento gerado espelha essa
intenção.

Apenas um ano de existência tem a UPI! Pouco tempo... (estou consciente de


que o parto talvez esteja sendo prematuro, mas parte das dores das
parturientes se deve à incerteza de como o mundo acolherá seu rebento) Um
tempo repleto de histórias, de dores, de cores, de vidas que, olhando para a
dor, continuam celebrando o prazer.

Um tempo capaz de iluminar o que ocorre quando o riso se faz presente diante
da solenidade da doença; a transgressão que ele pode representar na nossa
racionalidade científica, mas também de

Página 157

como ele pode fertilizar novas relações no contexto da doença, novos


caminhos na ciência, restaurando a vontade de potência, de saúde, vontade de
parir outra realidade.

O riso da deusa restaura a vida em si e fertiliza a vida à sua volta, O riso dos
nossos pacientes, o riso presente nos corredores e enfermarias dos hospitais
fertiliza a dimensão da vida neles e em todos nós. É o motivo de existência da
UPI!, mais do que entretenimento, mudança.

Caros leitores, com vocês a UPI!


Direção de Atores:

Fernando Yamamoto
Coordenador do Projeto:
Gustavo Wanderley
Psicológica:
Geórgia Sibele Nogueira da Silva
Assessoria Médica:
Diana Dantas

Atores:

Gustavo Wanderley: Doutor Cem


Henrique Fontes: Doutor Labrô
Maria de Jesus: Doutora Da Luz
Renata Kaiser: Doutora Biela
Marco França: Doutor Amado
Fernando Yamamoto: Doutor Sushi

Página 158

A UPI! nasceu como um projeto do grupo de teatro Clowns de Shakespeare,


em parceria com a Unimed. Esta garante o apoio financeiro, o suporte humano
e logístico para sua realização. Os doutores são atores profissionais, treinados
no teatro Clown, e submetidos a um trabalho semanal de assessoria técnica e
psicológica, realizado por esta autora (professora do departamento de
psicologia da UFRN).

O trabalho consiste de: estudos para a construção teórica, filosófica e técnica


da UPI!, supervisão dos atendimentos/visitas hospitalares, com estudo e
discussões das intervenções, e suporte emocional aos doutores da UPI!, por
meio de um espaço de reflexão e expressão das emoções vivenciadas no
trabalho.
A assessoria psicológica treina, assiste e cuida dos cuidadores — os doutores
da UPI! Já a assessoria médica serve de apoio aos procedimentos médicos e
ao conhecimento das doenças e de suas terapêuticas.

A UPI! atua em dois hospitais públicos da cidade de Natal — Hosped (Hospital


de Pediatria da UFRN — Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e no
Hospital Infantil Varela Santiago, em sua Unidade de Oncologia. As visitas
acontecem uma vez por semana, por uma dupla de doutores acompanhada por
um membro da equipe ―à paisana‖ (que registra toda a visita para o estudo em
grupo). Os pacientes da UPI! são, em sua maioria, crianças portadoras de
câncer.

Objetivo

• Utilizar o riso como recurso terapêutico na recuperação, no cuidar das


crianças hospitalizadas.
• Colocar os recursos dos clowns ao dispor das crianças, restituindo a
dimensão da alegria em suas vidas.
• Devolver à criança um pouco de controle sobre o corpo e sua vida.

Página 159

* Favorecer uma atitude positiva e ativa em relação à enfermidade e ao


tratamento.
• Favorecer a alteração do clima hospitalar, possibilitando inaugurar outra
racionalidade.

O riso, como recurso terapêutico, vem sendo discutido nas duas últimas
décadas. Doutores ―palhaços‖ surgem no mundo todo e inspiram os doutores
da UPI!. Não estamos inventando a roda, mas temos um objetivo claro de
como girar a roda, ou como girar a cabeça para o outro lado da bandeja — o
desejo de contaminar a racionalidade médica ocidental com os ensinamentos
dos doutores clowns. Os efeitos do riso nos falam de um benefício físico e
emocional dos pacientes. E nos falam também de outra maneira de enxergar e
praticar medicina — possibilitam a receita para uma autêntica medicina
psicossomática.

A esta altura é impossível não fazer a pergunta: como é possível? Antes de


falar em procedimentos e resultados, é oportuno indagar: o riso é terapêutico?
Qual a relação entre a técnica do clown ou a racionalidade dos doutores da
UPI! e a racionalidade médica ocidental? Em outras palavras, como
entendemos o processo saúde-doença, como percebemos a apreensão da
realidade, que tipo de verdade perseguimos, nos remete às crenças que guiam
nossas ações.

O Riso como Recurso terapêutico

A medicina vem tentando esclarecer os efeitos do riso para a saúde. Somente


mediante comprovações científicas o riso poderá ser receitado como panacéia.
Esquecemos que, na realidade, ele é um recurso interno a ser despertado, faz
parte da dimensão da Higéia, e a comprovação de seus benefícios apenas
reforça a importância de reunirmos essas duas faces.

Página 160

Dar ciência ao riso é por si só engraçado, mas pode significar a possibilidade


de um novo conceito de ciência, que mais uma vez, insisto, pode ser um
resgate ao berço hipocrático.

Neste sentido, é interessante observar que Asclepius, pai de Higéia e de


Panacéia, possuía um santuário na cidade grega de Atenas, onde os doentes
assistiam a espetáculos musicais e comédias. Deliciar-se com piadas era a
prescrição. Ler e ouvir histórias engraçadas eram receitas da época. O
argumento utilizado era a convicção de que o riso e a alegria aqueciam o
organismo, assim como a tristeza contrariava e esfriava o corpo.
A psicossomática moderna cresce comprovando a interferência da tristeza, do
sofrimento emocional causado por grandes perdas, no aparecimento de
doenças como o câncer e no acometimento de problemas cardíacos. Da
mesma forma, a psiconeuroimunologia comprova a dependência do sistema
imunológico aos fatores emocionais.

