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VI SEMEAD

FINANÇAS

O Modelo de Avaliação de Empresas de Edwards-


Bell-Ohlson (EBO) – Aspectos Práticos e Teóricos

Rubens Famá
Professor Doutor do Departamento de Administração da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo,
nos programas de graduação e pós-graduação.
rfama@usp.br

Eduardo C. Leite
Mestrando em Administração pela
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo.
leitee@usp.br

1
O Modelo de Avaliação de Empresas de Edwards-Bell-Ohlson (EBO) – Aspectos
Práticos e Teóricos

Resumo
Os métodos de avaliação de empresas que utilizam fluxos de caixa futuros descontados
são os mais difundidos e utilizados por analistas do mercado financeiro. Este trabalho
apresenta o método denominado Edwards-Bell-Ohlson ou EBO desenvolvido com base no
valor contábil dos ativos e no fluxo descontado do lucro anormal (acima da taxa de
remuneração exigida pelos investidores). Conceitualmente este método é consistente com
os demais métodos baseados em fluxos descontados (lucros, dividendos e fluxo de caixa
livre) e deve apresentar o mesmo resultado em condições perfeitas. Sua principal
vantagem é superar a dificuldade em estimar um valor residual, como acontece nos demais
modelos de fluxos de caixa descontados, partindo da premissa de que os lucros anormais
devem desaparecer em algum instante.

1. Introdução
A avaliação de ativos, em especial de empresas, é um tema recorrente em finanças. Os
modelos mais difundidos defendem que o valor de uma empresa é igual ao valor presente
dos fluxos de caixa esperados no futuro. Como as empresas não possuem prazo
determinado de funcionamento, o cálculo de seu valor depende da estimativa de fluxos
infinitos. Utilizando a lógica, o tempo que levaríamos para estimar infinitos fluxos de
caixa (mesmo que trabalhássemos com a maior agilidade possível de fluxos por unidade
de tempo, contanto que esta razão seja finita) seria infinito.
A alternativa mais comum utilizada para aplicar estes modelos foi dividir a estimação
dos fluxos em duas partes: (i) uma parte explícita onde são detalhados todos os
componentes que geram o fluxo a cada período. O prazo desta estimativa envolve um
horizonte de tempo em que é possível fazer previsões confiáveis acerca do comportamento
da empresa e do ambiente competitivo onde ela está inserida. Além destes critérios é
importante que a empresa adquira estabilidade operacional em suas margens e no seu
crescimento1; e (ii) um valor residual (ou contínuo) onde são feitas premissas acerca do
crescimento do fluxo e do custo de capital estimado a partir da previsão explícita. O
resultado desta segunda parte é uma expressão do tipo:
FluxoT
Vc =
r−g
Onde r é a taxa de desconto e g a taxa de crescimento perpétuo. O problema reside no
fato de que comumente este valor terminal consiste em uma proporção muito grande do
valor total. Colocando em outras palavras, a maior parte do valor estimado de uma
empresa está baseada em expectativas sobre o que vai acontecer a partir de um período o
qual não nos sentimos seguros de avaliar com precisão e vai até o infinito.

1
Alguns autores sugerem a divisão da fase de previsão explícita em até dois ou três períodos intermediários
onde as premissas de crescimento, de rentabilidade e de custo do capital são mantidas constantes dentro
destes períodos. Isto reduziria o erro de estimação quando é factível estimar diferentes etapas do ciclo de
uma empresa. Para mais detalhes ver Copeland, Koller e Murrin [2002].

