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Educação e meio ambiente:

reflexões multidisciplinares
Adriana Cristina Silva
José Luiz de Paula e Silva
Karol Natasha Lourenço Castanheira
Wanderley Cesar Pedrosa
(orgs.)

Educação e meio ambiente:


reflexões multidisciplinares

Frutal — MG
2020
Revisão
Organizadores
Impressão e acabamento
Editora Ferjal
Capa
Maria Inez Vasconcelos Rodrigues
Desenhos
Luís de Matos

Conselho Editorial
Adlisandra da Silva Santos Castelhano – Mackenzie| FAF
Cacildo Teixeira de Carvalho Neto – UNESP
Danton Heleno Gameiro – UFOP
Iuri Barbosa Gomes – UNEMAT
Josiani Julião Alves de Oliveira UNESP| FCHS
Leonice Domingos dos Santos Lima - Universidade Brasil
Priscila Alvarenga Cardoso Gimenes - UFU
Reginaldo Pereira França Junior – UFCG
Rogerio Ruas Machado – UNIFESSPA
Rosely Aparecida Romanelli - UNEMAT
Rosimár Alves Querino – UFTM
Vanesca Korasaki – UEMG

E24 Educação e meio ambiente: reflexões multidisciplinares


./ organizadores: Adriana Cristina Silva, José Luiz de Paula e Silva,
Karol Natasha Lourenço Castanheira, Wanderley Cesar Pedrosa
. – 1. ed. – Frutal: Editora Ferial, 2020.
162 p. il.: 21cm.

Inclui bibliografia.

ISBN:

1. Educação – Meio Ambiente 2. Gestão educacional ambiental


3. Multidisciplinaridade I. Título.
CDD: 344.046

Elaborado por Pedro H. H. Augusto – CRB-6 3460/O


Sumário
EDUCAÇÃO
1. EDUCAÇÃO COMO CAMINHO PARA UMA CONSCIÊNCIA
UNIVERSAL............................................................................................................... 10

Lidiane Aparecida Alves; Vitor Ribeiro Filho e Adriano Reis de Paula e Silva
2. A VIVÊNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM FRUTAL (MG) PELAS
PRÁTICAS ECOLÓGICAS ........................................................................................ 23
Mônica de Sousa Alves; Aline Nunes de Souza e Gercina Aparecida Angelo
3. A PRIMEIRA LIÇÃO DE CASA DO AGRINHO: LAVAR CORRETAMENTE AS
EMBALAGENS DE AGROTÓXICOS ....................................................................... 34
Aida Franco de Lima

4. NA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL, A


IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS .........................49
Julio Afonso Alves Dutra e Cristine Jochmann

5. PROPOSTA DE UM PROJETO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL UTILIZANDO


METODOLOGIAS ATIVAS E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR ........................................................... 60
Josney Freitas Silva; Marcela Fernanda da Paz de Souza e Roberta Fernanda da Paz de Souza
Paiva
6. A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS À LUZ DA
GESTÃO DEMOCRÁTICA ....................................................................................... 74
José Luiz de Paula e Silva

GESTÃO
7. A GESTÃO AMBIENTAL É UM DESAFIO DE TODOS .................................... 86
Wanderley Cesar Pedrosa; Lucas Hernane Andrade Leonel e Adriana Cristina Silva
8. APROPRIAÇÃO DOS MODELOS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA
PERSPECTIVA AMBIENTAL ................................................................................ 100
Karol Natasha Lourenço Castanheira; Priscila Kalinke da Silva e Luiz Antonio Feliciano

9. BLOCKCHAIN COMO TECNOLOGIA SUSTENTÁVEL E TRANSPARENTE


DE GOVERNANÇA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
BRASILEIRA ............................................................................................................ 112
Henrico Hernandes Nunes dos Santos e Miriam Pinheiro Bueno
OLHARES MULTIDISCIPLINARES
10. CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS SERPENTES: UMA INVESTIGAÇÃO
ETNOBIOLÓGICA EM SALINAS-MG .................................................................. 125
Thaís Larissa Lourenço Castanheira; Artur Rodrigues Pereira; Frederico Rodrigues de
Oliveira e Eduardo Garrido

11. APRENDIZAGEM COOPERATIVA SOBRE PRODUÇÃO


SUCROALCOOLEIRA NO ENSINO DE QUÍMICA ............................................ 140
Flávio Silva Rezende; Leandra de Castro Gonzaga Figueiró e Andréia Assis Ferreira

12. AGRICULTURA URBANA EM LORENA (SP): NOTAS SOBRE OS


SIGNIFICADOS DO PLANTAR EM ESPAÇOS
URBANOS ................................. 1501
Luiz Antonio Feliciano; Eliete da Silva Pereira; Luiz Fernando Vargas Malerba
Fernandes e Thayná Carolina Oliveira Loureto de Castro
APRESENTAÇÃO
É tema recorrente e atual tratar de questões fundamentais como a educação
e o meio ambiente. Um grupo de especialistas, mestres e doutores se uniram para
analisar as concepções sobre estes assuntos, que são contemplados na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96 (LDB), nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Uma proposta de
diálogo com estas questões essenciais, vislumbrando a perspectiva da gestão
democrática e humanitária.
O meio ambiente é tema prioritário na discussão das instituições
governamentais e não governamentais devido à amplitude dos problemas ambientais
do Planeta, compreendidos como fatores que modificam o ambiente prejudicando as
relações vivenciadas pelos seres vivos e comprometendo a continuidade das espécies.
Propomos tratar de forma didática e esclarecedora os principais fatos que
marcam a trajetória da educação e do meio ambiente em nosso país. Esta realidade
decorre, na opinião da maioria dos especialistas em educação, de visões de mundo
fragmentadas, construídas ao longo da história, as quais reproduzem de forma
inconsequente a relação que o ser humano vem mantendo no modo capitalista de
desenvolvimento de exploração da natureza e de outros seres humanos, o que
configura uma concepção antropocêntrica e utilitarista do mundo e do ambiente em
que vivemos.
O cenário planetário de crise ambiental e de valores que vivemos, em função
desse modelo econômico insustentável de extração de bens e serviços da natureza,
produção e descarte de resíduos, provocando a injustiça social, exige uma reflexão-
ação no sentido de uma mudança que se constitui em um grande desafio para o ser
humano na atualidade, só podem ocorrer a partir da construção de visões de mundo
capazes de perceber, compreender e aprender uma nova forma de convivência entre
os seres humanos, baseadas na ética do cuidado que orienta: na defesa da vida e das
relações solidárias e pacíficas entre os seres humanos e com os demais seres da
natureza, destaca o pensador Leonardo Boff.
Por isso, a urgência em dar visibilidade a conteúdos tão relevantes.
Colaboram com esta obra a artista plástica Maria Inez de Vasconcelos Rodrigues,
ilustrando a capa do livro, e o artista português Luís de Matos que ilustra com suas
gravuras toda a temática abordada no bojo do estudo proposto.
Desejamos a todos uma excelente leitura!

Adriana Cristina Silva


José Luiz de Paula e Silva
Karol Natasha Lourenço Castanheira
Wanderley Cesar Pedrosa
“Cuidar do meio ambiente supõe
educação. Pensar a educação é
pensar a pessoa diante de suas
relações: consigo mesma, com o
outro, com o mundo. Trata-se da
educação de base, educação do
cuidado, educação do respeito,
educação da ética.”

Pe. Geraldo dos Reis Maia


1. EDUCAÇÃO COMO CAMINHO PARA UMA CONSCIÊNCIA
UNIVERSAL

Lidiane Aparecida Alves1


Vitor Ribeiro Filho2
Adriano Reis de Paula e Silva3
Resumo
O presente artigo tem como objetivo realizar uma revisão crítica das transformações
do meio pela sociedade, de modo a destacar a importância da educação para o
reconhecimento da complexidade e como possibilidade para um futuro melhor mais
solidário. Ao considerar a importância da observação e da teoria para a construção
do conhecimento, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica confrontada
com a realidade. Estruturado em três momentos, o texto apresenta uma breve
discussão sobre o processo de globalização e suas lógicas hegemônicas, que implicam
na emergência de crises. Logo, reconhece-se que vivemos em um momento de
incertezas e questionamentos, e que a educação guiada por uma racionalidade
pautada no pensamento complexo, na transdisciplinaridade e em novas formas de
relação sociedade e natureza, consiste na possibilidade para um futuro melhor.

Palavras-chave: Educação. Complexidade. Incertezas.

Considerações Iniciais

Ao longo do tempo as formas de relação da sociedade com a natureza


passaram por modificações a partir das sucessivas evoluções técnicas e políticas
(ações, valores e racionalidades). Sendo que com a modernidade, inaugurada no
século XVII/XVIII pelas Revoluções Industriais, intensificou-se tanto o ritmo como
o grau das modificações socioespaciais. Todavia foi na segunda metade do século
XX, que estabeleceram as condições materiais e políticas, as quais permitiram o
estabelecimento de uma era planetária, cuja uma racionalidade hegemônica impõe
suas normas aos diversos espaços do mundo.
Acreditava-se que o desenvolvimento das técnicas e das ciências
viabilizassem melhorias das condições de vida da sociedade. No entanto, a despeito
de suas recompensas, não olvidamos que as transformações associadas à

1 Doutora em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Professora


de Geografia na Prefeitura Municipal de Uberlândia. lidianeaa@yahoo.com.br
2 Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Universidade Federal

de Uberlândia. ribeirofilho.vitor@gmail.com
3 Mestre em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Professor da

Universidade Estadual de Minas Gerais. adriano.reis.paula@uemg.br


10
modernidade implicaram no incremento dos riscos e incertezas. Afinal, conforme
destacado por autores como Santos (1997, 2000) e Morin, Ciurana e Motta (2007), os
progressos técnicos não foram acompanhados de avanços morais e éticos, mas se
desenvolveram em e pelas diversas formas destruição e exploração. Nesse sentido, os
autores alertam que a fé cega no progresso e no desenvolvimento, enquanto
crescimento econômico e/ou acúmulo de dinheiro e bens materiais, tem sido a causa
de progressiva destruição da natureza e, por conseguinte na emergência de um estado
permanente de crises.
Nesse contexto destaca-se o desafio de se apreender a complexa situação
do/no mundo, bem como pensar em mudanças de sentido da ordem vigente, para
um modelo que preze pela busca da qualidade de vida e sustentabilidade. A crença
em um futuro melhor para a sociedade tem como base a confiança na criatividade e
inventividade humana, pressupõe o entendimento da complexidade e das incertezas
que caracterizam o momento atual, sendo a educação o caminho possível para a
mudança.
Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo realizar uma revisão
crítica das transformações do meio pela sociedade, de modo a destacar a importância
da educação para o reconhecimento da complexidade e como possibilidade para um
futuro melhor mais solidário. Ao considerar a importância da observação e da teoria
para a construção do conhecimento, a metodologia utilizada foi a pesquisa
bibliográfica confrontada com a realidade.

A (des)organização humana planetária

O momento atual, século XXI, conforme apontado por Santos (2000)


caracteriza-se pela difusão das tecnologias de informação e comunicação é
inaugurado com a globalização ou segundo Morin, Ciurana e Motta (2007) com a
planetarização. Para estes autores o termo planetarização contém em sua raiz
etimológica a ideia de aventura incerta da humanidade na busca de seu destino,
portanto sendo mais complexo do que a globalização. Esta abarca uma visão
unidimensional, em que, sobretudo os aspectos econômico e tecnológico são
considerados, enquanto aquela “expressa a inserção simbiótica, mas, ao mesmo
tempo, estranha da humanidade no planeta Terra”, compreende elementos físicos,
biológicos e antropológicos (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007, p.63).
Entretanto, Santos (2000) e Morin, Ciurana e Motta (2007), além de outros
autores como Porto-Gonçalves (2004; 2006), concordam que o processo
característico do período atual, o qual alcança sua máxima expansão no final do
século XX, tem início com as grandes navegações e colonização, nos séculos XV e
XVI, a partir da expansão da cultura ocidental, a qual estava intrínseca o
eurocentrismo materializado em violências, exploração, destruição, entre outas
11
formas de dominação e exploração da natureza e dos povos (africanos e nativos das
Américas), o que têm sucumbido com a diversidade biológica, social e cultural.
As características do meio ambiente e da sociedade, do espaço geográfico,
decorrem da evolução das técnicas (objetos) e das políticas (ações) de diferentes
racionalidades materializadas sucessivamente ao longo dos anos. Partindo da situação
do meio natural ao meio cada vez mais artificializado, Santos (1997) divide a história
de transformação do espaço em três períodos: meio natural, meio técnico e meio
técnico-cientifico-informacional. No primeiro, também chamado pré-técnico o
homem vivia em simbiose com a natureza, o segundo decorre da mecanização e o
terceiro, o período atual, que inicia no pós Guerra e afirma-se nos anos 1970, nele
“os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos mandamentos da ciência e
se servem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de
intencionalidade com que se servem às diversas modalidades e etapas de produção”
(SANTOS, 1997, p.187).
Ademais, cabe acrescentar que o meio técnico-cientifico-informacional, cuja
base é a união da ciência, técnica e informação sob a égide do mercado para o
atendimento dos interesses dos atores hegemônicos globais implicam na imposição
de uma mesma lógica para as mudanças sociais e os processos ecológicos, bem como
adaptações permanentes. Desse modo, “rompem-se os equilíbrios preexistentes e
novos equilíbrios mais fugazes se impõem”. (SANTOS, 1997, p192).
O autor chama a atenção para os riscos socioambientais inerentes
imposição de normas exógenas (mundializadas) aos locais, pois estas são brutais e
indiferentes às realidades particulares. Segundo Santos (1997, p.202) “o investimento
público pode aumentar em uma dada região, ao mesmo tempo em que os fluxos de
mais valia que vai beneficiar a algumas firmas ou pessoas, que não são
obrigatoriamente locais [...]”, consequentemente a sociedade local pode sofrer com a
descapitalização e/ou com o aumento das vulnerabilidades ambientais, além de
possível “esvaziamento” político local, posto a imposição de uma política extralocal,
assim como o deslocamento do poder público para o poder privado do mercado.
Além disso, conforme alerta Leff (2015) sob um discurso de sustentabilidade
e de que as técnicas podem resolver os problemas, os agentes da globalização
incorporam a natureza ao capital, tanto explorando o trabalho como apropriando
dos recursos naturais. Deste modo, ao longo dos anos o que se vê é o agravamento
dos mecanismos de sujeição ideológica e econômica, ou seja, das dívidas: financeira,
ecológica e da razão dos países ricos, do norte, com os países pobres, do sul.
Portanto, Santos (1997, 2000) e Morin, Ciurana e Motta (2007) ressaltam que
apesar do avanço da ciência e da tecnologia, eles não foram acompanhados de
avanços no plano existencial e ético, haja vista a instalação de um culto ao mercado
que não está preocupado com atendimento das necessidades humanas básicas,
universais e essenciais. Logo este momento caracteriza-se por ser “um período e uma
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crise” de alcance planetário. Segundo Santos (2000) como período o momento
explica-se pela unicidade da técnica e do tempo, pela mais valia globalizada e
cognoscibilidade do planeta. Como crise, essa é estrutural e ocorre de maneira
sucessiva, devido à persistência da necessidade de novos arranjos das variáveis que
constituem o sistema, sendo que as medidas adotadas não solucionam as crises, mas
geram outras. Logo, muda-se para continuar igual.
Essa situação foi discutida por autores de diferentes áreas do conhecimento,
especialmente os cientistas sociais de viés humanista, que tem nos alertado para os
limites do bem-estar baseado no consumo, da fé cega no progresso fundamentado
no “quadrimotor: ciência, técnica, indústria e interesse econômico”, que “unifica e
divide, iguala e provoca desigualdades” (MORIN, CIURANA e MOTTA 2007,
p.83).
Não olvidemos que entre os estudiosos de viés humanistas, seja Milton
Santos ou Aziz Ab‟Saber por exemplo, há um consenso de que a diversidade é
própria da vida na/da Terra, assim como não é possível pensar na existência de um
relógio único.
A pobreza e o consumo, cuja distribuição é desigual, tanto entre os países
como internamente resulta de circulo vicioso de uma economia perversa globalizada.
Sendo conforme alertou Josué de Castro (1973) no texto “Subdesenvolvimento
causa primeira da poluição”, a problemática do
desenvolvimento/subdesenvolvimento e sua relação imanente com o meio ambiente
deve ser pensada globalmente (PORTO-GONÇALVES, 2020).
Na escala global a proporção média é que os 20% da população mundial dos
países ricos, consome 80% dos recursos naturais e energia do planeta, assim como
produz 80% da poluição e degradação dos ecossistemas; por outro lado, os 80% da
população mundial dos países pobres consume 20% dos recursos naturais (PORTO-
GONÇALVES, 2006; MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007). Apesar do
reconhecimento dos incontáveis males, para a sociedade e para a natureza,
decorrentes do superconsumo do norte sustentado pela superexploração e pelo
subconsumo do sul, que se mantém a mais de quinhentos anos, apesar dos
movimentos de (r)existência de indígenas, quilombolas, camponeses etc. não há
evidencias de mudanças conforme atestam as perturbações e reações em todos os
lugares.

Foi desse modo que nosso mal-estar nasceu no bem-estar. Esse mal-
estar pode ser mensurado pelo grande número de pessoas que
consomem desenfreadamente psicotrópicos e antidepressivos, bem
como no aumento de visitas ao psiquiatra. A maioria das doenças
decorre de uma dupla fonte: somática e psíquica. Existe, porém, uma
terceira probabilidade de cairmos doentes, cuja origem é social ou
civilizatória. Todos esses males considerados privados, e contra os

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quais lutamos de forma individual, são indicativos do mal-estar geral de
uma civilização submetida à atomização, ao anonimato, às restrições
mecânicas e mutilantes, à perda de sentido. (MORIN, CIURANA e
MOTTA 2007, p. 85).

Porto-Gonçalves (2004; 2006) destaca que vivemos um período de um


“grande desafio ambiental” decorrente da “globalização da natureza e da natureza da
globalização”, no sentido de que as fronteiras estão deixando de ser obedecidas no
sentido neoliberal/mercado, bem com as condições ambientais estão sendo
apropriadas e transformadas por empresas e organismos econômicos internacionais.
Ao considerar que quanto mais evidentes os problemas socioambientais
mais se fala em meio ambiente, Porto-Gonçalves (2020) destaca que em 2020 o tema
ambiental volta ao centro dos debates, sendo que:

O verdadeiro dilema que a humanidade hoje se defronta deriva de uma


economia que, tal como o Rei Midas, confunde riqueza com dinheiro.
Riqueza é, sempre, algo que se desfruta, algo sensível. O dinheiro pode
até comprar riqueza, mas não é riqueza enquanto tal. O economista
liberal Robert Triffin (1911-1993), um dos maiores críticos do sistema
de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods, disse certa vez que a
economia como ciência não tem nada a dizer sobre a riqueza, já que
seu conceito-chave é o da escassez que é, rigorosamente, o contrário de
riqueza. E a escassez é tida como a base da mercantilização, do mundo
da mercadoria e, por isso, se centra na propriedade privada, ou seja,
aquela que priva quem não é proprietário e, assim, cria socialmente a
escassez generalizada. (PORTO-GONÇALVES, 2020, s/p).

Nesse sentido, o autor chama a atenção para a importância se reconhecer


que a dominação da natureza segundo os interesses do mercado global coloca a vida
no/do Planeta em risco. Desse modo, lembra a necessidade dos cientistas e cidadão
pensarem em uma reorganização da economia global. Essa opinião, a partir da
emergência da COVID-19, conforme evidencia o livro “Coronavírus e a luta de
classes”, passa a ser bastante difundida e compartilhada por um número crescente de
filósofos, sociólogos, geógrafos, historiadores e jornalistas.

Complexidade e Incertezas em evidência

A COVID-19, provocada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-22, que


emergiu na cidade de Wuhan, na Província de Hubei, na extremidade ocidental da
região sudoeste da China no final de dezembro de 2019, e passou a partir de
fevereiro a ser classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
pandemia, em muitos aspectos evidencia a geograficidade do contexto atual. São
vários os cientistas de viés mais humanista e/ou progressista, que consideram o fator
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humano o determinante, que escreveram apontando que a pandemia expõe as
consequências mais nefastas da globalização neoliberal, tanto na perspectiva da
dinâmica biológica, que tem sofrido diversas interferências antrópicas, quanto na
dimensão social, especialmente no sentido da economia e da saúde pública, alvos das
políticas de austeridade da ideologia neoliberal, que reduziram os investimentos
acentuando o estado de crise. Nas palavras de Mello-Théry e Théry (2020, s/p): “O
mundo percebeu o quão frágil é o equilíbrio em que vivemos.”
Ao qualificar a crise que atravessamos, intensificada pela pandemia do
coronavírus Morin (2020, s/p), ressalta que:

Atualmente nós estamos sujeitos a uma tripla crise. A crise biológica


de uma epidemia que ameaça indiscriminadamente nossas vidas e
ultrapassa as capacidades hospitalares, sobretudo onde as políticas
neoliberais não cessam de reduzi-las. A crise econômica nascida das
medidas de restrição tomadas contra a pandemia e que, reduzindo ou
parando as atividades produtivas, de trabalho, de transporte,
certamente se agravará se o confinamento se tornar duradouro. A crise
de civilização: nós passamos bruscamente de uma civilização da
mobilidade a uma obrigação de imobilidade [...] Essas crises são
interdependentes e estabelecem relações umas com as outras. [...] Mais
profundamente, esta crise é antropológica: ela nos revela a face ínfima e
vulnerável da formidável força humana, ela nos revela que a unificação
técnico-econômica do globo criou, ao mesmo tempo, uma
interdependência generalizada e uma comunidade de destino sem
solidariedade.

Ao considerar a situação atual Mello-Théry e Théry (2020, s/p) destacam


que a “crise sanitária decorrente da pandemia nos colocou em frente a incertezas
científicas, sociais, tecnológicas, econômicas e políticas, a riscos (inclusive olhando
seus próximos como risco), perigos e, sobretudo, medos desconhecidos”. De tal
modo, o que temos no contexto atual recorrendo aos termos de Morin, Ciurana e
Motta (2007, p.109) são “problemas que implicam incertezas e imprevisibilidades,
interdependências e inter-retroações de extensão planetária relativamente rápida,
com descontinuidades não lineares, desequilíbrios, comportamentos “caóticos” e
bifurcações”.
Diante disso, o contexto permite que se reconheça a convivência dialética
das razões global e local nos lugares, reforçando a importância dessa escala
geográfica, enquanto sede da resistência da sociedade por meio das relações
orgânicas estabelecidas horizontalmente (SANTOS, 1997).

A educação como caminho para uma racionalidade ambiental

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Diante do exposto ninguém duvida que: o período atual acumulou um
grande volume de conhecimentos, ainda que fragmentados, o que leva a eventuais
perdas de sentido do todo; a conjuntura é de grande complexidade, o que nos coloca
em um estado de irresolução, dúvidas e confusões e o caminho para as mudanças
pressupõe a emergência de uma nova racionalidade pautada novas formas de relação
sociedade e natureza.
Apesar da impossibilidade de se “quebrar” o conhecimento cientifico, sua
compartimentação, em distintas ciências foi uma necessidade surgida com a
expansão horizontal (extensão) e vertical (profundidade) do conhecimento, que vem
preocupando os filósofos desde o século XVIII, como Kant e Comte no século XIX
(ANDRADE, 1989). Ao retornar ao filosofo Immanuel Kant (1724-1804), que
considerava o conhecimento como a combinação da sensibilidade e do
entendimento.
Assim sendo, Morin, Ciurana e Motta (2007) propõem o pensamento
complexo de modo a buscar o entendimento da realidade do mundo atual
considerando a rearticulação de saberes. Segundo os autores a complexidade é
entendida como a rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações,
acasos, incertezas, contradições etc. Ela diz respeito não apenas à ciência, mas
também à sociedade, à ética e à política.
Segundo Morin, Ciurana e Motta (2007) dentre outros aspectos, o
pensamento complexo embasar-se na incerteza, posto que certeza generalizada é um
mito; e na busca pela articulação e multidimensionalidade, logo seu método está
relacionado ao reaprender a aprender. Logo, para seguir este caminho são
necessários princípios/estratégias como: a dialógica, a recursividade, a
hologramaticidade etc. Sendo que a dialógica pressupõe pensar a inseparabilidade de
contraditórios, a “associação complexa (complementar/concorrente/antagônica) de
instâncias necessárias, conjuntamente necessárias à existência, ao funcionamento e ao
desenvolvimento de um fenômeno organizado”, a recursividade pressupõe a ideia de
autoprodução e a auto-organização, no sentido de que “os efeitos ou produtos são,
simultaneamente, causadores e produtores do próprio processo, no qual os estados
finais são necessários para a geração dos estados iniciais”; a hologramaticidade como
a capacidade de cada parte conter praticamente a totalidade, mas também do todo
estar na parte (MORIN, CIURANA e MOTTA 2007, p. 33-37).
Nesse sentido, os autores alertam para a necessidade de uma educação que
tenha por objetivo uma concepção complexa da realidade e que efetivamente
conduzissse a ela, colaborando para atenuar a crueldade do mundo. Afinal,

Educar com base no pensamento complexo deve ajudarnos a sair do


estado de desarticulação e fragmentação do saber contemporâneo e de
um pensamento social e político, cujas abordagens simplificadora

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produziram um efeito demasiado conhecido e sofrido pela humanidade
(MORIN, CIURANA e MOTTA 2007, p.39).

Portanto, os princípios fundamentais do pensamento complexo devem


fundamentar a educação que tenha como base o conhecimento do conhecimento e
que busque por um mundo mais social e humano, pautado na preservação das
relações harmônicas entre homens e destes com a natureza. Portanto, para Morin,
Ciurana e Motta (2007, p.109) a educação consiste na “luta inicial pela defesa e pelo
devir de nossas finalidades terrestres: a salvaguarda da humanidade e o
prosseguimento da hominização”.
Tendo como base o pensamento complexo, com vistas a refletir e superar os
atuais paradigmas de relação da sociedade com a natureza, segundo a racionalidade
capitalista imposta pela globalização, e por outro lado considerando as possibilidades
para uma nova perspectiva, uma reapropriação (filosófica, cultural, epistemológica
etc.) da natureza, cujo processo culminaria em uma condição de sustentabilidade Leff
(2015) destaca a emergência da racionalidade ambiental, a qual requer um novo
saber. Leff (2007, p. 144) afirma que,

O saber ambiental surge então como o conjunto de paradigmas de


conhecimento, disciplinas científicas, formações ideológicas, sistemas
de valores, crenças e conhecimentos e práticas produtivas sobre os
diferentes processos e elementos –naturais e sociais –que constituem o
ambiente, suas relações e seus potenciais. Este saber se plasma num
discurso teórico, ideológico e técnico, e circula dentro de diferentes
esferas institucionais e ordens de legitimação social. Desta forma, o
saber ambiental está refletido nas teorias científicas sobre o ambiente,
no discurso político e nos planos oficiais, nas expressões da consciência
cidadã e nos princípios de suas organizações e de seus programas de
ação, nas ordenações ambientais e nas técnicas e tecnologias para a
gestão ambiental.

Para difundir o saber ambiental, que não é valorizado pelo discurso da


globalização, Leff (2015, p. 219) destaca a importância do processo educacional, que
deve ser concebido como um laboratório de sistematização e experimentação de
saberes que vão sendo inscritos nos programas de formação ambiental no próprio
processo de sua constituição.
Neste sentido, Leff (2015) destaca a importância da Educação Ambiental
(EA), a qual segundo o conceito elaborado a partir da Conferência de Tbilisi,
realizada pela UNESCO no ano de 1977, envolve muito mais que conscientização ou
um estudo de ecologia, pois tem como princípios a sustentabilidade ecológica e
equidade social, como orientação dos valores e comportamentos e como métodos a
interdisciplinaridade e pensamento complexo. Logo, trata-se de processo contínuo

17
de uma forma de educação política com o objetivo de construção de conhecimentos
e mudança do mundo em que se vive. Sendo que, a EA converge como a
“necessidade de vincular uma pedagogia do ambiente a uma pedagogia da
complexidade (capacidade de ver o mundo como sistema complexo e compreender a
causalidade múltipla, indeterminação e interdependência de processos)” (LEFF,
2015, p.250).
Os documentos nacionais sobre a EA adotam perspectiva semelhante. A Lei
9.795/99, que institui a Política Nacional de EA no Brasil, em seu artigo 1º conceitua
EA como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial a sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Ademais, destaca em seu artigo 2º que “a
EA é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar
presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo
educativo, em caráter formal e não-formal.” (BRASIL, 1999).
De modo similar o artigo 2º das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Ambiental, traz que:

A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade


intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento
individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os
outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana
com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental.
(DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 2012, p.2).

Por conseguinte, considerando o papel relevante da EA para a melhoria das


condições sociais, econômicas, ambientais e de saúde, concorda-se com Leff (2015)
sobre sua importância para o rompimento com a homogeneidade e centralização do
poder, a partir do reconhecimento e valorização dos saberes populares locais,
marginalizados pela cultura eurocêntrica globalizada.
Na mesma perspectiva Morin, Ciurana e Motta (2007) enfatizam a
potencialidade da educação para a concretização de mudanças positivas, bem como
reconhecem que “o devir planetário da humanidade e a emergência de uma
sociedade mundo estão marcados pela incerteza,” sendo que a incerteza implica em
reconhecer a complexifidade nossa itinerância na Terra com uma dialógica entre
desesperança e esperança. O que segundo os autores tem como base seis princípios,
a saber:

• Princípio vital: assim como tudo o que vive se autorregenera numa


tensão irredutível para seu futuro, também todo o humano regenera a

18
esperança regenerando sua vida. Não é a esperança o que faz viver, é o
viver que cria a esperança que permite viver.
• Princípio do inconcebível: todas as grandes transformações ou
criações foram impensáveis antes de ocorrer.
• Princípio do improvável: todos os acontecimentos felizes da história
foram, a priori, improváveis.
• Princípio da toupeira: que cava suas galerias subterrâneas e
transforma o subsolo antes que a superfície se veja afetada.
• Princípio de salvação: é a consciência do perigo que, segundo
Hölderlin, sabe que “onde cresce o perigo, cresce também o que salva”.
• Princípio antropológico: é a constatação de que o Homo
sapiens/demens usou até o presente uma pequena porção das
possibilidades de seu espírito/cérebro. Isso supõe compreender que a
humanidade se encontra longe de ter esgotado suas possibilidades
intelectuais, afetivas, culturais, civilizacionais, sociais e políticas. Nossa
cultura atual corresponde ainda à pré-história do espírito humano e
nossa civilização não ultrapassou a idade de ferro planetária.

A despeito da importância da educação, seja de modo geral ou da EA em


particular, como possibilidade para a superação dos desafios socioambientais e
construção de uma nova civilização, sua realização enfrenta várias dificuldades,
relacionadas às condições político-ideológicas, infraestruturais, recursos humanos
capacitados e dispostos a participar do processo e apoio/incentivo dos órgãos
gestores do ensino, como as secretarias de educação. De modo que, segundo Morin,
Ciurana e Motta (2007) fica cada vez mais claro que a missão dos profissionais que
lidam com a educação, conforme já afirmara Platão requer o Eros (desejo e prazer de
transmitir, amor pelo conhecimento e pelos alunos).

Considerações finais

A atual sociedade vivenciou(a) muitos avanços técnicos e científicos, no


entanto é necessário progredir em termos qualitativos, na perspectiva do
reconhecimento do aumento das complexidades e incertezas decorrentes da inter-
relação entre as diferentes questões que constitui a realidade planetária ou
globalizada. Neste sentido, a educação necessária deve ser orientada por um
pensamento complexo, de modo a desenvolver a capacidade de reconhecer as
relações entre as diversas dimensões da vida, bem como reconstruir valores éticos e
morais.
O conhecimento da totalidade é impossível, entretanto não há dúvidas sobre
a necessidade de interdisciplinaridade, bem como do resgaste dos conhecimentos
designados tradicionais de modo a construir uma nova racionalidade, sendo a
educação em todos os graus e espaços o caminho para os questionamentos,
reflexões, mudanças de comportamento etc.

19
Desde a década de 1960/1970 é reconhecida a crise ambiental decorrente da
capitalização da natureza pela globalização, que difundiu em escala planetária o mal
estar da civilização. Entretanto, até os dias atuais a inter-relação das condições
ambientais com as condições de vida carece de maior entendimento, cujo
encaminhamento para mudança perpassa pela educação, essencial para a
internalização e difusão de conceitos, valores e hábitos, a partir do entendimento
pelo cidadão, que este tem papel ativo nas questões socioambientais.

Referências

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Traduzida por Luciano, Wagner Duarte Nabarro e Gustavo Teramatsu. Disponível
em: <https://cjf.qc.ca/wp-
content/uploads/2020/03/EdgardMorin_Mars2020.pdf> Acesso em: 23 abr. 2020.

20
PORTO-GONÇALVES, C. W. Escassez, economia e meio ambiente: o desserviço
de Paulo Guedes, Espaço e Economia [Online], v. 2, n. 17, s/p, jan./abr. 2020.
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universal. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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Hucitec, 1997.

21
22
2. A VIVÊNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM FRUTAL (MG)
PELAS PRÁTICAS ECOLÓGICAS

Mônica de Sousa Alves4


Aline Nunes de Souza5
Gercina Aparecida Angelo6

Resumo
Este capítulo narra a vivência do Programa de Práticas Ecológicas nas escolas
municipais de Frutal (MG), coordenado pelas Secretarias de Meio Ambiente e
Educação, que segue a linha pedagógica da Alfabetização Ecológica, do pensador
Fritjob Capra. Implantado no ano de 2018 em 12 escolas, abrangendo 5.237
estudantes. Utilizou-se para a pesquisa o método da observação participante e
aplicação de questionário e concluiu-se que houve abertura para reconexão com a
natureza, satisfação e envolvimento das crianças nos dois primeiros anos de
implantação do projeto. Considera-se importante o acompanhamento subsequente
do programa para que se possa mensurar gradativamente o alcance das práticas
ecológicas.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Alfabetização Ecológica. Natureza

Considerações Iniciais

No Brasil, a Educação Ambiental está regulamentada pela Lei 9.795 de 1999,


que criou a Política Nacional de Educação Ambiental (PNAE), dentro da concepção
da construção coletiva de “valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999). Por
meio da PNAE, a Educação Ambiental passou a ser um componente obrigatório e
continuado nos processos de educação formal e não formal no país.

4 Jornalista, mestra em Sustentabilidade Socieconômica e Ambiental pela UFOP. Especialista em


Agroecologia no Cerrado e Gestão Pública. Secretária Municipal de Meio Ambiente de Frutal. E-mail:
monicaalves.jornalista@gmail.com.
5 Licenciada em Geografia pela UEMG – Unidade de Frutal, Pedagoga e Especialista em Docência do

Ensino Superior. Educadora Ambiental na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Frutal-MG. E-


mail: alinenunesgeo@hotmail.com.
6 Ecóloga e Mestre em Biologia Vegetal pela UNESP – Campus de Rio Claro. Educadora Ambiental na

Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Frutal-MG. E-mail: gercinaa@hotmail.com.


23
Frutal (MG), um município localizado na região do Triângulo Mineiro, com
uma população estimada em 59.496 (IBGE, 2020), instituiu a Educação Ambiental
pela Lei Ordinária nº 5164 de 29 de junho de 2005 e a regulamentada pela Resolução
nº 01/2018 da Secretaria Municipal de Educação.
Para implantação das atividades de Educação Ambiental no município de Frutal
(MG) foi construído o Programa Práticas Ecológicas, que se fundamenta na
Alfabetização Ecológica defendida pelo físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra
(2006). O conceito engloba o entendimento de como os ecossistemas sustentam a
rede da vida, a compreensão dos princípios da ecologia e o aprendizado no mundo
real em meio à natureza.
Seguindo os princípios da Alfabetização Ecológica, o programa de Práticas
Ecológicas assumiu o desafio de implantar a Educação Ambiental por meio de uma
abordagem multidisciplinar baseada na experiência e na participação (CAPRA, 2006).
O objetivo foi promover, de forma mais efetiva, a sensibilização e a formação de
agentes de transformação do desenvolvimento social, buscando construir uma
sociedade mais sustentável, mais justa e igualitária.
O programa começou a ganhar vida em Frutal (MG) com a criação do
Ecoparque Municipal das Sucupiras – um fragmento do Cerrado na zona urbana,
que se transformou em um espaço de práticas ecológicas, onde o aprendizado deixa
de ser teórico e as crianças passam a aprender na observação e interconexão com a
natureza.
Com esta pesquisa, buscou-se conhecer os resultados da vivência do
primeiro ano do Programa de Práticas Ecológicas em Frutal, considerando-o como
uma nova concepção pedagógica de Educação Ambiental, onde se permite a vivência
com a natureza em todos os seus elementos, dinâmicas e interdependências.
Este estudo está apoiado no conceito da Alfabetização Ecológica de Fritjof
Capra e utilizou-se como métodos: a observação participante, aplicação de
questionário e análise documental.
A utilização da metodologia da observação participante justifica-se pelo fato
das autoras deste manuscrito terem atuado na elaboração do Programa de Práticas
Ecológicas e participado da sua implantação. Este método é aplicado por meio do
“contato direto, frequente e prolongado do investigador, com os atores sociais, nos
seus contextos culturais, sendo o próprio investigador instrumento de pesquisa”
(CORREIA, 1999, p. 31).
Para complementar o estudo, após o primeiro ano de atividades, foi aplicado
um questionário com 365 crianças do 5º ano, cuja idade média é 10 anos. Neste
questionário, com 12 perguntas (7 fechadas e 5 abertas), procurou-se avaliar o nível
de satisfação, envolvimento e aprendizado dos alunos.