O caminho inverso começa a ser vislumbrado também pela ciência médica,


mesmo que timidamente. O resultado de várias pesquisas, entre elas a de
William Fry, vem demonstrar que um dos maiores efeitos do riso é reduzir a
liberação dos hormônios associados ao estresse — o cortisol e a adrenalina.
Com menos hormônios desse tipo circulando no organismo, o sistema
imunológico se fortalece. Produzidas nos gânglios linfáticos e na medula óssea,
as células de defesa do organismo não só aumentam em quantidade como
também se tornam mais ativas, com destaque sobretudo para os linfócitos B,
responsáveis pela produção de anticorpos, e os T, que detectam vírus ou
bactérias (Veja, 2001).

Muitos estudiosos já aceitam que o riso fortalece o sistema imunológico,


estimula as funções cardiovasculares e libera endorfinas que combatem a dor.
Quem mais contribuiu para divulgar as propriedades curativas do riso foi
Norman Cousin. Nos anos 1960, esse

Página 161

jornalista americano curou-se de uma doença grave por meio do riso. Escreveu
sua história anos depois, lançando, em 1979, Anatomia de uma doença,
tornou-se símbolo da terapia do riso e inspirou pesquisas nessa direção.

Falar em cura pelo riso pode ser ainda uma interrogação, mas estou
convencida de que esta discussão pode contribuir para reafirmar a
impossibilidade da separação entre mente e corpo. A tentativa de entender e
intervir no processo saúde-doença, demonstrando que a alegria pode suscitar a
vontade de potência ou de saúde, como diria Nietzsche, pode aliar-se ao
tratamento, devolvendo a dimensão humana da alegria, apesar do momento de
dor.

Se sorrimos é porque nos deixamos envolver. Resgatar essa experiência


corporal e emocional em um momento de dor, em situações de
constrangimento e medo, é por algum instante vivenciar outra dimensão das
emoções da vida, vivenciar o prazer.

Masseti (1998) nos ajuda a entender a recuperação física de nossos pacientes,


ao pontuar aspectos psicológicos do sorriso. A referida autora afirma que o
sorriso pode ser um lugar de ação. Explica que um aspecto importante na
recuperação física do paciente está relacionado à energia despendida para
lidar emocionalmente com a doença e com a hospitalização. Em tais situações,
é demandado um alto grau de elaboração, em razão da ansiedade e dos
medos, constantemente vivenciados no hospital. O humor aparece como um
recurso importante, permitindo que a criança explore fatos que, por obstáculos
pessoais, não se poderia revelar de forma aberta e consciente. A energia
investida no problema pode ser modificada, propiciando um bem-estar que
levará a um melhor enfrentamento da situação. A alegria libera a energia
represada e, dependendo dos procedimentos, mais do que liberar, permite
transformar a experiência traumática.

Página 162

O riso funciona como um objeto transicional, representando para a criança a


transição da angústia à alegria. Os doutores da UPI! estão à disposição das
crianças para exercerem essa função. A teoria de Winnicott (1993) sobre
espaço funcional e objetos transicionais fortalece nosso pensamento. Ele diz
que o espaço funcional é a área em que o fenômeno lúdico opera, diz respeito
à existência de uma região de potencialidade — universo simbólico — capaz
de promover o estabelecimento das relações do sujeito com a realidade. Diz
ainda que ―o objeto transicional constitui uma defesa contra a ansiedade,
especialmente a ansiedade do tipo depressivo‖ (p. 392).
Fica claro que a criança, em sua brincadeira, seja com sua boneca particular,
seja em uma interação de ludoterapia ou na interação com os doutores da
UPI!, está atuando com objetos transicionais, fazendo uma catarse de seus
problemas e equilibrando suas emoções.

Melaine Klein (1993), estudando o brincar, também concluiu que as crianças


sentem um prazer muito intenso em suas brincadeiras, não apenas pelo prazer,
―mas também porque aí encontram um meio de dominar sua angústia‖ (p. 86).

Rir movimenta as nossas emoções positivas. Poder trazer essa experiência


corporal e emocional no momento da doença é tocar na centelha de vida que
pode ficar embotada na estrutura hospitalar. E, como gritou Nietzsche: ―Sempre
que encontrei vida, encontrei vontade de poder‘ Por que não dizer, vontade de
saúde. Para a criança ou adolescente, rir, mais do que efeito de um
entretenimento, é fazer circular vitalidade e, para a instituição, essa vida em
ação pode suscitar mudanças. O riso devolve a vontade de poder, no sentido
nietzscheano, que significa uma vontade de crescer, de vir a ser, de criar.
Remete a criança à vida que ela tem em si.

E Wuo (2000), por sua vez, especifica:

Página 163

O ato de sorrir movimenta dimensões positivas, e a isso chamamos o riso de


suscitador da vida, O riso nasce naturalmente fazendo parte de um ciclo.
Nasce abalando as estruturas, movimenta o nosso lado errante (...) quando
sentimos o movimento do riso em nosso corpo, aliviamos uma porção de
constrangimento, de contrações, e esse mover uma estrutura corpórea pode
mover uma estrutura social debaixo de uma lona de circo, em teatro ou hospital
(p. 67).

―Racionalidade‖ do Clown Versus Racionalidade Médica Ocidental


O riso permite demonstrar o quanto nossas emoções podem mudar de lugar —
da dor ao prazer, da tristeza à alegria; o quanto a seriedade pode dar lugar à
descontração, o quanto é possível mudar, inverter. Ele movimenta o corpo
físico sim, mas também o social. É exatamente porque ele ilumina
vulnerabilidades, mediante sua lógica subversiva, e aponta outras
possibilidades, que foi proibido na Idade Média.

Humberto Eco (1983), em O Nome da Rosa, retrata a problemática do riso e do


cômico. O riso foi condenado na Idade Média pelo Clero; era considerado coisa
do demônio, heresia, como também era proibido na literatura. Enfim, conhecer
o mundo por outra lógica não era permitido. A Inquisição não permitia nada que
contrariasse as regras divinas. A risada 4enota senso crítico, fantasia,
distanciamento do fanatismo, e, assim, a possibilidade de quebrar regras.
Denota um tipo de poder que o poder constituído vai temer e,
consequentemente, reprimir.

Portanto, dar passagem ao riso no hospital é dar passagem também a alguns


ruídos. Vamos entrar um pouco na lógica do clown para podermos apreender
seus ensinamentos e entendermos como os nossos doutores da UPI! se
utilizam da lógica clown para exercerem sua função terapêutica enquanto
médicos; exatamente porque suas

Página 164

palhaçadas ultrapassam a função do entretenimento, do humor e, desta forma,


podem gerar ruídos e até mudanças.