2
Em complementação a estes métodos surge o método conhecido como EBO (Edwards-
Bell-Ohlson) derivado do método de desconto de dividendos, mas que traz como principal
vantagem uma pequena dependência do valor terminal no montante total do valor. Isto
acontece porque sua definição é feita em termos do lucro residual (ou anormal) que se
espera além do custo de capital e que converge (em geral) para zero em um curto espaço
de tempo.
Os trabalhos empíricos realizados até o momento indicam uma superioridade deste
modelo sobre os modelos convencionais, recolocando os demonstrativos contábeis como
instrumentos adequados de estimação de valor.
O objetivo deste trabalho é apresentar os aspectos teóricos do modelo de lucros
residuais e verificar empiricamente a proposição de que os retornos anormais tendem
desaparecer em um espaço de tempo relativamente curto. Esta última verificação empírica
será feita indiretamente através da medida de retorno sobre o patrimônio líquido.
O trabalho está dividido em três seções. A primeira seção apresenta os modelos
convencionais para avaliação de empresas e discute suas vantagens e desvantagens. A
seção seguinte apresenta o modelo de lucros residuais (EBO) e finalmente é feita uma
análise do retorno sobre patrimônio líquido (ROE) de um grupo de empresas brasileiras de
capital aberto, no período entre 1993 e 2001.

2. Os modelos convencionais de Avaliação de Empresas


De uma forma geral, os modelos de avaliação de empresas podem ser divididos em
três classes: os modelos baseados em ativos, os baseados em fluxos descontados e os
modelos baseados em múltiplos de índices financeiros (também chamada de avaliação
relativa).
Os modelos baseados em ativos calculam os valores de mercado dos ativos e dos
passivos da empresa e chegam à seguinte expressão para o valor da empresa:
valor = ativos - passivos
Para os modelos baseados em fluxos descontados, o valor em um instante de tempo t é
o somatório dos valores presentes dos fluxos futuros descontados por uma taxa que
representa a taxa de retorno requerida.
∑ E  FC
± t +i  ( 1 + r ) −i
Valort =  i
i

A ligação conceitual entre estes dois tipos de avaliação pode ser percebida quando
analisamos uma empresa com um fluxo de caixa contínuo (constante) e uma taxa de
retorno do ativo (realizada) igual à taxa de retorno requerida:
FC r real B rB
Valor = = = =B
r r r
, onde B é o valor contábil dos ativos.
Segundo White, Sondhi e Fried [1997] as diferentes abordagens são equivalentes em
um mundo perfeito e altamente estilizado2. Para eles as equivalências são quebradas
devido às incertezas na definição e na medição dos parâmetros dos modelos. Entre elas
estão:
- Dificuldades em estimar para um horizonte finito e infinito;
- Natureza aleatória dos fluxos de caixa e lucros e a dificuldade de
identificar se os valores registrados são de natureza permanente ou transitória;
2
Para uma demonstração ver Penman (1997)

3
- A medição dos ativos, lucros e fluxo de caixa, que podem ser afetados pela
escolha de procedimentos contábeis e medidas gerenciais discricionárias.
Os modelos de avaliação baseados em múltiplos têm como base a precificação de um
ativo tomando por base o valor de mercado de ativos semelhantes 3. Este método é muito
difundido devido à sua facilidade de aplicação. Como sua fundamentação é intuitiva e se
baseia na eficiência dos indicadores financeiros em representar o valor de uma empresa,
não avaliaremos este método com mais detalhe. Benninga & Sarig [1997] apelidam a
avaliação por múltiplos como o teste “psicológico” para o resultado de outras técnicas, no
sentido em que servem mais para validar análises baseadas em fluxos de caixa
descontados do que como principal forma de medir o valor de uma empresa.

Método de Avaliação de Ativos


O conceito por trás do método de avaliação de ativos é simples: A valor patrimonial
da empresa (PL) é o valor total de mercado do seu ativo menos o valor total de mercado
de suas dívidas (passivo circulante e exigível no longo prazo). A grande dificuldade em
validar este modelo é a comparação entre o valor encontrado e o valor de mercado das
ações da empresa. Para White, Sondhi e Fried [1997] esta discrepância pode ser função,
dentre outros motivos, da natureza dos ativos da empresa, escolha gerencial dos métodos
de divulgação dos relatórios financeiros, mudanças nos métodos contábeis (gerenciais ou
discricionárias) e de outras dificuldades de medição do valor contábil.
Os mesmos autores procuram relacionar o valor contábil com o valor de mercado da
seguinte forma4:
(
 r real − r
Valor = B + 
)  B
 r 
 
Deste modo o valor de mercado de uma ação depende das expectativas de crescimento
da empresa (termo entre colchetes) e do valor contábil de seus ativos (B). O segundo
termo desta equação pode ser interpretado como o valor dos ativos intangíveis da empresa
(goodwill).
O grande desafio na aplicação deste método é a medição do valor de mercado dos
ativos permanentes.