24
Fundamentação Teórica

A terminologia Alfabetização Ecológica foi proposta pelo físico e


ambientalista Fritjof Capra, como um conceito de que é possível conceber
comunidades humanas sustentáveis no entendimento de como os ecossistemas
sustentam a rede da vida. De acordo com Capra (2006), nas próximas décadas, a
sobrevivência da humanidade dependerá da habilidade para entender os princípios
básicos da ecologia (interdependência, reciclagem, parceria, flexibilidade, diversidade)
e de viver de acordo com sua observação. Para ele, a educação ambiental deve ser a
parte mais importante da escolaridade, em todos os níveis – desde a escola primária
até a escola secundária, faculdades e universidades, na educação contínua e no
treinamento de profissionais.
O autor defende que a compreensão sistêmica da vida se baseia no
entendimento de três fenômenos: a teia da vida, os ciclos da natureza e o fluxo de
energia. Segundo ele, esses são exatamente os fenômenos que as crianças vivenciam,
exploram e entendem por meio de experiências diretas com o mundo natural.

A Alfabetização Ecológica estimula tanto o entendimento


intelectual da ecologia como cria vínculos emocionais com a
natureza. Por isso, ela tem muito mais probabilidade de fazer
com que as crianças se tornem cidadãos responsáveis e
realmente preocupados com a sustentabilidade da vida [...] de
maneira a preencher a lacuna existente entre a prática humana e
os sistemas da natureza ecologicamente sustentáveis (CAPRA,
2006, p. 15).

Capra (2006, p. 14) considera que ao conhecer os princípios básicos da


ecologia, estimula-se aos alunos à compreensão “de que todos nós fazemos parte da
teia da vida e, com o passar do tempo, a experiência ecológica na natureza nos
proporciona um senso do lugar a que pertencemos”.
Bernstein e Roitman (2015) interpretam a alfabetização ecológica, proposta
por Capra, como um processo no qual os alunos adquirem a capacidade de ler,
descrever e interpretar o ambiente que os cercam. “Um indivíduo alfabetizado passa
a reconhecer e decodificar aspectos ecológicos locais e, assim encontrar soluções
para os problemas no seu dia a dia” (BERNSTEIN; ROITMAN, 2015, s.p).
A aproximação das crianças com a natureza é um dos pontos mais
defendidos por Lea Tiriba (2005), doutora em Educação. Segundo ela, no âmbito da
Educação Infantil, é necessário desconstruir a ideia e a realidade de uma “vida-
escolar-entre-paredes” e dar mais liberdade às crianças. “É justamente o exercício de
convívio com o mundo natural que lhes possibilitará se constituírem como seres não

25
antropocêntricos, que aprendam o cuidado, a preservação e o conhecimento da
biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra” (TIRIBA, 2005, s.p).

Sobre o programa

O programa de Práticas Ecológicas teve início em abril de 2018 envolvendo


12 escolas municipais, 277 professores da rede municipal, sendo estendido
posteriormente para as redes estaduais e particulares, envolvendo 5.237 alunos e
alunas. No total, até a data de 31 de dezembro de 2019, foram realizadas,
aproximadamente, 240 atividades no Ecoparque Municipal das Sucupiras.
O primeiro passo foi a transformação de um fragmento do Cerrado na zona
urbana, de 2,5 hectares, no Ecoparque Municipal das Sucupiras - um espaço para a
vivência da linguagem da natureza na prática. O local foi todo cercado com
alambrado, ganhou uma guarita, sanitários e uma sala de aula, embaixo de um Jatobá
(Hymenaea courbaril) - espécie arbórea nativa do Cerrado com extensa copa, que cobre
de sombra todo o local. Troncos de árvores mortas transformaram-se em bancos e
mesa. Também com plaquinhas de madeiras reaproveitadas, espécies arbóreas foram
identificadas com nomes populares e científicos. A trilha foi demarcada também com
pedacinhos de troncos que sobraram de tudo isso.
Um trenzinho faz o transporte das crianças das escolas até o Ecoparque
Municipal das Sucupiras, em turmas de no máximo 30 alunos. Lá, elas são
recepcionadas pelas educadoras ambientais, que realizam uma trilha por todo o
Ecoparque. Durante este percurso, as crianças são incentivadas a trabalharem o
toque, a visão, o olfato e o som, na proposta de uma forma inclusiva de se relacionar
com a natureza.
O passo seguinte é compartilhar pontos de vista e observações por meio da
subjetividade de cada criança. Elas são conduzidas, então, para a Sala de Aula ao ar
livre. Sentadas em bancos que simulam uma roda, os alunos ganham o “lugar de
fala”, em uma experiência dialógica com os colegas sobre as vivências da trilha. As
educadoras ambientais trabalham apenas como facilitadoras desse processo.
No terceiro momento, é hora de colocar a mão no solo. As crianças fazem,
então, o plantio de árvores nativas do Cerrado. Foram plantadas, nos dois primeiros
anos do projeto, mais de 900 mudas de espécies nativas pelas próprias crianças.
Nesta proposta, permite-se também que elas criem raízes no Ecoparque, a partir do
comprometimento delas em cuidar das mudinhas, que acabaram de plantar. As
crianças são incentivadas a levarem mudas para plantarem na escola e em casa. Dessa
forma, trabalha-se com a criança a importância de não desmatar, e mais ainda de
reflorestar.
No último momento no Ecoparque é hora da vivência lúdica. As crianças
ficam livres para brincar, subir em árvores, observar os pássaros e miquinhos, correr
26
pelas trilhas etc. Neste momento, as educadoras ambientais praticam a observação
das ações espontâneas das crianças na busca por temáticas para os próximos
encontros. Neste momento, as crianças tocam o solo, semeiam e acompanham o
germinar das sementes. E mais que isso, participam do florescer e compreendem o
tempo da natureza. Isso permite às crianças se desacelerarem, a se darem pausas e
desenvolverem a observação. Trata-se de um processo de retorno à essência, muito
importante para este momento de tanta tecnologia e tão pouca conexão entre ser
humano e natureza.
São momentos que permitem que as crianças vivenciem os elementos da
natureza, os processos que os regem, suas dinâmicas e complexidades, sempre de
forma leve, lúdica e alegre. Essa é a ecologia que chega ao coração das crianças, e
essa experiência vai continuar com elas para o resto da vida (CAPRA, 2006).
Essas ações são repetidas, a partir do momento que se conclui todas as
turmas das escolas municipais. Cada retorno é como se fosse a primeira vez. Novos
olhares, novas perguntas e muito mais empatia com a natureza.
Os professores da rede municipal de ensino são capacitados para abertura e
interação com este programa, por meio das Rodas de Práticas Ecológicas, que são
realizadas no início de cada ano letivo. Os professores são convidados a irem até um
espaço na zona rural, previamente escolhido, para participarem de um dia de
vivência. Nesta data, os educadores participam de palestras, oficinas, minicursos, que
enfocam as temáticas que serão trabalhadas nas Práticas Ecológicas daquele ano
letivo.

Extensão das atividades para as escolas

Ao mesmo tempo em que aprofunda a relação das crianças com a natureza


nas vivências no Ecoparque Municipal das Sucupiras, o programa se estende para o
território das escolas, com a implantação da coleta seletiva, compostagem dos
resíduos orgânicos produzidos nas próprias escolas, cultivo de hortas agroecológicas
e jardinagem, entre outras ações. A metodologia tem o mesmo viés de prática e
envolvimento de toda a comunidade escolar.
Além de todos os princípios da relação de harmonia com a natureza, por
meio do cultivo da horta e do jardim e/ou do reaproveitamento dos resíduos pelo
princípio da compostagem, procura-se também despertar nos estudantes temas
como respeito, cooperação, higiene, alimentação saudável etc. Neste último
princípio, trabalha-se também a compreensão sobre a importância dos vegetais na
alimentação humana e na preservação do ambiente natural. A teoria também é
trabalhada nas salas de aulas, como por exemplo, o histórico da agroecologia, formas
de adubação, sazonalidade das plantas etc. Mas é na prática que as crianças e os
jovens têm total envolvimento. Na compostagem, os estudantes participam da
27
separação dos resíduos (principalmente do que é gerado na cantina/refeitório da
escola), acompanham a compostagem e a destinação do produto final (substrato).
No caso da coleta seletiva, as crianças participam de visitas técnicas ao aterro
sanitário, à usina de entulho da construção civil, à área de galhadas e à Associação de
Catadores de Materiais Recicláveis do Município de Frutal (ASCAFRU), para
compreensão de todo o processo de destinação de resíduos sólidos.
Para o processo de compostagem, foram montadas composteiras nas
escolas, para a destinação dos resíduos de cascas, restos de verduras cruas, folhagem
das árvores e poda de grama. Neste trabalho, é fundamental a participação das
cantineiras, que contribuem com a seleção dos resíduos, que sobram da preparação
das merendas.
Além de reduzir a quantidade de lixo orgânico gerado nos estabelecimentos
de ensinos municipais, a compostagem reduz também o custo das hortas, evitando
gastos com adubos tradicionais. É uma atividade que proporciona às crianças
experiências de práticas ecológicas para produção de alimentos, de tal forma, que
possam transmiti-las a seus familiares e, consequentemente replicá-las em suas casas,
reduzindo o desperdício e a quantidade de resíduos orgânicos descartados.
Uma escola florida, com espaços verdes, além de mais bonita e colorida,
garante melhor microclima, sem falar da interação possível da comunidade escolar
com a natureza. A atividade de jardinagem orgânica busca além do manejo do cultivo
de flores, arbustos e gramíneas, deixar a escola mais verde e florida. Neste processo,
também foram aplicados os princípios agroecológicos. Ou seja, a não utilização de
compostos químicos em sua montagem, especialmente nos quesitos nutricionais e da
erradicação de pragas. No lugar de agroquímicos, foram utilizados os adubos
orgânicos oriundos das composteiras.
Na Figura 1 estão relacionadas todas as etapas que compõem o Programa de
Práticas Ecológicas.

28
FIGURA

1 – Macro-fluxo de desenvolvimento do Programa de Práticas Ecológicas


Fonte: elaborado pelas próprias autoras

Resultados

Conforme descrito na Metodologia deste manuscrito, após dois anos de


atividades do Programa de Práticas Ecológicas foi aplicado um questionário com 365
crianças do 5º ano, cuja idade média é de 10 anos. Eles responderam a 12 perguntas,
sendo 7 fechadas e 5 abertas. As análises das respostas demonstraram que:
 90.4% gostam das aulas ao ar livre no Ecoparque - neste espaço de práticas
ecológicas, onde o aprendizado deixa de ser teórico e as crianças passam a aprender
na observação e interconexão com a natureza.
 84.6% acham que deveria haver mais aulas no Ecoparque. Ou seja, a grande
maioria dos alunos quer que a sala de aula deixe de ser entre quatro paredes e ganhe
vida debaixo de um jatobá e nas trilhas de uma mata.
 79% acham que as aulas deveriam ser mais longas. Este dado é bastante relevante,
principalmente neste momento de tanta tecnologia e de tão pouca conexão entre
ser humano e natureza. As crianças demonstram que querem se desacelerar, se
darem pausas, desenvolver a observação, aprender e vivenciar mais os elementos da
natureza. Trata-se de um processo de retorno à essência.
 76% não acham as aulas cansativas. Isto demonstra que os conteúdos sobre os
princípios básicos da ecologia e sobre o cuidado, a preservação e o respeito pela
natureza viva são repassados de forma leve e lúdica, que desperta a curiosidade e o
interesse.
 89% acham que aprenderam muito sobre meio ambiente. Este dado evidencia que
a abordagem multidisciplinar baseada na experiência e na participação,
desenvolvida neste programa, tem sido exitosa em levar os alunos a compreender,
na prática, a composição, estrutura e funcionamento sistêmico do meio ambiente
onde estão inseridos.
 Mesmo que 19% não gostem de lugar de terra e 24% não gostem de sujar as mãos,
85% gostam de ter contato com a natureza e 66% gostam de subir em árvores. Os
dados mostram que a maioria das crianças gosta de se sentir livre, de correr, de
brincar, de subir em árvores, de tocar o solo, de plantar, de ver germinar, de
observar os pássaros, micos e outros animais, de correr pelas trilhas, de cuidar, de
se sentir parte da natureza.
 81.8% se sentem felizes no Ecoparque. Este dado nos mostra que a experiência
vivenciada no programa chega ao coração das crianças, e que essa experiência vai
continuar com elas para o resto da vida. Houve até quem respondesse, quando
perguntado “do que não gosta de fazer no parque”: “De ir embora”.
 88% querem continuar tendo aulas no Ecoparque. Dado que nos deixa com a
certeza de que as aulas em contato com a natureza no Ecoparque têm sido muito
satisfatórias e que Práticas Ecológicas é um programa que deu certo e atingiu seu
objetivo maior que é proporcionar uma nova concepção pedagógica de Educação

29
Ambiental, que tem propiciado aos alunos momentos lúdicos, de muito
aprendizado.

Houve também avaliações espontâneas, onde as crianças puderam explicitar as


experiências vividas, dúvidas e anseios. As respostas espontâneas mostram que as
aulas despertaram neles a curiosidade e a vontade de aprender mais. Ficam
encantados por conhecer os nomes das árvores, por ter contato com animais
silvestres, por compreender como funciona aquele ecossistema. Gostam muito de
plantar e de ver crescer. Gostam do bem-estar que a sombra e o vento
proporcionam.
A grande maioria expressa o desejo de conhecer mais sobre aquele ambiente.
Querem saber mais nomes de árvores, quem deu os nomes a elas, como elas
crescem, que remédios se pode tirar delas, e muito mais.
Um fato relevante, citado por muitos, é que não gostam de ver pessoas
poluindo o meio ambiente, jogando lixo no chão, destruindo a natureza. Vemos aqui
um resultado importante que é a mudança de comportamentos prejudiciais e o
resgate de atitudes saudáveis. Estão realmente sendo formados agentes potenciais de
transformação para a construção de uma sociedade mais sustentável.
Outro resultado que podemos relacionar é uma melhora na gestão dos
resíduos sólidos com o reaproveitamento dos resíduos nas compostagens e coleta
seletiva realizadas nas escolas. Além da conscientização em relação ao lixo que a
cidade tem produzido, ao se visitar o aterro sanitário, a usina de entulho da
construção civil, a área de galhadas e a Associação de Catadores de Materiais
Recicláveis (ASCAFRU), para compreensão de todo o processo de destinação de
resíduos sólidos.
O cultivo da horta e a produção de alimentos orgânicos nas escolas têm
também tido resultados importantes na melhoria dos hábitos alimentares.
O programa trouxe benefícios às escolas, às crianças e às suas famílias e,
consequentemente, à comunidade, uma vez que essas crianças se tornam
multiplicadoras de uma nova consciência ambiental.
Um aspecto a considerar é que, em geral, no Brasil, os cursos de Pedagogia
são insipientes em relação à temática ambiental no processo educacional e as
discussões sobre as questões ambientais ainda permanecem restritas a fóruns e
outros eventos. Dessa maneira, a principal dificuldade encontrada para a realização
do programa foi a limitação de alguns professores sobre a temática ambiental. Por
esta razão, o programa conta, também, com oficinas de capacitação dos professores -
as Rodas de Práticas Ecológicas.

30
Considerações Finais

Os municípios brasileiros se encontram diante do desafio da implantação das


políticas públicas de meio ambiente. Desafios estes que se fundamentam na busca de
tecnologia e de boas práticas para se promover a gestão municipal focada na
sustentabilidade. Estas ações envolvem grandes investimentos e, no entanto, correm
o risco de não serem eficientes se não houver o envolvimento de toda a sociedade.
Todas as políticas nacionais que institucionalizam as políticas públicas ambientais
falam em gestão compartilhada, em divisão de responsabilidades e
comprometimento coletivo.
Com base neste contexto, foi construído o Programa de Práticas Ecológicas,
no sentido de trabalhar com as crianças, em fase escolar, conceitos de
responsabilidade e consciência ambiental. Considera-se que envolver os alunos nas
práticas ecológicas, além de formar uma geração mais comprometida com as
questões ambientais, formam-se multiplicadores de uma nova consciência ambiental,
que vão protagonizar a construção de novos paradigmas dentro da concepção de
inter-relação entre ser humano e natureza, fundamentados nos princípios do cuidado
e do pertencimento.
As conquistas deste trabalho, problematizadas nos Resultados, mostram o
envolvimento das crianças e como elas se sentem abertas para a reconexão com a
natureza. Uma vez conectadas e se sentindo pertencentes, elas desenvolvem o
cuidado de forma espontânea. E esta geração comprometida será a responsável pela
consolidação das políticas públicas municipais, que estão sendo implantadas pelos
atuais gestores, e assim, consolidarão os programas de cidades mais sustentáveis. E
quando se fala neste novo conceito de cidade se vislumbra pelo caminho da
construção de conhecimento, da formação de atitudes, valores, normas e práticas que
estejam de acordo com as diferentes realidades sociais, ambientais, políticas,
econômicas e culturais.

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institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.
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27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá
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32
33
3. A PRIMEIRA LIÇÃO DE CASA DO AGRINHO: LAVAR
CORRETAMENTE AS EMBALAGENS DE AGROTÓXICOS
Aida Franco de Lima7

Resumo
Devido ao alto índice de intoxicação por agrotóxicos e acúmulo do lixo na zona
rural, este último originado a partir dos restos de embalagens de agrotóxicos surgiu,
no ano de 1995, no Paraná, o programa Agrinho. O mesmo transita por um caminho
dúbio, pois, ao mesmo tempo em que estimula práticas positivas em relação ao meio
ambiente e ao bem-estar social, é patrocinado por multinacionais do ramo
agroquímico. Como estímulo para o engajamento de alunos, docentes e comunidade,
são distribuídas grandes somas em objetos eletrônicos, dentre outros, e também
automóveis. O Agrinho teve início diante da nova proposta pedagógica que visava
aos temas transversais, sendo o primeiro material destinado a alunos de 1ª a 4ª séries
do ensino fundamental. O presente trabalho é parte de um capítulo da tese
denominada “Iconofagia e incomunicação: a violência na publicidade de alimentos
animalizados, créditos bancários e agrotóxicos, dirigida a jovens e idosos”.

Palavras-chave: Agrinho. Agrotóxico. Educação Ambiental. Ministério Público do


Paraná.

Considerações Iniciais - A semente do Agrinho

O presente trabalho aborda como temática central o Programa Agrinho e


traça uma retrospectiva de seu surgimento, em 1995 até o momento atual. O texto
original, com o dobro de conteúdo, relaciona o modo como esse Programa adentra-
se às pautas midiáticas, porém, em virtude da escassez de espaço, o mesmo fica
circunscrito a demonstrar como um programa de cunho de Educação Ambiental
alicerça-se nos pressupostos da indústria agroquímica. A Pesquisa Bibliográfica
proporciona conhecer os princípios de sua formação, bem como as análises críticas
realizadas por profissionais da área ambiental.
Para compreender o cenário em que nasceu o Agrinho, melhor abrir aspas
para o conteúdo que a Federação dos Agricultores do Estado do Paraná destacou, no
ano de 2005:

7 Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), Guia Especializado em Atrativos


Turísticos Naturais (SENAC ∕ EMBRATUR), Especialista em Educação Patrimonial e gradua em
Comunicação Social – Jornalismo (UEPG), professora da UNEMAT, curso de Comunicação Social –
Jornalismo, Alto Araguaia – MT, Brasil, aida.francodelima@gmail.com
34
Em 1993, era muito alto número de casos de intoxicação por
agrotóxicos no meio rural. Conforme o Sistema de Vigilância de
Intoxicações houve 1.045 casos com 96 mortes no Paraná. Em
1994 houve 956 casos e 103 óbitos com a mesma causa,
vitimando crianças com apenas 10 anos de idade a chefes de
família e mulheres com 29 anos. Criado pelo Senar Paraná em
1995, o Agrinho foi concebido para ensinar crianças a evitarem
intoxicação com agrotóxicos e a contaminação do meio
ambiente, com ênfase na proibição legal de menores de idade
manusearem os agroquímicos (FAEP, 2005).

Na revista especial que comemorou os 15 anos do programa, narra-se que


algumas empresas do setor agrícola também foram convidadas a contribuir com o
projeto, sendo que, de imediato, aderiram à proposta. Uma delas foi a empresa
Zêneca Brasil Ltda.
De acordo com Gubert e Torres (2013) - Patrícia Lupion Torres, uma das
idealizadoras do Programa-, dentre outros autores, o Programa teve início no intuito
de sensibilizar a comunidade escolar para as questões ambientais, visando à formação
das crianças e adolescentes como cidadãos participativos, reflexivos, autônomos e
conhecedores de seus direitos e deveres. Assim foram definidas temáticas
ambientais para atividades iniciais, vinculando-as à Agenda 21 no intuito de
preparar a criança e o jovem rumo a um adulto responsável (GUBERT, TORRES et.
al, 2013, p. 125).
Conforme o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias –
INPEV (2013) –, a tríplice lavagem, como o próprio nome diz, consiste em enxaguar
três vezes a embalagem vazia, seguindo os seguintes critérios:

Após esvaziar a embalagem, deve ser colocada água limpa até ¼


de seu volume (25%); a tampa deve ser recolocada e fechada com
firmeza e o recipiente agitado vigorosamente em todos os
sentidos, durante cerca de 30 segundos para que os resíduos do
produto que estiverem aderidos às superfícies internas se
dissolvam; a água de enxágue deve ser despejada dentro do
tanque do equipamento de aplicação (para ser reutilizada nas
áreas recém tratadas), com cuidado para não espirrar. A
embalagem deve ficar sobre a abertura do tanque por
aproximadamente mais 30 segundos, para que todo o conteúdo
escorra; depois de repetir esses procedimentos mais duas vezes, a
embalagem deve ser inutilizada, perfurando-se o fundo com
objeto pontiagudo (INPEV, 2013, s/p).

Em 1996, teve início a implantação do programa de forma piloto em cinco


municípios paranaenses. Nos dois anos seguintes, outros temas relativos à temática
do meio ambiente, como solo, biodiversidade, água e clima, foram incluídos, além do

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tema da cidadania, que incorporou assuntos relativos a trabalho e consumo, temas
locais e civismo.
Em meados de 2002, o programa passou por mais uma ampliação para
contemplar outros temas que se faziam igualmente prioritários: meio ambiente,
saúde, cidadania e trabalho e consumo. Novos materiais foram desenvolvidos, desta
vez para alunos e professores. De acordo com o site oficial, “(...) em 2006, quando o
programa completou 10 anos, realizou-se uma ampla avaliação e com base nesta,
todo o programa foi repensado e a proposta foi acrescida de novos temas e
materiais” (AGRINHO, 2007).
Quando completou doze anos no Paraná, em 2007, o material entregue ao
aluno recebeu outra estruturação, passando a ser organizado por série e não mais por
temas, com o material do professor composto por dois livros. O público foi
ampliando e, além das escolas da rede pública de ensino, também a rede particular de
ensino passou a ser atendida, tendo a proposta pedagógica baseada na
interdisciplinaridade e na pedagogia da pesquisa (AGRINHO, 2007). No ano
seguinte, em 2008, mais de 95% dos 399 municípios do Paraná haviam aderido ao
programa Agrinho. “Ao aderir ao programa os municípios podem solicitar sem
qualquer ônus, capacitação dos professores e envio de materiais para todas as
crianças e adolescentes regularmente matriculados nas escolas públicas municipais ou
estaduais” (AGRINHO, 2007).
Na data em que se comemorou 15 anos do programa, o presidente da
Federação dos Agricultores do Paraná, Ágide Meneguette, destacou seu alcance, em
números, salientando que o Agrinho já havia extrapolado as barreiras do Paraná:
“(...) O Agrinho é uma luminosa vitrine do SENAR-PR, que a cada ano mobiliza
mais de 80 mil professores e cerca de 1 milhão e 600 mil alunos”. (MENEGUETTE,
2010, p. 3).
Com vasto material de apoio online, alunos e professores recebem cartilhas
temáticas, e, como estímulo à produção, anualmente é realizado o Concurso
Agrinho, que concede prêmios, que vão desde produtos eletrônicos à veículos, a
alunos da rede pública e particular, aos melhores desenhos de turmas do primeiro
ano e de educação especial, e a redações do primeiro ao nono ano. Contempla, ainda
com premiações, as experiências pedagógicas e os que obtiveram o título de
Município Agrinho e Escola Agrinho. O prêmio é divido em fase regional e estadual,
tendo várias categorias.
De acordo com o site Agrinho (2010), na cerimônia de comemoração de 15
anos do Programa, em Curitiba, foram premiados 212 alunos e professores, que
concorreram com 5,5 mil trabalhos, dentre desenhos, redações e experiências
pedagógicas. Durante a cerimônia, foram nominados e homenageados com o troféu
“Instituição Amiga” os parceiros do Programa: Governo do Estado, Ministério do
Trabalho e Emprego, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Ministério da
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Previdência Social, Itaipu Binacional, Ministério Público do Trabalho, Banco do
Brasil, Dow AgroSciences e Receita Federal, além de uma homenagem especial do
Sistema FAEP ao governador em exercício, Orlando Pessuti.

Do outro lado das embalagens

Nos sites de buscas, o sucesso do programa Agrinho é exemplificado pelas


incontáveis matérias que ilustram sua eficiência e a quantidade cada vez mais
crescente de cidades e estados que aderem ao mesmo. Somente no Google, são cerca
de 122 mil citações a respeito. Porém, um texto do ano 2000 chama a atenção para a
vertente que questiona a respeito de outros interesses em torno do Agrinho que não
estariam manifestados de forma direta em seu desenvolvimento e,
consequentemente, na publicidade e propaganda em torno do mesmo. Com o título
“No Paraná crianças são usadas para difundir o uso de agrotóxicos”, o jornalista
Dioclécio Luz (2000) afirma, em artigo, que o Agrinho é uma`“(...) experiência
incomum de propaganda e estímulo ao uso de agrotóxicos” (LUZ, 2000, p. 2).

Lá os professores da rede pública ensinam crianças do meio rural a


usarem os pesticidas. Isto acontece dentro de uma farsa: aparentemente
as crianças estão participando de um programa de educação ambiental
onde se aborda a questão da saúde, meio ambiente e até cidadania. Mas,
na prática, elas estão sendo doutrinadas para no futuro se tornarem
consumidoras de agrotóxicos. Uma exótica parceria entre o governo do
estado do Paraná e as indústrias fabricantes de agrotóxicos garante a
doutrinação sistemática das crianças (LUZ, 2000, p. 2).

Luz (2000) usa o verbo “catequizar” para referir-se ao programa que


envolveu no ano de 1999 cerca de um milhão e duzentas mil crianças e adolescentes
da rede pública de 310 municípios. Segundo o mesmo, naquele ano, as crianças
aprenderam sobre a tríplice lavagem, um modo de tratar as embalagens de
agrotóxicos descartadas. A crítica apontada por Luz (2000) refere-se ao fato de que,
desde quando foi criado, o programa enfatiza um único aspecto sobre o uso dos
agrotóxicos.

Ou seja, não se questiona o uso dos agrotóxicos nas lavouras, mas


como usá-los. Desta vez aprenderam como resolver um problema
criado pelos fabricantes: qual o destino das embalagens descartadas. A
jogada de marketing dos fabricantes foi a tríplice lavagem, uma
“solução ecológica” para o problema. O tema “Por que fazer a tríplice
lavagem?” veio embutido num programa que abordava outros temas de
caráter importante, como: “Adolescência, sexualidade e amor (saúde
jovem)”; “Dentes saudáveis, criança feliz (odontologia preventiva)”;
“Praticando a cidadania na escola (cidadania)”; “Saúde na família

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(saúde)”; „Por que a água é um recurso natural renovável mas limitado
(água)?”; “A sobrevivência do homem depende da biodiversidade
(biodiversidade)”; “O que você pode fazer para evitar o efeito estufa
(clima)”; e “Qual a importância do solo para o equilíbrio ambiental
(solo)?”. (LUZ, 2000, p. 2).

Luz (2000) ressalta que, no ano de 1999, um total de 18.143 professores da


rede escolar atuaram em defesa dos interesses dos fabricantes de agrotóxicos. Após
os treinamentos, estes receberam vasto material de cunho pedagógico sobre os
assuntos que foram abordados nas salas de aula durante o ano letivo. Cada qual
trabalhou os temas da forma como acharam mais conveniente e, no final, as crianças
fizeram redações que concorreram a prêmios. “Se o aluno é premiado o professor
também é. Em 1999 foi uma fartura de prêmios: 10 automóveis Pálio 0 Km, 90
televisões, 90 aparelhos de som, 45 microondas, 45 bicicletas, 10 computadores, 9
cursos de informática e 9 CDRom educativos” (LUZ, 2000, p. 2).

Quem paga tudo isso? Conforme Patrícia Lupion Torres (filha


do deputado federal Abelardo Lupion, PFL-PR), funcionária do
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no estado do Paraná,
(Senar/PR) e coordenadora do Programa Agrinho, o custo total
do programa é de R$ 2,4 milhões. Metade do custo do Agrinho é
financiado pelas indústrias fabricantes de agrotóxicos: Bayer,
Novartis, Dow AgroScience, Jacto, Milenia, Du Pont, Hokko, e
pela entidade que reúne todas elas, a Associação Nacional de
Defesa Vegetal, Andef. A outra metade é dinheiro público, do
Senar. Sem contar a rede pública de ensino, que é disponibilizada
para o trabalho, e mais funcionários da Secretaria de Agricultura
e da Secretaria do Meio Ambiente (LUZ, 2000, p. 2).

Luz (2000) afirma que o Agrinho surgiu como um projeto piloto para tratar
unicamente de agrotóxicos, tendo claro seu objetivo, que “consistira em fazer com
que as crianças se acostumassem com os venenos na lavoura, preparando-as para que
no futuro se tornassem um mercado dócil e sem alternativas” (LUZ, 2000, p. 2). Nas
palavras do autor, tal contexto já ocorria dentro das escolas da rede pública, numa
parceria do governo do Paraná com as “indústrias de venenos”.

No ano seguinte, sempre com o apoio do governo do estado, a


indústria de pesticidas cristalizou a farsa, ocultando suas intenções com
a incorporação de novos temas de estudo: “educação ambiental” e
“saúde”. Em 1998 o Agrinho - promotor de vendas de venenos - já
“estava preocupado” até com as cáries das crianças.O Agrinho hoje
está definitivamente incorporado ao currículo de crianças de 7 a 14
anos da rede pública do estado. Agrinho é um personagem, um garoto
de 9 anos, que tem como companheira inseparável sua irmã, Aninha.

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Eles estão em histórias em quadrinhos, jogos e passatempos. (LUZ,
2000, p. 2)

Referindo-se ao ano de 1999, Luz (2000) explica que o Agrinho era


ministrado juntamente com as demais matérias da grade curricular das escolas
estaduais e municipais do Paraná. O Senar/PR, coordenador do programa, promovia
o treinamento dos professores, que recebiam material dirigido. Cada aluno também
recebia uma cartilha. Os professores assumiam o compromisso de trabalhar 36 horas
semanais os conteúdos, de forma transversal. Atualmente, o treinamento pode
ocorrer em ambiente virtual, no prazo de cinco semanas. “Indica-se que o
participante disponibilize em média 1 hora por dia. Mas, como cada módulo dura
uma semana, o participante tem 7 dias para realizar as atividades propostas para cada
módulo, totalizando 40h de curso” (FAEP/SENAR 2012). Em 2012, foram 196
turmas credenciadas em tal modalidade de ensino.
Em publicação do Senar (2008), é relatado um treinamento realizado junto a
professores de municípios do norte de Goiás. “Após o almoço, os agrônomos Clesio
F. de Brito Alves e Mariozan Silva, ambos da Agroquima, empresa goiana que apóia
o programa Agrinho, falaram sobre o uso de agrotóxicos e seus cuidados e a
importância do recolhimento de embalagens” (SENAR/ GOIÁS, 2008).
No mesmo texto de Luz (2000), a engenheira agrônoma, assessora de
educação sanitária do departamento de fiscalização de defesa sanitária da Secretaria
de Agricultura e Abastecimento do Paraná, Simone Weber Polack, afirma que “(...) o
Agrinho não estimula o uso de agrotóxicos" (POLACK apud LUZ, 2000, p. 1). Em
sua concepção, a tríplice lavagem é recomendada para resolver um problema que já
existe:

A parceria com as indústrias ocorre porque é um problema que elas


desejam resolver”, diz Simone, que participou de comissão julgadora
que selecionou as melhores redações no ano passado. Mas a Secretaria
tem algum programa para reduzir o uso de agrotóxicos? “Não”, é sua
resposta. E reconhece: “o Agrinho trata do „uso adequado‟ de
agrotóxicos”, não de sua substituição por algo não agressivo ao meio
ambiente. Independente disso, para Simone o Agrinho é um sucesso
(LUZ, 2000, p. 1).

Luz (2000) cita o posicionamento da então secretária de Educação do Paraná,


Alcyone Saliba:
Nossa meta é duplicar o que fizemos em 99, chegar a 100% do ensino
fundamental no estado em 2000. (...) É preciso acabar com os
melindres, as companhias que poluem, por razões econômicas e de
marketing, estão interessadas em promover a despoluição do meio
ambiente. E se não nos ajudam, vão continuar poluindo da mesma
forma. (ALCYONE apud LUZ, 2000, p. 1).

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Luz (2000) traz à tona o posicionamento do médico e então deputado
federal Rosinha (PT-PR) e do especialista em agroquímica e engenharia genética,
Sebastião Pinheiro. Com ironia, Rosinha (apud LUZ, 2000, p. 1) afirma: “(...) de fato,
o Agrinho é um sucesso; um sucesso na formação de futuros consumidores de
agrotóxicos. Se não fosse assim, se fosse algo preocupado com o meio ambiente, o
Agrinho orientaria para uma agricultura alternativa, ecológica, e não para o uso de
venenos”. Na opinião de Pinheiro (apud LUZ, 2000, p. 1), “(...) estão preparando um
mercado futuro, treinando crianças para aceitar os agrotóxicos. E isso é apresentado
como política pública de proteção! Tudo sob o beneplácito do Ministério Público,
dos governos, da Embrapa. É uma imoralidade”.

O Ministério Público, porém, já analisou o programa. A promotora do


meio ambiente do estado do Paraná, Cynthia Maria de Almeida Pierri,
informa que relatório de maio do ano passado sobre o Programa
Agrinho revela algumas verdades. “O título da cartilha – „Agrinho em
defesa da natureza‟ - dá uma ideia equivocada sobre o conteúdo. Na
verdade, o texto é favorável ao uso de agrotóxicos. Eles citam que o
agrotóxico é a única forma de controle, quando não é.” Outra falha do
programa é quanto às cartilhas. Conforme Cynthia Maria Pierri, elas
não foram pensadas em atender por faixa etária - o material didático é
o mesmo para todos. E mais: ”(...) chegamos à conclusão de que o
material é impróprio porque defende a utilização de agrotóxico, ao
invés de orientar crianças e adolescentes a nunca utilizarem este
material”. Isto é crime? “Não”, diz a promotora. As conclusões do
relatório estão sendo encaminhadas ao Senar/PR (LUZ, 2000, p. 1).

O autor conclui que não é preciso esperar as crianças crescerem para que
fosse ampliada a venda de agrotóxicos. Segundo dados da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Paraná, desde a implantação do programa, em 1996, até o ano
2000, houve um aumento de mil toneladas no consumo de pesticidas no estado. “Na
safra 1995/96 o consumo era de 41 toneladas; na de 1998/99 o consumo subiu para
42 mil toneladas. Em suma: o Agrinho já é um sucesso para o comércio de venenos”
(LUZ, 2000, p. 1).
Na concepção do especialista em agroecologia, Valdemar Arl, o modelo da
denominada “Revolução Verde”, baseado na integração agroindustrial por meio da
organização das cadeias produtivas ou base tecnológica, mostrou-se altamente
excludente e danoso ao meio ambiente.

Embora tenha contribuído no crescimento econômico e aumento da


capacidade de produção, especialmente pelo aumento da área cultivada,
causou grande degradação ambiental, contaminação do meio, dos
alimentos e das pessoas, aumentou os custos de produção a níveis

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insuportáveis resultando em grande êxodo rural, concentração de renda
e das terras, e consequente exclusão social (ARL, 2011, p. 1).