Clown se traduz por ―palhaço‖ Apesar de palavras de origem diferente, as duas


confluem em essências cômicas. Ele tem suas raízes fincadas na ingenuidade
e pureza, sendo, portanto, puramente humano. Conhece a sua própria
fragilidade, mas acredita que pode enfrentar e mudar o mundo para melhor.

O doutor Clown sente que tem empatia pela dor de seu paciente, mas sabe
que sempre pode fazer algo, pode cuidar do sofrimento dele; ele se coloca à
disposição dele para lidar com sua dor e resgatar sua alegria. Ele enxerga
sempre a essência de uma criança que é a sua alegria e não a doença, o seu
prognóstico. Já em seu diagnóstico, está preocupado em como tocar nessa
dimensão da criança. Como acender sua Higéia, seu potencial interno de
saúde, vida, prazer.

Tem em comum a lógica do raciocínio não-linear. Ele se relaciona com a


realidade de uma forma bastante complexa, inventando sempre novas saídas.
Ele quebra com a lógica do previsível ao propor soluções novas, como, por
exemplo, receitar rizoel para uma enfermeira, dar um adesivo calmante para
um pai nervoso, transformar uma meia em anestésico, estimular a fantasia das
crianças receitando o uso do adesivo da fome. Em outras palavras, a realidade
das crianças hospitalizadas passa a incorporar novos elementos para seu
enfrentamento. Pela espontaneidade, ele espelha o que está vendo, permitindo
percebermos os fatos a partir de novos enfoques, ampliando nossa percepção.

Masseti (1998) pontua:

Uma das características da atuação dos clowns doutores é transformar


qualquer acontecimento em um recurso para o seu trabalho: um enganchar de
porta, um tropeço, um ―não‖, tudo é incorporado como oportunidade e é
canalizado para a linguagem humorística. Essa capacidade carrega em si uma
metáfora importante, em se tratando de doença e hospitalização: a de que é
possível transformar a dor e o sofrimento (p. 56).

Página 165

Colorir de sorrisos os hospitais é uma forma de transformar o sofrimento, de


introduzir elementos de humanidade nas relações entre equipe de saúde,
pacientes e familiares. É a quebra da solenidade da doença, é a troca da dor
pelo sorriso. É a permissividade para as emoções, mas como timidamente
comentou uma enfermeira: ―Se ela continuar, vai contaminar tudo‖, Ela se
referia à colega continuar cantando um funk enquanto aplicava injeção e a
conseqüente contaminação de alegria por toda a enfermaria. O funk foi criado
pela enfermeira M., quando auxiliava o doutor Amado e o doutor Sushi em uma
visita e foi batizado como ―Funk da enfermeira‖

O episódio demonstrou o quanto, no hospital, principalmente nos que tratam de


doenças graves, existe uma solenidade em torno da doença, permeada por
seriedade e tristeza. Nietzsche dizia que ―o ensinamento da arte é encontrar
prazer na existência‖ (p. 61). Os nossos doutores da UPI! buscam inserir e
reintroduzir esse elemento na vida de todos que circulam no hospital. Trata-se
de um recurso a mais, mas que sem dúvida contamina a todos.

Ele nos diz ainda sobre o caminho que impregnou a racionalidade científica
ocidental:

A ciência repousa sobre o mesmo chão que o ideal ascético: um certo


empobrecimento da vida é aqui como lá o pressuposto das emoções tornadas
frias, o tempo tornado lento, a seriedade impressa nos rostos e gestos (p. 101).

Fragmentos da U P1!: Alguns Procedimentos e Resultados

Os doutores da UPI! utilizam-se de vários recursos artísticos, entre eles a


música, a mímica, a técnica clown à disposição dos pacientes, equipe e
familiares. Eles acessam a imaginação e a fantasia das crianças, possibilitando
a catarse e a elaboração de momentos difíceis, por meio da criatividade, do
improviso, mas também de

Página 166

procedimentos estudados para servirem como objetos transicionais capazes de


amenizar tensões, medos e ansiedades pré-cirúrgicas, por exemplo. Neste
sentido, são realizadas cirurgias imaginárias, nas quais as crianças manipulam
a parte doente (massa de modelar retirada de seu corpo) e são levadas a
acreditar que o outro ―doutor‖ vai apenas fechar a operação já realizada.
As clássicas cirurgias do nariz para trazer felicidade contam sempre com outros
pacientes como assistentes; a prescrição do uso do nariz vermelho, que se
usado três vezes ao dia traz felicidade; a fita métrica para medir a pressão e a
meia de chulé anestésico fazem parte de rotinas desses médicos. Bem como o
pato purific, que purifica a região que vai ser cirurgiada, gorila que suga a dor, o
adesivo que dá fome de leão, o adesivo calmante para pais irritados,
brincadeiras de assistente de médico e prescrições diversas.

Cada qual se dá conforme a demanda individual do paciente consultado, da


enfermaria como um todo ou de um membro da equipe ou familiar, sendo
acompanhadas muitas vezes de músicas criadas por um dos nossos doutores
— doutor Amado — inspirado na realidade vivenciada pelas crianças e em
nossos procedimentos. Nos casos em que o silêncio se faz necessário, a
mímica é um grande aliado. O que interessa é que para eles todos estão dentro
de possibilidades terapêuticas.

O MUNDO VERMELHO

Vamos começara transformação


É muito divertido, não tenha medo não
Em cima da sua boca, em baixo dos oião
Colocando cor repetindo esta canção

O mundo na ponta do nariz

Página 167

Todo mundo é vermelho


Vermelho pra quem é feliz
E eu quero te ver feliz
Com o mundo na ponta do nariz

Surge da maleta a voar voar voar


O pato de borracha que vem purificar
A nossa anestesia é uma meia com chulé
Que o doutor Palhaço tirou do pé

Refrão

É chegada a hora da consulta terminar


E um nariz vermelho eu vou colocar
De frente pra um espelho você vai olhar
Três vezes por dia a tristeza passará

UPI!