Método de Avaliação de Fluxos Descontados


As dificuldades encontradas no método de avaliação de ativos levaram os analistas a
utilizar mais intensamente os modelos baseado no desconto de fluxos. Estes fluxos podem
ser fluxos de dividendos, fluxos de lucros ou fluxos de caixa livre. Cada um destes fluxos
traz vantagens e desvantagens em comparação aos demais.
Assim como os métodos baseados em fluxos descontados e em ativos convergem em
um mundo perfeito, os fluxos descontados dos dividendos, dos lucros contábeis e do fluxo
de caixa livre também são equivalentes nestas condições.
Modelos Baseados em Dividendos

3
Damodaran (2002)

4 Valor =
FC r real B rB + r real B − rB rB
= = = +
(
r real − r B)  r real − r
=B+ 
( )  B
r r r r r  r 
 

4
A idéia por trás dos modelos de avaliação baseados em dividendos é determinar qual é
o fluxo de caixa (benefícios) que um acionista possui quando compra uma ação. Os
ganhos oriundos de uma ação podem ser de dois tipos: (i) dividendos pagos aos
acionistas; e (ii) ganhos de capital auferidos quando o acionista vende a ação por um
preço superior ao que pagou. No caso destes modelos de avaliação, presume-se que o
acionista permaneça com a ação indefinidamente. Desta forma o valor dos ganhos do tipo
(ii) nunca ocorrem e apenas os dividendos passam a ter relevância. Sob esta ótica, o valor
patrimonial (capital próprio) de uma empresa passa a ser o valor presente de todos os
dividendos futuros que serão pagos pela empresa para os seus acionistas (VPD):
E  D% 
t +1  E  D% 
t +2 
∞ E  D% 
t +i 
Pt =
(1+ r)
+ + ... = ∑
(1+ r) 2 i =1 (1+ r)i
Neste tipo de avaliação é comum supor diferentes padrões de comportamento dos
dividendos ao longo do tempo dado à impossibilidade prática de estimar infinitamente o
valor dos dividendos futuros. O VPD apresenta limitações graves, especialmente no
contexto das empresas de tecnologia.5
Duas questões interessantes surgem quando analisamos estes modelos:
a.) De acordo com Modgligiani e Miller a política de dividendos é irrelevante
para o valor da empresa. Como então podemos atribuir valor a uma empresa
simplesmente modelando o comportamento de seus dividendos?6
b.) Empresas que não distribuem dividendos não têm valor?
Por estes motivos a avaliação baseada em dividendos fornece mais informação acerca
da alocação de lucros de uma empresa do que sobre o seu valor7.
Modelos Baseados em Lucros
Embora estes modelos sejam classificados como baseados em lucro, sua definição de
lucro é abrangente: lucro é o fluxo de caixa depois da reposição dos ativos depreciados.
Estes modelos podem ser divididos conforme o objetivo da avaliação: o capital próprio
(patrimônio líquido), que chamaremos de P ou então o valor total da empresa,
denominado por V. A definição dos modelos para cada caso segue a seguinte tabela:
Valor Lucro Taxa de Retorno
Custo do Capital
Capital Próprio (P) Lucro Líquido
Próprio
Lucro Operacional Custo Médio Ponderado
Empresa (V)
Ajustado8 do Capital (WACC)

A avaliação do capital próprio (P) utilizando modelos de crescimento constante dos


lucros (ou crescimento zero) pode ser derivada a partir dos modelos de dividendos
descontados:
D1 kE1 kE ( 1 + g )
P0 = = = 0 , redefinindo o crescimento, temos:
r−g r−g r−g