Arl (2011) explica que a Revolução Verde é fruto de grandes esforços e


investimentos públicos estatais, mas em constante interação e articulação com
grandes empresas produtoras de agrotóxicos, adubos, e outros insumos, bem como
empresas agroindustriais processadoras. Isso resultou na diminuição do alcance da
atuação do Estado e na privatização de empresas públicas, em contrapartida com o
fortalecimento do poder econômico e político das grandes empresas. “Com isso
aumentou ainda mais o poder e o protagonismo das grandes empresas e a imposição
de seus interesses nas proposições para o campo” (ARL, 2011, p. 1).
Para Arl (2011), o agravamento da degradação ambiental, aliado às ameaças
do aquecimento global e a crescente exclusão social, revelam as contradições entre a
realidade de fato e os discursos e promessas sustentadas. Tal contexto resulta em
crescente sensibilização e preocupações junto à opinião púbica geral, especialmente
em torno das questões ambientais. Deste modo, a lógica da economia neoclássica,
mesmo sem resultar em significativas mudanças, adjetiva seus produtos e serviços
com selos verdes e discursos emoldurados na temática da sustentabilidade.

É neste contexto e condição que se constrói o “Agrinho”, e busca-se


novamente o envolvimento e comprometimento de recursos e
instituições públicas. E, o que é pior entrar nas escolas e influenciar
nossos filhos, com essa lógica perversa. Este programa se apresenta
como um programa de educação ambiental, mas acumula efeitos
subjetivos a favor desse modelo repleto de interesses dessas
multinacionais.
O programa é patrocinado por entidades como o Senar (Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural); pela Federação da Agricultura do
Estado do Paraná (Faep), que reúne os grandes proprietários de terra e
sindicatos rurais, por empresas de agrotóxicos como a Daw
AgroeSciences, Du Pont, e por organizações das empresas dos
agrotóxicos, Adef e Aenda, todos interessados na difusão do uso dos
agrotóxicos (ARL, 2011, p. 1).

A satisfação dos parceiros do Agrinho é estampada em uma revista que


comemorou os 15 anos do programa, em 2010, como no depoimento de Fabian Gil,
presidente da Dow Agrosciences no Brasil:

O Agrinho vai ao encontro das metas de sustentabilidade da Dow


Agrosciences, que se empenha em elevar a conscientização do impacto
da ação humana no ambiente, e trabalha para garantir o uso
responsável dos recursos do planeta, através de programas de melhoria
social e ambiental que demonstrem o respeito pela vida e recursos
naturais. Nestes 15 anos de parceria com o Agrinho, nossa participação

41
tem sido gratificante graças ao entusiasmo e dedicação de todos (GIL,
2012, p. 5).

Na mesma revista comemorativa são divulgados numerosos relatos de alunos


que, quando eram crianças, foram contemplados com premiações. Em 1996, o
desenho de Cristina Ganzo, com nove anos, conquistou o primeiro lugar em sua
categoria. “Muito tímida ela se empenhou no desenho que mostrava a importância
da tríplice lavagem das embalagens de agrotóxicos” (AGRINHO 15 ANOS, 2010, p.
16). Sua mãe, Maria Mitie Eguchi Ganzo, que lecionava Ciências, rememorou o
contexto agrícola da cidade em que moravam, Palotina:

Naquele tempo os agricultores aplicavam agrotóxicos até de avião e


com o Agrinho tivemos a oportunidade de trabalhar com os filhos dos
agricultores. Este trabalho foi muito importante, pois conseguimos
conscientizar as crianças sobre os riscos e os cuidados que devemos ter
ao manipular essas substâncias (AGRINHO 15 ANOS, 2010, p. 16)

O zootecnista, especialista em Ciências e Educação Ambiental, Ricardo


Alexius também levanta questionamentos em relação aos interesses em torno do
Agrinho e a maneira como o programa conquistou a adesão dos professores e foi
introduzido na grade curricular.

Estarrecido, resolvo redigir estas linhas no intuito de dar minha


modesta colaboração para que o exercício da Educação Escolar possa
sempre melhorar. Para isso, porém, além do incremento de mais e
novos conhecimentos, é preciso que sejam detectadas e eliminadas as
insalubridades que se infiltram de forma oculta no processo educativo.
Leio neste momento matéria intitulada “Parceria entre Cooperativa Lar
e Syngenta movimenta o Projeto Escola no Campo”, no Jornal Costa
Oeste, de Santa Helena, PR, datado de 20-26/11. O artigo é amparado
por uma cartola com o termo 'Conscientização'. Cartola é termo
jornalístico para um antetítulo, uma palavra que complementa e instiga
à leitura do título (ALEXIUS, 2011, s/p).

Alexius (2011) diz que sente um frio pela espinha quando lê uma matéria
jornalística que diz que “o projeto visa 'conscientizar' as novas gerações de
agricultores (inocentes crianças) da utilização correta de venenos agrícolas com
segurança para o ser humano e o meio ambiente.” (ALEXIUS, 2011, s/p). Ele utiliza
o termo “macabro” para caracterizar as informações seguintes:

(..) ao dizer que “a transnacional Syngenta desenvolveu um


programa didático (cartilha), que é usado nas escolas parceiras, com
participação ativa dos professores, que inserem o conteúdo
educativo na grade curricular das séries atendidas”. Professores e

42
professoras, não sei se estou mesmo vendo isso ou se é um delírio!
(ALEXIUS, 2011, s/p).

Na argumentação de Alexius (2011), ele reconhece que os professores não são


obrigados a saber de tudo e os considera também vítimas de tal projeto que ele
considera “maquiavélico”. E sustenta que a multinacional em questão ludibria a
população, a começar pelos formadores de opinião. Apropriando-se da palavra
“parceria”, conquista desde autoridades políticas, presidentes de sindicatos e
cooperativas “(...) para que estes, como marionetes suspensos nos cordões
manipulados, trabalhem pela „justa causa‟ de promover o uso correto de
„defensivos‟” (ALEXIUS, 2011, s/p).

Prova disso é que a frase vencedora do concurso promovido


pelo tal projeto, diz que 'o agrotóxico é perigoso, mas é
necessário... e só com ele teremos um bom alimento. Outra frase
diz que “deve-se ler a bula, aplicar o veneno, esperar o tempo de
carência, e depois comer...”. Mas que droga, literalmente! A aluna
Amanda, por ser inteligente, vai ler muitos livros, e com as
informações corretas vai descobrir a verdade. Parabéns a ela
(ALEXIUS, 2011, s/p).

Alexius (2011) traça um breve currículo da Syngenta Seeds, lembrando que a


multinacional agroquímica suíça, fundada em 1901, é a segunda maior empresa de
biotecnologia do mundo. É a responsável pela produção do agente laranja,
substância química usada no Vietnã, entre 1964 a 1975, para dizimar as lavouras e as
florestas, princípio ativo a partir do qual nasceram os herbicidas.

Foi a Syngenta a empresa multada em um milhão de reais pelo IBAMA


em 2006, pelo crime ambiental de plantar transgênicos em área de
amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. Segundo a matéria
“Syngenta mata”, da ONG Terra de Direitos, a área foi transformada
em um Centro de Agroecologia pelo Governo do Estado e ocupada
por 70 famílias de agricultores. Mesmo assim, um dos 40 jagunços
chefiados pela Syngenta matou o agricultor Valmir Mota, o “Queno”,
em operação armada (ALEXIUS, 2011, s/p).

O Agrinho representa ser um programa vencedor, em virtude de sua


abrangência, adesão de públicos variados e devido ao longo tempo que vem sendo
desenvolvido, dentre outros atributos. As incontáveis reportagens, vídeos, fotos e
cases sobre o Agrinho “sufocam” as escassas críticas ao mesmo. “A imprensa
brasileira tem, gradativamente, incorporado uma prática danosa, infelizmente muito
festejada por agências de comunicação e organizações: o publieditorial”, conforme
avalia Wilson da Costa Bueno (2006, p. 1). De acordo com ele, o publieditorial, em

43
síntese, constitui-se de uma mensagem publicitária, paga, com aspecto de reportagem,
de matéria jornalística. A meta é que o conteúdo integre-se naturalmente ao veículo
em que está inserido, de modo a não ser interpretado como matéria paga e, portanto,
conquistando a credibilidade que os textos jornalísticos normalmente costumam ter.
“Implicitamente, o publieditorial visa “passar a perna” no leitor que, desavisado, pode
„comer gato por lebre‟, ou seja, ver uma matéria onde, na verdade, existe publicidade”
(BUENO, 2006, p. 1).
Arl (2011) elenca 14 pontos críticos em relação ao Agrinho. Em sua análise,
o programa não questiona o modelo adotado com base na Revolução Verde. Apesar
de evidenciar algumas consequências ambientais, ele as trata como resultantes de
abusos ou erros no uso das tecnologias. “Basicamente sugere ajustes para diminuir
essas consequências. Não trata das questões agrárias e sociais de fundo, como
concentração das terras, êxodo rural, concentração da renda e exclusão social” (ARL,
2011, p. 1).

Evidencia o uso de agrotóxicos como fato consumado, levanta


preocupações com o uso excessivo e inadequado dos agrotóxicos
e adubos químicos altamente solúveis, mas expressa a ideia de
que seu uso é quase inevitável, e empreende grande esforço no
“uso inteligente” dos mesmos. Não questiona o uso de
agrotóxicos e nem discute a superação dos mesmos, e sim
direciona os esforços em torno do “como usá-los corretamente”,
por exemplo: ao transmitir orientações sobre a tríplice lavagem e
destino das embalagens de agrotóxicos, evidencia o perigo dos
agrotóxicos, mas limita as preocupações à sobra que ficou na
embalagem. E o agrotóxico que é jogado sobre os alimentos, no
solo, na água? Se até o resíduo é tão preocupante, onde estão as
propostas, os programas e recursos para a superação dos
agrotóxicos? (ARL, 2011, p. 1).

Outra crítica apontada é com relação ao material de apoio utilizado que cita
os agrotóxicos, adubos químicos e outros agroquímicos como único caminho para a
produção de alimentos. “Isso é uma visão equivocada de fertilidade. Propõe o
modelo agroquímico, artificializando a possibilidade de fazer produção em ambientes
crescentemente degradados” (ARL, 2011, p. 1).

Dentre todo o material, o cuidado com as embalagens vazias e a


tríplice lavagem de embalagens de agrotóxicos, o correto
armazenamento e uso de agrotóxicos, e como utilizar alimentos
produzidos com agrotóxicos estão entre os poucos temas que são
detalhados no nível operacional = como fazer.
Quando trata dos transgênicos, primeiro evidencia os benefícios
como: “... criar espécies mais resistentes contra pragas, ...,
modificar os sabores e até aumentar o seu valor nutricional ...”,

44
citando inclusive exemplos. Depois associa os problemas ao uso
irresponsável. Levanta algumas das questões problemáticas em
debate, mas não sugere nenhuma medida de suspensão ou
proibição, mesmo diante da gravidade dos riscos e da
inconsistência das informações técnicas (ARL, 2011, p. 1).

Outros pontos levantados são com relação ao fato de o programa limitar a


discussão da biodiversidade aos ecossistemas; não abranger a respeito da
biodiversidade dos agroecossistemas; sobre a questão das sementes; da
contaminação e controle das sementes crioulas e da biodiversidade alimentar. Para
Arl (2011), a agroecologia não é contemplada, pois as dimensões ambientais, bases
científicas, questões sociais e econômicas que o conceito envolve são conflitantes
para o modelo e os interesses das multinacionais dos agrotóxicos, muitas delas
patrocinadoras do programa. Também não se consideram as articulações e redes
existentes e, consequentemente, as experiências e feiras agroecológicas, de modo a
referir-se à agricultura orgânica “(...) de forma limitada e afirma que esta „exclui‟ os
agrotóxicos como se fosse apenas uma opção, quando de fato os agrotóxicos e
adubos altamente solúveis são proibidos nesse sistema” (ARL, 2011, p. 1).
Arl (2011) assegura que o programa não trata da soberania e segurança
alimentar, assim como não aborda a situação do latifúndio da cana, soja, eucalipto,
pinus e outros, pelo fato de essa temática entrar em conflito com os interesses e
perspectivas das empresas multinacionais dos agrotóxicos e sementes. Também não
reconhece a agricultura familiar e sua importância na produção de alimentos e
segurança alimentar, na geração de trabalho e renda, na conservação da
biodiversidade, e tantos outros aspectos mais.
Exerce a velha história dos concursos e prêmios, que exercita a competição e
competitividade, parte dessa lógica da sociedade da disputa do individualismo e do
consumo ilimitado. Esta mesma estratégia foi utilizada para a implantação desse
modelo industrial agroquímico. Essa condição está na contramão da proposta da
cooperação, tão necessária no atual contexto.
Com prêmios de alto valor (carros, televisores, e outros...), será que a
motivação para o trabalho é pela sedução de prêmios ou pela consciência da
importância da educação ambiental?
Os prêmios estão dissociados com os objetivos da educação ambiental:
carros poluem; televisores levam ao consumo; micro-ondas consomem energia....
Não reconhece os Movimentos Sociais do Campo e sua atuação em prol da
sustentabilidade ambiental, social e econômica (ARL, 2011, p. 1).

45
Considerações Finais - O Agrinho na berlinda

Os conteúdos que levantam críticas à forma como o Agrinho tem se alastrado


são escassos. Porém, é importante lembrar que os profissionais que elaboram tais
questionamentos são todos com formação voltada à área das ciências agrárias,
utilizam argumentos sólidos, fundamentados na concepção de que no momento em
que o Agrinho propaga que é essencial utilizar corretamente os agrotóxicos, o
mesmo exclui e oculta alternativas que inviabilizariam seu uso. Mesmo quando o
Agrinho abre o leque para outras temáticas que não apenas os agrotóxicos, ele já está
inserido no cotidiano de milhares de crianças e professores, que passam anos
persuadidos pelos benefícios que proporciona, inclusive com as premiações de alto
valor financeiro. Em Abril de 2014 o Ministério Público do Estado do Paraná,
através da Notificação Recomendatória 1122∕08, recomendou que ao Conselho
Estadual de Educação a adoção de medidas imediatas para impedir que os
estabelecimentos de educação, públicos ou privados, participassem do Agrinho. O
MP compreendeu que, entre outros, o Agrinho promove propaganda direta e
subliminar da indústria química e de agrotóxico. Sugere ainda que toda a alimentação
fornecida pelas escolas sejam orgânicas ou agroecológicas, provenientes da
agricultura familiar. Apesar disso, o Agrinho continuou em franca ascensão. Somente
no município de Cascavel – PR, há uma intensa batalha para que seja
completamente banido e apenas no ano de 2020, por conta da pandemia do Covid-
19, o mesmo foi temporariamente cancelado.

Referências

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http://issuu.com/sistemafaep/docs/agrinho15anos/5 Acesso em: 26 ago. 2014.
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46
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Doutrinação de 1.200.000 jovens visa mais garantir o mercado do que
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trechos do discurso do presidente do Sistema FAEP. AGRINHO 15 ANOS.
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SENAR – GOIÁS. Agrinho – Treinamento de Professores - 2ª turma.
Disponível em: http://www.senargo.com.br/site/site.do?idArtigo=234 Acesso em:
26 ago. 2014.

47
48
4. NA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL, A
IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS

Júlio Afonso Alves Dutra8


Cristine Jochmann9

Resumo
A instituição da temática de educação ambiental nas escolas pode ser apontada como
uma das formas mais eficazes para a conquista de uma sociedade sustentável. As
escolas tornaram-se aliadas, para o alcance do desenvolvimento sustentável, sendo
pauta principal dos debates mundiais e nacionais sobre o meio ambiente, desde que
remodeladas, convertendo-se em espaços de conscientização ambiental, onde o
desenvolvimento do senso crítico, a disseminação de novas práticas de uso dos
recursos naturais, o incentivo ao respeito à vida e a mudança de comportamento.
Este trabalho vem objetivar uma análise à legislação brasileira acerca de educação
ambiental e a sua implantação no país.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Escolas Sustentáveis. Meio Ambiente.

Considerações Iniciais

A educação ambiental nas escolas é uma saída para amenizar os problemas


que, há anos, pela ação do homem, vêm sendo causados ao meio ambiente. Como
representantes das futuras gerações em formação, as crianças, como estão em fase de
desenvolvimento cognitivo, pressupõe-se que nelas a consciência ambiental possa ser
constituída de forma mais eficiente do que nos adultos, já que ainda não possuem
hábitos e comportamentos constituídos (CARVALHO, 2001).
O desenvolvimento sustentável surge a partir de uma mudança de
costumes nos países que discutem os problemas ambientais, e essa transformação
pode ser ensinada nas escolas, pois estudos têm mostrado que ações educativas
relacionadas ao ambiente natural apresentam ganhos cognitivos, mudança de valores
e auxiliam na construção da consciência social e individual (FONSECA, 2007).
Figueiró (2015) enfatiza que a determinação da temática ambiental na
educação, a partir da proclamação da Década das Nações Unidas da Educação para o

8 Bacharel em Administração. Mestre em Desenvolvimento Regional. Professor Efetivo da


Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. E-mail: julio.dutra@uemg.br.
9 Bacharel em Biblioteconomia e Ciência da Informação. Bibliotecária da Prefeitura Municipal de Frutal.

E-mail: cristinej@hotmail.com.
49
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014); e, em 2012, com a implantação da
educação ambiental nos currículos escolares do MEC, determinados parâmetros
foram criados para que a educação ambiental fosse incluída desde a educação
infantil, ensino fundamental, ensino médio, até a educação superior, incluindo
também a educação especial, quilombola e indígena.
Criada em 2012, a partir de conferências promovidas pelo MEC, a Comissão
de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (Com-Vida) e o programa Escolas
Sustentáveis estão sendo apontados como fones basilares para o fortalecimento das
políticas de educação. Grohe (2015, p.24), afirma: “O programa Escolas Sustentáveis
incentiva a reflexão e prioriza o diálogo entre os conhecimentos científicos, culturais
e os saberes locais, ao mesmo tempo em que propõe a gestão democrática da escola
com a comunidade escolar”.
Neste trabalho realizamos um levantamento da aplicação dos programas
governamentais, como inspiradores para a implantação da educação ambiental de
forma transversal e integral na totalidade das escolas brasileiras.
O tema educação ambiental, foi explorada por meio de atualização bibliográfica
relativa ao tema, mostrando um histórico dos principais eventos mundiais
relacionados ao meio ambiente, com uma retrospectiva da construção da legislação
brasileira sobre o tema.

Histórico Da Educação Ambiental

No final dos anos 1960, início dos anos 1970, as questões ambientais
começaram a ser discutidos, baseados em demonstrações científicas sobre as
deteriorações que estavam sendo sentidas no planeta, com a degradação do meio
ambiente pela exploração dos recursos naturais. Com o dispêndio descontrolado da
industrialização, na destinação dos resíduos sólidos, muito menos a preocupação
com a reparação dos danos causados, causando impacto ambiental.
O despertar da consciência e da sensibilidade social para os problemas
ambientais, segundo Meadows, Randers e Meadows (2007), se dará quando a
sociedade se deparar com os limites do crescimento pelo esgotamento dos recursos
naturais. Jacobi (2005), já previa que a partir de então, é confirmado que os
processos econômicos e sociais precisavam ser revistos.
Nos anos 70, a educação ambiental passa a ter relevância estratégica na
busca pela qualidade de vida, pois se torna imprescindível alterar a forma de encarar
os problemas ambientais que se apresentavam no planeta. Em 1972, a Organização
das Nações Unidas (ONU) realiza em Estocolmo a primeira grande conferência
mundial sobre o meio ambiente da qual participaram representantes de 113 países.
Nesta conferência, foi elaborada a Declaração de Estocolmo que demarcou alguns
princípios, como a relevância dos recursos naturais para a espécie humana, a
50
necessidade de preservar culturas, respeitar etnias, crenças e de ter equidade social.
Das recomendações estabelecidas na Declaração, a mais importante é a que ressalva
a necessidade de realizar a educação ambiental como instrumento estratégico na
busca da melhoria da qualidade de vida e na construção do desenvolvimento (LIMA,
1999).
No ano de 1977, a UNESCO, junto com o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA), realiza na Geórgia, a Conferência de Tbilisi, as
discussões levantadas enfatizam a necessidade da abordagem interdisciplinar para o
conhecimento e a compreensão das questões ambientais por parte da sociedade
como um todo (PHILIPPI JUNIOR; PELICIONI, 2014), além de estabelecer
princípios norteadores, salientando o caráter interdisciplinar, critico, ético e
transformador da educação ambiental. Sendo essa conferência apontada como um
dos eventos relevantes para as condutas que a educação ambiental adotada em vários
países do mundo, inclusive no Brasil. Em 1987, quando foi produzido o Relatório
Brundtland – Nosso Futuro Comum, na Noruega, neste a designação
Desenvolvimento Sustentável, é apontada como a melhor definição para o ato
satisfazer necessidades presentes sem o comprometimento das gerações futuras em
atender as suas próprias necessidades.
O Brasil foi um dos países pioneiros em deliberar sobre a questão
ambiental e sinalizar ações governamentais efetivas em relação ao meio ambiente em
sua Constituição Federal de 1988. O artigo 225 da Constituição expressa:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem


de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Diante do pioneirismo brasileiro, na questão ambiental, este foi escolhido


para sediar a segunda grande conferência de renome internacional, que firmaria o
país indiscutivelmente na mobilização para combater os problemas ambientais. Em
1992, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(RIO-92), que reuniu mais de 18 mil pessoas de centenas de países, e se transformou
num momento especial para a evolução da educação ambiental. Desse evento, gerou
três documentos que estão entre os paramentos para educação ambiental: o Tratado
de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, a
Carta Brasileira para a Educação Ambiental e a Agenda 21.
A Agenda 21 foi apresentada como um programa de conduta coletiva, que
propõem ações inovadoras de desenvolvimento, através do uso sustentável dos
recursos naturais e preservação da biodiversidade, e por meio da educação, objetiva a
qualidade de vida das futuras gerações. Já a Carta Brasileira para a Educação
Ambiental exige do poder público federal, estadual e municipal, a inserção da
51
educação ambiental em todos os níveis de ensino em cumprimento a legislação
brasileira. No Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, por intermédio da construção de um modelo mais
harmônico de desenvolvimento, este cobra um compromisso mais efetivo da
sociedade civil (EFFTING, 2007, p.7,8).
Em 2012, a Conferência Rio+20, reafirma o tratado político das nações
com o desenvolvimento sustentável, onde são priorizadas ações para o bem-estar
social e a proteção ambiental, com a definição de metas de enfrentamento para os
desafios que afetavam o crescimento econômico. Velasco (2013), ressalva que ao
final desta conferência foi elaborado o documento O Futuro que Queremos, uma
convenção estabelecida por todas as nações presentes, admitindo e reforçando que o
acesso à educação de qualidade era uma premissa basilar para a inclusão social e o
desenvolvimento sustentável, onde é assegurado o compromisso diante do
fortalecimento dos sistemas educacionais na busca do desenvolvimento sustentável,
inclusive através de um melhor treinamento e desenvolvimento curricular dos
educadores.

Legislação Brasileira Sobre Educação Ambiental

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou


a criar órgãos responsáveis pela implantação da educação ambiental. Mas desde 1973,
já havia a preocupação de esclarecer e educar para o uso adequado dos recursos
naturais, com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Já em
1981, foi estabelecida a necessidade de ser incluída a educação ambiental em todos os
níveis de ensino, com a institucionalização da Política Nacional de Meio Ambiente
(BRASIL, 2005, p.22).
A criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ocorreu em 1992, com
a atribuição de adotar de princípios e estratégias para o conscientização, a
recuperação e a proteção do meio ambiente, a inserção do desenvolvimento
sustentável na formulação e na implementação de políticas públicas, o enaltecimento
dos serviços ambientais, o uso sustentável dos recursos naturais em todos os níveis e
instâncias de governo e sociedade.
O Programa Nacional de Educação Ambiental – PRONEA compartilhado
pelo então Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal e pelo Ministério da Educação e do Desporto, com parcerias do Ministério da
Cultura e do Ministério da Ciência e Tecnologia, cabendo sua execução à
coordenação de Educação Ambiental do MEC. Este programa criado após a
realização da Rio-92 estabelece o desenvolvimento de ações educativas, o
desenvolvimento de instrumentos e metodologias, e a capacitação de gestores e
educadores (BRASIL, 2005, p.25).
52
O tema educação ambiental foi inserido pela primeira vez no Plano
Plurianual do governo federal, em 1996, e a Lei 9.795 que instituiu a Política
Nacional de Educação Ambiental, no ano de 1999, sendo assim, o governo federal
oficializou o entendimento de educação ambiental:

Entende-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais


o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999)

Um conjunto de atividades para buscar o compromisso prático, coletivo de


aprender a viver sustentavelmente, utilizando a educação como instrumento
qualificado para empreita, isso é o que estabelece a Resolução das Nações Unidas n.º
57/254 determina a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, entre
os anos de 2005 e 2014.
As Conferências Nacionais Infanto-juvenis pelo Meio Ambiente de 2003 e
2006, numa parceria dos Ministérios do Meio Ambiente e da Educação, que originou
o programa Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas, tem seu planejamento em 2002,
como reza o decreto n.º 4.281, que regulamenta a Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA), definindo sua composição e competências (BRASIL, 2005, p.28-
29).
A Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (Com-
Vida) é estruturada nesses encontros, com a proposta do educador Paulo Freire de
criar círculos de aprendizagem e cultura nos bairros na soma da ideia dos jovens da
primeira conferência de criar conselhos de meio ambiente nas escolas. A Com-Vida
manifesta-se com o objetivo de construir a sua Agenda 21, em contribuir para que a
escola se torne um espaço educador sustentável, acessível, democrático, saudável,
motivador e que estimule a inovação, a aprendizagem e reflita o cuidado com o
ambiente e as pessoas e a faça com restrito acompanhamento a educação ambiental
de forma permanente (BRASIL, 2012, p.13,15).
O colóquio denominado Sustentabilidade, Educação Ambiental e
Eficiência Energética: um Desafio para as Instituições de Ensino e para a Sociedade
realizado, em 2009, promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social – CDES, órgão ligado à Presidência da República, ao qual compete assessoria
na formulação e apreciação de propostas de políticas. Nesse colóquio são geradas as
primeiras reflexões para a construção da proposta que hoje se denomina escolas
sustentáveis, com a definição dos rumos da educação ambiental no país.
O decreto nº 7083/2010 propôs a ampliação para turno integral nas
escolas e incentivou a criação de espaços educadores sustentáveis, transversalmente a

53
edição do Programa Mais Educação, Brasil (2010), onde a construção de escolas
sustentáveis passa a constituir as políticas públicas do Brasil.

Ao aderirem ao programa, as escolas das redes públicas de ensino,


optam por desenvolver atividades nos campos de acompanhamento
pedagógico, educação ambiental, cultura digital, promoção da saúde,
comunicação direitos humanos em educação, esporte e lazer, cultura e
artes, e uso de mídias, investigação no campo das ciências da natureza e
educação econômica. (BRASIL, 2012, p.35)

No ano de 2013, aconteceu a IV Conferência Nacional Infanto-juvenil


pelo Meio Ambiente, com a temática Vamos Cuidar do Brasil com Escolas
Sustentáveis, onde acontece o lançamento do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE) – Escola Sustentável, que trata do investimento de recursos financeiros,
disponibilizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
em escolas que se proponham a desenvolver projetos voltados para a
sustentabilidade.

Escolas Sustentáveis

Antes da estruturação do PDDE- Escolas Sustentáveis, a educação


ambiental nas escolas públicas, estava restrita, na maioria das vezes, a uma ou duas
disciplinas, ou a datas comemorativas, como o Dia da Árvore, a Semana da Água,
entre outras, neste momento, com a reformulação da ideia de escola sustentável que
depreende que os cuidados com o meio ambiente estejam aditados na rotina da
escola e indica que a escola se torne um espaço de reflexão, onde a comunidade
escolar debata sobre as melhores ações a serem implementadas para que os recursos
naturais continuem existindo e possam ser usufruídos.

Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a


intencionalidade pedagógica de se constituir em referências concretas
de sustentabilidade socioambiental. isto é, são espaços que mantêm
uma relação equilibrada com o meio ambiente; compensam seus
impactos com o desenvolvimento de tecnologias apropriadas,
permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e
futuras (TRAJBER; SATO, 2010, p. 40).

Depois de analisar a rede pública brasileira, buscou-se exemplos de


espaços educadores sustentáveis. Localizado na Califórnia, EUA, o Centro de
Ecoalfabetização, uma fundação de interesse público, que atua desde 1995,
estimulando a sustentabilidade.

54
O livro Meio Ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão
ambiental nas suas áreas de conhecimento, no capítulo: Alfabetização ecológica: um
desafio para a educação do século 21, Capra (2008) apresenta a experiência ocorrida
no Centro de Ecoalfabetização, que fundou, em 1995, junto com Peter Buckley e
Zenobia Barlo, localizado em Berkeley, Califórnia, O Centro desenvolve, nos níveis
da escola primária e secundária, um sistema de educação para uma vida sustentável,
com uma pedagogia centrada na compreensão da vida e que reacende o senso de
participação.
No currículo, estão atividades como o plantio de hortas orgânicas e o seu
uso no preparo de alimentos na escola. Segundo Capra (2008), a experiência na horta
restabelece a conexão das crianças com os fundamentos da alimentação e, ao mesmo
tempo em que integra, torna-as mais interessadas nas outras atividades da escola.
Além disso, o Centro mantém projetos estudantis para a recuperação e exploração de
bacias hidrográficas, programas de educação ecológica voltados para a justiça
ambiental, além de organizar parcerias entre fazendas e escolas para desenvolver o
aprendizado.
De acordo com Capra (2008), pesquisas que iniciaram na década de 1950,
indicam que expor crianças a um ambiente rico em experiências sensoriais e desafios
cognitivos tem resultados duradouros, já que na primeira infância a sensibilidade do
cérebro a influências ambientais é mais intensa. Cientistas e psicólogos estão cada
vez mais convencidos de que o desenvolvimento infantil repleto de experiências
sensoriais e desafios cognitivos tem efeitos benéficos, que podem durar por muito
tempo, enquanto que não participar de tantas experiências pode inibir o
desenvolvimento neurológico futuro.
As escolas do Centro trabalham com projetos que usam como referência a
horta ou a recuperação de um curso d‟água, por exemplo. Isso só acontece porque o
espaço educacional se transformou numa verdadeira comunidade de aprendizagem,
onde professores, alunos e administradores estão conectados em uma rede de
relações, trabalhando juntos. “O ensino não acontece de cima para baixo, mas existe
uma troca cíclica de informações. O foco está na aprendizagem, e todos no sistema
são ao mesmo tempo mestres e aprendizes” (CAPRA, 2008, p. 28).

Acolher a diversidade é uma meta a que nos propomos, respeitando as


particularidades e a riqueza inerentes em cada um. Através de práticas
ecológicas, possibilitaremos a expansão da consciência, contribuindo
para o desenvolvimento de um ser mais criativo, reflexivo, autônomo e
solidário (CARNEIRO, 2011, p.28).

Os alunos mantêm contato diário com a terra, plantas e animais e, o


Centro implementa espaços com cisternas para captação de água da chuva, telhados
vivos, espiral de ervas e galinheiro móvel. O trabalho em equipe é um requisito
55
importante para o desenvolvimento do projeto educacional. “Dentro de uma escola
para um planeta sustentável e exercitando a ecologia social, o trabalho cooperativo
da equipe é uma marca que pode ser observada desde o portão da escola”
(CARNEIRO, 2011, p. 136).
Esse também é o diferencial do ensino, que preconiza a participação dos
alunos em todas as atividades desenvolvidas. Estudantes e professores chegam juntos
ao tema do projeto a ser estudado, através do consenso, após terem acolhido
opiniões divergentes e argumentado suas vontades. Segundo Carneiro (2011), essa
experiência oportuniza a necessidade de negociação entre os colegas e a integração
com o meio ambiente, cenário de grande parte dos projetos desenvolvidos pelos
grupos, que incluem atividades como plantar, alimentar animais, colher frutas,
produzir papel reciclado, separar o lixo e reutilizar materiais.
Faz parte também do aprendizado, a alimentação oferecida pela escola.
Além de disponibilizar apenas alimentos considerados saudáveis aos alunos, há uma
nutricionista à disposição dos pais para orientação sobre hábitos alimentares. Dentro
desse processo, as crianças cuidam de hortas e desenvolvem projetos de culinária
para preparar alimentos. Dessa forma, a escola contribui para que os hábitos
adquiridos sejam vivenciados também em família e na comunidade em que o aluno
está inserido. "A escola como espaço de convivência e modelo de relações, propõe
no dia-a-dia as situações para que a comunidade escolar viva essa possibilidade de
um planeta sustentável” (CARNEIRO, 2001, p. 142).

Considerações Finais

As ideias sobre o meio ambiente, ao longo dos tempos, sofreram


transformações, no princípio o tema era tratado como ecologia do desenvolvimento,
que primava pela preservação dos recursos naturais, fundamentando-se na percepção
de que a natureza era finita. Com o passar do tempo, a noção de que os recursos
naturais poderiam ser usados, mas que é era necessário compensar este uso, foi
aperfeiçoada, neste sentido advêm o termo sustentabilidade.
A legislação brasileira sobre educação ambiental sofreu modificações até
chegar a atual definição de escola sustentável. O Programa Nacional de Educação
Ambiental, determina que a Escola Sustentável tem o objetivo de possibilitar que as
metodologias de educação ambiental estejam em concomitância com valores
humanistas, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências que contribuam
para uma atuação cidadã na construção de sociedades sustentáveis.
O ensino e a prática da educação ambiental em uma integralidade nas
escolas, tanto públicas quanto privadas, reivindica empenho dos governantes de
todas as esferas governamentais, que tem como função viabilizar o alcance dos
projetos a cada ambiente escolar do país, com foco na capacitação de professores.
56
Grohe (2015) defende que a proposta de políticas sustentáveis está aos poucos se
firmando no Brasil com o intuito de transformar as escolas em espaços educadores
sustentáveis.
O investimento na educação ambiental tem a intenção de mostrar que é
possível educar, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do planeta, e,
dessa forma, possibilitar a construção de uma sociedade sustentável.

Referências

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58
59
5. PROPOSTA DE UM PROJETO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
UTILIZANDO METODOLOGIAS ATIVAS E TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR

Josney Freitas Silva10


Marcela Fernanda da Paz de Souza11
Roberta Fernanda da Paz de Souza Paiva12

Resumo:
A prática da educação ambiental no Ensino Superior tem se apresentado como um
desafio, o que requer uma prática pedagógica capaz de refletir e de inserir nas aulas e
na vida cotidiana uma motivação ambiental transformadora (DORNFELD, 2016). A
ação transformadora da educação, no aspecto retratado neste estudo, é
potencializada por meio das tecnologias da informação e da comunicação (TICs).
Para a aplicação das TICs nas atividades didáticas, os docentes possuem um leque de
recursos tecnológicos, aplicativos e mídias sociais com uma experiência prática -
apprenticeship (MERCADO, GOMES, SILVA, 2018). A fim de cumprir com este
objetivo educacional, a proposta deste capítulo é fornecer instrumentos aos docentes
das diversas disciplinas para que os alunos elaborem um Projeto em Educação
Ambiental. As atividades da aula serão presenciais ou à distância, com a utilização
das TICs e das metodologias ativas, em plataforma do Google for Education.
Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Projetos. Educação Ambiental. Google
Classroom. Zoom Meeting.

Considerações Iniciais

Assim como a sociedade vem se transformando com o advento das


Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) desde o final do século XX, os
espaços educacionais têm se transformado. A modernidade não está necessariamente

10 - Doutor em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro Do Sul (UNICSUL), São
Paulo, SP. Prof. Assistente da Universidade do Estado de Minas Gerais e do Instituto Municipal de
Ensino Superior de Bebedouro (IMESB), Bebedouro, SP. Contato: josney.silva@uemg.br
11 - Pós-doutora em Estudos Urbanos e Regionais/ UFRN. Profa. Adjunta da Universidade do Estado

de Minas Gerais. Docente permanente do Programa de Mestrado em Propriedade Intelectual e


Transferência de Tecnologia para a Inovação – Unidade Focal Frutal, MG. Líder do Grupo de
Pesquisa/UEMG/CNPQ- Comunicação e Equidade. Contato: marcela.souza@uemg.br
12 - Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Profa. Associada I da Universidade Federal Fluminense. Docente permanente do Programa de Pós-


graduação em Tecnologia Ambiental da UFF. Contato: robertadapaz2003@yahoo.com.br
60
concentrada na ação pedagógica empregada, mas na própria evolução do corpo
discente, que chega à universidade dominando empiricamente uma diversidade de
equipamentos eletroeletrônicos como os smartphones, tablets, smartwatches e notebooks,
que os conectam por meio da internet com o mundo inteiro, enquanto parte do corpo
docente está acabando de se acostumar com o fim das locadoras de vídeo, com o
celular que executa mais funções do que simplesmente fazer uma ligação e com o
GPS que agora não precisa mais ficar grudado no para-brisa do carro, pois já está
acoplado ao seu painel.
Com o intuito de promover a reflexão sobre a educação ambiental no ensino
superior, capacitando os discentes para o desenho de soluções a um problema real,
propõe-se a utilização de metodologia ativa apoiada por Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs). A proposta recai sobre a aplicação da Aprendizagem Baseada
em Projetos (ABP), como metodologia ativa e baseada no Planejamento e Avaliação
de Projetos em Educação Ambiental apresentado por Mazynes, Silveira e Arai
(2014). Para que a referida proposta possa efetivamente ser aplicada nas diferentes
realidades das Instituições de Ensino Superior (IES), sugere-se a utilização de TICs
de acesso livre, a exemplo do Google Classroom como sistema de gerenciamento de
conteúdo e uma plataforma de comunicação, como o Zoom Meeting, Google Meet, Jitsi
Meet, o Skype, entre outros, que contam com versões gratuitas.