Outro aspecto importante dos procedimentos é buscarem resgatar a


autonomia, a atividade e a possibilidade de escolha (até o não participar de
uma brincadeira) em um espaço onde eles têm de permanecer passivos.

Cabe destacar que os doutores da UPI! são solicitados por enfermeiros e


médicos, para ajudarem em procedimentos de outros médicos. Familiares
remarcam exames nos dias que os doutores da UPI! trabalham, para também
terem seus filhos consultados por eles. A equipe solicita que os doutores da
UPI! trabalhem mais dias. Por tudo isso, podemos também sorrir e falar em
resultados para o paciente, familiares e para a instituição hospitalar.

Assim como embaixo da lona do circo todos são envolvidos pelo riso, no
hospital, os cuidadores (equipe e família) também têm seus

Página 168

ganhos quando o riso cobre o dia-a-dia. Apesar de esta reflexão sobre a UPI!
enfatizar em primeiro plano os pacientes, são inegáveis os ruídos, e
aprendizados da equipe, bem como o contágio prazeroso das mães ou pais, ao
verem o sorriso de seus filhos ou eles próprios experimentarem tal dimensão
da vida.
Ranier (2001) pontua:

As mães precisam da esperança para conseguirem viver o cotidiano de ter um


filho com câncer. É a esperança que lhes dá a condição de realizarem as
tarefas físicas e emocionais que sua vida pessoal e familiar requisita nesses
tempos difíceis (p. 60).
Em meio a tanto sofrimento, expectativa, mobilização de esforços, incertezas
que permeiam o cotidiano das famílias que têm um filho com câncer, os
doutores da UPI! levam o sorriso, a esperança e o cuidado.

Chiattone (1996) também nos convida a continuar seguindo essa direção


quando revela:

É de fundamental importância não só para a criança, mas também para a sua


família, que receba da equipe de saúde o apoio necessário para enfrentar todo
o processo de doença e morte, pois o manejo de crianças terminais inclui a
adaptação fisiológica e médica e a adaptação psicológica e existencial à
situação traumática em si. E é nessa adaptação psicológica e existencial que
entram em jogo sistemas intrapsíquicos complexos constituídos pelos
subsistemas dos pacientes, familiares e também equipe de saúde (p. 135).

Vamos a alguns fragmentos de nossos resultados:

MELHOR ACEITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ROTINA E EXAME

MELHOR COLABORAÇÃO COM A EQUIPE

O clima antes era de apreensão. Com a UPI! elas [as crianças ficam mais
receptivas aos procedimentos. ―Os médicos da alegria‖ não só

Página 169

aliviam o sofrimento, como facilitam o nosso trabalho. (Ana Maria Guimarâes —


psicóloga do Hospital Varela Santiago.)
F., o Medo e a Cirurgia

―F. nos chamou [doutor Sushi e eu, doutor Labrô] e disse que estava com medo
da biópsia que tinha de fazer no outro dia. Então, com a ajuda de P. [outro
paciente], fizemos a cirurgia um dia antes, tirando um pedaço da massa de
modelar [que seria a parte da biópsia], de manipular, brincar e depois deixamos
um adesivo no local para o médico substituir pelo ponto. Ficou bem tranquilo e
soubemos pelas enfermeiras na outra visita que ele foi bastante calmo e
confiante para a biópsia.‖
O relato de doutor Labrô ressalta que intervenções dessa natureza amenizam a
ansiedade e o estresse do paciente, e favorecem o bom andamento do exame.
Além do fato de que toda caricatura cômica feita para a realização da ―tal
cirurgia‖ rende muitos sorrisos.

INAUGURA EXPECTATIVAS POSITI VAS, ALEGRES NA ROTINA DO


HOSPITAL

As crianças hoje já amanheceram animadas dizendo que os doutores palhaços


vinham. Elas cooperam mais. (Enfermeira do Hosped)

Doutor S., eu vim agradecer e elogiar o trabalho de vocês, pois o paciente J. só


deixou eu fazer o exame quando eu disse que vocês iam chegar e queriam ver
o resultado. (Médica residente)

DIMINUIÇÃO DO ESTRESSE DAS CRIANÇAS E DOS CUIDADORES


(PAIS/EQUIPE)

É muito bom saber que hoje vocês trabalham. (Mãe)

O clima fica muito descontraído, a gente pode sorrir. (Funcionário)

Página 170
POSSIBILIDADE DE AUTONOMIA E ATIVIDADE NO COMPORTAMENTO
DOS PACIENTES

É indiscutível também o efeito terapêutico da catarse realizada, bem como a


vivência ativa dos pacientes.

Os Zés, os Médicos e os Ruídos

―(...) O fato de termos três ‗Zés‘ na enfermaria nos fez batizar a ‗enfermaria dos
Zés‘. Começamos, já que eram crianças um pouco mais velhas, a conversar
sobre o cotidiano do hospital, e por acaso acabou surgindo a questão do
comportamento dos médicos. Começamos a interagir com elas, simulando
como um médico deveria ou não cuidar de seus pacientes, desde a entrada
nas salas, o cumprimento, a abordagem às crianças, enfim, elas iam nos
dizendo como fazer, e nós íamos reproduzindo. Algumas vezes elas faziam, e
acabavam fazendo como os médicos fazem ao falar com elas. Muitas vezes
chegando sem cumprimentar e já perguntando: E aí? Fez cocô hoje? Fez xixi?
E nós, ao perguntarmos se elas [as crianças] não cumprimentavam os
médicos, muitos deles disseram que sim e elas nem respondem. Foi muito boa
a intervenção, todas se divertiram muito e se expressaram à vontade — uma
completava a outra ou tomava a vez. Disseram uma série de sensações e
desejos que têm, de como gostariam que fossem, como gostariam de ser
tratadas... Exageramos as falas, levamos as atitudes dos médicos ao extremo
e encenamos com elas bem alto (tipo:o médico chega e não cumprimenta, as
crianças, sob nossa orientação diziam:‘ Bom-dia, doutor!‘, ele não respondia se
virava e perguntava: ‗E aí? Cagou hoje? Mijou?‘), e as crianças se deleitavam
com isso! Em alguns momentos, as crianças devolviam a pergunta: ‗E o senhor
cagou? ‘O deleite era maior, maior. Haja catarse!‖

Nesse relato fica evidente que a presença dos doutores da UPI! também
espelha ruídos, que podem servir de luz para outros caminhos, para outras
formas de relação terapeuta-paciente, se puderem ser comunicados.