5
Damodaran [2002] enfatiza a falsa crença popular de que este tipo de empresa não paga dividendos apenas
porque não dispõe de geração de caixa suficiente, mas não o faz mesmo quando tem condições para isto.
6
Segundo Penman & Sougiannis [1995]: “...targeted dividends to a finite horizon are uninformative about
price unless policy ties the dividend to value generating attributes.”
7
White, Sondhi e Fried [1997]
8
Lucro Operacional Líquido menos os impostos ajustados para este montante. Também conhecido como
NOPLAT (Net Operational Profit Less Ajusted Taxes)

5
kE1
P0 =
r−r real
( 1 − k ) , onde k é a taxa de retenção dos lucros.
Para avaliar a empresa (V) com crescimento utilizamos a seguinte expressão:
V=
( LucroOperacionalAjustado − TotalNovoInvestimento ) ( 1 + g )
WACC − g
O crescimento da empresa (g) pode ser aproximada pela chamada taxa implícita de
crescimento: ( 1 − k ) × r real = ( 1 − TaxaDistribuicaoDividendos ) × ROE .9
É fácil observar que as premissas de que a política de dividendos não será alterada e
os retornos dos projetos futuros serão iguais aos do passado são demasiadamente
simplistas para avaliar corretamente os fluxos futuros dos lucros.
Outra crítica que se faz ao modelo é o fato de que o valor de lucros divulgados e os
que efetivamente se realizarão no futuro possuem uma parcela temporária (transitória) e
outra permanente que são contabilizadas nos modelo de descontos baseados em lucros
contábeis embora o mercado não considere a parte transitória.
Modelos Baseados no Fluxo de Caixa Livre
Para avaliar a empresa (V) a definição de fluxo de caixa livre considera os fluxos de
caixa disponíveis para acionistas e credores após o investimento líquido. A taxa de
desconto apropriada é o custo médio ponderado de capital (WACC). A grande vantagem
da utilização do conceito de fluxo de caixa livre é a redução dos problemas relacionados
às práticas contábeis. A grande questão é como tratar os itens no que se refere a operação,
o investimento e o financiamento. Em Copeland, Koller e Murrin [2002] o tratamento
deste problema é assim definido e justificado:
“Para analisar uma empresa, começamos pela reorganização de suas demonstrações
contábeis... Esta reorganização é feita para que o ROIC10 e o lucro econômico reflitam um
aspecto mais econômico do que contábil da empresa.”
Nos três modelos de fluxos descontados expostos anteriormente: dividendos, lucros e
fluxos de caixa livre, é necessário um grande esforço do analista em estimar os fluxos
futuros. Todas estas estimativas exigem a princípio uma estimativa dos lucros, pois são
dos lucros que derivam os dividendos e os fluxos de caixa livre. Quando este esforço de
estimação é aplicado no modelo de previsão que engloba uma estimativa explícita de um
período pequeno, mais um termo residual, o problema reside no peso desta parte residual
no valor total da empresa. Este processo pode ser escrito como:
n ± i
E  FC ± n
E  FC
 
V0 = ∑ +
( 1 + ri ) ( 1 + rn )
i n
i =1

Para Penman & Sougiannis [1995] a análise do fluxo de caixa descontado atribui um
grande peso ao valor terminal embora sua estimativa seja ad hoc ou baseada em premissas
estabelecidas além do horizonte de estimação. Damodaran [2002] sugere que sejam
imputadas restrições de crescimento ao fluxo de caixa residual de forma que não
ultrapasse a taxa geral de crescimento da economia onde a empresa opera. O autor sugere
que duas premissas críticas sejam adotadas sobre o crescimento estável: (i) o prazo em
que a empresa se tornará uma empresa de crescimento estável; e, (ii) como será esta
empresa nesta fase com relação ao retorno sobre o capital e o custo de capital. Brealey &