A educação ambiental no ensino superior: apontamentos para reflexão

Na Política Nacional da Educação Ambiental (PNE), a Educação Ambiental


(EA) é componente da educação formal, presente nos currículos das escolas das
instituições públicas e privadas, de forma integrada entre as modalidades de ensino e,
informais, estas são atividades referentes às ações junto à coletividade, em prol da
qualidade de vida e dos temas candentes ambientais (PNE, 1999). É na direção
indicada pela PNE que Alencar e Barbosa (2018) argumentam sobre a necessidade
de políticas públicas educacionais que consubstanciem a participação e uma
transformação da prática individual ambiental “relativamente durável, adquirida (ou
não) pela experiência, pela observação e pelo exercício motivado” (ALENCAR;
BARBOSA, 2018, p. 229).
Nas orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental (2012) do Ministério da Educação (MEC) é uma das atribuições das
Instituições do Ensino Superior (IES). “Art. 10. As instituições de Educação
Superior devem promover sua gestão e suas ações de ensino, pesquisa e extensão
orientadas pelos princípios e objetivos da Educação Ambiental” (Resolução, 2012, p.
3). A Resolução ainda ressalta que o ensino superior (ES) deve propiciar ao aluno
possibilidades de compreender o seu entorno em perspectivas além do local e
entender o próprio ser humano. Para que haja uma formação cidadã no enfoque
61
socioambiental, as diretrizes orientam pela transversalidade, incluindo a perspectiva
da sustentabilidade, o conteúdo dos demais componentes do currículo e a relação
entre estes dois eixos (Resolução, 2012).
As Diretrizes dialogam com as finalidades desse nível escolar, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), entre estas de “I - estimular a
criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento
reflexivo” (LDB, 1996, s/p).
É importante compreender a EA em um processo abrangente de atividades com a
aplicação da temática ambiental na sociedade, conforme ressalta Gonzalez (2014)
este foco de ensino é construído coletivamente, cujos indivíduos “constroem valores
sociais, habilidades, atitudes e consequências voltadas para a preservação do meio
ambiente, bem uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade” (GONZALEZ, 2014, p. 154).
Mazyner, Silveira e Arai (2014) propõem na forma de um roteiro básico, as
temáticas do planejamento e da avaliação de projetos em educação ambiental. O
roteiro proposto está fundamentado nos princípios do Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, o qual foi
consignado no Fórum Internacional de Organizações não Governamentais (ONG) e
Movimentos Sociais, em virtude da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992. O planejamento de
projetos em educação ambiental, de acordo com as diretrizes desse documento, se
apresenta com as seguintes características: deve ter um enfoque interdisciplinar e
holístico, além de ser um ato político, facilitar a cooperação mútua e equitativa nos
processos de decisão, potencializar o poder das diversas populações na condução de
seus próprios destinos e na resolução de conflitos de maneira justa e humana.
Para concluir, deve, ainda, estimular a adoção de projetos que formem
sociedades socialmente justas, sustentáveis e ecologicamente equilibradas.

Tecnologias de informação e comunicação e metodologias ativas

O processo de aprendizagem no ensino superior assiste na


contemporaneidade a transformações na didática mediadas pelas TICs que suscitam
no docente a necessidade de adotar estratégias metodológicas capazes de abranger
àquilo que Tereza Mauri e Javier Onrubia explicam como os traços básicos da nova
cultura como a informação, o significado e o sentido na construção de
conhecimentos; a aprendizagem e a formação permanentes e a argumentação
fundamentada dos pontos de vista, diante da relativização das teorias (MAURI;
ONRUBIA, 2010).
Estas são algumas das razões da observância do argumento de Luis Mercado
(2016) para quem é imprescindível que a atividade docente universitária – incluindo a
62
prática pedagógica, autoral, colaborativa e interativa – seja em um ambiente de
aprendizagem com TICs.
De acordo com Kenski (2007), aconteceram muitas mudanças nas maneiras
de ensinar e aprender, desde que as Tecnologias de Informação e Comunicação
começaram a se expandir pela sociedade. Os docentes e discentes têm contato
durante todo o dia com as mais diversas mídias, independentemente do uso mais ou
menos intensivo de equipamentos midiáticos em sala de aula. Durante todo o dia,
informações se tornam referências, as ideias são capturadas e servem de estímulo
para novas descobertas e aprendizagens, que serão sistematizadas mais tarde, nas
salas de aula. Deste modo, é possível compreender que é muito difícil pensar em
atividades de ensino-aprendizagem que possam ocorrer exclusivamente em
ambientes presenciais.
Cerigatto e Machado (2018) destacam que é fundamental que os professores
compreendam a importância do uso das Tecnologias Digitais (TDs), uma vez que se
trata de ferramentas e recursos que se encontram disponíveis para o uso, a partir da
evolução da internet, proporcionam não só alternativas de comunicação e informação
como também possibilidade de ensino e de aprendizagem. Assim é possível perceber
que a mediação dos professores a partir do uso das TDs contribui para um ambiente
escolar mais criativo, autônomo e ativo.
De acordo com Carmo (2016), não é recente o uso das tecnologias digitais
na educação, mas a aplicação das TICs assume grandes proporções na atualidade,
presente em todas as etapas do processo educacional, desde o planejamento do
ensino até a avaliação da aprendizagem. É possível perceber uma constante exigência
de que o professor se aproprie dos mais variados recursos tecnológicos, com o
intuito de que tornem suas aulas mais dinâmicas e atrativas, visando satisfazer às
necessidades de aprendizagem de uma geração de estudantes que nasceu na era
digital.
Os conceitos de metodologia ativa e de aprendizagem híbrida também
compõem as bases para a concepção da proposta deste capítulo, uma vez que,
segundo Moran (2018, p. 4), “as metodologias ativas dão ênfase ao papel
protagonista do aluno, ao seu desenvolvimento direto, participativo e reflexivo em
todas as etapas do processo, experimentando, desenhando, criando, com orientação
do professor”. Já sobre a aprendizagem híbrida, Moran (2018, p. 4) complementa
que “a aprendizagem híbrida destaca a flexibilidade, a mistura e compartilhamento de
espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e tecnologias que compõem esse
espaço ativo”.
A Aprendizagem Baseada em Problemas, segundo Moran (2018) é uma
metodologia de aprendizagem que envolve os alunos com tarefas e desafios para
resolver problemas ou desenvolver projetos relacionados com a vida fora da sala de
aula. Esta metodologia, no processo, permite que os alunos lidem com questões
63
interdisciplinares, os levam a tomar decisões, a agirem sozinhos e em equipe. As
habilidades de pensamento crítico e criativo, e a percepção de que existem diversas
maneiras de se realizar uma atividade são competências necessárias para o século
XXI e são trabalhadas por meio de projetos. Nesta metodologia, os alunos são
avaliados tanto no desempenho das atividades, quanto na entrega dos projetos.
Ao aplicar a Aprendizagem Baseada em Projetos, é preciso prever paradas
para feedback, autoavaliação e avaliação dos pares, discussão com os demais grupos e
atividades para aprimorar as ideias. Há também a necessidade de gerar um produto,
que não necessita ser um objeto concreto. Pode ser o desenvolvimento de uma ideia,
uma campanha ou uma teoria, por exemplo. Criar oportunidades para o aluno aplicar
o que está aprendendo e também desenvolver habilidades e competências constitui a
grande a vantagem de gerar esse produto (SÃO PAULO, 2013 apud MORAN, 2018).
Outro conceito aplicado nesta abordagem é a aprendizagem colaborativa,
com base no trabalho colaborativo. Para tanto, busca-se problemas que emergem da
realidade por meio da observação realizada pelos alunos dentro de uma comunidade.
Assim, os alunos identificam problemas e procuram aplicar soluções para resolvê-los
(MORAN, 2018).
Deste modo, a utilização de TICs como ferramentas que permitam a
execução de um projeto em educação ambiental possibilita ao aluno, discutir, analisar
e propor soluções para sanar problemas ambientais reais.
Para a aplicação das TICs nas atividades didáticas, os docentes possuem um
leque de recursos tecnológicos, aplicativos e mídias sociais com uma experiência
prática - apprenticeship (MERCADO, GOMES, SILVA, 2018) que podem ser
utilizados no plano de ensino com ênfase em educação ambiental.
As orientações pedagógicas do plano de ensino norteiam as atividades em
sala e aquelas a serem realizadas home office. É importante que o plano indique a
ênfase na área da educação ambiental que será ministrada conforme o departamento.
Outro aspecto fundamental é detalhar os objetivos e os tópicos a serem
desenvolvidos presencialmente e em casa, trabalho ou outro local exterior à
universidade/faculdade no qual o discente possa ter acesso ao ambiente virtual. O
conjunto das competências é o conteúdo que o discente deverá compreender como
resultado da aula. Já as atividades extraclasses serão uma integração bem coordenada
do conteúdo ministrado em sala com a prática de planejamento já verificada em
sessão anterior. Sobre o acesso às novas tecnologias da informação e da
comunicação, o docente precisará verificar se o alunado possui recursos para o
acesso virtual e, caso não o possua, pensar conjuntamente alternativas a este
problema. O professor precisa ser criterioso e indicar quais serão os recursos
necessários tanto para serem utilizados em sala quanto para servirem de suporte aos
alunos nas atividades remotas.

64
Delineamento do projeto em educação ambiental

A presente proposta está baseada nas etapas do planejamento e avaliação do


Projeto em Educação Ambiental apresentado por Mazyner, Silveira e Arai (2014), e
nas atividades propostas por Moran (2018) de acordo com a concepção da
Aprendizagem Baseada em Projetos e apoiado por Tecnologias de Informação e
Comunicação, no caso, o Google Classroom como gerenciador de conteúdo e no Zoom
Meeting como ferramenta de comunicação.
Segundo Malzyner, Silveira e Arai (2014), todo processo de planejamento
deve ter necessariamente quatro etapas: o conhecimento da realidade; a concepção
de um plano; a execução do plano; e o acompanhamento, o monitoramento e a
avaliação das ações. O que, na prática, significa que essa sequência é um ciclo
continuado, com o acompanhamento reorganizando a concepção e a execução do
plano. Deste modo, essas etapas se integram, envolvem‐ se e ocorrem
simultaneamente.
Segundo Moran (2018), projetos bem elaborados possibilitam o
desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, uma vez que
mobilizam habilidades em todas as etapas e atividades por meio de: atividades de
motivação e contextualização, atividades de brainstorming, atividades de organização,
atividades de registro e reflexão, atividades de melhoria de ideias, atividades de
produção e atividades de apresentação e/ou publicação do que foi gerado.
O Quadro 1 apresenta a relação entre as etapas do Projeto em Educação
Ambiental e as atividades propostas para a implementação da Aprendizagem Baseada
em Projetos.
Etapas do Projeto em Atividades da Aprendizagem Participantes
Educação Ambiental Baseada em Projetos

O conhecimento da realidade Atividades de motivação e Professor e alunos


contextualização

Atividades de brainstorming Professor e grupos


de alunos

A concepção de um plano Atividades de organização Grupos de alunos

Atividades de registro e reflexão Grupos de alunos

Atividades de melhoria de ideias Professor e grupos


de alunos

65
Execução do plano Atividades de produção Grupos de alunos

O acompanhamento, o Atividades de apresentação e/ou Professor e grupos


monitoramento e a avaliação das publicação do que foi gerado de alunos
ações

Quadro 1 – Etapas do Projeto em Educação Ambiental e as Atividades da ABP.


Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Mazyner, Silveira e Arai (2014) e Moran (2018).

Utilização do Google Classroom e Zoom Meeting

Devido à flexibilidade proporcionada pelo uso das TICs, a proposta pode


ser aplicada tanto de forma híbrida como totalmente à distância. Isto porque o uso
de gerenciadores de conteúdo aliado a ferramentas de comunicação que permitem a
realização de videoconferências possibilitam tanto professores quanto alunos
participarem ativamente com a utilização de câmeras de vídeo dos smartphones, tablets,
notebooks ou mesmo dos desktops.
A escolha do Google Classroom como gerenciador de conteúdo se deu pela
facilidade de utilização e possibilidade de personalização, o acesso não está vinculado
à contratação do serviço por uma instituição educacional, além de ser disponível para
todos os usuários que possuem conta da Google (IFTAKHAR, 2016). Há uma
perfeita integração com o Google Drive, que não só permite o armazenamento em
nuvem, como também congrega aplicativos como editor de textos, planilha
eletrônica, apresentação, criação de formulários, entre outros, e todos disponíveis de
forma on-line e que possibilitam o compartilhamento com outros usuários,
permitindo a utilização simultânea de cada arquivo.
Isto possibilita que duas ou mais pessoas que estejam distantes realizem
alterações no mesmo documento, no mesmo instante, ou seja, a geração do
documento ocorre de forma literalmente compartilhada.
O Google Classroom é um sistema de gerenciamento de conteúdo destinado a
escolas, professores ou qualquer usuário que possua uma conta da Google. Quando
utilizado por uma escola, em que esta seja um cliente do G Suit, um pacote de
serviços personalizados onde professores e alunos podem ter uma conta de e-mail
com o domínio da instituição de ensino, a própria escola pode criar a turma e
adicionar os professores e os alunos. Há dois perfis diferentes, um para o professor e
outro para os alunos. É possível adicionar mais de um professor na mesma turma.
Quando a utilização parte da iniciativa do próprio professor, há duas formas de
ingresso dos alunos na turma. O professor pode cadastrar o e-mail de cada aluno
(precisa ser um endereço do Gmail) ou o professor pode disponibilizar aos alunos
66
um código de acesso gerado ao criar a turma. Após o primeiro acesso, cada vez que
os alunos entrarem no Google Classroom, as turmas a que ele faz parte serão listadas na
página principal.
A utilização do Google Classroom como uma ferramenta on-line servirá como
um ambiente virtual de aprendizagem, onde o professor poderá disponibilizar todo o
material necessário como textos, links de sites, vídeos, planilhas, apresentações de
slides, formulários, etc. Também é possível organizar o Google Classroom em tópicos,
como as etapas necessárias ao processo de planejamento listado anteriormente. E
dentro de cada etapa, as subdivisões podem ser organizadas como atividades em que
os alunos, organizados em grupos, devem enviar suas contribuições para a execução
do plano, em forma de arquivos compartilhados de diversos formatos, conforme
exposto na Figura 1.

Figura 1 – Tela do Google Classroom com as etapas de um Projeto em Educação


Ambiental.

O professor pode personalizar o Google Classroom do modo que desejar. Ao


selecionar uma atividade, as instruções são apresentadas (Figura 2), permitindo que
os alunos obtenham melhor entendimento sobre o desenvolvimento. O professor
pode programar para uma data futura a aparição de materiais e atividades no
ambiente visível aos alunos. Assim, o professor pode deixar todo material e
atividades programadas e os alunos vão visualizando de acordo com o cronograma
estabelecido pelo professor. Quando o aluno entrega a atividade, alterações não são

67
mais possíveis até que o professor devolva a atividade ao aluno após a avaliação,
podendo atribuir uma nota a cada atividade. Os alunos podem anexar tanto arquivos
gerados em seu computador ou celular, como gerar documentos pelos aplicativos do
Google Drive.

Figura 2 – Tela do Google Classroom com uma atividade do Projeto em Educação


Ambiental.

O Google Classroom pode ser utilizado como apoio às aulas presenciais, assim
como de forma híbrida, em que o professor disponibiliza anteriormente o material
necessário ao estudo prévio dos alunos. Mas as ferramentas de comunicação
possibilitam não apenas uma reunião virtual entre os membros de um grupo de
alunos, como também podem ser utilizadas desde o início das atividades, com a
formação dos grupos, a proposição de realização do projeto e a escolha do tema a ser
desenvolvido.
A Prodemge, empresa de tecnologia da informação do Governo de Minas
Gerais, elaborou um comparativo entre diversas soluções para realização de
videoconferências (Quadro 2). O comparativo destaca algumas características
importantes para se considerar na hora de efetuar uma escolha, como a capacidade
de pessoas na videoconferência, o compartilhamento de tela, a existência de um chat
entre os participantes, a possibilidade de desativar o som dos demais participantes,
viabilidade de gravar a reunião, oportunidade de trocar arquivos e a integração com
ferramentas de colaboração.

68
Quadro 2 - Comparativo entre soluções para realizar videoconferência.
Fonte: Prodemge (2020)

Na expectativa de atender ao professor e à alunos de uma sala de aula,


alternativas que oferecem capacidade inferior a 10 pessoas na reunião são
descartadas. Opções corporativas também são inviáveis para aqueles que não
possuem um e-mail institucional.
Dentre os mais populares e que possuem capacidade para até 100 pessoas,
destacam-se o Google Meet, o Microsoft Teams e o Zoom Meeting. O primeiro possui total
integração com o Google Classroom, o que é um grande benefício, pois facilita o acesso
e não requer a memorização de mais senhas dentre tantas que nos circundam,
somada à possibilidade de gravar a reunião, o que é interessante. O Zoom Meeting
possui uma funcionalidade que o destaca frente aos concorrentes, a possibilidade de
criar grupos dentro de uma mesma sala, permitindo a realização de discussões
individualizadas entre os membros de cada grupo. O professor tem trânsito livre nos
grupos e é possível o retorno de todos os alunos à sala inicial. Esta funcionalidade
não está presente nas outras soluções.
A sugestão para a escolha de uma ferramenta de comunicação recai sobre o
Zoom Meeting, por conta desta última característica, que precisa ser habilitada nas
configurações do usuário no site da ferramenta. A limitação é que nas contas
gratuitas, as reuniões têm duração de 40 minutos. Não há impedimentos para que a
reunião seja reaberta com os mesmos participantes. Nas contas pagas, as reuniões
podem durar até 24 horas ininterruptas.
O Zoom Meeting permite realizar videoconferências com até 100 participantes.
Possibilita a utilização de chats de mensagens particulares ou em grupo,
compartilhamento de tela (professor e alunos), compartilhamento de arquivos,
ferramentas de anotação em tela compartilhada, possibilidade de gravar as reuniões e
69
realizar transmissão ao vivo via YouTube. É integrado ao Calendário do Google e
permite o agendamento prévio das reuniões. O Zoom Meeting pode ser utilizado a
partir de smartphones, tablets, notebooks ou desktops e o cadastro pode ser feito pela
própria conta do Google.
A proposta visa à realização de pelo menos dois encontros entre o professor
e todos os alunos. Esses dois encontros podem ser tanto presenciais quanto virtuais.
O professor deve estar presente na primeira etapa, que trata do conhecimento da
realidade e na última etapa, que se refere ao acompanhamento, o monitoramento e a
avaliação das ações. As etapas intermediárias, que são a concepção e a execução do
plano, podem ter a supervisão do professor ou de um monitor, mas devem ser
prioritariamente desenvolvidas pelos alunos. Estas etapas exigem que os alunos
busquem o conhecimento necessário para o entendimento da situação problema e
das possíveis soluções. Materiais complementares podem estar a disposição dos
alunos no Google Classroom em um tópico específico para este fim. Estes materiais
podem ser artigos científicos, links de sites, vídeos, e-books, etc.
A primeira etapa, aqui chamada de conhecimento da realidade, consiste no
momento em que o professor deve motivar e estimular os alunos a pensar sobre sua
comunidade, sua região, urbana e rural, com o intuito de identificar situações que
envolvam problemas ambientais. Esta etapa pode ser realizada tanto de forma
presencial quanto virtual, por meio de uma reunião on-line utilizando o Zoom Meeting.
Textos e vídeos podem ser importantes para ajudar a contextualizar a realidade
ambiental e as ferramentas de compartilhamento de tela podem auxiliar na realização
de um brainstorming, em que os alunos expressam suas ideias e o professor registra, de
forma que todos possam visualizar as colaborações já recebidas.
Cada grupo pode tratar do mesmo problema ambiental ou de problemas
diferentes. É importante que a definição do problema ambiental ou dos problemas
ambientais seja uma decisão que envolva a participação ativa de todos os alunos
envolvidos. Isto assegura maior envolvimento e comprometimento por parte dos
alunos e possibilita uma aprendizagem mais significativa.
A etapa de concepção de um plano é realizada pelos grupos em atividades
extra sala. É o momento de levantar dados e informações, realizar visitas e
entrevistas, produzir fotos e vídeos, proceder à registros que darão luz à melhoria das
ideias iniciais, gerando as primeiras versões de uma plano. Tudo pode ser anexado no
Google Classroom e durante esta etapa, o professor pode monitorar as atividades, seja
pelos registros, seja pela possibilidade de reuniões específicas com cada grupo.
A etapa de execução do plano também é realizada por meio de diversas
atividades extra sala. O plano é formalizado por meio do registro no Google
Classroom do que é exigido pelo professor, baseado no roteiro do Projeto em
Educação Ambiental. De acordo com a graduação que os alunos estão cursando,
diferentes produtos podem ser elaborados, como peças jornalísticas ou publicitárias,
70
projetos de lei, propostas de cursos de gestão, aplicação de ferramentas de gestão de
projetos, criação de aplicativos para dispositivos móveis e elaboração de sistemas de
informação, criação de programas de recuperação de áreas degradadas, criação de
programas para formação de cooperativas, enfim, há uma série de produtos que
podem ser gerados com o intuito de resolver ou minimizar problemas ambientais
existentes e que fazem parte do cotidiano dos alunos.
Ao final, os grupos podem fazer a apresentação de Projeto em Educação
Ambiental também com a utilização do Zoom Meeting, em que o professor e os
membros do grupo participam da videoconferência juntamente com os outros
alunos da sala. O Zoom permite o compartilhamento da tela não só ao professor, mas
a todos os participantes da reunião. Esta funcionalidade é interessante, pois
possibilita que qualquer participante compartilhe seu trabalho com os todos, seja por
meio de slides, editores de texto, planilhas, sites e até mesmo vídeos. Este
compartilhamento engloba a imagem e o som do equipamento de origem, que pode
ser um desktop, notebook, tablet ou smartphone.

Considerações finais

A solução de problemas ambientais envolve conhecimentos das mais


variadas áreas do conhecimento, de modo a contribuir e a impactar positivamente
com o meio ambiente. Por esta razão, o interessante desta proposta é que ela pode
ser aplicada em diferentes cursos de graduação: gestão de projetos ambientais,
elaboração de leis de proteção ambiental, preservação de espécies em extinção,
produção de documentários e peças publicitárias, o uso de tecnologias como
monitoramento remoto e o reconhecimento de padrões em imagens para identificar
desmatamentos ou uso ilegal da terra como incêndios florestais.
Conforme a área de conhecimento é possível utilizar os conhecimentos
adquiridos na elaboração de soluções para problemas ambientais reais e próximos às
comunidades afetadas. A proposta leva os alunos a interagir com seu próprio
ambiente na busca por soluções aos problemas ambientais locais, o que leva os
alunos a desenvolverem a criatividade, a criticidade e a cidadania.

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Horizonte, 27 mar. 2020. Disponível em: https://www.prodemge.gov.br/2-
uncategorised/569-tecnologia- como-apoio-ao-combate-ao-coronavirus. Acesso em:
09 mai. 2020.

72
73
6. A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS À
LUZ DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

José Luiz de Paula e Silva13

Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir sobre o processo de gestão
democrática, tendo como referência a inserção das famílias no âmbito da escola
pública. O intuito de se estudar esse tema surgiu após verificarmos o sentimento de
vazio e frustração por parte dos servidores da escola em relação à ausência da
participação das famílias nas tomadas de decisões, nos projetos e nas atividades
propostas pela escola. A eleição para gestor educacional, apesar de ser uma ação
extremamente positiva e democrática, por si só, não garante o êxito do processo
democrático como um todo. Possibilitar formas de participação, não somente dos
representantes nos órgãos colegiados mas de toda a comunidade, é uma tarefa que
precisa ainda ser amadurecida e melhor trabalhada nas escolas públicas,
desenvolvendo a consciência de que a participação pode ser geradora de conflitos,
negar isso seria camuflar a realidade, pois a relação humana é produtora de opiniões
divergentes. Esperamos, com esse trabalho de pesquisa e análise, colaborar no debate
e reflexão de um assunto tão urgente nas discussões, ações e estudos na educação
pública. Acreditamos que essa análise possa servir como parâmetro da compreensão
da realidade e também como possível meio de alerta ao gestor e equipe escolar no
sentido de produzir instrumentos que venham garantir o engajamento das famílias,
de modo que todos desenvolvam o senso de pertencimento e responsabilidade para
com os resultados almejados pela instituição. Ao gestor, cabe a condução do
processo democrático, de forma que se estabeleça como líder, seja fomentador,
principalmente, da participação familiar e atue como agente criador de espaços para
o engajamento e compromisso de todos.

Palavras-chave: Família, Escola, Educação, Gestão Democrática

Considerações Iniciais

Neste artigo, pretende-se promover uma análise crítica sobre a participação


das famílias nas tomadas de decisão das escolas públicas. Propõe-se refletir sobre as

13 José Luiz de Paula e Silva é formado em Letras (Português-Inglês), Especialista em Gestão


Educacional pela UFMG, Educação Pública pela UFU, docente na Faculdade Frutal, autor dos livros E
o Tempo Sorria e Travessia, e Secretário Municipal de Educação de Frutal, de 2005 a 2016.

74
medidas de inserção das famílias dentro do contexto escolar e ações que vislumbrem
o atendimento dessa importante e democrática estratégia de gestão.
Objetiva-se com tal pesquisa colaborar para uma maior aproximação dos
diferentes sujeitos partícipes do processo de gestão, profissionais e demais
integrantes da comunidade escolar.
Na perspectiva de que a gestão pressupõe construção coletiva, observamos
que nos Projetos Político-Pedagógicos – PPP - analisados, as finalidades se baseiam
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 2º, que diz: “A
educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Dessa forma, a escola se coloca como meio para proporcionar a formação
cidadã, reconhecendo essa necessidade como primordial no fazer pedagógico, tendo
o aluno como centro de todas as atenções.
A Constituição Federal (C.F. art. 206) estabeleceu princípios para a educação
brasileira, sendo a gestão democrática, um deles, conforme se observa no item VI. A
LDB, em seu artigo 14, estabelece que “os sistemas definirão as normas da gestão
democrática”, tendo como princípios a participação coletiva na elaboração do PPP e
a instituição de conselhos escolares com a participação da comunidade escolar. Nesse
sentido, a gestão escolar democrática significa mais do que mudanças na estrutura
organizacional da escola e de padrões carregados de burocracia; é preciso entender
que o fazer coletivo faz a diferença, permitindo que todos sejam tratados com
igualdade na escola.
É notório que a gestão democrática pressupõe a presença de choque,
conflitos, divergências, atritos e competição. Negar o conflito é camuflar a realidade,
pois a interação humana é produtora de rupturas. Tudo isso faz com que a escola
seja de fato um “organismo vivo” formado por seres autônomos e pensantes, não
apenas por seres subservientes, que obedecem ao “status quo” sem maiores
questionamentos. Os pais devem sair da condição de pessoas que, simplesmente,
cumprem ordem, para sujeitos partícipes que influenciam e colaboram na tomada de
decisões. A escola é espaço privilegiado de inserção social, onde a família se apropria
da prerrogativa de instituição basilar e transformadora da sociedade. Espera-se, nessa
proposta de debate e reflexão, dar a contribuição devida ao processo de
fortalecimento da gestão democrática nas escolas pelo viés da participação familiar.
Foram aplicados questionários sob a perspectiva da abordagem qualitativa
(consultando por amostragem integrantes de todos os segmentos, sendo 04 pais, 02
professores, 02 gestores e 02 servidores) para obtenção de dados e informações, com
o propósito de identificar como o gestor e outros sujeitos educacionais veem a
participação das famílias neste processo. Pretende-se investigar o ambiente escolar,
através da observação e interação com as experiências vivenciadas em seu cotidiano,
75
inclusive a partir da ampla vivência do autor deste trabalho no cotidiano das escolas
ao longo de aproximadamente 30 anos, no intuito de compreender como se efetiva a
participação das famílias no contexto escolar.
É importante refletir sobre a importância da gestão escolar democrática para
a concretização da formação cidadã e propor meios para que a participação das
famílias saia do campo intangível das intenções e parta para a concretude de ações
afirmativas na construção da gestão democrática. Analisar como ocorre a efetiva
participação da família no âmbito escolar, suas dificuldades de inserção, seus desafios
e os resultados positivos que poderão advir dessa interação.
Através da própria vivência no cotidiano escolar por mais de duas décadas
nas escolas foi possível observar uma barreira quanto à participação das famílias,
confirmada pelos próprios professores. É neste sentido, que o gestor possui um
papel privilegiado para colaborar com a mudança deste fato, visto que, munido das
ferramentas de um líder servidor e competente, poderá conduzir o processo de
maneira que seja efetivada a participação familiar, não com o objetivo exclusivo de
obedecer ordens, mas de inferir na realidade. Assim Lück destaca a importância do
papel do gestor na construção deste processo:

É importante também que conheça os fundamentos da Educação e


seus processos - pois é desse conhecimento que virá sua autoridade -,
que compreenda o comportamento humano e seja ciente das
motivações, dos interesses e das competências do grupo ao qual
pertence. Ele também aceita os novos desafios com disponibilidade, o
que influencia positivamente a equipe. (LÜCK, 2012, p. 22)

Partindo do princípio de que a gestão democrática se consolida pela ação de


seus membros, mais que pela simples existência de um processo eletivo que ajuda a
escolher o diretor da escola, não desmerecendo a importância do mesmo,
certamente. De acordo com Bosco:
(...) somente a eleição de diretores não garante que o eleito para o cargo
desempenhe sua função voltada para o atendimento dos anseios da
comunidade, como também não afiança que ocorra a democratização
da organização escolar, ou seja, que a participação da comunidade nas
relações de poder, na tomada de decisões se realizem no interior da
escola. (BOSCO, 2004, p. 67).

Visto que por se tratar de algo notório e visível, a eleição representa um


marco da democracia, porém a prática do líder deve ser embasada em propósitos
democráticos. A eleição, por si só, não é uma panaceia que vá solucionar todos os
problemas da gestão. Por isso, o enfoque deste trabalho também tem uma
centralidade sobre a importância de uma gestão efetivamente democrática.

76
A escolha do tema supracitado ocorreu devido ao fato de, ao longo de quase
30 anos de convívio com as escolas, tanto no papel de educador quanto de gestor,
verificar que há um sentimento de vazio e frustração por parte dos servidores das
escolas quando se trata da participação das famílias nas tomadas de decisões, nos
projetos e nas atividades propostas pelas escolas. Para tanto, esperamos que essa
análise sirva como parâmetro da compreensão da realidade e também como possível
meio de alerta para os gestores e equipes no sentido de produzir instrumentos que
venham garantir o engajamento das famílias, de modo que todos desenvolvam o
senso de pertencimento e responsabilidade para com os resultados almejados pela
instituição. Nesse sentido, Freire (2003, p. 43) já nos alertava de que como seres
políticos, os homens não podem deixar de ter consciência do seu ser ou do que está
sendo, e “é preciso que se envolvam permanentemente no domínio político,
refazendo sempre as estruturas sociais, econômicas, em que se dão as relações de
poder e se geram as ideologias”. A vocação do ser humano não é de ser dominado,
massacrado, modelado ou dirigido, mas, de “ser mais”, fazer e refazer a sua história,
intervindo no seu meio.
Na análise dos Projetos Político Pedagógicos das Escolas Municipais que
ampararam este artigo, constata-se o desejo das escolas em oferecer uma educação
de qualidade voltada para a formação cidadã, colocando-se como instrumento de
contextualização e globalização dos saberes para a formação crítica e política de seus
alunos, tendo-os como sujeitos e objetos do processo de ensino e aprendizagem. No
bojo dos planos, está explicitado que é preciso fortalecer os vínculos com a família,
os laços de solidariedade humana e tolerância recíproca em que se assenta a vida
social.
A democracia é um processo que está sempre em construção e a escola deve
ser promotora dos valores da democracia, de forma visceral, mostrando à
comunidade seu papel dinamizador, como espaço da igualdade e da justiça. A
representação simples e metódica de membros em órgãos colegiados pode
representar avanços, porém, representação nem sempre é sinônimo de participação.
Todo o corpo de representados também deve estar inserido no contexto escolar,
ciente das decisões e propensos a inferir quando necessário.