Página 171
É indiscutível também o efeito terapêutico da catarse realizada, bem como a
vivência ativa dos pacientes.

O Pequeno Jornalista

Frente:

Verso:

O repórter em questão é paciente do doutor Labrô. Recebeu a prescrição para


relatar os acontecimentos após a consulta, pois o mesmo gosta muito de
escrever e como estava com ―tristite‖, animou-se com tal prescrição.

O garoto de forma prazerosa torna-se ativo no contexto do seu tratamento e


denuncia sua percepção em torno da interação a sua volta. Mais uma vez,
temos a possibilidade de refletir sobre nossas atitudes enquanto profissionais
de saúde.

RESSIGNIFICAÇÃO DE ALGUMAS PRÁTICAS HOSPITALARES NO


APRENDIZADO COM OS DOUTORES DA UPI!

M., o Vidro e o Cartão Travesseiro

Chegando na oncologia, qual foi a minha surpresa, mesmo tendo tido uma
―meia informação‖ a respeito de M., ao ver que a mãe — e o pai, que eu nunca
tinha visto antes — estava na antessala, lavando as mãos, antes de

Página 172

entrar no espaço em si. Ela estava no isolamento, junto ao P., outra criança
muito especial para mim, cujo tumor se desenvolve na área de um dos olhos, e
que não reconheci de cara, por estar deitado para o outro lado. Enfim, voltando
a M., pude ver uma emoção muito grande nos olhos da mãe, também velha
conhecida, e do pai, com quem nunca havia encontrado (mas esse brilho
denunciou que ele já havia ouvido falar do doutor Labrô e do doutor Cem), uma
alegria em nos ver por lá. Foi muito forte!

Ao ver M. pela janela, numa enfermaria cujo acesso nos foi naquele momento
negado, me surpreendeu o seu estado debilitado, muito magra, mais frágil
ainda do que o normal, mas o seu sorriso — revelado depois pelos pais que
não acontecia há um certo tempo — e o esforço descomunal para levantar seu
braço e nos dar tchau, foi algo muito especial, confirmou uma relação muito
forte, apesar de ter sido construída devagar, com dificuldades. Como não
podíamos entrar, eu fazia mímica, tentava comunicar com o olhar, então
resolvemos mandar um cartão com uma dedicatória muito carinhosa,
verdadeira e do fundo do coração para ela. Avisamos que voltaríamos à janela
mais tarde, após passarmos pelas outras enfermarias, quando o fizemos, já no
final da visita, pude ver a cena maravilhosa de M., dormindo ao lado do cartão,
quase que um travesseiro, me pareceu ter sido muito especial

para ela. Pra mim com certeza foi... Poderia ser a última vez que a estaria
vendo assim de longe, sem poder tocá-la, trocar uma palavra com ela.
Doutor Sushi

No relato desse ator ao descrever a visita do doutor da UPI! vemos uma


pessoa humana por trás do doutor, vivenciando os sentimentos provocados
pela iminência da morte do outro, enfrentando esse sentimento com atitudes de
carinho, afeto, possibilidades terapêuticas pouco usadas, mas eficientes no
cuidar daquele que sofre. No silêncio e na distância, a presença humana de
nossos doutores Sushi e Amado.

Página 173

A Enfermeira do Funk e a Solenidade Hospitalar

Um episódio foi especial. Com E., quando ele estava com medo de tomar a
injeção. Pedimos que ele nos dissesse uma música que gostava, e ele atacou
de funk. A enfermeira, que acredito é a legítima enfermeira do funk, nos
acompanhou, cantou, dançou. Fizemos uma coreografia que virou hit no
hospital, e o melhor — enquanto M. aplicava o remédio, o pequeno E. dava
gargalhadas, sem nem sentir a picada ou o líquido.

A versão criada pela enfermeira começava assim: ―Só uma injeçãozinha não
dói, uma injeçãozinha não dói‖. Todos os pacientes só querem receber injeção
acompanhada por música e show coreografado.
Doutor Labrô

Apesar dos insistentes pedidos das crianças e dos doutores da UPI!, a


enfermeira do funk não cantou e dançou mais como ―naquele dia‖. Em outra
ocasião em que a UPI! pedia, ela timidamente cantava, mas com o cuidado
para não contaminar o ambiente. Como já relatou outra enfermeira (fato já
descrito anteriormente): ―Não pode, se não contamina o ambiente‖. Retratando
o culto à tristeza e a solenidade da doença na instituição hospitalar e a
consequente não permissividade ao riso.

Inspirado pelos constantes sofrimentos de nossos pequenos pacientes, diante


da dificuldade da equipe de enfermagem ―pegar‖ suas veias, doutor Amado cria
a música Veia Bailarina.

Veia Bailarina

Corre, salta, pula, pega a veia bailarina


Levada menina querendo brincar
Pega, tica, esconde, cara de careta
Veia bailarina você vai dançar

Página 174

Venha, me ajuda, leva no corpo um pouco da vida


Que falta pra esse amiguinho brincar
Você hoje tá sapeca e voa como uma peteca
Mas onde você for menina eu vou

Refrão

Vamos fazer diferente quem se esconder agora perde


o bobo, quem aparecer é o rei
Nessa brincadeira ganha quem gosta de ser companheiro
E dar as mãos na roda pra dançar

Marco França / Cleudo

F., Dentro ou Fora de Possibilidades Terapêuticas

Estávamos no final do plantão, eu e doutora Biela Baleia, quando pedimos


permissão para entrar no quarto de E., que estava, com a ajuda da mãe,
terminando de comer seu jantar. Havíamos sido avisados deste paciente
quando entramos no hospital no começo do plantão, ele estava em estado
terminal e teve de ser colocado no isolamento para evitar o sofrimento de
outras crianças (estranho, eu pensei, e o quanto isso não afetaria ele nesse
finzinho de sua breve vida?), mas não lembramos desse detalhe quando
entramos na enfermaria.