9
ROE (Return over equity) Retorno sobre patrimônio líquido.
10
Retorno Incremental sob o capital investido líquido.

6
Myers [2000] avalia da seguinte forma o processo de estimação pelo fluxo de caixa
descontado:
“... it´s easy for a discounted cash flow business valuation to be mechanically perfect and
practically wrong.”
Benninga & Sarig [1997] consideram que além da fórmula de Gordon para
crescimento constante (como proposto anteriormente), podem também ser utilizados o
valor contábil dos ativos e algum múltiplo de índice financeiro para estimação do valor
residual.
Neste sentido é que apresentamos a proposição de Edwards-Bell-Ohlson, também
conhecida como método do lucro residual, como uma alternativa mais adequada para a
avaliação de empresas do que os modelos convencionais. Classificaremos este método no
grupo dos fluxos descontados, mas esta classificação não é necessariamente seguida por
todos os pesquisadores.

3. O Modelo de Edwards-Bell-Ohlson (EBO)


Embora tenha suas origens teóricas fundamentadas na década de 60, o modelo como é
hoje conhecido foi formulado por Ohlson em 1995. De acordo com o modelo de avaliação
baseado no fluxo descontado de dividendos:

dt
P0 = ∑
t =1 (1+ r)t
A principal premissa do EBO é que a seguinte equação de alocação de lucros da
empresa (clean surplus relationship) é válida:
Bt = Bt −1 + Et − dt ⇒ dt = Et − ( Bt − Bt −1 )
Esta equação explica o valor contábil de um período como função do valor contábil do
período anterior mais os lucros retidos na empresa ( Et − dt ).
Substituindo em , temos:
∞ Et − ( Bt − Bt −1 )
P0 = ∑
t =1 (1+ r)t
Expandindo para t igual a 1 e 2, temos:
E1 − ( B1 − B0 ) E2 − ( B2 − B1 ) ∞ Et − ( Bt − Bt −1 )
P0 =
(1+ r)
+ + ∑
(1+ r) 2
t =3 (1+ r)t
 E B1 rB0   E2 B2 B1 rB1  ∞ Et − ( Bt − Bt −1 )
= 1 −
 ( 1 + r ) ( 1 + r )
+ B0 − + − + − ∑ +
( 1 + r )   ( 1 + r ) 2 ( 1 + r ) 2 ( 1 + r ) ( 1 + r ) 2  t =3 ( 1 + r ) t

 E − rB0   E2 − rB1  B2 ( t t −1 )
∞ E − B −B
= B0 +  1
( )
 +   − + t

+   ( 1 + r )  ( 1 + r ) (1+ r)t
2 2
 1 r   t =3

Expandindo esta equação indefinidamente:



Et − rBt −1
P0 = B0 + ∑
t =1 (1+ r)t
O numerador deste somatório pode ser definido como o lucro residual (ou lucro
anormal) para escrever a fórmula básica do modelo EBO:

7

Eta
P0 = B0 + ∑
t =1 (1+ r) t
O valor patrimonial da firma é composto por seu valor contábil mais o valor presente
de todos os seus lucros extraordinários (acima da remuneração exigida pelos acionistas)
futuros. Até aqui é possível argumentar se este modelo não sofre dos mesmos problemas
dos modelos baseados em fluxos descontados: a estimação de um termo contínuo.
A grande diferença está no fato de que os testes empíricos mostram que os lucros
extraordinários convergem para zero rapidamente na maioria dos casos, podendo o valor
patrimonial ser avaliado da seguinte forma:
T
Eta ( PT − BT )
P0 = B0 + ∑ +
t =1 (1+ r) t
(1+ r)T
Onde o período de estimação explícita (T) pode ficar entre 5 e 10 anos, o último termo
da equação representa o valor presente do prêmio de mercado acima do valor contábil 11 .
De acordo com White, Sondhi e Fried [1997]:
“Advocates of the EBO model argue that this premium should disappear as economics
factors tend to drive abnormal earnings to zero within a relatively short time.”
Os autores argumentam que mesmo que uma empresa consiga proteger suas fontes de
lucros extraordinários por muito tempo através de patentes e licenças exclusivas, é
improvável que continue gerando novas fontes de lucros extraordinários indefinidamente.
Portanto os lucros realizados seriam reinvestidos em taxas “normais” de rentabilidade. É
justamente esta propriedade de convergência que torna o modelo EBO tão atraente.