Desenvolvimento

Quando se propõe realizar de fato a gestão democrática é preciso


compreender que fazer democracia exige a postura de uma liderança propensa a
ceder espaços de comando, saber ouvir o contraditório, respeitar o processo coletivo.
A palavra “autoridade” provém do latim autorictas, e tem na origem semântica o
significado da ordem, da opinião, da influência. Carlos Roberto Jamil Cury diz que:

77
Gestão provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere e significa:
levar sobre si, carregar, chamar a si, executar, exercer, gerar. Trata-se de
algo que implica o sujeito. Isto pode ser visto em um dos substantivos
derivado deste verbo. Trata-se de gestatio, ou seja, gestação, isto é, o
ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo
ente. Ora, o termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que significa
fazer brotar, germinar, fazer nascer. Da mesma raiz provêm os termos
genitora, genitor, gérmen. (Cury 2002, p. 45)

Heloísa Lück nos ampara, sobre a gestão democrática, com a seguinte


afirmativa:

Esta modalidade de gestão se assenta no entendimento de que o


alcance dos objetivos educacionais, em seu sentido amplo, depende da
canalização e emprego adequado da energia dinâmica das relações
interpessoais que ocorrem no contexto da organização escolar, em
torno de objetivos educacionais, entendidos e assumidos por seus
membros, com empenho coletivo em torno da sua realização.( Lück,
1998, p. 68)

É evidente a presença de relações de autoritarismo nas diversas situações


que envolvem a convivência humana: na família, na sala de aula, nas relações sociais.
A superação desses dogmas e paradigmas é um estágio ainda a ser alcançado. À
gestão escolar cabe um papel importante, neste sentido, de fazer brotar ou nascer nas
relações interpessoais dos diferentes sujeitos o respeito e valorização de trabalho e
função de cada um. Sendo assim, o primeiro exemplo para a construção da
cidadania.
Um fator importantíssimo da gestão escolar democrática é o processo de
eleição para diretor. Trata-se de um canal de aprendizado político no exercício da
cidadania que combate as políticas sociais autoritárias da classe dominante e
proporciona ao cidadão o direito de participar democraticamente, no âmbito
educacional. As Escolas Municipais não são contempladas por esse processo
democrático ainda, pois a escolha do diretor é feita por indicação do Prefeito
Municipal.
Esse aspecto requer uma reflexão mais apurada, quando se percebe que há
uma grande divagação sobre esse fato, em que se acredita que a eleição seja a
panaceia de todo o processo democrático e que a gestão se concretiza de fato a partir
da dela. Mero engano, pois a eleição é o ponto visível do processo, a ponta da
pirâmide, apesar de ser um ato democrático importante. As atitudes veladas tomadas
no cotidiano escolar é que realmente ditam o teor da gestão democrática. A
democracia se efetiva necessariamente nas ações diárias, nas posições delegadas, na
distribuição de poder e no respeito aos envolvidos. Sabemos que há muitas escolas

78
com o processo de eleição para diretor já cristalizado há anos, porém com gestores
quase déspotas.
Por outro lado, também reconhecemos que há grandes gestores que aplicam
a democracia em suas ações, sem terem sido eleitos pela comunidade. Diante dessa
constatação, acredito ser necessária uma intervenção junto às autoridades políticas,
na qual as famílias reivindiquem eleições visando atuar mais efetivamente no espaço
escolar e assim se sentirem mais envolvidas. É preciso ainda organizar uma
formação mais apropriada para os futuros gestores, compreendendo os ditames e
desafios da gestão democrática de fato e de direito.
É fundamental o envolvimento de todos os entes da comunidade escolar nas
atividades de planejamento, nas tomadas de decisões, no desenvolvimento das
atividades escolares e no monitoramento das ações. Não se pode pretender a
presença das famílias apenas em reuniões e assembleias orquestradas, com roteiros
pré-estabelecidos, numa visão maniqueísta em que o gestor se posiciona como
senhor absoluto da verdade escolar. Constituir um senso de pertencimento, em que
os atores se também engajados, desenvolvendo um protagonismo ímpar para que
haja um desejo de “fazer parte”, sentir-se incluído. Os pais não podem ser figurantes,
devem ser trazidos à luz das decisões tomadas em coletividade. Já dizia o poeta que
“aquele que ama, cuida”. Só posso amar aquilo que conheço e constituo parte
integrante, não sujeito alheio, distante do processo. O gestor deve intensificar as
ações para construir possibilidades e retirar do anonimato as famílias, sem descuidar
do dado de que a composição familiar hoje é bastante heterogênea e deve ser
respeitada em suas singularidades.
Paulo Freire, em seus estudos de significativa sabedoria pedagógica, colabora
no presente artigo com uma afirmação de que “o mundo não é. O mundo está
sendo. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da
história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”
(Freire, 1983, p. 98). Essa mudança somente será concretizada na convivência escolar
se for dado voz e vez às famílias. O lugar a ser ocupado pelos pais e mães é cadeira
cativa, é de direito. Dentro da perspectiva de que cuidar do filho é privilégio e
obrigação do pai e da mãe, o tempo todo, e que não existe ex-filho, mas sim ex-
aluno, é que precisamos ofertar os espaços escolares, tangíveis e intangíveis, para que
todos possam colaborar na gestão justa e democrática.
Segundo Delors (1998, p. 21), a prática escolar deve preocupar-se em
desenvolver quatro aprendizagens fundamentais, que serão para cada indivíduo os
pilares do conhecimento. Aprender a conhecer indica o interesse, a abertura para o
conhecimento, que verdadeiramente liberta da ignorância. Aprender a fazer, mostra a
coragem de executar, de correr riscos, de errar mesmo na busca de acertar. Aprender
a ser que explicita o papel do cidadão e o objetivo de viver. Por fim, o aprender a
conviver que traz o desafio da convivência, pois apresenta o respeito a todos e o
79
exercício de fraternidade como caminho do entendimento. Sob o viés deste último
pilar, amparamos nossa argumentação.
Trabalhar a aceitação da diversidade, da riqueza das novas ideias, do frescor
de relações construídas no respeito e na fricção que faz oxigenar as sociedades. Água
parada produz lodo e é ambiente propício para a proliferação de insetos que
provocam doença. Traçando um paralelo, a escola também não pode permanecer
estagnada, com gestor sentado em trono lúgubre, escorado em uma gestão insossa,
homogeneizadora e incolor, distante das boas sugestões advindas das famílias. Todos
devem ofertar suas contribuições: alunos, pais, servidores têm também o dever de
colaborar na gestão. O favorecimento dessa participação implica no surgimento de
novas ideias, novas perspectivas, novos olhares.
Romper com a cultura da submissão e do autoritarismo é um dos desafios
para o gestor nesses novos tempos. Alunos passivos e omissos poderão se tornar
cidadãos com postura similar, alienados, sem iniciativas de interromper ciclos de
miséria e aceitação da realidade imposta, sem engajamento social, sem a possibilidade
de colaborar na transformação da sociedade, objetivo maior da escola.
Escola deve ser filtro da sociedade, levando ao aluno o conhecimento
edificado pela humanidade ao longo da história, valorizando a cultura local e
incentivando a descoberta de novas produções humanas, sem que isso caracterize a
formatação de preconceitos e entraves. Fomentar a mensagem positiva das boas
obras, em detrimento das propostas controversas de algumas produções que
vislumbrem apenas a erotização precoce, exaltação do consumismo, banalização da
violência, incentivo velado ao consumo de bebidas alcoólicas. Tudo isso pode ser
construído a partir da conquista das famílias para a efetivação desses propósitos.
Devemos incentivar o potencial da oralidade, dando voz aos anseios da
família, trazendo-as também para a responsabilidade de zelar pelo bom
funcionamento da instituição. Extrair das famílias a timidez oral para uma postura de
proatividade e interesse é tarefa do gestor que necessita desenvolver estratégias que
levem à exploração do potencial da comunidade. Todos têm a capacidade de “gestar”
(produzir, preparar, esperança de vida nova), pois essa condição é inerente ao ser
humano. Gestamos o tempo todo nossas vidas. Viver é um ato gestor: cuidar da
própria existência e dos seus é uma forma singular de administrar, gerir, exercer o
comando com responsabilidade.
Ao transcorrer do processo, é necessário ainda fazer surgir uma avaliação
contínua, em que, por meio de enquetes, ouvidoria e assembleias, medindo o nível e
os resultados das participações, priorizando a qualidade da participação, não somente
a quantidade, sem deixar-se levar para a frustração recorrente da ausência de alguns.
As famílias têm de sentir-se parte, com a ocupação e a territorialização dos espaços,
com a devida orientação e apoios, criando oportunidades de lazer, preparo e cultura,
a partir de movimentações propostas também pela comunidade, como eventos,
80
festividades e jogos. Dar publicidade dessa participação efetiva também é dever do
gestor no intuito uma valorização diante de toda a comunidade, propondo o
surgimento de novos parceiros e incentivando o engajamento e interação entre as
famílias.
É importante que a escola promova o diálogo, espaço para a construção da
cidadania e o surgimento de seres propensos a encontrar a felicidade. Escola é
ambiente da coletividade, de encontro, de mobilidade humana, de troca de
experiências. Assim, pensamos a gestão democrática como uma forma bastante
eficaz de produzir meios para a consolidação desses propósitos.
Para tanto, essa análise pretende ser parâmetro da compreensão da realidade
e também como possível meio de alerta para os gestores e equipes no sentido de
produzir instrumentos que venham garantir o engajamento das famílias, de modo
que todos desenvolvam o senso de pertencimento e responsabilidade para com os
resultados almejados pela instituição.
Possibilitar formas de participação, não somente dos representantes nos
órgãos colegiados, mas de toda a comunidade é uma tarefa que precisa ainda ser
amadurecida e melhor trabalhada nas escolas públicas, desenvolvendo a consciência
de que a participação pode ser geradora de conflitos e competições e que negar isso
seria camuflar a realidade, pois a relação humana é produtora de opiniões
divergentes. É justamente nessas fricções que o processo avança, aprimora-se, pois, a
democracia fundamenta-se na relação humana, na sua capacidade de desenvolver o
dom da convivência, interpretação livre do que já afirmou Delors (2000, p. 19). Ao
gestor, deve ser vencido o medo da participação das famílias, e serem considerados
elementos integrantes de um processo de construção.
Pretende-se, com este artigo, colaborar no debate e reflexão de um assunto
tão urgente nas discussões, ações e estudos na educação pública. É preciso agir
visceralmente para progredir nesses propósitos e intenções. Ao gestor, cabe a
condução do processo democrático, de forma que se estabeleça como líder e que seja
fomentador da participação e atue como agente criador de espaços para o
engajamento e compromisso de todos. Assim, Cury reforça nossa argumentação.
Pela arte de interrogar e pela paciência em buscar respostas que
possam auxiliar no governo da educação, segundo a justiça. Nesta
perspectiva, a gestão implica o diálogo como forma superior de
encontro das pessoas e solução dos conflitos. (CURY, 2005, p. 102)

Com o propósito de “dar voz” aos diferentes personagens do ambiente


escolar, elaborou-se um questionário para elucidar alguns aspectos importantes à
temática abordada.
Uma das mães entrevistadas manifestou o desejo de que houvesse uma
escola de pais, com múltiplas atividades e possibilidades de participação. Por mais
que tenham destacado o espírito democrático da gestão nas escolas, os pais
81
entrevistados ainda sentiam que poderiam ser ampliados os espaços de diálogo,
interação e participação:

Criar uma escola de pais com palestras, apresentar a escola e


funcionários para as famílias, expor a produção dos alunos, abrir uma
associação de pais e mestres, visitar as famílias em suas casas, promover
festas e comemorações, trabalhando valores humanos com pais e
alunos.

Interessante notar que a maioria dos envolvidos não mencionaram, com


exceção de uma mãe, sobre a premente necessidade de eleição para diretor da escola,
talvez pelas características empreendidas pelos gestores na função de líder, de ouvir,
dar voz e vez aos partícipes e delegar funções a todos os membros da comunidades
escolar, o que, aparentemente, é confirmado a partir das visitas às escolas.
As gestoras entrevistas destacam o papel da participação de todos os
envolvidos, numa construção coletiva eficaz. “A escola deve estar atenta e aberta ao
diálogo, sabendo que esta interação resultará numa educação de qualidade”,
enfatizou uma das gestoras.
Uma professora lamentou que muitos pais ainda não compreenderam o
grande valor desta participação efetiva e o que isso representa para os filhos: “Por
mais que busquemos promover a participação das famílias, ainda fica a desejar.
Alguns pais ainda não conseguiram compreender como é importante esta
participação.”
Há uma unanimidade em que todos avaliam positivamente a gestão das
escolas, e afirmam serem democráticas, considerando que as gestoras não foram
escolhidas por meio de eleição. No entanto, percebe-se, a partir das respostas
coletadas, e de uma análise mais aprofundada, que se por um lado há um sentimento
de frustração por parte dos profissionais quanto à participação das famílias, por
outro, há um clamor dos pais para que sejam ampliados os mecanismos de
participação. É um dado interessante e, ao mesmo tempo, conflitante que nos remete
a alguns questionamentos: será que a gestão realmente tem trabalhado no propósito
de possibilitar a efetiva participação das famílias? Será que os professores e pais têm
consciência de que eles também são agentes no processo de gestão democrática,
tanto no sentido de participar quanto de cobrar participação?
É fundamental que os envolvidos tenham um espaço dentro do ambiente
escolar para refletirem em conjunto sobre a eficácia de suas ações para, de fato,
mobilizar e atrair as famílias para uma efetiva participação na gestão que se supõe
democrática. Reconhece-se que as pessoas entrevistas têm um profundo anseio de
maior participação e autonomia. Os gestores possuem consciência de seu papel de
líder democrático que deve viabilizar os espaços de interação com a comunidade e

82
promover a inserção das vozes múltiplas dos segmentos que compõem a escola nas
decisões e nas ações desencadeadas no ambiente escolar.

Considerações Finais

A importância da participação das famílias à luz da gestão democrática não é


um tema pronto e acabado, mas a ser refletido por gestores e educadores. Em
decisões e reflexões coletivas, é possível escolher os melhores caminhos. É preciso
desmitificar a complexa relação entre família e escola. Que o embate de ideias seja
compreendido como um fenômeno dinamizador do crescimento, sem a intenção de
estabelecer uma assepsia nas discussões, prevalecendo apenas as ideias e conceitos de
alguns, supostos detentores do saber, correndo riscos de gerar um absolutismo
educacional, um feudo ideológico, pervertido por rótulos e preconceitos. Que as
ideias ganhem forma, venham à tona, e o gestor consiga estabelecer uma
justaposição, não apenas uma aglutinação de propostas e que a ética prevaleça nesse
relacionamento.
Cabe ao gestor encontrar o equilíbrio da gestão, saber ouvir e delegar, com
o cuidado de não se tornar um líder permissivo e de postura leniente, mas sim
exercer uma postura altiva, democrática e respeitável, sendo conduzido pelo bom
senso e a ética. A cadeira a ser ocupada pelos pais e mães é uma lacuna histórica a ser
preenchida no intuito de efetivar o processo de gestão democrática. Deixar esse lugar
ocioso é prejuízo para todo o bom andamento da escola e para própria formação
cidadã.
A gestão democrática é um avanço que precisa ser efetivamente consolidado
nas escolas públicas de nosso país. Propomos, com esta contribuição, fomentar o
debate e a reflexão desse tema tão importante.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado


Federal, 1988.
BRASIL.Lei nº 9.394 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional
(LDB).Brasilia: 1996.
CURY, C. Gestão democrática da educação: exigências e desafios. Revista
Brasileira de Política e Administração da Educação. São Bernardo do Campo
1, n. 2, 2002.
DELORS, J. et all. Educação: um tesouro a descobrir - Relatório para a UNESCO
da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 4 ed. São Paulo:
Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2000.

83
FREIRE, P.. Educação como prática para a liberdade. 14a Edição, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LIMA, A.. Políticas Educacionais e o Processo de “Democratização” da Gestão
Educacional. In: LIMA, Antônio Bosco de (org.).Estado, políticas educacionais e
gestão compartilhada. São Paulo: Xamã, 2004.
LÜCK, H. A dimensão participativa da gestão escolar. Gestão em Rede. Brasília, n.
9, p. 13-17, ago. 1998
Projeto Politico Pedagógico (PPP) das Escolas Municipais Antônio Aparecido de
Queiroz e Vicente de Paulo, 2015.
SEVERINO, A.. Metodologia do Trabalho Científico. 23.ed. rev. atual. São
Paulo: Cortez, 2007.
TRIPP, D.. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica - Universidade de
Murdoch (2005) – Material de Estudo do Curso Educação Pública Municipal

84
85
7. A GESTÃO AMBIENTAL É UM DESAFIO DE TODOS

A preservação ambiental significa um


compromisso com a vida.

Wanderley Cesar Pedrosa14


Lucas Hernane Andrade Leonel15
Adriana Cristina Silva16

Resumo
Ao discutirmos a gestão ambiental é preciso levar em consideração a gestão do
ambiente urbano enquanto espaço comum, ou seja, um espaço onde todas as pessoas
são responsáveis em manter uma organização socioambiental. No entanto, em se
tratando de um espaço comum, é preciso preservar para podermos viver e sobreviver
em sociedade e verificar se a partir da gestão ambiental é possível introduzir
perspectivas para a melhoria de qualidade de vida e um desenvolvimento sustentável.
Logo compreender a gestão ambiental torna-se objeto deste estudo. E, para enfatizar
os objetivos e responder ao problema exposto, foi realizada revisão da literatura,
com busca em sites especializados na temática, como forma de pressuposto teórico e
análise do presente estudo. Discutimos a preservar o meio ambiente é preservar a
vida, a política ambiental brasileira e a gestão ambiental. ressaltamos que é de
fundamental importância que se tenha uma gestão ambiental eficiente e que seja
capaz de transformar a realidade da sociedade a partir das simples práticas de não
poluir o solo, eliminar o uso abusivo de agrotóxicos, descartar os resíduos sólidos em
locais pré-estabelecido pela política ambiental local.

Palavras-chave: Gestão ambiental. Preservação ambiental. Empresas. Política


Ambiental.

Considerações Iniciais

A afinidade do ser humano com a natureza vem sendo modificada há


muitos anos, o mundo todo em constante processo de aceleração do consumo e

14 Assistente Social, graduado pela UNIUBE. Doutor e Mestre em Serviço Social, pela UNESP -
Franca, Especialista em Administração e Planejamento de Projetos Sociais, pela Universidade Gama
Filho, docente dos cursos de Serviço Social, Administração e Pedagogia da faculdade de Frutal- FAF.
15 Administrador, graduado pela Faculdade de Frutal – FAF, gerente Supermercado JB loja 08.
16 Economista, Mestre em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental pela Universidade Federal de

Ouro Preto, 2017. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerias (UEMG)-Unidade Frutal.
86
problemas de toda ordem necessitando de soluções o quanto antes, com as
mudanças acontecendo surgem os desafios da gestão ambiental.
A gestão ambiental precisa ser compreendida como um processo de
transformação que perpassa pela evolução do homem e o processo de produção
desenhada pelo próprio homem ao longo da história da humanidade, trazendo a ideia
que é preciso destruir para construir os objetos que venham atender as suas
necessidades. No entanto, esse processo de agressão ao meio ambiente na tentativa
de construir objetos para atender as necessidades humanas tem suas consequências
na atualidade e deve ser objeto de conhecimento, para que o Estado fomente
políticas ambientais que sejam capazes de conter o desequilíbrio ambiental
provocado pela evolução do homem sendo ele o engajador das organizações e
comunidades. Há um longo caminho pelo qual deverão passar as sociedades e os
governos, baseado em educação e comunicação.
É preciso compreender o que realmente é o meio ambiente, Reigota (2004,
p.14) aponta que é um “lugar determinado ou percebido, onde os elementos
naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações
implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais
de transformação do meio natural e construído”. Percebemos que ao discutir o
meio ambiente é preciso levar em consideração o social, a cultura, e a tecnologia.
Nesse sentido, ao discutirmos a gestão ambiental urbana é preciso levar em
consideração a gestão do ambiente urbano enquanto espaço comum, ou seja, um
espaço onde todas as pessoas são responsáveis em manter uma organização
socioambiental.
No entanto, em se tratando de um espaço comum, é preciso preservar para
podermos viver e sobreviver em sociedade e verificar se a partir da gestão ambiental
é possível introduzir perspectivas para a melhoria de qualidade de vida e um
desenvolvimento sustentável. Logo compreender a gestão ambiental torna-se objeto
deste estudo.
O objetivo do presente estudo é discutir a gestão ambiental enquanto
compromisso de toda sociedade. Para atingirmos o objetivo foi realizada revisão da
literatura e consulta as legislações ambientais, como forma de pressuposto teórico e
análise do presente estudo.
Faz-se necessário conciliar industrialização, novas tecnologias e
desenvolvimento sustentável, a partir do desenvolvimento de algumas etapas, tais
como a sensibilização e mudanças de atitudes das pessoas com as questões
ambientais, a mobilização social e levar informações, planejar ações, observar e
avaliar os resultados.
Poderia se afirmar que o maior desafio da Gestão Ambiental, seja
compreender que é um dos elos para alavancar o desenvolvimento sustentável,
entender que é o mecanismo de gerenciamento de reservas naturais do planeta, e que
87
a simplicidade em lidar com essas questões são a chave para muitos impasses de
situações insolúveis.

Preservar o meio ambiente é preservar a vida

É fundamental preservar o meio ambiente, é nele que encontramos os


recursos naturais tão necessários para a nossa sobrevivência, como água, os
alimentos, o ar, a fauna, a flora, matérias-primas necessárias para a vida. Sem esses
recursos naturais, todas as formas de vida do planeta poderão acabar. Preservar o
meio ambiente é um ato de resistência não só para a humanidade, mas para todos
os seres que habitam a terra, a casa comum.
Esse processo paradigmático entre o homem e a mecanização estimula o
aumento do consumo e garante lucros cada vez maiores, levando a humanidade a
uma falha de percepção humana o qual está levando o planeta ao esgotamento,
agem com uma postura auto destrutiva, ou seja, as pessoas estão centradas na
lógica de mercado que vê a natureza como um fornecedor de capacidade infinita e
gratuita, e sem qualquer tradução em consequências desse usufruto ignorante. Isso
pode ser descrito historicamente.
A Revolução Industrial do século XVIII, ocorrida precisamente na
Inglaterra, que deu início a transição da manufatura para a indústria mecânica, as
novas tecnologias utilizadas, acabaram interferindo no modo de vida da
humanidade e consequentemente o meio ambiente sofreu significativas alterações.
Nesse cenário envolvendo o meio ambiente, Hogan (2007) aponta que
houve em 1930 uma forte poluição atmosférica, no Vale do Meuse, na Bélgica,
provocando a morte de 60 pessoas. Em 1952 em Londres “A Névoa Matadora”,
provocou a morte mais de quatro mil pessoas, o que culminou na movimentação
dos responsáveis pela saúde, a se preocuparem com a qualidade do ar.
No entanto, o problema não estava restrito somente ao ar, Hogan (2007)
descreve que em 1953 na Baía de Miramata no Japão teve a contaminação da água,
foram detectados casos de disfunções neurológicas em seres humanos e animais,
decorrentes de despejo de catalisadores nas margens da baia.
Portanto, em relação aos cuidados e preocupações em relação à saúde da
população, no ano de 1956, Goldemberg e Barbosa (2004) descreve que foi
aprovada a Lei do Ar Puro na Inglaterra, estabelecendo limites de poluentes
aceitáveis, o que serviu de exemplo para a América do Norte e diversos países da
Europa Ocidental, o que propiciou a criação de inúmeras agências de
monitoramento, regulamentação e avaliação ambiental.
Após quase trezentos anos do início da revolução industrial e levando em
consideração toda interferência nas questões ambientais, somente a partir da década
de 1960, o temo “meio ambiente” foi utilizado em evento internacional no clube de
88
Roma, teve início a preocupação em torno da preservação ambiental, bem como
uma preocupação com os impactos causados pela degradação ambiental a partir da
ação do homem com objetivo de obter lucros a partir do uso dos recursos naturais.
Goldemberg e Barbosa (2004, s.p) discorre que:

O país que primeiro percebeu a necessidade e urgência da intervenção


do poder público sobre as questões ambientais foi Estados Unidos,
ainda na década de 1960. Paradoxalmente, o país considerado o
paraíso do não-intervencionismo foi quem primeiro promoveu a
intervenção regulamentadora em meio ambiente. A “Avaliação dos
Impactos Ambientais” (AIA) foi formalizada nos Estados Unidos em
1969 e rapidamente se difundiu internacionalmente.

Nesse momento os impactos ambientais passaram a ter mais importância


para ambientalistas e organizações internacionais. Na década de 1970, a Organização
das Nações Unidas – ONU, teve a iniciativa de desenvolver a Conferência de
Estocolmo em 1972, em1992 no Rio de Janeiro, a Rio 92, em 2002 em Joanesburgo,
África do Sul, a Rio+10, em 2012 novamente o Rio de Janeiro, a Rio+20, e a última
em 2015 em Nova York com os objetivos do milênio, a serem cumpridos até 2030,
com objetivo de estabelecer metas para serem compridas pelos países membros em
relação à preservação do meio ambiente.
Ao longo da história da humanidade, muitos recursos naturais como a
água, o ar, o solo entre outros foram sendo degradados pelo próprio homem. Essa
degradação se deu através da queima de combustíveis fósseis, o crescimento
desordenado das cidades, o descarte incorreto do lixo, o esgoto sem tratamento
descartado nos córregos, rios e mares, uma gestão hídrica imprópria, a destruição
das matas e florestas para o agronegócio, a queima dos resíduos sólidos e
microrganismos tão necessários para a vida.
Nesse sentido, Ely (1998) aponta que os problemas relacionados a
degradação do meio ambiente levaram o ser humano a reconhecer que a qualidade
do meio em que vivem é um dos requisitos para o desenvolvimento social e
econômico do país.
As consequências dessa destruição ambiental estão sendo percebidas na
atualidade, através do aquecimento global, as geleiras derretendo, as alterações das
estações climáticas, o ciclo e reprodução dos animais, a produção de alimentos, a
contaminação com metais pesados, a escassez ou até mesmo a falta de água em
determinadas regiões, a contaminação do solo pelos agrotóxicos, a poluição do ar, a
destruição da vida na região de Mariana e Brumadinho e outros problemas sociais e
econômicos poderão surgir em um futuro bem próximo. No entanto, Pott e Estrela
(2017, p. 271) apontam que:

89
O momento atual, no que se refere a meio ambiente, é reflexo de uma
série de erros e decisões tomadas no passado. Encontramo-nos num
ponto em que devemos basicamente reduzir os impactos desses erros,
que nos foram deixados como legado, por uma geração, e trabalhar sob
o enfoque da prevenção e da precaução para que as mesmas falhas não
sejam repetidas.

No entanto é preciso reduzir os impactos causados pela ação do homem e


recuperar as áreas degradadas para não continuarmos reproduzindo os erros do
passado e garantir a vida da humanidade e de toda diversidade existente na terra. É
preciso o despertar das recentes gerações em direção a valores ecológicos, assim
Camargo (2007), denomina algumas formas, tais como: conscientização ecológica ou
ambiental, percepção ecológica ou ambiental e sensibilização ecológica ou ambiental.
Dessa forma, torna-se difícil conceber qual dessas expressões é a mais apropriada
para designar a amplitude desses acontecimentos que estão acontecendo por todo o
mundo.

A Política Ambiental Brasileira

No Brasil de 1930 a 1960 não teve uma política ambiental ou mesmo uma
instituição ambiental para gerir e controlar o uso dos elementos naturais. Tínhamos
apenas as políticas setoriais que apreciavam a questão ambiental, com foco tão
somente na exploração dos recursos naturais. A principal preocupação era a
administração ou o “controle racional” dos recursos naturais, visando o melhor uso
econômico por parte das empresas em nome do desenvolvimento do capital.
Em 1934 ocorrem os primeiros passos para a elaboração de uma política
ambiental brasileira com a elaboração do primeiro Código Florestal, Decreto no
23.793/1934, a proteção do solo para uso da agricultura e o Código das Águas,
Decreto no 24.643/1934, com interesse no aproveitamento da água para as
hidrelétricas, ou seja, ambas as legislações estavam voltadas para a administração dos
recursos naturais.
Em 1937 estabelece a política de preservação de áreas ambientalmente
protegidas que culminou, com a criação do Parque Nacional do Itatiaia, o que
resultou a partir daí, na criação de diversos Parques Nacionais, na qual a
administração e fiscalização estavam sobre a responsabilidade do Serviço Florestal
Federal, órgão este vinculado ao Ministério da Agricultura.
A Lei Nº 5.197/1967, que preconiza sobre a Proteção a Fauna brasileira, no
mesmo ano foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF,
com a incumbência de fazer o Código Florestal bem como toda legislação de
proteção dos recursos naturais renováveis no território brasileiro.

90
Em 1973, é criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente - SEMA, a
primeira instituição para tratar dos assuntos ambientais em nível federal, dedicando
ao controle da poluição industrial e urbana. O resultado da Criação da SEMA foi
imediatamente copiado pelos estados de São Paulo a Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambienta – CETESB em 1973 e a Fundação Estadual de Engenharia
do Meio Ambiente – FEEMA, na cidade do Rio de Janeiro em 1975.
A luta na defesa do meio ambiente não para, a Lei Nº 6.938/81, culminou na
criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, estabelecendo a
Política Nacional do Meio Ambiente, definindo os princípios, as diretrizes, os
instrumentos e atribuições para os Estados da Federação. Ganen (2013) aponta que a
Politica Nacional de Meio Ambiente foi considerado um documento inovador, não
somente por tratar de um tema ainda pouco discutido, mas ser descentralizador.
De modo geral, as normas ambientais aprovadas em nível federal na década
de 1980 estavam vinculadas à organização institucional, ao controle da poluição e
degradação ambiental e ao fortalecimento dos mecanismos de participação social no
campo ambiental.
Em 1985 foi instituído o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, com o papel de deliberar sobre as políticas e coordenar as atividades
governamentais na área ambiental. Nesse período o Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA, aprovou resoluções referentes ao licenciamento ambiental,
que regulam a aplicação do instrumento até a atualidade, uma vez que não foi
aprovada uma legislação específica sobre o tema – Resoluções no 001/1986 e no
009/1987, que tratam, respectivamente, do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e
do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.
O movimento Frente Verde teve um papel fundamental no processo de
elaboração da Constituição Federal de 1988 – CF/88, precisamente no Artigo 225 ao
definir: meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um direito do cidadão. O
Artigo 170 também traz ao direito de propriedade, à gestão urbana e ao
gerenciamento dos recursos hídricos.
No entanto, para o cumprimento destas novas garantias constitucionais
previstas na CF/88, foi necessário o desenvolvimento de legislação federal específica,
bem como o fortalecimento das ações dos Estados. A CF/88 traz a descentralização
da política ambiental e uma estruturação de instituições estaduais e municipais de
meio ambiente, como a criação de órgãos e/ou secretarias, e também os conselhos
estaduais e municipais de meio ambiente, resultado da definição da temática
ambiental como competência curadora comum entre União, estados e municípios.
No ano de 1989 foi criado o Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA,
conforme previsto na Lei Nº 7.797 de 10 de julho, com objetivo de contribuir, como
agente financiador, através da participação social, para implementar a Política
Nacional do Meio Ambiente.
91
Criado pela Lei no 7732/1989, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, é uma autarquia federal vinculada ao
MMA. Dentre suas competências estão: executar e fazer executar a política nacional
do meio ambiente, e promover a preservação, a conservação, o uso racional, a
fiscalização em todo território nacional.
A década de 1990 foi marcada pela criação da Secretaria de Meio Ambiente
da Presidência da República - SEMAM/PR, uma vez que a questão ambiental ficou
em evidência com os preparativos para a Rio-92 no Brasil. O Brasil se preparou para
a conferência por meio da Comissão Interministerial de Meio Ambiente - CIMA,
coordenada pelo Ministério das Relações Exteriores - MRE, com representação de
23 órgãos públicos, que culminou na elaboração de um relatório que nomeava o
posicionamento brasileiro frente à questão ambiental.
Na conferência foram assinados importantes acordos ambientais tais como:
a) as Convenções do Clima e da Biodiversidade; b) a Agenda 21; c) a Declaração do
Rio para o Meio Ambiente e Desenvolvimento; e d) a Declaração de Princípios para
as Florestas.
Em 1991 iniciou o Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA), marco
do primeiro grande investimento do Banco Mundial realizado pelo governo federal
para investir no campo ambiental.
A Lei no 8.490/1992 cria o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e as
principais finalidades do MMA são planejar, coordenar, supervisionar e controlar as
ações relativas ao meio ambiente, bem como formular e executar a política nacional
do meio ambiente, tendo em vista a preservação, conservação e uso racional dos
recursos naturais renováveis (Lei no 8.746/1993). Com a finalidade de estabelecer: a)
política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos; b) política de
preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e
florestas; c) proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e
sociais para a melhoria da qualidade ambiental e do uso sustentável dos recursos
naturais; d) políticas para integração do meio ambiente e produção; e) políticas e
programas ambientais para a Amazônia Legal e por fim, f) zoneamento ecológico-
econômico.
Em 1998 foi criada a Lei Nº 9.605/1998 de Crimes Ambientais colocando o
Brasil na vanguarda por ter um direito penal ambiental.
Dando continuidade as ações ambientais, em 2000 foi criado o Sistema
Nacional de Unidade de Conservação da Natureza – SNUC através da Lei Nº
9.985/2000 e a Agência Nacional de Águas - ANA, uma autarquia federal vinculada
ao MMA, com o objetivo de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política
Nacional de Recursos Hídricos conforme a Lei no 9.433/97.
A Agenda 21 brasileira, foi lançada em 2002, embora sua preparação tenha
iniciado em 1997, O processo de construção da Agenda 21, envolveu consultas
92
públicas e a realização de seis estudos temáticos: 1) cidades sustentáveis; 2) redução
das desigualdades sociais; 3 agricultura sustentável; 4 ) gestão de recursos naturais; 5)
ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável e 6) infraestrutura e
integração regional – que embasou o documento final.
O ano de 2007 foi marcado pela criação o Instituto Chico Mendes para
Conservação da Biodiversidade - ICMBio, uma autarquia vinculada ao MMA.
E em 2012, o marco principal foi à realização da Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – CNUDS conhecida como a Rio+20,
no Rio de Janeiro. A presente conferência marcou os 20 anos da realização da Rio-92
como os objetivos de:
a) assegurar a renovação do compromisso político para o desenvolvimento
sustentável;
b) avaliar os avanços e os hiatos nos processos de implementação das principais
decisões quanto ao desenvolvimento sustentável; e c) identificar desafios novos e
emergentes.
A Rio+20 é considerada um dos maiores eventos até então realizado pelas
Nações Unidas, a Rio+20 contou com a participação de chefes de Estado ou seus
representantes de 190 países. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente –
MMA (2015) as mudanças proporcionadas pela Rio +20 seguem o ritmo de seu
documento final, que foi considerado enfraquecido e quem do esperado. A Rio+20 é
um ponto de partida e que não se pode duvidar que os processos lançados na
conferência trarão impacto na implementação de políticas públicas e de acordos
internacionais. A pasta destaca, como conquistas, o reconhecimento da erradicação
da pobreza como maior desafio, o consenso quanto à necessidade de transição para
padrões de produção e consumo sustentáveis e o ingresso da inclusão social como
cerne do debate.
Para o Brasil, o ponto positivo é a redução do desmatamento, que deixou de
ser a principal causa de emissão de gases de efeito estufa no país. Conforme o
inventário nacional divulgado em 05 de junho pelo Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação (MCTIC), a prática corresponde agora a 22% das emissões, ficando atrás
da agropecuária (35%) e do setor energético (32%) (MCTIC, 2016).
A trajetória percorrida pela política ambiental federal indica que ocorreram
evidentes avanços, tanto no que se refere à estruturação institucional, quanto no
estabelecimento de importantes marcos legais. No entanto, a existência de desafios a
serem superados no que se refere ao aperfeiçoamento das funções da governança
ambiental e da aplicação de seus princípios – os quais, em seu conjunto, contribuem
paro o aumento da capacidade de resposta do Estado aos problemas ambientais.
Uma análise histórica da política ambiental brasileira demonstra uma visão
de responsabilidade compartilhada na proteção da natureza, entre Estado e
sociedade. De um lado o Estado com poder de regulamentar e gerir as questões de
93
meio ambiente, e de outro, a sociedade ativa na construção e fiscalização dessas
políticas ambientais. Nota – se uma quebra de paradigma quando o Estado ao
chamar para si essas ações, desnutrindo fóruns como o Conselho Nacional de Meio
Ambiente, esse rompimento com nossa tradição de política ambiental iniciou uma
série de medidas que eliminam a participação da sociedade e a corresponsabilidade da
sociedade, logo restringiu o poder de proteção ambiental ao Estado.

A Gestão Ambiental

Conforme percebemos no tópico anterior, onde realizamos um breve


resgate histórico apresentado, a partir da década de 1930, as decisões que foram
tomadas no Brasil, ocorriam ações pontuais da política e gestão ambiental, mesmo
que de forma fragmentada, no entanto o termo desperta interesse crescente dado a
necessidade de se gerir melhor os recursos produtivos escassos e danos causados ao
ambiente.
Fiorillo e Rodrigues (1996, p. 25) afirmam que a gestão do meio ambiente
decorre simplesmente em “proteger o meio ambiente, em última análise, significa
proteger a própria preservação da espécie humana.” Nesse sentido nas décadas de
1980 e 1990, os gastos com proteção ambiental passam a ser vistos não como custos,
mas como investimentos para o futuro e, como uma possível fonte de vantagem
competitiva para o mercado consumidor.
É importante definirmos o que realmente é gestão ambiental. Recorrendo a
literatura, Corazza (2003, p. 04, apud NILSSON, 1998, p. 134) vem contribuir
dizendo que:

A gestão ambiental envolve planejamento, organização, e orienta a


empresa a alcançar metas [ambientais] especificas, em uma analogia,
por exemplo, com o que ocorre com a gestão de qualidade. Um
aspecto relevante da gestão ambiental é que sua introdução requer
decisões nos níveis mais elevados da administração e, portanto, envia
uma clara mensagem à organização de que se trata de um compromisso
corporativo.

No entanto a gestão ambiental envolve o planejamento e a organização para


poder alcançar as metas estipuladas pela organização, pública ou privada. Corazza
(2003, p. 04, apud NILSSON1998, p. 134) continua apontado que “a gestão
ambiental pode se tornar também um importante instrumento para as organizações
em suas relações com consumidores, o público em geral, companhias de seguro,
agências governamentais, entre outros.” Dada sua importância na atualidade.
Conforme aponta Morales (2006), a Gestão Ambiental surgiu da necessidade
do ser humano organizar melhor suas diversas formas de se relacionar com o meio

94
ambiente. Campos (2002) complementa informando que a Gestão Ambiental
consiste na administração do uso dos recursos ambientais, por meio de ações ou
medidas econômicas, investimentos e potenciais institucionais e jurídicos, com a
finalidade de manter ou recuperar a qualidade de recursos e desenvolvimento social.
Em se tratando de Gestão ambiental Donaire (2009, p. 86) aponta quatro
categorias fundamentais para se ter uma excelente gestão ambiental:
Habilidade técnica: "para poder avaliar as diferentes alternativas, em relação
a insumos, processos e produtos, considerando-os sob o aspecto ambiental e seu
relacionamento com os conceitos de custos e de tempo". A habilidade técnica a ser
utilizada na gestão ambiental é fundamental para o excito da gestão. Sem essa técnica
ação fica comprometida, o que poderá comprometer todo o desempenho da gestão
ambiental.
Habilidade administrativa: "relacionada com o desempenho das tarefas do
processo administrativo: planejar, organizar, dirigir e controlar, pois, caberá a ele a
responsabilidade de executar a política de meio ambiente ditada pela organização".
Não podemos eximir o quanto é importante o planejamento, a organização e o
controle das ações no processo de gestão ambiental.
Habilidade política: "para sensibilizar os demais administradores da empresa,
que lhe podem dar apoio e respaldo organizacional no engajamento da temática
ambiental, propagando e consolidando a ideia de que sua atividade, antes de ser uma
despesa a mais para a organização, é uma grande oportunidade para a prospecção de
novas formas de redução de custos e melhoria de lucros". Uma oportunidade que
pode gerar lucros para a organização gestora, quer ela empresa, Organização Não
Governamental – ONG entre outros, uma vez que os consumidores estão tomando
uma consciência da importância da preservação ambiental.
Habilidade de relacionamento humano: "para conseguir a colaboração e o
engajamento de todos os funcionários para a causa ambiental da empresa, pois o
sucesso desse empreendimento está intimamente ligado à participação coletiva e à
incorporação desta variável à cultura da organização". Nesse sentido, é importante
envolver todos os funcionários Donaire (2009, p. 102) sinaliza que:

O desempenho de uma organização está fortemente associado à


qualidade de seus recursos humanos, se uma empresa pretende
implantar a gestão ambiental em sua estrutura organizacional, deve ter
em mente que seu pessoal pode transformar-se na maior ameaça ou no
maior potencial para que os resultados sejam alcançados.