F. não conseguia controlar muito bem os movimentos dos braços, nem tinha
forças físicas para ficar em pé ou sentado, mas sua vontade de viver saltava
pelos seus olhos e dançava pelo quarto inteiro. Doutora Biela notou que ele
gostava de ler histórias em quadrinhos e conseguiu um canal de comunicação
pelos heróis das histórias, eu aproveitei para conversar com a mãe que, acabei
descobrindo, era do mesmo interior que eu havia visitado recentemente e
conhecia o mesmo senhor cuja casa eu havia me hospedado. Pronto, depois
de cinco minutos éramos velhos conhecidos e já

Página 175
combinávamos um café da tarde, quando doutora Biela chamou minha atenção
para o suco que havia sido deixado intacto na bandeja. F. logo disse que não
gostava de suco de acerola, mas que havia gostado muito do peixe servido no
jantar, era uma pena não haver mais. Na mesma hora nos olhamos e tomamos
uma decisão que não sabíamos quais as consequências, mas decidimos
assumir os riscos. Iríamos buscar mais peixe e trocar o suco de F. Saímos da
enfermaria e falamos com as enfermeiras e nutricionistas, perguntando como e
se poderíamos levar o jantar, que já havia se transformado no prato francês
para o sr. F. Depois da resposta positiva, fomos à cozinha e eu fiz questão de
repassar a homenagem ao cozinheiro que ficou muito feliz por seu peixe ter
sido bem aceito. Conseguimos trocar o suco de acerola por um de goiaba e
colocamos junto ao peixe em uma bandeja coberta, formando o prato especial
levado pelos doutores — garçons franceses. Quando chegamos na enfermaria
preparamos um ambiente digno do jantar francês do sr. F. e, quando a bandeja
foi descoberta, os olhos do nosso senhor de 12 anos ficaram mais azuis e no
meio de um sorriso ainda inédito na visita, ele disse: ―Agora vai ficar bom‘. E
sua mãe reforçou: ―meu filho, come, você logo vai ficar bom‖.
Doutor Labrô

Ele não ficou bom, mas alimentou-se na véspera de sua morte com um apetite
e felicidade como nos tempos de saúde. Houve intervenção terapêutica, porque
os doutores da UPI! acreditam que sempre é possível cuidar.

Naquele instante ele foi feliz, o tum-tum do tambor da vida bateu mais forte, e
mais uma vez inspirou doutor Amado a criar mais uma música para nossa UPI!.

Tambor da Vida

Hoje em silêncio eu ouvi um tum-tum


Que surpresa tão boa amigo
É o som vivo do meu coração

Página 176
O tum-tum do tambor da vida

Em nosso peito ele mora


Bater é sua missão
Ponha a mão no peito e sinta
A festa do coração

Tum-tum-tum-tum faz o meu coração


Bate feliz todo dia
É o tambor forte da canção
Canção da minha alegria

Dentro de nós ele toca


A vida com alegria
Vamos entrar meu amigo
Na festa do coração

Marco França / Cleudo

K. e a Superação do Doutor

K. me assusta de primeiro, não consigo ver, não consigo me aproximar, me


dirijo a outros. Insisto. Olhá-lo me dói. Me dirijo a outros. Decidi vê-lo, chegar
mais perto. Lembrei dele nos tempos mais agitados. Era ele que não deixava a
minha maleta quieta. Adora os meus sons (lógico, não podia ver com os olhos).
Eram sons e tatos.

Peguei na maleta, me aproximei, mas ele não respondia, estava encolhido,


parado, frágil como nunca o tinha visto. A mãe o segurava carinhosamente,
proteção. ―Ëta, que menino lindo, olha meu filho o doutor palhaço, lembra como
você gostava de mexer na mala dele?‖ Não respondia, peguei a

Página 177
(Clown), a essência da criança é a possibilidade do brincar e sua função é
resgatar essa energia.

Por trás dos Clowns está um ator que é tocado pela dor de seu paciente, por
sua aparência forte (ele não possuía os dois glóbulos oculares), mas esse
doutor é trabalhado para esse enfrentamento em sua supervisão, ele também é
cuidado.

O fragmento a seguir mais uma vez revela a busca pela condição de


enfrentamento de realidades dolorosas por esses doutores, mediante o
trabalho de supervisão. Cabe lembrar da ausência de trabalho nessa direção
para os nossos médicos não clowns. Trabalhos que remetam ao fato de
sermos tocados pela dor de nossos pacientes.

Doutor Clown, a Dor e a Supervisão

O tumor realmente tinha um aspecto muito assustador, era uma deformidade.


Sequer chegou a aparecer para os olhos do doutor Sushi! Sequer consegui
enxergar outra coisa que não fosse uma criança expressando sua alegria, sua
vontade de brincar. Sai dali realizado, não acreditando como a deformidade
estava, mas não estava ali. Como só conseguia ver a criança que estava feliz
com os doutores da UPI! Naquele momento vi que a teoria e as técnicas que
trabalhamos transformaram-se em prática no hospital.

Doutor Sushi

Ambos os relatos enfocam a necessidade de cuidarmos dos cuidadores e


reafirmam que é possível aprender com a UPI! que as nossas dores, ou como
os pacientes nos tocam, encontrará sempre uma forma de expressão, que
pode não ser o distanciamento.

―Não me venha com conclusão


A única conclusão é morrer.‖
Fernando Pessoa
Página 179

―Vamos começar a transformação. É muito divertido, não tenha medo não.‖

É o que diz a canção primeira da UPI! É o convite lançado por seus doutores,
diante de uma sociedade marcada pela negação da morte, que não reconhece
o prazer como fonte de saúde, que vive sob o signo da poderosa medicina
tecnológica, na qual qualquer ruído é atacado de forma que a ordem seja
estabelecida.

É em meio à solenidade da doença, à seriedade e à tristeza inculcadas no


ambiente hospitalar, a busca pela imortalidade e a expulsão dos afetos,
elementos vitais para a sobrevida da racionalidade médica ocidental, que os
doutores da UPI! aliam-se ao tratamento, espelham nossas práticas, nos
apontam uma medicina psicossomática, nos seduzem à assertiva de que,
somente reinserindo a dimensão da morte (dor) e do riso, podemos reinventar
a realidade hospitalar e descobrir o que a racionalidade tradicional teima em
ocultar.