Figura 1 | Extraída de Penman & Nissin [1999], mostra como a mediana do lucro residual
de 10 carteiras formadas por diferentes empresas, ordenadas inicialmente pelo lucro
residual, converge rapidamente para zero.

∞ ∞
Eta Eta PT − BT
PT = BT + ( 1 + r ) ∑ ∑
T
11 ⇒ =
t = T +1 (1+ r) t
t = T +1 (1+ r) t
(1+ r)T
8
A aplicação deste modelo pode ser feita independente das regras contábeis adotadas
pela empresa. Devido à natureza autocorretiva da contabilidade, as distorções são
compensadas ao longo do tempo de forma que se tornam irrelevantes. Por exemplo, se o
valor do patrimônio inicial (B0) for alto, então o termo (rBt) dos lucros anormais serão
menores. O contrário também é verdade. Isto não significa que o método contábil é
irrelevante.
O maior problema teórico do modelo de lucros residuais diz respeito à não manutenção
da equação de alocação de lucros no nível das ações12. Para que esta relação seja mantida,
é preciso que: (i) a quantidade de ações em circulação seja constante; e (ii) o preço de
emissão de novas ações seja igual ao valor contábil das ações existentes (book value per
share - bvps). É muito improvável que estas condições ocorram na maioria das empresas
negociadas em bolsa.
Finalmente Portella [2000] resume as vantagens do método:
• Consistência com o modelo de avaliação baseado em fluxos
descontados;
• Cancelar as distorções inerentes a qualquer sistema de mensuração
do lucro adotado na elaboração das demonstrações financeiras;
• Facilidade de identificar os pontos fortes e fracos dos negócios das
empresas através da utilização de índices de rentabilidade que somente a
contabilidade – como linguagem – oferece;
• Incorpora ao raciocínio contábil a idéia do custo do capital próprio.
4. Análise Empírica do Retorno sobre o Patrimônio Líquido
Para verificar se é verdade a afirmação de que o lucro econômico esperado para as
empresas deve tender a desaparecer ao longo do tempo, analisamos os balanços de 105
empresas brasileiras no período compreendido entre 01/01/1993 e 31/12/2001. Os
dados foram coletados do serviço de informações financeiras ECONOMÁTICA. A
definição da amostra partiu de todas as empresas brasileiras de capital aberto que
tiveram durante o período analisado um patrimônio líquido13 superior a R$50milhões
na data de fechamento do balanço. Este foi o critério de seleção que resultou na
escolha de 105 empresas.
Inicialmente a idéia era calcular o índice lucro residual dividido pelo patrimônio
líquido, mas as dificuldades encontradas para estimar o custo de capital inviabilizaram
esta tentativa. Como alternativa resolvemos avaliar o comportamento ao longo do
tempo (9 anos) do retorno sobre o patrimônio líquido da empresa14, índice que
denominamos ROCE. Para validar o modelo EBO, esperamos que os retornos sobre o
patrimônio se aproximem de algum valor médio ao longo do tempo.
Uma vez calculado o ROCE para todas as empresas, formamos 5 carteiras com 21
empresas cada. O critério de composição das carteiras foi o ROCE calculado em 1993.
As 21 empresas com maior ROCE foram alocadas na carteira I e as 21 empresas com
menor ROCE foram alocadas na carteira V.15 A partir destas carteiras calculamos o
ROCE médio e mediano, os valores estão listados na tabela 1.
12
Ohlson [2000]
13
Corrigido pela inflação conforme critérios do Economática
LOt + RFt ( 1 − 34% )
14
ROCE =
PLt −1
15
O detalhamento das carteiras encontra-se no anexo I