Por isso faz-se necessário ter um bom relacionamento com os trabalhadores


e também como a comunidade externa no processo de gestão ambiental, uma vez
que, quanto mais pessoas envolvidas nas ações, maior será a visibilidade por parte da

95
comunidade. Dias (2009) sinaliza que é importante ter um conjunto de regras,
procedimentos e, sobretudo meios para podermos implantar uma política ambiental.
No entanto, de quem é a responsabilidade ambiental? A responsabilidade
ambiental é de todos nós cidadãos que estamos sobre a terra. A responsabilidade
ambiental é de todas as organizações vinculadas ao setor empresarial, público,
privado, educação e também da família, a família é uma das organizações que tem
maior poder de transformação da realidade ambiental. Donaire (2009) salienta
quanto a importância do treinamento dos gestores ambientais e que deve levar em
consideração o processo de tomada de decisão.
Manter o equilíbrio ambiental é um desafio para todos, neste momento em
que todas as atenções estão voltadas para os problemas ambientais, a gestão pode ser
compartilhada com toda população, partido do local, da rua que eu moro, bairro, da
cidade, do país, depende de como estamos articulando as ações e do envolvimento
de todos no processo de transformação da realidade que estamos inseridos. A isso
denominamos de responsabilidade coletiva, onde todos são responsáveis pelo meio
ambiente independentemente da posição que ocupa na atual sociedade, por disso
defendemos que a responsabilidade é de todos.
Para que essa responsabilidade seja compartilhada, cabe ao poder público,
buscar estratégias para implantar as ações de proteção e destinar de forma correta os
resíduos gerados pela população. E a população tem que ter consciência de que é
responsável pelo meio ambiente e que essa responsabilidade perpassa pela qualidade
de vida. Dias (2009, p. 89) aponta que “a gestão ambiental é o principal instrumento
para obter um desenvolvimento sustentável”. Portanto, é possível termos uma gestão
dos resíduos sólidos eficiente, e que seja capaz de envolver toda a comunidade.
Generalizando a Gestão Ambiental é o resultado natural da evolução da
percepção humana em relação à utilização dos recursos naturais. A união de técnicas,
conhecimentos, tanto por parte da sociedade, organizações e governo, em busca de
soluções e alternativas para manter o equilíbrio ambiental, reduzindo ou recuperando
a degradação do meio natural.
Vale destacar que a partir da educação ambiental utilizada como um
instrumento da Gestão Ambiental, tem o poder de persuasão, possibilitando ampliar
os horizontes de atuação, replicando os conceitos aprendidos para diferentes
situações de proteção ao meio ambiente (RIBEIRO, 2007).

Considerações Finais

A percepção da humanidade em relação à natureza no decorrer do tempo,


sob diferentes aspectos, nem sempre foi compatível com a necessidade de manter
um meio ambiente equilibrado. A disponibilidade dos recursos naturais é o maior
patrimônio da humanidade e precisa ser preservado por todos, a preservação do
96
meio ambiente não é apenas responsabilidade do governo e das empresas, e sim de
toda sociedade.
As questões ambientais necessitam de um debate que tenha o envolvimento
de toda sociedade, não para encontrar culpados, e, sim para encontrar alternativas
para uma excelente gestão ambiental. Ressaltamos que é de fundamental
importância que se tenha uma gestão ambiental eficiente e que seja capaz de
transformar a realidade da sociedade a partir das simples práticas de não poluir o
solo, eliminar o uso abusivo de agrotóxicos, descartar os resíduos sólidos em locais
pré-estabelecido pela política ambiental local.
Recomenda ainda que a educação ambiental seja oferecida em todos os
níveis de ensino e em programas específicos direcionados para a comunidade. Ao
analisar as ações de educação ambiental, quanto à orientação, percebe-se que as
voltadas para efeito e resultado, como cartilhas, campanhas educativas e programa de
educação ambiental nas áreas de reflorestamento, têm o objetivo de ratificar
instrumentos de comando e controle, enquanto que as voltadas para processo e
origem tendem a criar consciência sobre o meio ambiente e fomentar o espírito
crítico.
Desta forma percebemos que se as forças não se unirem (governo, empresa
e sociedade), para melhorar a gestão ambiental e responsabilidade social, esta busca
não se concretizara, por menor que seja nosso papel é fundamental a participação de
todos para esse desenvolvimento, melhorias e para a construção de uma sociedade
auto sustentável, com a certeza de um presente, onde o futuro se torne possível
existir.

Referências

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220 p. Tese de doutorado. Engenharia de Produção e Sistemas, UFSC,
Florianópolis. Disponível:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/81601
CORAZZA, R. Gestão Ambiental e Mudanças da Estrutura Organizacional - RAE-
eletrônica, v. 2, n. 2, jul-dez/2003.
DIAS, R. Gestão Ambiental: responsabilidade social e sustentável.1ª ed. 5 reimpre.
São Paulo: Atlas, 2009.
DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo: Ed. Atlas, 2 ed., 2009.
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Economia e Estatística. Siegfried Emanuel Coser, 1998.

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Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
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(re)construindo uma reflexão epistemológica e metodológica frente ao curso de
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despertar de um novo pensamento. 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v31n89/0103-4014-ea-31-89-0271.pdf> acesso em
27 de set. 2017

98
99
8. APROPRIAÇÃO DOS MODELOS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
NA PERSPECTIVA AMBIENTAL

Karol Natasha Lourenço Castanheira17


Priscila Kalinke da Silva18
Luiz Antonio Feliciano19

Resumo
Objetiva-se por meio deste capítulo produzir uma revisão de literatura sobre
participação pública em assuntos de meio ambiente, a partir do resgate de modelos
inseridos no campo da Compreensão Pública da Ciência. Apesar da Declaração de
Budapeste (1999) referendar a necessidade de uma alfabetização científica, nota-se
ainda a prevalência do modelo de déficit cognitivo, no qual acentua a dicotomia entre
experts e leigos. No cenário ambiental a intervenção de empresários e atores
políticos autointeressados acentuam ainda mais a distância entre governos e
sociedade civil. Apresenta-se, portanto, outros modelos que prezam pelo
engajamento e o letramento científico-ambiental como fomento a democracia
participativa. Como metodologia, este trabalho recorre à revisão de literatura
buscando além de referências do campo da Compreensão Pública de Ciência e
Tecnologia, autores que falam sobre democracia digital e jornalismo ambiental.

Palavras-chave: Participação pública. Meio ambiente. Revisão de literatura.

Considerações Iniciais

As novas tecnologias da informação e da comunicação abrem possibilidades


para que a gestão pública dialogue com os sujeitos sociais, que emergem no cenário
político deste início de século. Atender as necessidades e anseios de uma sociedade
densamente fragmentada, na qual insurgem sujeitos cada vez menos identificados
com os aparatos tradicionais de representação política requer, dentre outros quesitos,

17 Doutora em Comunicação pela Unesp. Docente e Coordenadora do Curso de Jornalismo da


Universidade do Estado de Minas Gerais. Frutal, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
karol.castanheira@uemg.br
18 Doutora em Comunicação pela Metodista. Docente do curso de Publicidade e Propaganda e

Coordenadora da Extensão da Universidade do Estado de Minas Gerais. Frutal, Minas Gerais, Brasil. E-
mail: priscila.kalinke@uemg.br.
19 Doutor em Educação pela Unicamp. Docente e Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda

da Universidade do Estado de Minas Gerais. Frutal, Minas Gerais, Brasil: E-mail:


luiz.feliciano@uemg.br
100
criar mecanismos de participação pública, capazes de fomentar o diálogo entre
governo e sociedade civil.
Estes mecanismos devem ser acompanhados de elementos norteadores, que
agreguem aos sujeitos condições suficientes para as suas tomadas de decisões. Dentre
eles, podem-se elencar nos assuntos competentes ao campo de CTS (Ciência,
Tecnologia e Sociedade), e neste artigo, mais especificamente o meio ambiente, a
alfabetização científica como componente básico da educação para a cidadania,
acessibilidade tecnológica (tanto técnica – ter acesso aos dispositivos digitais – como
cognitivas – saber operacionalizar estes dispositivos) e ações governamentais, que
contribuam para divulgação científico-ambiental, não somente como um dos
alicerces informativos para ampliar o conhecimento da população, mas também
como fomentadoras da cultura participativa.
O governo brasileiro, durante as administrações do Partido dos
Trabalhadores (PT), mais especificamente na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, deu
alguns passos à frente no campo da Ciência ao encarar algumas temáticas como um
problema público a ser pensado e formalizado por meio de políticas públicas.
Entendidas aqui, como programas de ações que representam a realização concreta de
decisões do Estado no sentido de induzir mudanças na sociedade (DEUBEL apud
LIMA; FELIX; DAGNINO, 2008). De acordo com uma pesquisa elaborada por
Lima, Felix e Dagnino (2008, p.2), o Brasil criou uma estrutura formal dentro do
governo denominada Departamento de Difusão e Popularização da Ciência e
Tecnologia (DEPDI). Foi pensada também a inclusão da “Popularização da C&T e
Melhoria do Ensino de Ciências” no Plano de Ação 2007/2010 do MCT, que
apresenta os direcionamentos da política de CT& Inovação no Brasil.
A pesquisa citada mostra ações concretas do DEPDI, como a formulação
política e implementação de programas de popularização da C&T como: Semana
Nacional de C&T, parcerias com TVs e rádios para desenvolvimento de programas
de divulgação científica; Colaboração com ensino de Ciências nas escolas, em
parceria com o Ministério da Educação e Secretarias de Educação; Apoio a centros e
museus de ciências e Apoio a eventos de divulgação científica (incluso formação de
comunicadores de ciência). Até 2004, as problemáticas da falta de conhecimento do
brasileiro nesse campo não se configuravam como políticas públicas ou programas
governamentais (LIMA; FELIX; DAGNINO, 2008).
Rothberg (2010) lembra ainda que a Casa Civil e o Ministério da Saúde
realizaram ao menos 45 consultas públicas pela internet de 2004 a 2009. A proteção
de direitos sobre conhecimentos tradicionais e plantas medicinais de comunidades
indígenas, por exemplo, foi objeto de consulta pública online realizada em 2008 pelo
governo Federal brasileiro.
Apesar desta articulação formal do governo, a continuidade das ações sofreu
sérios entraves na gestão de Michael Temer (PMDB) e Jair Bolsonaro (PSL), cujos
101
investimentos em ciência, divulgação científica, inclusive ambiental, caíram
drasticamente, cenário este agravado por políticas públicas depreciativas para o meio
ambiente, como a liberação de 166 agrotóxicos nos primeiros quatro meses de
mandato de Bolsonaro, ataques aos processos de demarcação de terras indígenas, a
transferência do Serviço Florestal Brasileiro do Ministério do Meio Ambiente para o
Ministério da Agricultura, dentre outras. Nota-se ainda, entraves para a formação
dessa participação, que acaba polarizando ainda mais a relação experts e leigos.
Dados oriundos do Ministério da Ciência e Tecnologia de 2010 mostram que 36,7%
dos entrevistados não entendem sobre assuntos de C&T, 19,5% nunca pensaram
sobre isso, 17,8% não têm tempo e 10,4% não gosta, o restante afirma não ligar ou
não precisar saber sobre isso. Os índices demonstrativos de “muito interesse” ou
“muita informação” nos quesitos política, medicina e saúde, arte e cultura, meio
ambiente, ciência e tecnologia, esportes, moda, economia e religião, não passaram de
42,3%. Para agravar o cenário, os dados identificam também a falta de interesse de
participação da própria população nessas atividades.
Estes dados permitem refletir sobre as deficiências não somente de
governança como também de uma cultura participativa no Brasil envoltas em
assuntos científicos e ambientais. O grande desafio se encontra justamente em
romper com as assimetrias de poder e de tomada de decisão por parte do governo ao
mesmo tempo ressignificar a participação da sociedade civil.
Sendo assim, este artigo tem como objetivo produzir uma revisão de
literatura sobre os modelos de participação formulados especificamente ao campo da
Ciência e Tecnologia, como também outros modelos, que poderiam ser apropriados
no campo ambiental, a fim de dirimir as distorções de informações, valorizar o
conhecimento popular e criar formas de resistência aos modelos de consumo e
práticas sociais depreendidas do capitalismo na sua forma capilarizada de ação.

Formação Científica
Para que um país esteja em condições de atender às necessidades
fundamentais da sua população, o ensino das ciências e da tecnologia é
um imperativo estratégico […] Hoje, mais do que nunca, é necessário
fomentar e difundir a alfabetização científica em todas as culturas e em
todos os sectores da sociedade, [...] a fim de melhorar a participação
dos cidadãos na adopção de decisões relativas à aplicação de novos
conhecimentos (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 1999).

O conceito de alfabetização científica é amplo e tende a ser relativizado pelo


prisma teórico no qual o pesquisador se debruça, pelo contexto histórico no qual ele
vive e pelos aspectos ideológicos, que contribuirão para balizar a importância do
papel da educação científica na formação do cidadão.

102
Essas diferentes concepções de ciência influencia como a alfabetização
científica ou letramento é postulado. Para Chassot (2006), a ciência é considerada
uma linguagem, assim, ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em
que está escrita a natureza. Seria, portanto: “O conjunto de conhecimentos que
facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem”
(CHASSOT, 2000, p. 19). Os alfabetizados cientificamente não apenas devem ter
facilitada a leitura do mundo, mas precisam entender as necessidades de transformá-
lo. Ao valer desse raciocínio, Chassot (2006,2010) questiona o fato do saber
científico ser praticamente vetado àqueles que não pertencem à comunidade
científica.
O princípio da democracia como elemento básico para a formação da
cidadania justifica a aderência de pesquisadores à alfabetização científica (DeBOER,
2000; BYBEE, 1997; FOUREZ, 1997). Outros pesquisadores, no entanto, entendem
a alfabetização científica como um mito, sendo insuficiente para formar cidadãos
aptos a participar de decisões oferecendo opiniões articuladas e fundamentadas
(ATKIN e BLACK, 2003; FENSHAM, 2002a, 2002b; SHAMOS, 1995,
ACEVEDO, 2005).

Na opinião de Fensham (2002b), pensar que uma sociedade


cientificamente alfabetizada está em melhor situação para atuar
racionalmente frente aos problemas sociocientíficos, constitui uma
ilusão que ignora a complexidade dos conceitos científicos implicados,
como sucede, por exemplo, com o problema do aquecimento global ou
os relacionados com os desenvolvimentos recentes das biotecnologias.
É absolutamente irrealista, sem dúvida, querer que este nível de
conhecimentos possa vir a ser adquirido mesmo nas melhores escolas
(PRAI; GIL-PEREZ; VILCHES, 2007, p.143).

Gil-Pérez e Vilches (2004) discordam de Fensham (2002b), pois entendem


que a participação precisa de cidadãos com um nível mínimo de conhecimento
específico e vão além, ao explicar que a posse de conhecimentos específicos, não
garante decisões adequadas. Esta forma de pensamento irá contribuir para a
formação de alguns modelos de Compreensão Pública da Ciência, como será visto
adiante, dentre eles expertise leiga e engajamento público.
Já a perspectiva tecnocrática se aproxima, em partes, ao modelo de déficit
cognitivo, no que tange a entender o cidadão como recipientes vazios, portanto, a
alfabetização científica seria um processo dispendioso e desnecessário. Pacey (1990)
pontua: a democracia praticamente não tem espaço nas questões que afetam a
tecnologia, já que está vinculada a uma visão de progresso e de resoluções de
problemas. Assim, o especialista, melhor do que ninguém, pode comandar o
processo e a participação pública traria ao contexto o elemento de incerteza,
dispensável para se chegar aos propósitos finais.
103
Apesar das críticas à alfabetização científica, este artigo parte da premissa
que ela se fundamenta como um princípio básico para auxiliar nas tomadas de
decisões, inclusas àquelas acerca do meio ambiente. Além de que, é regida por
aspectos legais, éticos e inerentes aos avanços científicos. O que fará diferença é
como a participação e o engajamento serão estruturados a fim de efetivar o diálogo
entre experts e leigos, tendo estes últimos o embasamento mínimo necessário por
meio da formação científica, para uma contribuição de qualidade.

Modelos de Participação Pública e Meio Ambiente

A literatura acerca de mecanismos e de modelos de participação é vasta e


está intrinsecamente ligada aos estudos democráticos. Brossard e Lewenstein (2009)
oferecem quatro modelos de Compreensão Pública da Ciência que permitem refletir
sobre a viabilização participativa em cada um deles e pode ser apropriado para a
perspectiva ambiental, tendo em vista que ela compreende um dos eixos importantes
de ação da própria ciência.
Modelo 1 Déficit cognitivo
Considera linear a transmissão da informação dos especialistas
para o público, pela incapacidade deste último em entender
Características
ideias básicas ao campo da Ciência, são vistos, portanto, como
recipientes vazios.
A solução para esta problemática seria o preenchimento desta
lacuna de conhecimento, por meio da alfabetização científica. A
Solução boa transmissão de informação levaria a redução do déficit e
que, consequentemente, levaria a melhores decisões e muitas
vezes melhor apoio à ciência.
1) muitas das perguntas são feitas sem fornecer um contexto
(WYNNE, 1995) - 2) A Teoria da Aprendizagem mostrou que
as pessoas aprendem melhor quando os fatos e teorias têm
significado em suas vidas pessoais (Bransford, Conselho
Crítica Nacional de Pesquisa Comissão da Aprendizagem Pesquisa e
Prática Educacional, 2000); 3) A rotulagem categórica de pessoas
em "cientificamente analfabeta "ou" residual ", 4) ponto de vista
de "encher o déficit" não parece ter sido uma estratégia bem
sucedida.
Quadro 01: Modelo de Déficit Cognitivo
Fonte: Elaboração própria a partir de Brossard e Lewenstein (2009)

104
Ao pensar o processo de divulgação acerca das questões ambientais, o
jornalismo, por exemplo, trabalha em sua amplitude com o modelo de déficit
cognitivo, a partir da função proeminente de informar. Segundo Bueno (2007, p.35):

A função informativa preenche a necessidade que os cidadãos têm de


estar em dia com os principais temas que abrangem a questão
ambiental, considerando o impacto que determinadas posturas (hábitos
de consumo, por exemplo), processos (efeito estufa, poluição do ar e
água, contaminação por agrotóxicos, destruição da biodiversidade, etc.)
e modelos (como o que privilegia o desenvolvimento a qualquer custo)
tem sobre o meio ambiente e, por extensão, sobre a sua qualidade de
vida.

Estas informações abastecem os cidadãos, a partir de seus interesses de


consumo e condições de decodificação da mensagem, mas contribui de forma pouco
satisfatória para a troca de saberes e deliberações no espaço público, que se
reverberem em processos de governanças ambientais.
Práticas escolares e universitárias que atuam nesta lógica também têm pouca
eficácia, pois, por mais que ofereçam subsídio para uma alfabetização ou até mesmo
um letramento ambiental, pouco emancipam e trazem o aluno para a esfera da ação.
Pirolli e Costa (2005) pontuam que o modelo de déficit público de
conhecimento tem sido severamente criticado na Sociologia da Percepção Pública de
Ciência. No entanto, quando se trata de decisões públicas de assuntos científicos,
instituições políticas e científicas insistem na defesa do déficit model. Isto demonstra a
contradição entre discurso político sobre a participação cidadã e a prática discreta das
instituições (públicas ou privadas) às contribuições do ambiente social.

Modelo 2 Contextual
Reconhece a capacidade dos sistemas sociais e representações
midiáticas, sendo assim os indivíduos processam a informação não
Características
como recipientes vazios, mas de acordo com suas experiências
anteriores, o contexto cultural e as circunstâncias pessoais.
Destinado a públicos específicos que possuem a capacidade de
Aplicação
conhecer rapidamente assuntos particulares.
Apesar de reconhecer as implicações do contexto nas respostas e de
que as pessoas não são recipientes vazios, parece ainda assim, uma
versão sofisticada do modelo anterior, pois ainda se concentra sobre a
Crítica resposta dos indivíduos às informações. Como recorre a metodologias
de marketing e abordagens demográficas tem gerado crítica, pois pode
se destinar como uma ferramenta de mensagens para alcançar objetivos
específicos. A meta pode não ser a compreensão, mas a aquiescência.
Quadro 02: Modelo Contextual
Fonte: Elaboração própria a partir de Brossard e Lewenstein (2009)
105
O modelo contextual pode ser pensado a partir de práticas educativas que
reconheçam na experiência do sujeito um universo simbólico importante a ser
explorado como referencial para explicação. Ao resgatar a ideia do jornalismo
ambiental, arriscamos dizer que exerceria a função pedagógica, a quem Bueno (2007,
p.35) pontua que tem por finalidade explicar as causas e soluções para os problemas
ambientais “e à indicação de caminhos (que incluem necessariamente a participação
dos cidadãos) para a superação dos problemas ambientais”.
Em Frutal, Minas Gerais, por exemplo, o projeto de Práticas Ecológicas
proposto pelo município atua neste sentido, em propiciar por meio do ensino a
vivência ambiental dentro do seu contexto.

Modelo 3 Expertise leiga


Prima pelo conhecimento local, baseado na vida e histórias de
comunidades reais. As atividades de comunicação devem ser
estruturadas de forma que reconheçam o conhecimento e
experiência já obtida por comunidades que enfrentam questões
científicas e técnicas. Sugere que as atividades projetadas para
Características
aumentar a confiança entre os participantes de uma disputa
política são mais importantes do que as abordagens educacionais
ou informativas específicas. Portanto, destaca a natureza
interativa no processo científico e aceita o conhecimento de não
especialistas.
Ações em comunidades tradicionais ou grupos sociais com vasta
Aplicação
experiência.
Valorização do conhecimento local em detrimento ao sistema
científico moderno. Não fica claro como a expertise pode
Crítica
orientar as atividades práticas que podem melhorar a
compreensão do público sobre questões específicas.
Quadro 03: Expertise leiga
Fonte: Elaborado própria a partir de Brossard e Lewenstein (2009)

Para uma cobertura jornalística que proporcione uma compreensão holística


das questões ambientais é primordial que o jornalista entenda toda a amplitude que
envolve este tema, que pode abarcar análises sob o ponto de vista econômico,
cultural, social e político. Assim, o olhar sistêmico envolve desde a preservação da
fauna e da flora, “até as questões sociais ligadas diretamente o fator humano, como a
problemática da produção desenfreada de lixo, as condições de habitação e
saneamento, de produção alimentar e, inclusive, a valorização das comunidades
tradicionais e de seus conhecimentos nativos” (FRAIHA; MIGUEL, 2018, p.3).
106
Nesta perspectiva, para além da compreensão dos pareceres científicos e técnicos
sobre ações ambientais, entender o que as comunidades tradicionais têm a dizer é
fundamental neste modelo expertise leiga.
Ainda sob este viés, as práticas de educomunicação emergem das
necessidades e sonhos de grupos sociais específicos, não sendo, possível, portanto, a
formulação de perguntas e hipóteses em projetos sem a participação protagonista
dos membros integrantes da comunidade. O cientista não pode antever e sistematizar
um projeto desta natureza cujo o conhecimento do grupo não esteja empreendido
(SOARES, 2015). Ao explorar as práticas de educomunicação ambiental em escolas,
Lima e Melo (2007) esclarecem que cada instituição possui características específicas
e, por esta razão, as produções de saberes são únicas. O conhecimento e a
valorização às culturas escolares singulares devem antever às reflexões do projeto do
pesquisador, considerando que só assim se estabelecerá o vínculo de confiança entre
os participantes. Os sujeitos do grupo específico buscam atuar com protagonismo no
processo e estremecem os alicerces da hierarquia entre especialistas e leigos,
fortalecidos em grande medida pelas novas possibilidades das tecnologias digitais.

Modelo 4 Engajamento Público


Concentra em uma série de atividades que destina-se a aumentar
Características
a participação pública na política de ciência.
Essas atividades incluem consenso conferências, júris de
Aplicação cidadãos, avaliações tecnológicas deliberativas, oficinas,
sondagem deliberativa, e outras técnicas.
Crítica ao modelo de engajamento público: aborda mais a
Crítica
política do que a própria compreensão pública da ciência.
Quadro 04: Engajamento Público
Fonte: Elaborado própria a partir de Brossard e Lewenstein (2009)

Se concentrarmos mais uma vez na inflexão entre modelos de participação e


o jornalismo ambiental, apenas um dos instrumentos, dentre tantos outros de ação, o
modelo de engajamento público, traria a função política, a qual Bueno (2007, p. 35)
entende como:

A mobilização dos cidadãos para fazer frente aos interesses que


condicionam o agravamento da questão ambiental. Incluem-se entre
esses interesses a ação de determinadas empresas e setores que,
recorrentemente, têm penalizado o meio ambiente para favorecer os
seus negócios (indústria agroquímica, de biotecnologia, de mineração,
de papel e celulose, agropecuária, etc.). Incorpora também uma
vigilância permanente com respeito à ação dos governantes que, por
omissão ou comprometimento com os interesses empresariais ou de
grupos privilegiados da sociedade, não elaboram e põem em prática
107
políticas públicas que contribuem efetivamente para reduzir a
degradação ambiental.

No que tange às práticas educativas o modelo de engajamento estaria


voltado para perspectivas freirianas de processos de aprendizagem, que posicionam o
aluno em sua função de sujeito e não de objeto do conhecimento (FREIRE, 1977), e,
indo além, para que a função ativa do aluno se desdobre em um agir político.
Porém, mesmo o modelo de engajamento público, no qual pensa em
mecanismos participativos, que são muitas vezes viabilizados, o aproveitamento das
discussões por parte do governo ainda se mostra tímido. As assimetrias cognitivas
pelas defasagens na alfabetização científica e na comunicação para a ciência
ambiental contribuem para a polarização entre experts e leigos. A linguagem técnica
em debates públicos ou em órgãos colegiados faz com que, muitas vezes, os experts
sejam os únicos porta-vozes das decisões públicas e os interesses privados
dominantes se sobressaiam ao interesse coletivo de preservação do meio ambiente.

Considerações Finais

Apesar dos estudos identificarem os entraves e desafios aos processos


participativos é pertinente continuar refletindo sobre eles para lapidar deficiências
acadêmicas e observar experiências governamentais, no âmbito ambiental.
No Brasil nota-se que as decisões públicas na área da ciência encontram-se
muitas vezes entre pares (pesquisadores e cientistas), e nos assuntos ambientais em
políticos e empresas públicas ou privadas beneficiadas. Fato este agravado pela falta
de agendamento da mídia a questões importantes, como por exemplo, o caso dos
transgênicos ou demarcação de terras indígenas.
Esta realidade vinha sendo pensada e alterada paulatinamente por meio de
iniciativas governamentais como as consultas públicas online, os investimentos do
Ministério da Ciência e Tecnologia, os Conselhos Municipais de Saúde, os Comitês
Gestores de Bacias Hidrográficas, dentre outros, em governos anteriores. Mesmo
que, ao que parece, pela linguagem técnica, desigualdades de informação e
deficiências graves na comunicação científica. No entanto, o atual governo vem
produzindo um retrocesso a partir de iniciativas como extinção de colegiados criados
por Lei, tentativa de desmonte na educação pública, ameaças a ONGs ambientais, a
desestruturação do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis) e do ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade), “a contestação dos dados oficiais de desmatamento do sistema
Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), criado pelo governo Lula
em 2004 e que possibilita o ágil diagnóstico de áreas desmatadas. Além da demissão
do diretor do Instituto ao ser confrontado tecnicamente” (SILVA, 2020, s.p).

108
Bobino (2000), já alertava sobre algumas “promessas” não cumpridas pela
democracia real em contraste com a ideal e que, em certa medida, são obstruções
para a democracia deliberativa: o poder invisível e o cidadão não-educado.
Por isso, mesmo indo na contramão de alguns pesquisadores referência na
área, a alfabetização científica tem sim que ser pensada como uma componente
básica para a cidadania. E a escolha do (s) modelo (s) de participação deve (m) ser
articulada (s), não somente para mostrar iniciativas interativas, mas, também, como
formas eficazes que estimulem o diálogo entre governo e sociedade civil na
formulação de políticas públicas ambientais.

Referências

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STOUT, P. (eds.) Communicating science: new agendas incommunication.
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109
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https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/as-26-principais-violacoes-ao-
meio-ambiente-feitas-por-jair-bolsonaro/ acesso em 16 mar. 2020
SOARES, D. Educomunicação: o que é isto. São Paulo: Projeto Cala-boca-já-
morreu, 2015.

110
111
9. BLOCKCHAIN COMO TECNOLOGIA SUSTENTÁVEL E
TRANSPARENTE DE GOVERNANÇA NO ÂMBITO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Henrico Hernandes Nunes dos Santos20


Miriam Pinheiro Bueno21

Resumo

A corrupção é um elemento negativo, com reflexos de natureza econômica e social,


especialmente quando relacionada ao Poder Público. Em razão de graves e
frequentes situações, há tempos são tentadas soluções. No entanto, os métodos
utilizados têm se mostrado insuficientes. Nesse sentido, a razão deste artigo se
amolda à tentativa de prospectar novas ferramentas para adicionar um instrumento
inovador de enfrentamento à corrupção. Para tal, analisou-se a literatura sobre a
blockchain, e como ela poderia servir de ferramenta sustentável de compliance no
âmbito das instituições públicas brasileiras. A adoção de práticas de boa governança
e a observância do viés sustentável são imprescindíveis à eficiência da gestão pública.
A blockchain é uma nova tecnologia de registro distribuído que se funda na
descentralização como medida de segurança. Os resultados indicam a possibilidade
da utilização da blockchain aos fins propostos, com vantagens sustentáveis que
resultam na transparência, segurança e confiabilidade, inclusive com a potencial
redução de custos. Em convergência, a blockchain se mostra como uma alternativa,
pois oferece um ferramental tecnológico que pode auxiliar na aplicação de boas
práticas administrativas que visem solucionar a problemática. Com esta análise,
concluímos que a tecnológica blockchain é uma ferramenta eficiente para promover a
melhoria da gestão sustentável da Administração Pública.
Palavras-chave: Compliance. Gestão pública. Inovação tecnológica. Sustentabilidade.

20 Especialista em Direito Empresarial e Tributário pelo Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP).
Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera
(UNIDERP). Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação
(PROFNIT) junto à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Frutal/MG, Brasil. E-mail:
henrico.br@gmail.com
21 Doutora em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Professora de

ensino superior da Universidade do Estado de Minas Gerias (UEMG) Unidade Frutal e da Faculdade de
Tecnologia do Estado de São Paulo (FATEC) de São José do Rio Preto. Professora de pós-graduação
stricto sensu do Programa Nacional PROFNIT. Avaliadora do MEC/INEP. São José do Rio Preto/SP,
Brasil. E-mail: miriam.bueno@uemg.br
112
Considerações Iniciais

O Poder Público brasileiro enfrenta continuamente consideráveis


complicações de corrupção, redundando em enormes prejuízos com os mais
variados espectros (AZEVEDO, 2018, p. 49). Destaca-se o denominado Escândalo
do Mensalão, irrompido no ano de 2005, que resultou na Ação Penal n.º 470 junto
ao Supremo Tribunal Federal, consistente num esquema de compra de votos de
parlamentares, via mensalidades pagas por sujeitos ligados ao Poder Executivo, com
vistas à votação favorável em projetos legislativos. Isso indicou a deficiência das
ferramentas anticorrupção até então aplicadas, e mesmo os avanços institucionais
posteriores demonstraram sérias dificuldades para rompimento estrutural das
práticas corruptivas (PINHO; SACRAMENTO, 2018, p. 205).

Posteriormente, a legislação anticorrupção foi reforçada, por exemplo: 1)


Lei Federal n.º 12.527/2011, conhecida por "Lei de Acesso à Informação" (BRASIL,
2011); 2) Lei Federal n.º 12.683/2012, para combater a lavagem de dinheiro
(BRASIL, 2012); 3) Lei Federal n.º 12.846/2013 (BRASIL, 2013a), denominada “Lei
de Compliance” ou “Lei Anticorrupção”; 4) Lei Federal n.º 12.850/2013 (BRASIL,
2013b), que regula a colaboração premiada.

No ano de 2014 foi deflagrada a Operação Lava Jato, um novo escândalo


corruptivo. A Polícia Federal descobriu um esquema implicando, até o momento,
um montante de aproximadamente R$ 4 bilhões já devolvidos aos cofres públicos e
R$ 14,3 bilhões previstos de recuperação, a teor de dados do Ministério Público
Federal (2020).

A corrupção no cenário brasileiro pode ser confirmada por meio do Índice


de Percepção da Corrupção (IPC), principal indicador de corrupção no setor público
do mundo. Produzido desde 1995 pela Transparência Internacional, o IPC avalia 180
países e territórios e os gradua numa escala na qual 0 (zero) indica que o país é
percebido como altamente corrupto e 100 significa que o país é tido como muito
íntegro. Neste índice, o Brasil possui uma pontuação de 35/100, encontrando-se na
106.ª posição do ranking referente ao ano de 2019, a menor desde 2012, com
oscilações (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, 2020).

Os focos de corrupção podem ser exemplificados em vários setores, como


nas licitações e nos contratos públicos, destinação indevida de recursos materiais e
humanos (com gastos ilegais envolvendo diárias, horas extras, entre outros), pontos
nos quais há circulação de finanças públicas. Sobre tal aspecto, conforme Fortini e
Motta (2016, p. 94), acerca do PIB (Produto Interno Bruto), para a OCDE
113
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o custo
corruptivo é 5% do PIB analisado, impactando em mais de 1 trilhão de dólares
anuais, com um custo adicional de 25% dos contratos públicos de países em
desenvolvimento, prejudicando economia e direitos sociais.

A necessidade de mudança de práticas institucionais foi indicada pela


literatura correlata sob algumas perspectivas, como a melhor aplicação da regulação
licitatória pelos órgãos controladores, reduzindo níveis de corrupção e ineficiência. A
regulação também envolveria práticas de transparência para monitoramento de
licitações de maneira a induzir a melhoria da gestão pública (LAURINHO; DIAS;
MATTOS, 2017, p. 58).

Contextualmente, o presente trabalho se justifica pela necessidade de


sugerir uma proposta sustentável que contribua para a boa governança (compliance)
das instituições públicas, e que também colabore para uma melhoria nos aspectos
gerais de cidadania, dentro de uma perspectiva cultural e educacional da população,
sua percepção e seu comportamento com relação à corrupção, os quais carecem de
atenção (COSTA, 2018, p. 17).

Dessa forma, a questão a ser respondida é: A blockchain pode ser utilizada


como ferramenta para evitar/diminuir a corrupção no âmbito do Poder Público?

A sustentabilidade é paradigma a ser observado pela gestão administrativa


do Poder Público, implicando na mudança da dinâmica das organizações públicas e
seu comportamento (DUBOIS; SILVÉRIO; TOLENTINO-NETO, 2017, p. 66),
mormente não poder ser ignorado o fato de que a economia de recursos impacta
diretamente sobre o meio ambiente.
Com vistas à problemática proposta, a meta da presente análise é avaliar a
tecnologia blockchain como ferramenta viável de controle dos negócios das
Administrações Públicas, de forma sustentável e transparente.
A pesquisa exploratória é utilizada como fundamento para possibilitar a
coleta de informações sobre o objeto de estudo, permitindo o recorte adequado e
indicação de hipóteses (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013, p. 101). Por sua
vez, a pesquisa dissertativa, com o fim de estudar, analisar, registrar e interpretar os
elementos, com a menor interferência possível dos pesquisadores, é essencial para
apurar as razões acerca da potencial aplicação da blockchain e sua sustentabilidade no
âmbito da Administração Pública brasileira.
Mostrou-se também adequada uma pesquisa descritiva sobre os objetos
estudados, viabilizada por intermédio de dados, documentos e bibliografia correlata
(SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 35). Após isso, foi essencial desenvolver a
compreensão sobre a hipótese apontada como potencial solução para o problema
114
discutido, com a utilização do referencial teórico. Para seleção do material que
compõe a análise, houve pesquisa com marco temporal a partir de 2016, com
respaldo em bibliografia temática, bem como pesquisa nos endereços eletrônicos
institucionais pertinentes com dados atualizados.
Ao iniciar a discussão, o primeiro tópico abordou a sustentabilidade e o
compliance de maneira geral e sua aplicabilidade à Administração Pública. O próximo
analisou a blockchain, seu funcionamento e suas características. O último tratou de
como a blockchain pode ser utilizada de forma sustentável como instrumento
tecnológico no setor debatido.