Para isso, precisamos de cientistas contrabandistas de saberes, capazes,


como diria Morin (1996), de promover uma reforma do pensamento. É preciso
fazer dialogar as áreas e disciplinas fragmentadas pela ciência e pelo
pensamento simplificador/disjuntor. É preciso religar homem e mundo, sujeito e
objeto, natureza e cultura, mito e logos, objetividade e subjetividade, ciência e
arte (destaque meu).

Neste momento, gostaria de me despedir do texto buscando mais uma vez


oxigênio para meu desassossego. As metáforas realizam esse feito.

Abrem o caminho Guatarri e Deleuze (1993), os quais propõem a imagem do


Homem, sob um guarda-sol, no qual pintou o firmamento. E, ao olhar para
cima, confunde o firmamento com a pintura no guarda-sol. Ele faz isso porque,
quando olha para o Universo, depara-se com a sua limitação de compreender o
que vê. Mas é justamente nesse momento que os referidos autores propõem
que filosofia, ciência e arte rasguem o guarda-sol, e o homem se aventure a
olhar sem tal proteção, para fazer passar um pouco de caos livre e
tempestuoso.

Página 180

Eles nos ensinam que o caos existente no interior de nossos sentimentos, que
o enfrentamento da morte, da dor e do delírio prazeroso, além de não nos
destruir, é a trilha possível para perceber a realidade. Um conhecer que junta
as três filhas do caos — arte, filosofia e ciência.

Penso que esse caminho só pode ser trilhado se o nosso pensamento praticar
o abraço, como nos seduz Almeida (1998). Saber praticar o abraço é promover
a dialógica entre a universalidade e a singularidade, é exercitar uma estrutura
mental aberta ao acolhimento e à hospitalidade, mas também às ruínas e à
desordem.

O abraço é a aptidão para empreender a partilha, o consolo, a sou o afeto.


Abraçar é prover, pela relação dos corpos, a dialógica dos espíritos (p. 6).

Será que podemos pensar em uma medicina com paixão, capaz de acolher,
como a um pássaro, o sofrimento do doente? Esta pergunta me desassossega.
Aquele paciente de HIV positivo faleceu grávido de um abraço de seu médico;
enquanto o personagem Johnny sentiu sua alma abraçada nos gestos
silenciosos da enfermeira.

E as cenas reais vivenciadas pelos pequenos pacientes dos doutores da UPI!


nos ensinam a reencontrar o que há de mais humano em nós. Primeiro passo
para rasgar o guarda-sol e inventarmos outras verdades, inventarmos uma
racionalidade humana, demasiadamente humana.

―Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de
fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.‖
Clarice Lispector

Página 181

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, M. C. Complexidade e ética como estética de vida. Pales realidade.


tra proferida no Congresso Internacional pelo Pensamento Complexo. Rio de
Janeiro, 1998.

ANGERAMI, V. A. (org.). A ética na saúde. São Paulo: Pioneira, 1997.

_______________. E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira,


1996.

______________. Psicologia da saúde: um novo significado para a prática


clínica. São Paulo: Pioneira, 2000. Psicossomática e a psicologia da dor. São
Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2001.

BLANK, N. O raciocínio clínico e os equipamentos médicos. Rio de Janeiro:


IMS/Uerj, 1985 (dissertação de mestrado).

CAMARGO JR., K. (Ir)racionalidade médica: paradoxos da Clinicai. In: Physis,


Revista de Saúde Coletiva, vol. 2, n. 1. Rio de Janeiro: IMS/Uerj, 1993.

_____________ As ciências da AIDS e a AIDS das ciências. Rio de Janeiro:


Abia, IMS/Uerj, Relune Dumará, 1994.

CAMUS, A. A peste. Rio de Janeiro: Record, 1983.


CHIATTONE, M. B. C. A criança e a morte. In: ANGERAMI, V. A. E a psicologia
entrou no hospital. São Paulo: Pioneira, 1996.

COSTA, P. M. O mestre da suspeita. Dossiê Cult. 18.10.2000. Nietzsche 100


anos, p. 60-3.

Página 182

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descarte: Emoção, razão e o cérebro humano. São


Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DELEUZE, G. e GUATARRI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34,


1992.

ECO, H. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Record, 1983.

FELLINI, F. Felline por Felline. 3. ed. Tradução de José Antônio Pinheiro


Machado, Paulo Hecker Filho e Zilá Bernd. Porto Alegre: L&PM, 1986.

FISHER, 5. e FISHER, R. Clowns, and actors. New Jersey: Laurence Eribaum


Associates, Publishers Hillsdale, 1981.

GARDNER, H. e VERONESE, M. V. (tradução). As artes e o desenvolvimento


humano: um estudo psicológico artístico. Porto Alegre:
ArtMed, 1997.
GIACOIA, O. Nietzsche: perspectivismo, genealogia, transvariação. Dossiê
Cult. 18.10.2000. Nietzsche 100 anos, p. 46-5 1.

GIMENEZ, D. R. A psique do corpo: uma compreensão simbólica da doença.


São Paulo: Summus, 1994.

LUZ, M. T. Medicina e racionalidades médicas: estudo comparativo da


medicina contemporânea, homeopática, tradicional chinesa e ayurvédica
(mimeo), s.d.

_______________ Natural, racional, social, razão médica e racionalidade


científica moderna. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

Página 183

Racionalidades médicas e terapêuticas alternativas. In: Cadernos de Sociologia


— Saúde Coletiva, vol. 7. Programa de Pós Graduação em Sociologia, Porto
Alegre: UFRS, 1995.

MARTINS, J. C. A morte e os mortos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MASSETI, M. Soluções de palhaço: Transformações na realidade hospitalar.


São Paulo: Palas Athena, 1998.

MASUR, J. O frio pode ser quente? 16. ed. São Paulo: Ática, 1999.

MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: ArtMed, 1992.

MILLER, H. O sorriso ao pé da escada. 3. ed. Rio de Janeiro:


Salamandra, 1989.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. São Paulo: Ediouro, s.d.

_______________ Obras incompletas! Friedrich Nietzsche, Seleção de textos


de Gerard Lebrum, tradução e notas de Rubem Rodrigues Torres Filho,
posfácio de Antônio Cândido — 5. ed. 2 vols. São Paulo: Nova Cultural, 1991
(Os Pensadores).