9
Carteira 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
I 26,5% 25,5% 19,2% 16,6% 15,5% 10,5% 3,7% 10,0% 8,4%
II 9,6% 19,1% 6,1% 6,3% 6,9% 5,7% 0,4% 3,7% 4,4%
III 1,9% 14,2% 4,6% 3,0% -1,0% -0,2% -11,9% 1,1% -3,9%
IV -3,9% 11,5% 5,8% 0,1% -5,1% -11,7% -43,1% 27,4% -4,4%
V -27,6% -8,2% -11,7% -28,6% -9,6% -1,2% -4,5% 2,4% 8,9%
D.P.16 19,8% 12,7% 11,0% 16,9% 10,0% 8,4% 18,8% 10,9% 6,5%
Média 1,3% 12,4% 4,8% -0,5% 1,3% 0,6% -11,1% 8,9% 2,7%
Tabela 1 | ROCE Médio das carteiras

Carteira 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
I 23,3% 22,1% 16,5% 17,8% 14,7% 14,2% 7,2% 10,3% 7,6%
II 8,5% 13,0% 7,9% 9,1% 8,3% 5,9% 3,3% 5,6% 6,6%
III 1,4% 6,4% 4,8% 4,5% 1,5% 1,5% -0,3% 3,4% -1,9%
IV -2,8% 7,7% 3,9% 2,1% 1,4% -1,3% -6,5% 6,6% 4,8%
V -18,5% -1,9% -1,7% -9,6% -6,9% -1,8% 3,7% 5,7% 10,4%
D.P. 15,3% 8,8% 6,7% 10,1% 8,2% 6,6% 5,2% 2,5% 4,6%
Média 2,4% 9,5% 6,3% 4,8% 3,8% 3,7% 1,5% 6,3% 5,5%
Tabela 2 | ROCE mediano das carteiras

Um indicador para a convergência do ROCE das carteiras ao longo do tempo é o


comportamento do desvio padrão de sua média e mediana. A média é fortemente
influenciada por valores extremos e dada a pequena amostra optamos por analisar o
comportamento da mediana, que é uma medida estatística mais robusta. Nesta análise fica
clara a redução do desvio padrão ao longo dos anos (Figura 2).
25,0%

Média
Mediana
20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Ano

Figura 2| Evolução do desvio padrão do ROCE das carteiras ao longo do tempo

16
Desvio Padrão

10
Visualmente a Figura 3 e a Figura 4 demonstram a convergência do retorno sobre o
patrimônio líquido ao longo do tempo. O resultado encontrado pode ser considerado
similar ao encontrado por Penman & Nissin [1999].
40,0%

30,0%

20,0%

10,0%

0,0%

-10,0%

-20,0%

-30,0%

-40,0%

-50,0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Ano

Figura 3 | Evolução do ROCE médio

30,0%

25,0%

20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%

-5,0%

-10,0%

-15,0%

-20,0%

-25,0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Ano

Figura 4 | Evolução do ROCE mediano

5. Considerações Finais
Neste trabalho resumimos os principais métodos de avaliação de empresas indicando
os principais problemas encontrados em cada um deles. Apresentamos o método dos
lucros extraordinários (ou residuais) como método mais adequado para resolver alguns
problemas de estimação que envolvem a previsão de fluxos infinitos. Este método,
denominado EBO, toma como base o valor contábil dos ativos e soma as expectativas de
retornos superiores à taxa exigida pelos acionistas. Os defensores deste método
argumentam que estes retornos anormais convergem para zero em um prazo relativamente
curto. Entre os trabalhos empíricos que atestaram o melhor desempenho do EBO está o de
Penman & Sougiannis [1995], nele os autores concluem que além de superar os modelos