Sustentabilidade como paradigma de compliance na gestão pública brasileira

A abordagem ética da sustentabilidade e suas implicações de natureza


principiológica, com vistas ao avanço do progresso e do desenvolvimento, alinha-se
a uma agenda que situa a sustentabilidade como valor constitucional. A
sustentabilidade é pauta de discussão no âmbito da Administração Pública,
principalmente no que concerne às contratações e procedimentos correlatos
(PINHEIRO, 2017, p. 69 e 134).
No âmbito da Administração Pública federal brasileira, em 2010, o então
denominado Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, editou a Instrução
Normativa n.º 01/2010 (BRASIL, 2010). A finalidade foi determinar critérios de
sustentabilidade que fossem adotados no âmbito da Administração Pública federal,
desde os processos de extração e fabricação até os meios de utilização e descarte de
produtos e matérias-primas. A literatura sobre o tema apontou que a aplicação de
critérios ambientalmente sustentáveis às licitações públicas permite diversas
vantagens ao Poder Público e à sociedade, tais como a redução dos gastos e a
melhoria da qualidade de vida (SOARES et al, 2017 p. 62).
Os hábitos de compliance (boa governança) tiveram maior destaque no
Brasil, no âmbito da Administração Pública, com duas legislações citadas, a Lei
Federal n.º 12.527/2011, conhecida também por "Lei de Acesso à Informação”
(BRASIL, 2011), e a Lei Federal n.º 12.846/2013, “Lei do Compliance” (BRASIL,
2013a). Nesse sentido, Azevedo et al (2017, p. 182) analisaram o compliance sob a ótica
da necessidade de cumprir, executar, obedecer, observar e satisfazer as imposições
normativas, tendo em vista a diminuição de riscos da atividade. Essa conformidade
pode implicar na diminuição de perdas financeiras oriundas de fraudes, ou perda de
reputação.
Outra perspectiva fornecida por Santos, Oliveira e Oliveira (2019, p. 97),
sobre programas de compliance é “a ideia de que os mesmos são maneiras de efetivar,
dentro de organizações privadas, o cumprimento de normas jurídicas e de fomento
ao respeito aos princípios éticos e morais da sociedade e do Direito”.

115
O compliance, tradicionalmente debatido com maior vigor no âmbito da
iniciativa privada, relaciona-se com a Administração Pública sob duas perspectivas: a)
nas relações entre a iniciativa privada e a iniciativa pública; b) com a possibilidade de
transposição de boas práticas de compliance para o âmbito da própria Administração
Pública. Ambos os aspectos interessam aqui no que diz respeito ao ambiente
organizacional público, com três bases: governança, gestão de riscos e
sustentabilidade. Importante destacar que aliar o compliance a tecnologias disruptivas,
como a blockchain, pode se mostrar uma solução interessante (GERCWOLF, 2019, p.
89-91).
Dessa forma, o estímulo à implementação de mecanismos de compliance é
um método de incentivo à sustentabilidade. O compliance público, apesar de carente
aplicação efetiva generalizada, mostra-se importante, em razão da corrupção
incrustada na estrutura de desenvolvimento econômico (KOVTUNIN et al, 2019, p.
119). Aliás, o compliance aplicado ao âmbito da Administração Pública é prática que
encontra demonstração efetiva em outros países, com resultados positivos (SOUZA;
MACIEL-LIMA; LUPI, 2018, p. 18-19).

Blockchain e seu funcionamento


Conceitualmente, Paiva Sobrinho et al (2019, p. 160) se utilizam da
concepção trazida por Narayanan et al (2016, p. 23-24) em estudo publicado pela
Princeton University Press, em que apresentam a:

[...] blockchain como uma cadeia de blocos conectados por funções


hash. As funções hash são funções matemáticas fáceis de calcular a
partir de um valor de entrada, porém praticamente impossível de
encontrar o valor inicial a partir do valor modificado pela função. Essa
característica da função hash confere ao blockchain a propriedade de
imutabilidade uma vez que os dados são armazenados em blocos eles
são submetidos a uma função hash e, consequentemente, não podem
ser alterados. Qualquer tentativa de modificar os dados armazenados
será notada, pois, alterará os valores finais da função hash. O
blockchain é armazenado em múltiplos servidores, computadores, de
modo que cada um pode ter a cópia completa de todos os registros na
rede Peer-to-Peer (P2), que estão sincronizados de modo tal que a
inserção de novos registros requer a validação da rede que estão
sincronizados por determinados mecanismos de consensos.

Outra definição, com uma tripla abordagem técnica, corporativa e legal, é


fornecida por Mougayar (2017, p. 4), com uma série de vantagens, a saber:
Por sua vez, Greve et al (2018, p. 3-4) apontam as principais características
da ferramenta tecnológica blockchain que podem colaborar de forma substancialmente
inovadora para aplicações e sistemas por meio dos seguintes itens: descentralização,
116
disponibilidade e integridade, transparência e auditabilidade, imutabilidade e
irrefutabilidade, privacidade e anomidade, desintermediação, cooperação e
incentivos. Tais aspectos se mostram muito úteis à Administração Pública
sustentável, com maior confiabilidade nos sistemas e transações públicas.

Blockchain como instrumento tecnológico sustentável de compliance para a


administração pública

A institucionalização dos mecanismos sustentáveis de gestão na


Administração Pública é relevante, com vistas à melhoria qualitativa dos dados
fornecidos aos cidadãos e demais instâncias de controle, na confiabilidade
governamental, no desempenho fiscal, nas estruturas de governo e na fiscalização da
corrupção, pois facilita o controle social e fortalece a relação entre sociedade e
Estado (REIS; ALMEIDA; FERREIRA, 2018, p. 165).
Um impacto imediato da utilização da blockchain seria sobre a organização
documental, e esta passaria a ser produzida de forma eletrônica, com redução
significativa das despesas com armazenamento de massa documental em busca de
um viés ambientalmente sustentável (CARDOSO; PINTO, 2019, p. 2).
Essa tecnologia facilitaria o armazenamento de dados e sua gestão, bem
como a abertura e disponibilização destes, diante das necessidades legais e
institucionais com vistas a combater a corrupção. Os smart contracts (contratos
inteligentes) gerados no interior da blockchain poderiam inibir a má governança, pois
estes só são rodados quando uma série de critérios especificados na programação são
validados pela rede para que a transação seja efetivada, e há maior agilidade
(MOURA; BRAUNER; JANISSEK-MUNIZ, 2020, p. 269-270).
Sobre custos, a implementação por meio de uma blockchain pública, como a
Bitcoin, gera taxas inerentes ao serviço, mas uma blockchain privada ou desenvolvida
para a instituição garantiria escalabilidade, compatibilidade e baixo custo de
implantação (SANTOS, 2018, p. 62). Em potencial desvantagem, os recursos
energéticos para a produção de blocos (condição à continuidade do sistema) por
meio da "mineração" destes é bastante considerável. Um exemplo é o gasto
energético anual da plataforma Ethereum estimada em 9,87 TWh (Terawatt-hora) em
novembro de 2018, equivalente a aproximadamente 2% do gasto em energia elétrica
consumida no Brasil no ano de 2016 (MARTINS, 2019, p. 60). Porém, isso
dependerá da matriz energética utilizada, a qual poderá caminhar para meios mais
sustentáveis.
Acerca do impacto da possível redução de gastos, como parâmetro, em
estudo realizado pela Accenture, a blockchain apresentou potencial para diminuir em
30% os custos de infraestrutura de oito dos dez maiores bancos de investimento do

117
mundo, com estimativa de redução de US$ 12 bilhões em economias anuais de
despesas (VIEIRA, 2018, p. 95).

Análise de resultados

Cumpre destacar que a amplitude e a diversidade da aplicação da blockchain


está fomentando o interesse nas mais diversas áreas de gestão, como finanças,
economia, energia, sustentabilidade e saúde (CASTAÑEDA-AYARZA; NEVES;
TEIXEIRA, 2019, p. 83).
Os mecanismos de tecnologia de informação e comunicação (TICs)
tendem a gerar maior transparência e facilitar o combate a atos corruptivos, o que
converge para uma gestão sustentável, com diminuição das despesas para correção
das situações impactadas. Dentro da proposta, visa-se maior aplicabilidade da
blockchain à seara pública, no âmbito dos contratos e negócios, bem como quaisquer
situações em que se objetive segurança de dados e informações, além de
rastreabilidade e facilitação de acesso, com destaque também a potencial redução de
custos a depender do tipo de blockchain adotada (BOVÉRIO; SILVA, 2018, p. 120),
fatores que demonstram alinhamento com a sustentabilidade.
A maior automatização dos procedimentos, bem como a remoção de
intermediários responsáveis, por meio dos smart contracts, também são elementos que
colaboram para a diminuição de despesas e tempo das transações (BELEZAS et al,
2019, p. 3).
A literatura sobre o tema demonstrou que o mecanismo consiste em uma
solução sustentável, com garantia da otimização de espaço de armazenamento das
operações realizadas no sistema e, ainda, que as pesquisas por transações neste
podem ser praticadas com maior velocidade. Além disso, experimentos evidenciaram
a segurança do sistema, no que diz respeito à inviolabilidade das informações
(RODRIGUES, 2017, p. 159-160).
A proposta aqui sugerida foi adotada, de modo semelhante,
satisfatoriamente em vários governos nacionais, como Estados Unidos, Estônia,
Israel, Holanda, Nova Zelândia e Reino Unido. Ou seja, surgem precedentes sérios e
idôneos que autorizam a implementação dessa tecnologia em território brasileiro,
inclusive com a possibilidade de intercâmbio de informações e experiências com
outros países (ALCÂNTARA et al, 2019, p. 12).
O próprio Governo Federal brasileiro, por meio da Portaria da Receita
Federal do Brasil n.º 1.788/2018 (BRASIL, 2018), autorizou a disponibilização de
dados por intermédio de fornecimento de réplicas, parciais ou totais, até 31 de julho
de 2019, via blockchain. Posteriormente, a Portaria n.º 55, de 3 de julho de 2019, da
Coordenação-Geral de Tecnologia da Informação (BRASIL, 2019), pertencente à
Receita Federal do Brasil, em seu art. 2.º, também autorizou a blockchain.

118
Dessa forma, a resposta à pergunta de pesquisa formulada pode ser
respondida positivamente ao se apontar a blockchain como solução sustentável.

Considerações Finais

Em razão do panorama analisado com inúmeros problemas de governança


no âmbito do Poder Público brasileiro, os ferramentais atuais têm se mostrado
insuficientes para conter a onda de corrupção que avança rumo às mais variadas
ramificações do setor estudado.

Nesse sentido, a sustentabilidade e o compliance são apresentados como


parâmetros. Dessa forma, verifica-se a necessidade de adoção de medidas
sustentáveis de boa governança, com possibilidade via blockchain, nas relações
envolvendo a Administração Pública. A blockchain, dessa forma, permitiria, por meio
de seus atributos, como segurança, rastreabilidade, alto grau de transparência, meios
de cercear a ocorrência de casos de desvio de recursos ou, ao menos, dificultar
significativamente a ocorrência de focos de corrupção e, ainda, reduzir custos e
impactos ambientais estruturalmente existentes.

Como tentativa de viabilizar tal objetivo, a análise acerca da blockchain


apresentou possibilidades que podem suprir as referidas necessidades e sanar, ao
menos parcialmente, os problemas que envolvem corrupção e danos ao erário
público, num viés sustentável. Destaquem-se os smart contracts, com segurança das
transações sem intermediários e a publicidade dos dados relativos a tais negócios
para que todos os cidadãos e órgãos de controle possam monitorá-los, o
compartilhamento de tais dados, redução de custos, entre outros benefícios.

A blockchain não visa resolver todos os problemas de corrupção. Trata-se


de mais um mecanismo de administração e controle de atos e informações públicas
que pode dificultar a corrupção, com a ampliação da boa e transparente governança
sustentável e a potencial entrega de resultados positivos à sociedade.

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10. CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS SERPENTES: UMA INVESTIGAÇÃO
ETNOBIOLÓGICA EM SALINAS-MG

Thaís Larissa Lourenço Castanheira22


Artur Rodrigues Pereira23
Frederico Rodrigues de Oliveira24
Eduardo Garrido25

Resumo
A construção coletiva do conhecimento é um processo marginalizado de forma
recorrente, não havendo espaço para essa discussão dentro do conhecimento
científico nas academias. Silva e Melo Neto (2015) trouxeram essa provocação,
questionando essa queda de braço que o conhecimento científico insiste em
perpetuar ao indagarem “O que se está falando ao pôr em evidência a relação entre o
saber popular e o saber científico?”. Apesar das tentativas de sufocamento dos
saberes tradicionais, sua característica nômade e oral permite que ele permaneça e se
reinvente. A etnobiologia é a ciência que vem a desenvolver uma ponte entre essas
duas ciências e é por meio dela que este trabalho teve por objetivo investigar a
construção social das serpentes pela perspectiva dos frequentadores do Mercado
Municipal de Salinas-MG, determinando-se assim os aspectos biofílicos com relação
às serpentes. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e a escolha dos
entrevistados foi definida pelo método de snow-ball. As entrevistas foram gravadas e
o conteúdo gerado transcrito, preservando as peculiaridades linguísticas populares,
mantendo seu sentido e adequando-o para o registro etnobiológico. Concluiu-se que
há uma relação de biofilia mista. Quando negativa, culmina, muitas vezes, com o
abate destes animais e transmissão oral das lendas criadas na região onde há a

22
1 Mestre em Medicina Veterinária pela UNESP. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG). Salinas, Minas Gerai, Brasil. E-mail:
thais.castanheira@ifnmg.edu.br
23
Licenciado em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Norte de Minas Gerais (IFNMG). Salinas, Minas Gerai, Brasil. E-mail: arturrodriguessbio@gmail.com
24 Graduando em Medicina Veterinária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Norte de Minas Gerais (IFNMG). Salinas, Minas Gerai, Brasil. E-mail:
fredericooliveira.medvet@gmail.com
25
Doutor em Medicina Veterinária pela UNESP. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG). Salinas, Minas Gerai, Brasil. E-mail:
eduardo.garrido@ifnmg.edu.br

125
impregnação do termo “maldade” e “vingança”. Quando positiva, embora também
leve ao abate dos animais, estes são usados para práticas medicinais locais.

Palavras-chave: Conhecimento nômade. Bioflia. Répteis. Meio ambiente.

Considerações Iniciais

É comum, no meio acadêmico, a exclusão da cultura e dos saberes populares


da comunidade local. Isso porque o conhecimento dos não letrados e todo o seu
ambiente, por ser conceituado como não científico, fica à margem das pesquisas
(NASCIBEM; VIVEIRO, 2015).
O conhecimento científico deve ser embasado no método científico, o qual
será verificado, repetido e validado, sendo isento de subjetividade. Os saberes
populares, por sua vez, são mais flexíveis, inclusive em suas denominações, podendo
ser chamados também de senso-comum ou saberes tradicionais. Insere-se neste
contexto o conhecimento das propriedades terapêuticas e medicinais dos animais e
plantas, suas receitas, as rezas e os seus gestos, a sensibilidade para percepção de
fenômenos naturais, como por exemplo, o tempo para plantar e para colher,
classificação de animais e plantas, entre tantos outros conhecimentos passados pela
oralidade (BASTOS, 2013).
Silva e Melo Neto (2015, s.p.) fazem uma reflexão/provocação desta tensão
entre o conhecimento científico e o popular:

Parece que o desejo daqueles setores acadêmicos é de posicionar, frente


a frente, ambos os saberes para possíveis comparações e, talvez, como
numa queda de braço, definir-se o que tem mais força. Nesses
patamares, é necessária a resposta à questão: O que se está falando ao
pôr em evidência a relação entre o saber popular e o saber científico?

Esta problemática foi trabalhada no campo da filosofia por Gilles Deleuze e


Félix Guattari, na obra Mil Platôs, na qual pontuam os conceitos de Ciência Maior e
Ciência Menor, a primeira busca cristalizar as formas dominantes de saber, a partir da
produção de verdades universais e do uso de uma metodologia científica estrita, a
Ciência Menor caracteriza-se pela sua fluidez e uma excentricidade que
desterritorializa a Ciência Maior, justamente por seu caráter nômade. Nesse sentido a
Ciência menor pode ser caracterizada, a rigor, como uma não ciência, um arremedo
tangente à ciência, marginal, uma vez que ela não intenciona ser universal, eterna e
isenta de conflitos e paradoxos como preconiza a Ciência Maior (ZANETTI;
FRANÇA, 2007, p.12; DUARTE; TASCHETTO, 2013, p.112-13).
O saber popular, torna-se assim, subversivo, político e ingovernável ao
alcance da intervenção disciplinar ou de controle. Como resposta, Deleuze e Guattari
126
(1997, p. 27), pontuam que a Ciência Menor é submetida “a regras civis e métricas
que vão limitá-la de modo estrito, controlar, localizar a ciência nômade, e proibi-la de
desenvolver suas consequências através do campo social”. Apesar destas tentativas
de sufocamento e até desmerecimento das Ciências Menores, o nomadismo destas
práticas de saberes, contribuem para que elas coexistam e se reinventem.
Salinas é uma cidade interessante, como particularmente pontua Lisboa
(1992) acerca da riqueza cultural dos costumes e crenças tradicionais, tais como
rezas, benzimentos, beberagens milagrosas e passes mágicos com palavras
cabalísticas do local. Todos dentro de um contexto de fases da lua, horas e dias de
aplicação. Estas práticas são listadas para as seguintes finalidades: queimaduras,
cortes, hemorragias e acidentes ofídicos. No caso de acidentes ofídicos, as
recomendações são: o uso de purgante de jalapa (Mirabilis jalapa) associado a
colomelano, cloreto mercuroso (Hg2Cl2), seguido de repouso sendo este
recomendado em casos de acidentes com cascavéis (Crotalus durissus). Outro
exemplo que Lisboa (1992) menciona é que “tinham que queimar o local da ferida
com uma brasa viva, ou mascavam fumo com a boca e, assim preparada, chupavam
o sangue da ferida, forçando-o a sair”. Esta última recomendação também foi
descrita como tratamento tradicional em Itatiaia, também em Minas Gerais por
Mateus et al (2011).
Um conceito implícito nas relações entre homens e animais silvestres é o de
biofilia, conceito que analisa a afinidade entre o ser humano e outras espécies vivas,
trazendo à tona atividades psicológicas decorrentes da percepção dos aspectos
associados ao convívio com outras formas de vida. Percebe-se, assim, que os répteis,
em especial as serpentes, apresentam uma biofilia intensa em relação à cultura
humana local, até mesmo colocando em risco sua preservação, posto que a imagem
da serpente entra tão profundamente na psiquê humana, que dificilmente passa
despercebida (WILSON, 1984).
O ramo da ciência que estuda esta relação humana com os outros seres vivos
é denominado etnobiologia. Ponsey (1986) a definiu como o ramo da ciência que
estuda o funcionamento da natureza pela perspectiva cultural humana, de
determinados ambientes, com conceitos de organização geralmente originais daquele
povo, por meio de suas vivências do dia-a-dia, como cultivo, espiritualidade, mitos,
ritos, cerimonias ou crenças.
Animais, em especial as serpentes, tem profunda influência na psiquê
humana. Na nossa percepção cultural, as serpentes transitam entre o sagrado e o
profano; a cura e a morte; a renovação e o mau presságio; e é colocada como uma
representante competitiva aos recursos naturais de interesse humano (CARDOSO et
al. 2009; FERNANDES-FERREIRA et al. 2012).
A construção da identidade de um animal pela perspectiva da cultura
observadora, tem como uma das bases a utilidade ecológica daquele ser para aquela
127
cultura e, por outro lado, a sua nocividade. Nota-se a baixa empatia humana em
relação aos répteis, em especial às serpentes, pela negativa de qualquer benefício ou
função ecológica destes animais em contraposição à sensação de perigo que
apresentam ao homem (BARBOSA et al., 2007).
Para a ciência clássica, os anfisbenídeos (cobras-de-duas-cabeças) não são
serpentes peçonhentas, porém, esta distinção não ocorre para o senso comum.
Mateus et al. (2011) observaram a construção etnotaxonômica destes animais na
cidade de Itatiaia no Estado de Minas Gerais observando-se que entre os 48
entrevistados, o termo “cobra” indicava perigo (17%); que sua mordida é incurável
(27,58%); que a espécie tinha duas bocas (13,79%); que era verdadeira a afirmação da
presença de peçonha (10,34%); e, uma parcela dos entrevistados não souberam
descrever o porquê achavam o animal perigoso (31,29%). Pough, Janis e Heiser
(2008) afirmam que os anfisbenídeos não são cobras, não são peçonhentos e nem
possuem duas cabeças ou bocas, são animais de hábitos crípticos, logo, de difícil
observação e inofensivos aos humanos.
No caso das serpentes peçonhentas, para a população do município de
Pedra Branca no Estado da Bahia, possuem a habilidade de “ofender”, termo
utilizado pela comunidade para representar a capacidade de causar danos físicos,
emocionais e místicos para a vítima. A “ofensa” gerada pelo animal de acordo com a
população, não se baseia na mordida em si, mas em uma intenção que o animal move
contra o homem, causando seu mal. Santos-Fita e Costa Neto (2007) salientam que
este ato se estende a outros animais que causam a sensação de medo, nojo ou ameaça
ao bem-estar físico e emocional do ser humano, passando a ideia de que estes
animais tem o propósito de causar mal-estar à população.
Assim, Costa Neto et al. (2005) demonstram que o não entendimento da
biologia do animal gera uma série de mitos para explicar seus fenômenos. Os autores
descrevem o processo no qual um inseto teve seu ciclo biológico associado à
metamorfose final em uma cobra pela população sendo o inseto em questão críptico.
O referido animal possui uma importância cultural, uma vez que atrai a atenção da
população, demonstrando com clareza, o processo de formação de um conceito
etnobiológico a respeito de uma espécie.
Oliveira et al. (2018) descreveram a carência de estudos etnobiológicos na
região de Salinas – MG e revelaram um possível conflito entre a população e as
serpentes, uma vez que, observaram fatores importantes e inerentes da evolução e
importância ecológica destes animais que são ignorados. Um exemplo citado pelos
autores da relevância destes animais é o controle biológico de animais sinantrópicos,
como roedores.
Com este trabalho objetivou-se resgatar e registrar os saberes populares
sobre serpentes, buscando o resgate e a perpetuação de parte da identidade cultural
de Salinas e região, preservando temas místicos e estereotipados, como os que
128
envolvem os répteis, registrando-os nos modelos da etnobiologia, como uma forma
de ferramenta que une a metodologia científica com a valorização da subjetividade e
dos valores locais.

Materiais e Métodos

A pesquisa ocorreu entre setembro e novembro de 2018, onde foram feitas


entrevistas semiestruturadas em fluxo de conversação segundo Boni e Quaresma
(2005), consistindo na combinação de perguntas onde a entrevista torna-se similar a
um diálogo comum, porém o entrevistador demarca limites, direcionando-os para os
objetivos propostos. Para Boni e Quaresma (2005), neste tipo de entrevista o
pesquisador tem a possibilidade de conduzir a conversa, realinhando a entrevista
com o tema proposto, se necessário. Por outro lado, dá ao entrevistado a liberdade
de se expressar, mesmo que este tenha limitações com a leitura ou com a escrita,
possibilita correções de informações ou eliminação de dúvidas, que entrevistas
escritas não permitiriam, permite o aprofundamento em temas de interesse que
surjam aleatoriamente. Os autores lembram ainda que o sucesso de uma entrevista
depende de um bom planejamento, conhecimento prévio do assunto e a formulação
de perguntas claras.
Utilizou-se também a metodologia snow-ball (BAILEY, 2008), que, por
indicação do entrevistado anterior, encontra-se o próximo entrevistado e assim por
diante, como uma bola de neve. Cada novo entrevistado é normalmente considerado
pelo anterior como um “especialista popular”, que poderá trazer informações mais
fidedignas e em maior quantidade.
As entrevistas foram gravadas e o conteúdo gerado transcrito, preservando
as peculiaridades linguísticas populares, mantendo seu sentido e adequando-o para o
registro etnobiológico. Os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecidos e suas identidades foram mantidas em sigilo.

Resultado e Discussão

Foram registradas dez entrevistas, das quais quatro eram homens e seis
mulheres. A idade dos entrevistados variou de 42 a 96 anos. Quanto à escolaridade,
um entrevistado não declarou; seis declaram com ensino fundamental incompleto;
um com ensino fundamental completo; um com ensino médio completo, um com
ensino superior incompleto. Este último, declarou ter realizado cursos técnicos em
medicina tradicional chinesa. Quanto à religião, nove declararam-se católicos e um
presbiteriano. Quanto ao ofício, este se apresentou de maneira diversa e sobreposta,
aos ofícios tradicionais encontrados no Mercado Municipal de Salinas-MG. Destoou-

129
se uma massoterapeuta e uma aposentada, pois foram indicadas como especialistas
(Tabela 1).
Os entrevistados que apresentaram maior número de atribuições negativas
às serpentes inseriram em suas palavras os termos “mau” e “vingativo”. Estas
respostas parecem indicar uma relação com a escolaridade dos indivíduos, uma vez
que estes entrevistados possuíam ensino fundamental incompleto. Enquanto os
entrevistados com ensino fundamental completo, ensino médio completo e superior
incompleto apresentaram uma percepção ecológica mais ampla do contexto das
serpentes em relação ao grupo com menor escolaridade. Diferente do encontrado
por Batistella, Potter e Vale (2005) não houve grande discrepância entre os
conhecimentos entre homens e mulheres, bem como entre diferentes níveis de
formação educacional.
Também é interessante notar que há uma forte tendência em associar
representações nocivas (como as palavras com conotação negativa) às cobras em
algumas comunidades (BARBOSA et al., 2007).
Todos os entrevistados apontaram as lavouras, principalmente em meio à
colheita e áreas de pasto como os principais locais de conflito (encontro) entre
pessoas e serpentes no município de Salinas-MG. Outros complementaram como
locais adicionais fontes de água fresca e locais frescos; casas e locais de criação de
animais. Outros ainda não relataram encontros diretos, somente reproduziram
histórias passadas oralmente das experiências de outras pessoas ou apenas ter visto
uma jiboia na estrada.
Idade
Entrevistado Sexo Escolaridade Religião Ofício
(anos)
Fundamental Açougueiro /
01 60 Homem Católico
Completo Lavrador
Fundamental Feirante de
02 65 Mulher Católica
Incompleto temperos
Fundamental Feirante de
03 69 Mulher Católica
Incompleto temperos
Lavrador /
Fundamental feirante de
04 55 Homem Católico
Incompleto cereais e
hortaliças
Lavrador /
Fundamental feirante de
05(a) 58 Mulher Católica
Incompleto cereais, frutas e
hortaliças

130
Lavrador /
Médio feirante de
05(b) 60 Homem Presbiteriano
Completo cereais, frutas e
hortaliças
Superior
06 42 Mulher Católica Massoterapeuta
Incompleto
Fundamental
07 76 Mulher Católica Cozinheira
Incompleto
Fundamental
08(a) 96 Mulher Católica Aposentada
Incompleto
08 (b) 44 Homem ND Católico Comerciante
Tabela 1. Perfil dos entrevistados do experimento quanto a idade, sexo,
escolaridade, religião e ofício.
ND: não declarado.
Fonte: Elaboração própria

Entre as espécies relatadas, de acordo com a classificação popular, os


entrevistados fazem uso dos termos jararacas (gênero bothrops), cascavéis (gênero
crotalus), cobras-corais (gênero Micrurus) e jiboias (Boa Constrictor), na região. A jiboia é
um espécime não descrito na região norte de Minas Gerais, em cadernos técnicos
científicos, mas foi relatada pelos entrevistados. Também Oliveira et al. (2018),
relataram que exemplares da espécie Boa constrictor ainda não estavam descritas como
presentes nesta região. Percebe-se aqui, como o conhecimento popular pode ser
antecessor, muitas vezes, ao registro da ciência tradicional.
O reconhecimento por todos os entrevistados de espécies da família
Viperidae (jararacas e cascavéis), demonstra a importância de estudos destes
exemplares na região de Salinas-MG. Os viperídeos são compostos por animais
peçonhentos de interesse médico, tanto devido aos acidentes quanto pela produção
de soro antiofídico (CARDOSO et al 2009).
As características morfológicas relatadas pelos entrevistados variam e, em
concordância com os estudos de Cardoso et al (2009), as características levantadas se
mostraram relevantes na identificação de animais peçonhentos, com a ressalva de
que estas devem estar associadas entre si para que esta identificação seja fidedigna.
 Cor das escamas: a cor verde foi percebida pelos entrevistados como
animal não peçonhento. As cores vermelho, amarelo e preto como cores de animais
peçonhentos. O que pode levar à falsa percepção de que todas as espécies de corais
são verdadeiras.
 Características da cauda: a ponta branca ou o afilamento repentino da
cauda são percebidos como peçonhento para um tipo de jararaca, assim como o
guizo para as cascavéis.
131
 Formato da cabeça: apontado como indício relevante para identificar
serpentes peçonhentas.
 Formato da pupila: um entrevistado apontou notar a pupila verticalizada
em animais peçonhentos, tal informação é assertiva para a família Viperidae, onde
todos os representantes possuem tal característica.
 Tamanho e espessura do animal: muitos dos entrevistados (60%)
afirmam que animais de maior circunferência e de maior porte possuem menor
chance de serem peçonhentos, provavelmente, levaram em consideração o hábito de
constritoras como as jiboias.
A Identificação errônea das serpentes potencialmente peçonhentas no Brasil
pode contribuir com o número de acidentes e por consequência dificultando ainda
mais a relação entre o homem e estes animais (MOURA et al, 2010).
É interessante notar que a baixa biofilia das serpentes se traduz em uma
aversão humana aos locais em que elas são encontradas e a todos os adjetivos que
são associados a estes animais. Fernandes-Ferreira et al. (2012) destacaram que a
baixa biofilia impede a aproximação dos humanos a estes animais, contribuindo na
geração de lendas e histórias.
O entrevistado 7, por exemplo, relatou que uma vez, acidentalmente, pisou
em uma cascavel enquanto colhia feijão, mas que escapou do bote. Contudo o
espécime ficou lá à espreita do entrevistado:

Chamei meu primo para ir lá matar pra mim, aí meu primo foi lá [...] ai
ele foi abrindo assim com a espingarda, abrindo, abrindo, ai quando
olhou, ela tava lá me esperando, fez a rudia e ficou com a cabeça e com
a linguinha pra fora. Valença que não fui! Fui lá mais nunca, ia de
manhã cedo pegar coisa na roça, cascavel tá lá dormindo no sol, no
meio da estrada, mas eu chego lá e nem mexo com ele e nem matar.
Porque disse que se a gente matar ela, mal morta que ela não morre e
fica esperando a gente. (Entrevista 7).

Essas características mostram o aspecto antropomorfizado nas lendas, com


características humanas negativas, como vingança, raiva ódio e rancor:

E meu pai me contava a história, diz que um menino tinha uma roça
do outro lado do córrego, e lá tinha uma madeira que ele trévessava pra
ir na roça né, e que um dia que ele matou uma cobra, cortou a cabeça
dela e ela foi embora, e que o homem foi embora também pra São
Paulo e ficou lá por muitos anos, meu pai me contava, ele foi embora e
ficou por muitos anos lá, quando ele voltou, uns vinte anos atrás, que
ele falou assim: “ Ah, eu vou lá ver aquele lugar lá.” – que ele tinha
roça, que ele ficava, era minador, que a água minava né, aí que ele foi,
disse que quando ele foi travessando lá que ela ficou esperando ele,
virou igual uma linha, e que ele foi travessando que ela pegou ele e

132
matou, ele morreu na hora, tava igual um fiinho de cabelo assim,
quando se matar a cobra não pode deixar ela ir embora, tem que matar
ela ou deixar embora sem mexer ou então matar, porque ir embora mal
morta, diz que se ela viver que ela espera a gente, assim o povo conta
né. (Entrevista 7)

De acordo com a crença local a serpente só seria morta caso


houvesse o esmagamento da cabeça, pois senão, para os populares locais, ela seria
capaz de sobreviver e realizar sua “vingança”. As lesões na cabeça, levando à morte
por traumatismo craniano, foi descrito por Oliveira et al. (2018) nos exemplares
necropsiados em Salinas.
Os mecanismos de inoculação da peçonha também atiçam o imaginário
popular, com afirmações de a cascavel não “morde” e sim “ferroa” e que o “espin”
(ossos) possui estruturas que podem fazer mal, caso perfurem a pele.

O osso da cobra ele é perigoso, se você jogar ela em qualquer lugar se a


pessoa espetar o pé com o osso ou o espinho dela, passar ali, vamo
supor, furar o pé da pessoa. É capaz de ficar até aleijado. Pior que o
veneno. Quando ela é perigosa, aquele ossinho quando entra no pé da
pessoa mata a pessoa, pessoa fica aleijado. (Entrevista 05).

De maneira genérica, a cobra é um animal associado a maldade:

Pesquisador: A senhora já ouviu falar de algum comportamento de


alguma cobra?
E: Não.
P.: Não matar essa cobra porque ela serve pra isso ou vai fazer isso?
E: Eu não sei não. Quando a gente vê essas cobra maldosa, a gente dá
ponto, é de matar logo.
P: E tem alguma coisa que te diz que a cobra é maldosa?
E: Eu acho que toda cobra é maldosa agora só que eu sinto que a cobra
ela pega qualquer coisa seja uma pessoa, seja um animal, qualquer coisa
porque infeza ela e ela faz aquilo pra se defender. Nós quando nós vê
um perigo que quer atacar, nós não vai caçar jeito de procurar
defender? acho que a cobra é a mesma coisa (Entrevista 02).

Alguns entrevistados relataram que a sensação de medo seria em decorrência


da capacidade que o animal possui de inocular veneno, porém outros indivíduos não
souberam explicar o pavor natural que sentem pelo animal.
Para 70% dos entrevistados as serpentes não têm importância ecológica e
são considerados animais que apenas objetiva competir com o homem ou lhe causar
danos.
Conflitos foram percebidos através dos relatos de encontros com estes
animais, aonde 70% dos entrevistados relataram ter medo e abater o animal; 10%
133
descreveram medo, mas que abateriam o animal apenas se julgado peçonhento;
outros 10% referiram medo, mas só abateriam o animal se estivesse próximo às suas
residências; e, 10% retiraram o animal do local sem abater. Outro costume relatado
foi o de benzimentos para afastar cobras das propriedades, segundo a crença local
alguns moradores têm a habilidade de banir os animais das propriedades por meio de
orações, sendo solicitados periodicamente para estes fins.
Como já descrito, os maiores encontros acontecem em lavouras, pastagens,
criação de animais e fontes de água. Ao se analisar, a macrorregião de Salinas, no
norte de Minas Gerais, com sua economia voltada à agricultura e à criação de
animais, sendo expressiva a produção de cachaça, nota-se um espaço geográfico de
área rural, matas degradadas, vilarejos. Esta característica espacial e econômica
reproduzem características semelhantes de conflito como descrito por Yue,
Bonebrake e Gibson (2019), em que que habitats alterados ou de baixa qualidade,
como matagais ou áreas com vegetação mínima, possuem conflitos humanos-
serpentes mais altos, provavelmente porque essas áreas contêm densidades
intermediárias de cobras e seres humanos em níveis de perturbação quanto à sua
ecologia natural.
Percebe-se uma biofilia positiva das cobras quando relatam que estes animais
são capazes de afastar possíveis pragas como ratos em plantações, como os canaviais;
e, a possibilidade de que algumas cobras não peçonhentas se alimentarem de cobras
peçonhentas, em que 40% dos entrevistados associaram a diminuição das
peçonhentas em suas propriedades por este fato.
Rocha e Mendes (2005) defendem que a percepção da importância
ambiental está comumente ligada a algum benefício exclusivo para humanos, neste
caso proteção de vetores de zoonoses em lavouras e ao equilíbrio do número de
serpentes sem interferências humanas no meio ou abate direto.
Algumas práticas caseiras e tradicionais se tornaram secundárias ou obsoletas
na opinião de 60% dos entrevistados no tratamento dos acidentes ofídicos,
preferindo-se o uso do soro antiofídico e consulta médica. A mesma percepção
ocorre no estudo de Fernandes-Ferreira et al. (2012). Não houve relação do nível de
escolaridade com as práticas de medicina tradicional ou curandeirismo e rezas, assim
como notado por Moura et al. (2010), que ressaltam que o abandono destas últimas
práticas pode ser reflexo do acesso e melhoria dos serviços de saúde.
As práticas tradicionais ainda persistentes entre os entrevistados são o uso de
álcool, cachaça e rum aplicando no local da picada e uso de cinco dentes de alho
batidos em água e ingerido por via oral. Porém estas se mantiveram como maneiras
de combater a peçonha até chegarem ao auxílio médico. Lisboa (1992) já mencionava
que estas práticas medicinais tradicionais, estavam diminuindo, tanto em suas
variedades quanto na crença de quem recebe.