_____________. Para além do bem e do mal. Prelúdio de uma filosofia do


futuro. Tradução de Márcio Pugliesi, 5. ed. Hemus Editora Ltda. s.d.

POPOV, O. Na vie de clown. Paris: Stock, 1882.

RIECHELMANN, J. C. Medicina psicossomática e psicologia da saúde: veredas


interdisciplinares em busca do ―elo perdido‘ In:

Página 184

ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da saúde: um novo significado para a


prática clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

ROZA, E. S. Quando brincar é dizer: a experiência psicanalítica na infância. Rio


de Janeiro: Relume, 1993.
SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com o chapéu: e outras
histórias clínicas. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.

SAYD, 1. D. Terapêutica e mito. Rio de Janeiro: Uerj/IMS, 1995. 23p. (Estudos


em Saúde Coletiva; 129).

SEBASTIANI, R. W. Mecanismos de defesa do ego. A eleição do órgão de


choque. In: ZUGAID, M. T. e Descoj Quail, J. (org.). Obstetrícia e
Psicossomática. São Paulo: Atheneu, 1997, 15-39.

SILVA, G. 5. N. AIDS, no encontro do gozo com a morte: a doença do outro


(monografia apresentada para obtenção do título em especialista em
Antropologia). Natal, UFRN, 1994.

VALLE, E. R. M. Dor psíquica: significado do cuidar de um filho com câncer. In:


ANGERAMI, V. A. Psicossomática e a psicologia da dor. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2001.

VASCONCELOS, E. Psiconeuroimunologia. Uma história para o futuro. In:


ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da saúde: um novo significado para a
prática clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

O bom humor evita doenças. Revista VEJA, Edição 1.708. Editora Abril, ano
34, n 27, 11 de julho de 2001 (98-101).

Página 185
WINNCOTT, D. W. 0 brincar e a realidade. Tradução de José Octávio de
Aguiar Abreu e Vane de Nobre. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1975.
Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Tradução de Jane Russo.
4.ed. São Paulo: Francisco Alves, 1993.

WUO, A. E. Caderno diário de anotações do clown. Mar. 1993.

ZAIDHAFT, S. Morte e formação médica. Rio de Janeiro: Francisco Alves,


1990.

Página 186

THOMSON

Outras Obras Sobre o Tema

PSICOLOGIA DA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Dirigido a estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia


Clínica e aos profissionais da área, o livro reúne seis textos que buscam
sistematizar uma nova forma de compreensão da prática clínica na área da
Saúde. Os autores são profissionais do setor de Psicologia da Saúde que, por
meio de seus textos, tentam criar uma configuração teórica em relação à
maneira de abordar a doença e o doente hoje.

Novos RUMOS NA PSICOLOGIA DA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

A Psicologia da Saúde é o novo caminho de todos os que buscam


instrumentalizar sua prática profissional na área da saúde mental. Esse livro
traz novos rumos no campo da Psicologia da Saúde, apresentando o que
existe da vanguarda na área. Profissionais de todas as áreas da saúde terão
nessa obra um instrumento seguro de consulta para nortearem sua prática
nesse campo. Obra indispensável a todos os que, de alguma maneira, se
interessam pelos avanços e conquistas efetivados pela nova força da saúde
mental: a Psicologia da Saúde.

PSICOSSOMÁTICA E A PSICOLOGIA DA DOR


VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

O diagnóstico de uma doença traz consigo a mudança da condição de sadio


para a condição de doente. Nessa situação, o paciente passa a lidar com o
risco eminente de adoecer, sofrer e morrer. Isso faz com que ele viva
constantemente ameaçado por essa situação, que representa um ataque não
somente ao seu corpo, mas também ao seu psiquismo. O aspecto da
somatização está analisado de modo ímpar nesse livro e, certamente, será de
grande valia aos médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e
demais profissionais, professores e estudantes da área de saúde.

Página 187

A ÉTICA NA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Textos de Ana Maria L. C. de Feijoo, Viviane R. Soldati, Nelson Cruz dos


Santos, Marcia M. B. Bartilotti, Wilson Luiz Sanvito, Leo Pessuii, Heloisa B. de
C. Chiattonc e Ricardo \V Sebastiani. Tratar do tema ―Etica‖ é sempre uma
missão tão importante quanto polêmica. Importante por ser componente
fundamental de uma sociedade organizada, que tenciona buscar e aprimorar o
comportamento humano, aperfeiçoando o relacionamento entre as pessoas e
criando parâmetros de conduta. Polêmica por estar ancorada no juízo pessoal,
em códigos de conduta próprios ou mesmo cm códigos impressos, mas que
por muitas vezes dependem de interpretações pessoais. Está dividido cm 9
capítulos, com diversas abordagens sobre o tema.
DEPRESSÃO E PSICOSSOMÁTICA
VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Calcula-se que 1 bilhão de pessoas, cerca de 240 o da população mundial,


vêm sofrendo de algum tipo de desordem neuropsiquiátrica e um terço delas
pode estar comprometida por mais de um tipo de doença. A cada ano, uma em
cada 20 pessoas desenvolve depressão. Um número expressivo de pessoas
busca diariamente ajuda especializada como resposta às suas angústias. Esse
livro é,

assim, um grande avanço nos estudos que visam a uma melhor compreensão
do fenômeno da depressão. Trata-se de mais um lançamento da Editora
Pioneira Thomson Learnmg que se coloca, outra vez, na vanguarda das
discussões contemporâneas envolvendo temáticas tão presentes na condição
humana. Essa obra certamente é indispensável a todos que se debruçam para
um melhor entendimento da depressão e de suas sequelas na vida humana.

A Psicologia NO HOSPITAL — 2 EDIÇÃO

VALDEMARA. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Este livro mostra a Psicologia no hospital com todas as suas dificuldades,


avanços e conquistas. Abordando a realidade brasileira, a obra traça a
trajetória dos autores na conquista do espaço hospitalar pelo psicólogo e
propõe-se a despertar inúmeras reflexões acadêmicas sobre a questão da
saúde no País. A Psicologia no Hospital apresenta a riqueza dos trabalhos dos
autores em uma performance artesanal e é um verdadeiro marco na história da
Psicologia no Brasil.

Você também pode gostar