11
de fluxo de caixa descontados e dividendos, é sugerido que a visão que “o caixa é o rei e a
contabilidade é suspeita” proposta por Copeland, Koller & Murrin deve ser modificada.
Estes fatos justificariam a razoabilidade do método e sua aplicação prática. Foi
apresentado também uma análise sintética da evolução do retorno sobre o patrimônio
líquido das empresas brasileiras de capital aberto durante 9 anos. A análise demonstrou
que ao longo do tempo examinado o retorno médio das carteiras se aproximou de um valor
comum.
Como desdobramento deste trabalho, podemos vislumbrar os seguintes estudos:
• Análise da aplicabilidade desta técnica às legislações contábil e fiscal
brasileira;
• Avaliação comparativa entre os métodos baseados em fluxos descontados
(dividendos e fluxo de caixa) e os métodos baseados em lucros residuais;

6. Bibliografia
BENNINGA, S. SARIG, O. Corporate Finance: A Valuation Approach, International Edition,
McGraww-Hill, EUA, 1997.
BREALEY, R.A. & MYERS, S.C. Principles of Corporate Finance, 5a. ed., McGraw-Hill,
EUA, 2000.
COPELAND, T.E. Financial Theory and Corporate Policy, 3ª. ed., Addison-Wesley, 1988.
COPELAND, T. KOLLER T. E MURRIN, JACK. Avaliação de Empresas – Valuation: Calculando e
gerenciando o valor das empresas, 3ª. ed. Makron Books, 2002.
DAMODARAN, A. A Face Oculta da Avaliação, Makron Books, 2002.
GAPENSKI, Louis et al. Financial Management, 9. ed., Forth Worth: Harcourt College
Publishers, 1998.
OHLSON, J. Residual Income Valuation: The Problems, Working Paper, Stern School of
Business, University of New York, 2000.
PENMAN, S. SOUGIANNIS T. A Comparison of Dividend, Cash Flow, and Earnings
Approaches to Equity Valuation, Working Paper, University of California, 1995.
PENMAN S. H., A synthesis of equity valuation techniques and the terminal value
calculation of the dividend discount model, Review of Accounting Studies 2, 303-323,
1997.
PENMAN, S. NISSIN D. Ratio Analysis and Equity Valuation, Working Paper, University of
California, Berkeley, 1999.
PORTELA, G. Lucro Residual e Contabilidade: Instrumental de Análise Financeira e
Mensuração de Performance, Caderno de Estudos, Fipecafi, v. 12, n. 23, p. 9-22, 2000.
WHITE, G.I., SONDHI, A.C & FRIED, D. The Analysis and Use of Financial Statements, 2a.
ed., John Wiley & Sons, 1997.

Anexo 1

Carteira I Carteira II Carteira III Carteira IV Carteira V


Randon Part Granoleo Caemi Metal Gerdau Sam Industrial
Ipiranga Pet Pettenati Bunge Copesul Trikem
Inepar Construcoes Usiminas Fertilizantes Klabin Tupy
Bardella Cacique Gerdau Met Unipar Cesp
Bombril Weg Oxiteno Cia Hering Ripasa
Ipiranga Dist Forjas Taurus Karsten Belgo Mineira Mendes Jr

12
Magnesita Lojas Americanas Telesp Operac Suzano Electrolux
Brasilit Mangels Mont Aranha Sadia SA Bunge Alimentos
Petrobras Distrib Eternit Vale Rio Doce F Cataguazes Bunge Brasil
Fertibras Iguacu Cafe Fosfertil Polipropileno Ciquine
Dohler Alpargatas Guararapes Petroflex Supergasbras
Marcopolo Ren Hermann Eletrobras Gradiente Metal Leve
Embraco Brasmotor Petroquisa Petrobras Confab
Ambev Petropar Brasil Telecom Celesc Bahia Sul
Cim Itau Iochp-Maxion Acesita Inds Romi Polialden
Marisol Coteminas Sid Nacional Paraibuna Politeno
Ipiranga Ref Itausa Cargill Fertilizant Votorantim C P Perdigao
Souza Cruz Copel Eucatex Cemig Ferbasa
Alfa Holding Souto Vidig Millennium Paul F Luz Sultepa
Avipal Alfa Consorcio Paranapanema Braskem Cerj
Grazziotin Duratex Itautec Aracruz Embraer
Sid Tubarao

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