134
Entre as crenças descritas, o entrevistado 5 relatou que a ingestão oral da
peçonha poderia salvar a pessoa do veneno e tentou recordar a forma de extração do
veneno para tal fim:
Entrevistado 5a: Se... se matar ela na hora e tirar o veneno dela e dá à
pessoa pra tomar um pouquinho, a pessoa é curada do veneno dela.
Pesquisador: E como que tira o veneno dela?
Entrevistado 5a: Eu não sei se é cortado na barriga, onde que é. Eu não
sei te explicar isso daí, mas eu já vi falando isso daí. Que esse povo de
antigamente sabia.

Houve menção de práticas zooterápicas por meio do uso da gordura


corporal da Jiboia, referida como “banha”. As finalidades terapêuticas descritas
foram: analgesia, contra atrofia de nervos e músculos e relaxante muscular. Em suas
recomendações de uso incluiu a diluição em outros compostos que tenham a mesma
função, buscando-se assim, um efeito potencializador. O entrevistado recomendou
beber algumas gotas da banha de jiboia, sem que ultrapassasse o volume de uma
colher de chá. Outro entrevistado apontou que a banha pode ser utilizada na forma
de pomadas e cremes, sendo práticas pessoais de experiência própria. Como efeito
colateral relatou-se possíveis atrofias musculares, de nervos e tendões. No artigo de
Falodun, Owolabi e Osahon (2008), estes demonstram a ação antibacteriana, anti-
inflamatória e analgésica da gordura de jiboias, sugerindo um mecanismo de inibição
da formação de prostaglandinas, substâncias essas de caráter pró-inflamatório e que
podem sensibilizar nocirreceptores, induzindo dor. Também, Souza et al. (2017)
avaliaram a ação da gordura de sucuris (Eunectes murinus) como cicatrizante em feridas
de pele em camundongos, concluindo que houve uma resposta superior da gordura
da sucuri, o que eles atribuem à alta presença de ácidos graxos, possibilitando a
realização reações bioquímicas necessárias ao processo cicatricial.
O uso do guizo da cascavel colocado em conserva na cachaça foi relatado
para usos gerais, do tipo “bom pra tudo”.
O veneno de cobras como a jararaca e a cascavel deram origem ainda a
outros medicamentos já amplamente utilizados na farmacopeia mundial, como o
anti-hipertensivo captopril, derivado do veneno da jararaca (CAMARGO, 2000), e a
cola cirúrgica, derivado do veneno da cascavel (ERENO, 2009).
Apenas um dos entrevistados avaliou que os impactos ambientais forçam
estes animais para áreas mais próximas dos humanos promovendo um crescente
número de encontros, com estes animais, o que ameaça sua preservação. Estes
conflitos pela coexistência entre as serpentes e humanos culminando no abate destes
animais foi relatado por Oliveira et al. (2018).

135
Considerações Finais

Os conhecimentos populares dos frequentadores do Mercado Municipal de


Salinas quanto às serpentes, apresentam, de forma geral, uma relação de biofilia
mista. Quando negativa, culmina, muitas vezes, com o abate destes animais e com a
transmissão oral das lendas criadas na região onde há a impregnação do termo
“maldade” e “vingança”. Quando positiva, embora também leve ao abate dos
animais, estes são usados para práticas medicinais locais. As serpentes parecem
realmente trazer uma sensação dúbia entre temor e respeito aos entrevistados,
quando estes acreditam na capacidade de vingança e frieza da serpente em relação a
quem a maltratou, por isso, estas não poderiam ser poupadas, sob o risco de se
vingarem ou de fazer uma emboscada no futuro, evidenciando uma crença na
capacidade estrategista da serpente e em sua memória longeva. Por outro lado, o
conhecimento ancestral da farmacopeia existente a partir dos subprodutos das
serpentes persiste e tem ganhado suporte científico. Medicamentos como o captopril
e a cola cirúrgica já são utilizados a muitos anos. Novos medicamentos podem surgir
e, para isso, é importante que se registre esse conhecimento popular.

Referências

BAILEY, K.D. Methods of Social Research, New York: Free Press, 4ª Ed., 2008,
p. 588.
BARBOSA, A.R. et al. Abordagem etnoherpetológica de São José da Mata – Paraíba
- Brasil. REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA. v.5, n.2, 2007.
BASTOS, S.N.D. Etnociências na sala de aula: uma possibilidade para Aprendizagem
Significativa. In: Anais. XI Congresso Nacional de Educação (EDUCERE).
Pontífica Universidade Católica do Paraná, Curitiba. 2013.
BONI, V.; QUARESMA, S.J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em
Ciências Sociais. Em Tese, v. 2, n. 1, p. 68-80, 2005.
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138
139
11. APRENDIZAGEM COOPERATIVA SOBRE PRODUÇÃO
SUCROALCOOLEIRA NO ENSINO DE QUÍMICA

Flávio Silva Rezende26


Leandra de Castro Gonzaga Figueiró27
Andréia Assis Ferreira28

Resumo
O manuscrito apresenta e discute relatos escritos sobre a receptividade discente na
aprendizagem cooperativa com uso de textos de divulgação científica (TDCs). A
proposta fez parte de uma sequência didática elaborada para ensino-aprendizagem de
aspectos relacionando meio ambiente no processo de produção sucroalcooleira. A
sequência didática foi estruturada e aplicada a 128 participantes da 1ª série do ensino
médio de uma escola da rede estadual de Minas Gerais. Os participantes formaram
pequenos grupos e, cada integrante exerceu determinada função para o
desenvolvimento das atividades cooperativas conforme orientações do método
Jigsaw. As atividades foram aplicadas na disciplina de Química e Tecnologia da Informação:
Editoração de Textos desenvolvidas semanalmente por 4 meses de duração. Uma
avaliação geral das atividades foi aplicada solicitando relatos escritos para questão:
“Descreva suas impressões sobre como foi trabalhar em pequenos grupos para
realização das atividades. Informar pontos positivos e pontos negativos”. As
impressões escritas foram separadas em: (I) Cerca de 78,2% (n=100) apresentaram
pontos positivos: trabalhar de forma menos dependente do professor e maior
autonomia para falar o que pensa sobre o assunto. (II) Cerca de 21,8% (n=28)
relataram pontos negativos: necessidade de acompanhamento do professor para
articular os trabalhos do grupo e o excesso de discussão dentro do grupo para decidir
o que escrever ou apresentar oralmente. Os relatos escritos e discutidos apontam
para uma boa aceitação da sequência didática orientada e desenvolvida por meio do

26 Mestrado em Ciências (Química Analítica) pelo Instituto de Química de São Carlos da Universidade
de São Paulo (IQSC/USP). Professor na Escola Estadual Alonso de Morais Andrade. Itapagipe, Minas
Gerais, Brasil. E-mail: fsilvarezende@gmail.com.
27 Mestrado em Educação e Formação Humana pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).

Designer instrucional na EaD do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais


(CP/UFMG). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: bioleandra@yahoo.com.br.
28 Pós-doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais

(FAE/UFMG). Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de


Minas Gerais (FAE/UFMG). Professora efetiva do Centro Pedagógico da UFMG e do Programa de
Pós-graduação da Faculdade de Educação UFMG. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
andreia.assis.ferreira@gmail.com.

140
método cooperativo Jigsaw que favoreceu o desenvolvimento de habilidades
importantes que em uma aula tradicional não seriam desenvolvidas adequadamente.
Palavras-chave: Ensino de Química. Meio Ambiente. Método Jigsaw. Textos de
Divulgação Científica. Revista FAPESP.

Considerações Iniciais

A educação ambiental tem sido apresentada na literatura como espaço


teórico e prático voltado para transformação consciente e cidadã através da discussão
sobre importância do meio ambiente, de suas interações envolvendo os seres vivos e
modificações gradativas provocada pelas interações dos agentes transformadores sob
a mesma. Diferentemente das necessidades reais de compreensão, grande parte das
práticas pedagógicas de ensino de ciências ainda se encontra voltada para
apresentação e discussão de conceitos, teorias, fórmulas e prática matemática de
resolução de problemas de forma limitada.
Travassos (2001, p.4-5) defende que trabalhar a educação ambiental no
espaço escolar favorece as relações de compreensão sobre o meio ambiente e suas
interações com os sujeitos envolvidos. Além disso, no âmbito pedagógico o
envolvimento de docentes e discentes conduz para formação de “uma consciência
mais abrangente sobre a forma de perceber o que é o meio ambiente (...) e o que
significa a educação para preservá-lo”.
Assim, considera-se importante o desenvolvimento de propostas
interdisciplinares focada no eixo transversal educação ambiental para oportunizar
espaços curriculares que contemplem ações coletivas resultantes de uma proposta
partilhada por diferentes disciplinas escolares (LUCATTO; TALAMONI, 2007).
Nesta linha de pensamento, pesquisas promovendo a discussão por meio de debates
ou por meio da escrita de percepções, compreensões e ideias sobre o meio ambiente
tem sido reportados adotando textos de divulgação científica como recurso didático
para explorar temáticas diversificadas (PRESTES; LIMA, 2008; SOARES;
COUTINHO, 2009; PEREZ et al., 2011).
Ações coletivas em uma proposta partilhada traz o significado de que se
devem trabalhar juntos para atingir objetivos comumentes partilhados. Assim, para
promoção de debates ou discussões escritas de percepções, compreensões e ideias,
pesquisadores têm adotados textos de divulgação científica (TDCs) como recurso
didático enquanto outros pesquisadores têm apresentado propostas de sequências
didáticas com aprendizagem cooperativa baseado no método Jigsaw de
desenvolvimento de atividades com distintas responsabilidades para cada participante
ou integrante do grupo cooperativo (FERREIRA; QUEIROZ, 2011; FATARELLI;
FERREIRA; FERREIRA; QUEIROZ, 2010).

141
Partindo dos exemplos acima descritos, a presente proposta didática visou
unificar os pontos discutidos abordando a temática de problemas ambientais
vinculados a produção sucroalcooleira por meio de atividades voltadas em um
processo de ensino-aprendizagem cooperativo adotando o método Jigsaw com auxílio
de TDCs extraídos da Revista FAPESP. Para tanto, o presente trabalho apresenta e
discute relatos escritos sobre a receptividade discente em relação a aprendizagem
cooperativa utilizada no desenvolvimento das atividades com TDCs.

Metodologia

Para realização deste trabalho tornou-se necessário percorrer 4 etapas


gerais contemplando: a busca por TDCs em periódicos de veiculação nacional (etapa
1), elaboração e revisão da sequência didática das atividades, estratégias de
desenvolvimento e avaliação parcial e final, incluindo a produção dos questionários e
dos termos de consentimento da pesquisa a escola e aos pais (etapa 2), seleção das
turmas (escola, série e turma) e aplicação das atividades com uso, leitura,
interpretação e discussão dos TDCs em sala de aula e em atividades cooperativas
complementares (etapa 3) e avaliação parcial e final das atividades realizadas (etapa
4).
Seguindo recomendações de Ferreira e Queiroz (2011, 2012a, 2012b),
realizou-se uma busca de TDCs publicados na Revista FAPESP no período de 2007
a 2014. Foram encontrados 32 textos dessa natureza relacionando temas ambientais
e produção sucroalcooleira. Do total, apenas 4 TDCs foram selecionados para a
proposta, sendo Concreto Verde (Abril/2008), Concreto feito de Cinzas (Maio/2010),
Biorrefinarias do Futuro (Fevereiro/2012) e Canavial mais limpo (Setembro/2012).
A proposta contou com a participação de 128 discentes do primeiro ano
do ensino médio distribuídos em 2 turmas do período matutino e outras 2 turmas do
período vespertino de uma escola da rede estadual de Minas Gerais. Cada turma
recebeu um TDC para ser trabalhado conforme a sequência estruturada a seguir. Os
participantes formaram grupos de 6 a 8 integrantes e, cada um exerceu determinada
função conforme o método Jigsaw descrito em Fatarelli e colaboradores (2010). O
esquema abaixo descreve a formação dos distintos grupos.

142
Figura 1. Esquema básico do método cooperativo de aprendizagem Jigsaw
Fonte: Fatarelli et al.(2010).

Algumas variantes do método cooperativo foram desenvolvidas, desde


1970, para permitir a inserção desses princípios. O método Jigsaw permite ao docente
utilizar um conjunto de procedimentos onde cada participante faz parte de um grupo
inicial denominado grupo de base (1º momento da Fig. 1). Aqui, o número de
participantes neste trabalho permitiu a formação de 5 grupos de base.
Normalmente, o assunto é subdivido em pequenos tópicos com objetivo
de abrir espaço para promover a capacidade de observar e discutir fragmentos
oportunizando uma produção coletiva de apontamentos conclusivos sobre o tema.
Algumas atividades foram desenvolvidas cooperativamente apenas com o grupo de
base com objetivo de desenvolver os princípios de interdependência positiva e
competências cooperativas. Cada participante do grupo de base recebeu uma versão do
roteiro das atividades assim todos estavam a par das atividades que seriam
desenvolvidas entre os participantes.
Para garantir a participação de todos os participantes, o professor
pesquisador atribuiu a cada um dos cinco componentes a seguinte função: redator –
redige as respostas do grupo; mediador – organiza as discussões no grupo, permitindo
que todos possam se expressar e resolve conflitos de opinião; relator - expõe os
resultados da discussão; e porta-voz – tira dúvidas com o professor (FATARELI et al.,
2010).

143
Após apresentação de cada atividade ocorria a formação do grupo de
especialistas (2º momento da Fig. 1). Nesta formação, cada grupo engajou-se na
produção argumentativa sobre as questões designadas de forma a permitir a
contribuição de suas ideias na resolução. Após a exposição de todos os pontos de
vista, os grupos iniciaram uma discussão, com o intuito de chegar a um consenso
sobre o que deveria ser respondido, fazendo com que cada participante escrevesse
em sua folha a mesma resposta (LEITE et al., 2013).
Posteriormente, os integrantes retornam ao grupo de base, e cada um expôs o
conhecimento adquirido no grupo de especialistas. Cada participante necessitou
aprender para explicar aos colegas de forma clara o que aprendeu em uma atmosfera
de coletividade.
No geral, a sequência didática elaborada contemplava o desenvolvimento
de atividades como (I) leitura e interpretação do texto para discussão de questões
específicas, (II) realização de um fórum de discussões em espaço da rede social
Facebook, (III) apresentação oral e debate entre os grupos cooperativos dos relatos
escritos, (IV) confecção de um banner para apresentação oral ao público externo a
série dos participantes e (V) registro escritos nos questionários elaborados para
avaliação geral das atividades.
As atividades foram aplicadas junto a disciplina de Química e Tecnologia da
Informação: Editoração de Textos desenvolvidas semanalmente, sendo 50 min em
cada disciplina, durante 4 meses do 2º semestre do ano letivo. Na última etapa, a
avaliação geral das atividades foi aplicada solicitando relatos escritos, entre elas:
“Descreva suas impressões sobre como foi trabalhar em pequenos grupos para
realização destas atividades. Você pode informar os pontos positivos e negativos”.
Para avaliar e facilitar a organização das respostas escritas por cada participante foi
utilizado como referencial o trabalho desenvolvido por Fatarelli e colaboradores
(2010). Para cada entrevistado, um termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE) foi entregue para leitura e concordância me participação da entrevista em
acordo com Comitê de Ética e Pesquisa (CEP).

Resultados e discussões

Após a coleta das impressões escritas, realizou-se a separação das folhas de


respostas conforme sua natureza positiva ou negativa em relação à aplicação do
método Jigsaw. Todos os participantes apresentaram relatos escritos para a questão.
Alguns apresentaram tanto impressões positivas quanto negativas, enquanto que
grande parte optou por assumir uma opinião apenas conforme redigido a seguir.
Os pontos positivos foram destacados por 78,2% (n=100) dos
participantes da proposta. Destacaram avaliações sobre como trabalhar de forma

144
mais independente durante o processo de ensino e aprendizagem de Química.
Algumas das opiniões se encontram a seguir.
Participante: “O método adotado permite trabalhar mais dentro do
grupo e menos dependente do professor de química”.

Participante: “Trabalhar em grupo é mais importante do que estar


sentado numa cadeira ouvindo o professor falar, falar, falar...”.

Barbosa e Jófili (2004) alcançaram resultados semelhantes ao fazerem uso


do método Jigsaw com alunos de ensino fundamental e relataram que a motivação
dos alunos da sala cooperativa foi claramente percebida no decorrer do trabalho, na
qual alunos considerados desinteressados em outras aulas participaram ativamente
das atividades. Com relação às impressões dos alunos sobre maior autonomia na
aprendizagem cooperativa é possível verificar que os resultados foram bastante
favoráveis às propostas:

Participante: “Dentro do grupo cooperativo cada integrante pode


contar o que havia estudado ou escutado sobre os impactos ambientais
da queima de bagaço. Assim, aprendemos mais ouvindo o que nossa
colega pensa”.

Opiniões positivas sobre oque decidir em relação ao trabalho executado


em cada grupo formado também constituiu um ponto de grande impacto positivo.
Um participante relatou que:

Participante: “Por meio dessas atividades tivemos maior liberdade para


escolher o que deveria ser escrito e apresentado oralmente. Além disso,
cada um deu sua contribuição. Não ficou apenas para um ou dois
alunos fazerem como estávamos acostumados a realizar”.

Interligado a capacidade de decidir tem-se a interação entre os integrantes


do grupo como ponto avaliado. Mesmo constando pontos negativos como excesso
de conversa e necessidade de intervenção do professor para reduzir o ruído
produzido durante as interações entre os integrantes de cada grupo formado, a
proposta foi muito válida. Um relato destaque é aquele que traz possibilidades de
reconhecimento tanto pelos alunos quanto pelo professor.

Participante: “Uma das poucas atividades feitas que proporcionasse a


participação e interação de todos integrantes do grupo. Nunca tinha
visto os meninos participarem assim”.

145
Os pontos negativos foram registrados por cerca de 21,8% (n=28) dos
participantes discorrendo sobre pontos que consideram importante uma reavalização
ou reconsideração por parte do professor em futuras proposições de sequência
didática desta natureza. A necessidade de acompanhamento do professor para
articular os trabalhos do grupo foi elucidada por alguns integrantes:

Participante: “Um dos pontos negativos é que os alunos de minha sala


não sabem trabalhar em grupo. Vira uma bagunça. Não sabemos por
onde começar e terminar o trabalho. Não estamos acostumados a
estudar assim”.

Um dos objetivos básicos do trabalho cooperativo é favorecer a


responsabilidade individual, no qual cada um tem um papel a desempenhar e precisa
estar consciente de que os resultados só são positivos se sua participação for efetiva
(FATARELLI et al., 2010). Portanto, não surpreende a ocorrência dessas opiniões,
tendo em vista as dificuldades iniciais de alguns em desenvolver tais
responsabilidades, uma vez que estão habituados a situações de ensino nas quais são
meros receptores de informações fornecidas pelo professor.
Interligado a avaliação anterior e complementando opiniões emitidas nesse
sentido, os participantes relataram sobre o excesso de discussão dentro do grupo
para decidir o que escrever ou apresentar oralmente por cada um dos grupos
formados. Assim como, a capacidade do professor de inibir ou limitar o nível de
conversa desnecessária por alguns dos integrantes de cada grupo base ou grupo de
especialistas.

Participante: “Durante a atividade todos queriam falar, mas na hora de


escrever não sabiamos quais das opiniões deveriam escrever. Ficou
uma indecisão no grupo. Tentamos registrar todas as opiniões, mas é
muito difícil”.

Participante: “O trabalho em grupo permite muita conversa e isso


atrapalha muito. Nem todos participam realmente”.

Uma possível justificativa para o excessos em relação a conversa entre os


participantes foi o local de desenvolvimento das atividades: em sala de aula. O
espaço didático poderia ser um espaço maior e fora da sala de aula para obter um
distanciamento entre os grupos permitindo mais facilidade em suas discusses e
trabalho.
Silva (2007) observou em seu trabalho evidências de uma melhor aceitação
na negociação de significados ao usar a aprendizagem cooperativa se comparada à
aprendizagem tradicional. Isso implica a aquisição de competências sociais como o
desenvolvimento social, afetivo, motivacional, cognitivo e de relações cooperativas.
146
Alguns relatos escritos foram produzidos sobre a capacidade de aceitação
das diferentes opiniões dentro do grupo. Conforme descrito por Silva (2007), o
desenvolvimento afetivo deve ser ponderado nas relações cooperativas e na opinião
de um dos participantes é algo problemático.

Participante: “É difícil estudar assim. Alguns retrucam sobre a nossa


opinião dizendo nossa opinião é errada, incompleta ou que na serve
para nada. Não gostei muito por causa disso”.

Entende-se que a cooperação entre os pares ainda não está presente de


forma sistemática nas escolas. Uma característica que precisa ser incentivada e, para
isso, são necessárias intervenções para desenvolver nos alunos o sentimento da
importância dessa cooperação. Do ponto de vista dos alunos, ensinar é algo que só
os professores podem fazer e é mais confortável para eles um estilo de ensino
baseado exclusivamente na exposição do docente.
Entre as atitudes mencionadas pelos alunos que poderiam ser
aperfeiçoadas, destacam-se a inibição de alguns membros do grupo durante as
discussões, conversas não relacionadas à atividade e dificuldades com relação à
execução de alguns experimentos. Tais obstáculos, no entanto, são comuns em
ambientes de ensino e em quaisquer tipos de abordagens. Acredita-se que o fato de
esses obstáculos terem sido apontados pelos próprios alunos confere legitimidade à
estratégia, pois, a partir da reflexão com os colegas sobre o trabalho no grupo, os
alunos puderam avaliar a sua atuação e buscar formas de minimizar os problemas.

Considerações Finais

A presente proposta baseada na aprendizagem cooperativa para discussão


de aspectos ambientais envolvendo produção sucroalcooleira em aulas de química
demonstrou considerável receptividade entre os participantes. A partir das respostas
e justificativas escritas pelos participantes ficou evidente que a aplicação do método
Jigsaw favoreceu o aperfeiçoamento da capacidade de trabalho cooperativo uma vez
que exigiu uma atitude mais ativa e participativa dos estudantes em relação ao seu
aprendizado. As opiniões negativas são mais direcionadas a falta de maturidade em
lidar com o trabalho em grupo e ouvir adequadamente as considerações e opiniões
de outros participantes.
Aprender é uma experiência primordialmente coletiva. Assim, retomando
os objetivos deste trabalho, percebeu-se uma avaliação positiva do uso das diferentes
ferramentas e associação do conhecimento sobre impactos ambientais na produção
sucroalcooleira pelos discentes do 1º ano do ensino médio.

147
Debates em grupo, possibilidade de (re) elaboração do conhecimento,
troca de informações mediante dúvidas, exposição oral do conhecimento produzido
e postura ativa na busca pela compreensão da cinética das reações químicas são
alguns pontos proporcionados que podemos destacar em favor da proposta.
Além disso, as respostas escritas demonstram melhor compreensão de
conceitos e relações entre meio ambiente e produção sucroalcooleira conforme
foram trabalhados aos moldes da estratégia adotada. Tanto que, grandes partes
demonstraram interesse em participar novamente de atividades desta natureza por
ter possibilidade uma forma diferente de aprender quando comparada as aulas
tradicionais desenvolvidas pelo professor da disciplina.

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149
150
12. AGRICULTURA URBANA EM LORENA (SP): NOTAS SOBRE OS
SIGNIFICADOS DO PLANTAR EM ESPAÇOS URBANOS

Luiz Antonio Feliciano29


Eliete da Silva Pereira30
Luiz Fernando Vargas Malerba Fernandes31
Thayná Carolina Oliveira Loureto de Castro32

Resumo
Entre as maneiras de uma cultura ser compreendida, o cotidiano se apresenta como
um ponto chave para tais descobertas. No entanto, esse entendimento transita entre
as luzes e as sombras da observação realizada. Ao andar pelas ruas da cidade de
Lorena (SP), nota-se a existência de plantas em calçadas, portões, terrenos e quintais.
Desvinculando-se da necessidade de imparcialidade e neutralidade, necessárias às
abordagens científicas, são possíveis apreender o familiar e o natural que sobressaem
ao olhar contemplativo. Logo, o imaginário tem espaço nessa dinâmica para contar
um pouco sobre os costumes individuais e coletivos que permeiam as sensibilidades
desses lugares vividos. A interação, através de entrevistas, os vínculos, pelas
conversas informais, e a fotografia, sob o olhar dos colaboradores, servem como
ferramental no auxílio ao método sócio-histórico de investigação utilizado na
pesquisa. O intuito do projeto foi entender o valor afetivo e político da agricultura
urbana, caracterizado pelo plantar em espaços citadinos públicos ou privados. Esses
lugares em que o verde conversa com o concreto da cidade e as relações humanas se
tecem de forma orgânica. A ambientação do espaço é quase toda responsabilidade de
quem o vivencia diariamente, porém, isso pode e deve ser incentivado por ações
sociais e governamentais. Jardins, hortas e pomares se apresentam como fontes de
alimentos constantes, sejam eles de forma afetiva ou literal. Esse trabalho procura
pontuar alguns desses percursos.

29 Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas; é


professor no curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade do estado de Minas Gerais, Frutal-
MG, Brasil. Email. luiz.feliciano@uemg.br.
30 Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações a Artes da Universidade de São

Paulo; é pesquisadora do Centro Internacional de Pesquisa ATOPOS-USP, São Paulo-SP, Brasil. E-


mail: elisilva70@gmail.com.
31 Mestre em Design, Tecnologia e Inovação pelo Centro Universitário Teresa D‟Ávila; professor do

MBA em Gestão de Marketing e Negócios no Centro Universitário Teresa D‟Ávila, Lorena-SP, Brasil.
Email. pesquisadorcnpq@gmail.com
32 Graduanda em Jornalismo pelo Centro Universitário Teresa D‟Ávila, Lorena-SP, Brasil. Email.

thayna.castro11@hotmail.com.
151
Palavras-chave: Agricultura urbana. Ambiência. Hortas urbanas. Segurança
Alimentar. Cotidiano.

Considerações Iniciais

De acordo com o Censo 2010 (IBGE, 2012), 84,4% da população brasileira


vivem em áreas urbanas. Este número absoluto de habitantes tende a aumentar e,
com isso, o crescimento na demanda por energia e infraestrutura, os problemas
sociais, econômicos e ambientais, também. Entre essas adversidades está a fome.
A humanidade enfrenta dois grandes desafios: um deles é alimentar 9-10
bilhões de pessoas até 2050; o outro é controlar o aumento da temperatura no
planeta, causado em parte pela produção de alimentos, sobretudo, de carne bovina.
As mesmas alterações climáticas ocasionam problemas à produção e riscos de
escassez de alimentos. Segundo dados do relatório internacional, “O Estado da
Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2018”, da Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2018), 5,2 milhões de pessoas
passam fome no Brasil.
Segundo o estudo “Estado do Mundo” – Inovações que Nutrem o Planeta,
do The World Watch Institute –, publicado em 2011, as hortas urbanas são
responsáveis por 20% do alimento consumido no mundo, sendo responsáveis pela
melhoria de condições de vida de diversos grupos sociais em situação de insegurança
alimentar (THE WORLDWATCH INSTITUTE, 2011). Algumas cidades brasileiras,
entre elas São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Florianópolis,
vêm ganhando destaque com a implantação de hortas comunitárias. Esses espaços
funcionam como meios alternativos de produção de alimento em escala local e
urbana.
A FAO (Food and Agriculture Organization) considera a agricultura urbana
uma estratégia vital para a qualidade de vida em países considerados pobres.
Mudanças globais costumam levar tempo para serem efetivas. De forma tímida, a
agroecologia vem entrando em cena dentro da Agricultura Urbana, principalmente
quando se fala em hortas comunitárias. Figuras públicas, movimentos sociais e
coletivos vêm levantando a questão diante da produção orgânica e o consumo
consciente.
Segundo Machini (2017), a agroecologia é uma referência para práticas e
conhecimentos de plantio que se opõem àquelas preconizadas após a Revolução
Verde, na segunda metade do século XX, com uso intensivo de maquinárias e
agrotóxicos. Conhecimentos e práticas comunitárias que, segundo Hugh Lacey
(2009, p. 626 apud Machini, 2017, p. 103), “objetiva investigar as possibilidades dos
agroecossistemas em termos de sua contribuição simultânea à produtividade, à

152
sustentabilidade, à preservação da biodiversidade, à saúde mental e ao favorecimento
dos interesses e fortalecimentos dos valores das comunidades locais”.
Os pilares para a agroecologia, ainda segundo Machini (2007, p. 105), versam
na tentativa “de expor uma outra racionalidade à compreensão do que seria um
agroecossistema, voltando ao olhar não apenas para a produção de uma determinada
espécie, mas às relações simbióticas, de interação entre pessoas e outros seres” ao
mesmo tempo na “valorização de formas de manejo, conhecimento, construções
humanidade-natureza locais”.
Essas questões – agricultura urbana, hortas comunitárias, práticas
agroecológicas e produção orgânica – estão presentes na característica plural de
práticas de “agriculturas urbanas”, responsáveis por borrarem a divisão moderna das
fronteiras entre urbano e rural.
Responsáveis por 20% dos alimentos do mundo, segundo dados da FAO, a
agricultura familiar como práticas de produção, distribuição e venda de alimentos no
perímetro urbano é marcada pela sua variedade e imprecisões conceituais, embora
exista uma profusão de estudos que estabeleçam definições e comparações a
exemplo das investigações recentes de Machini, (2017), Nagib (2016), Rostichelli
(2013). Essas agriculturas associadas ao ecossistema urbano são também marcadas
pela variedade de tipos de cultivos (em casa, no quintal, em espaços públicos), para
fins comerciais ou não.
Machini (2017) frisa justamente que essas práticas não só dizem respeito às
“resistências”, mas igualmente às “reinvenções” das práticas de plantio e da própria
ideia de cidade, bem como se torna um dispositivo político fundamental nesses
contextos.

Além da multiplicidade de definições, é interessante notar os contextos


em que são acionadas as discussões sobre agricultura familiar. Seja
constituindo-se como uma opção de renda a famílias em situação de
risco, seja no contexto da segurança alimentar, seja no trabalho
educativo para a compreensão das origens dos alimentos consumidos,
seja como fator de contenção às mudanças climáticas, a agricultura
familiar se torna o dispositivo político acionando uma gama de
questões que não estão separadas entre si (MACHINI, 2017, p. 35).

Dessa forma, o plantio contemporâneo em espaços urbanos é um tema


emergente em vários campos do conhecimento, que impõe a análise multidisciplinar
e a experimentação de metodologias e princípios capazes de compreender e
descrever a dinâmica do lugar urbano associado à atuação humana no ato de plantar
alimentos nesse ambiente. A agricultura urbana tem o intuito de mobilizar e
modificar a forma massiva de plantar, enquanto, a agroecologia refuta cada vez mais
o uso de agrotóxicos.

153
Com vistas a problematizar os lugares da cidade onde o ato de plantar se
concretiza, em especial, refletir sobre a estética das ambiências, a constituição das
relações e afetos nesses espaços, este capítulo apresenta a síntese do projeto de
iniciação cientifica “Espaço e sustentabilidade: as transformações socio-ambientais
em torno da agricultura urbana”. Uma pesquisa realizada pela graduanda Thayná
Carolina Oliveira Loureto de Castro, sob a orientação do Prof. Luiz Antonio
Feliciano, no período de agosto de 2018 a julho de 2019, na cidade de Lorena (SP),
com bolsa PIBIC-CNPq. Por meio de uma abordagem sócio-histórica (FREITAS,
2003) e fenomenológica (MAFFESOLI, 2010), a pesquisa buscou relacionar a
produção de hortas urbanas ao ato dinâmico de vivenciar o lugar. Utilizou-se da
fotografia como recurso prático para identificar a importância dada ao lugar, por
meio da escolha do registro imagético. Esse texto traz algumas problematizações que
emergem desses entrelaçamentos e imbricações.

Um percurso teórico sobre o olhar e a ambiência

Espalhadas pela cidade de Lorena (SP) existem algumas hortas que


funcionam em terrenos e quintais. As hortas urbanas, dependendo da sua capacidade
de produção, são grandes possibilidades para o impulsionamento da agricultura
familiar na perspectiva de um desenvolvimento sustentável a nível local. Sem levar
em consideração o plantio como fonte de renda única ou complementar, as hortas
são capazes de ampliar a autonomia e incentivar a segurança alimentar de um núcleo
de pessoas.
Segundo Do Rego Monteiro (2006), é responsabilidade da sociedade e do
Estado a construção do desenvolvimento local sustentável que tenha como foco
conter impactos, promovendo desenvolvimento socioeconômico, sem abandonar
questões relativas à preservação ambiental. Tanto a questão alimentícia, quanto a
ambiental são urgentes. Refletir sobre possíveis soluções para resolver esse
problema, mesmo que em nível micro é essencial para que algum avanço seja
efetivado. Cidades como Belo Horizonte, em Minas Gerais, Campos e Niterói, no
Rio de Janeiro, (AQUINO; MONTEIRO, s. D.) têm conseguido incentivar a adesão
à agricultura urbana.
Dentro do processo de compreender, regulamentar e incentivar pessoas a se
organizarem com intuito de cultivo de alimentos é imprescindível investigar o
significado dos espaços de plantio. Além, ainda, da necessidade de analisar os
aspectos relativos ao hábito de plantar. O imaginário diz muito sobre os costumes
individuais e coletivos. Ele cria vínculos e funciona por meio da interação. Trata-se
de um estado de espírito presente em um determinado espaço. Dois dos aspectos
relevantes do imaginário ocidental nessa análise constituem-se na separação entre ser
humano e meio ambiente e na formação educacional, que, de forma racional,
154
caracteriza a animalidade como barbárie e humanidade como civilidade
(MAFESSOLI, 2001).
Pode-se afirmar que existe dentro do imaginário coletivo um "ruído do
mundo" pós-moderno que funciona a partir do "desejo de inteireza". A sensibilidade
ecológica se apresenta nesse contexto. Ela é difusa, persistente e constantemente
negada pelas necessidades de desenvolvimento econômico e financeiro acelerado. De
acordo com Mafessoli (2017, p.10), ela está presente e encontra como forma de
expressão "as manifestações violentas e a banalidade da vida diária".
Nas diferentes formas de se compreender uma cultura, o cotidiano assume
papel fundamental. Captá-lo, atravessado pelas luzes e pelas sombras da observação,
passa tanto pela subjetividade do observador, como pelo locus de onde se observa.
Entender esse contexto torna-se um processo intuitivo (MAFESSOLI, 2008). Entre
os objetos e a vida cotidiana há uma relação íntima que transborda quaisquer
sensibilidades. Elas pairam entre as partículas de ar de cada lugar, que por si só,
interagem com o que as cerca.
Partindo do pressuposto que somos seres extremamente visuais e
constantemente alimentados por imagens, analisar o olhar sobre o espaço pode
indicar reflexões interessantes. Na rapidez em que o mundo se dispersa, é passível de
esquecimento que o conceito de “olhar” transcenda o simples movimento externo
dos olhos ao dirigir-se a algo ou alguém. Ele vai além, sendo responsável por atribuir
significados e promover intencionalidades sobre os objetos que compõem trechos da
vida habitual (BOSI, 1997).
Quando se pensa no processo de comunicação pós-moderno, nota-se que
este é caracterizado pela ideia de que a própria existência se dá quando se é
conhecida ou reconhecida pelo olhar do outro. Bosi (1997) distingue duas maneiras
de se olhar as coisas. Olhar ativo e o olhar receptivo. Um decodifica significados,
enquanto o outro recebe estímulos.
Para se enxergar a realidade, é preciso pensar racionalmente, traçar relações e
adequar-se à postura de observador ativo. Ou seja, para se analisar o cotidiano é
preciso que se consiga enxergar o evidente e o oculto. Neste contexto, é preciso
atentar-se para as nuances das relações sociais tecidas organicamente em espaços
urbanos de plantio, assim como para as relações existentes entre vivências, atitudes e
objetos. Trata-se de notar como o verde de um espaço pode conversar com o cinza
de uma cidade e como isso afeta as sensibilidades propostas pela interação humana e
ambiental.
Existem diversas formas de se pensar uma abordagem sensível dos espaços.
Na perspectiva das sensibilidades urbanas, não se estuda meio ambiente
desconsiderando a experiência que ele é capaz de proporcionar. Há duas abordagens
essenciais para compreensão deste trabalho. A primeira trata-se da estética ambiental
(THIBAUD, 2010), que está voltada ao papel da natureza nos espaços vividos. A
155
segunda, por sua vez, aborda a estética das ambiências (THIBAUD, 2010), que tem
como enfoque os tons afetivos dos espaços urbanos. Segundo Thibaud (2010), o ser
humano está conectado ao mundo no qual ele participa. O sujeito em questão deve
ser visto como participante ativo nas situações cotidianas. A liberdade para agir, a
possibilidade de uma experiência multi-sensível e a busca pelo envolvimento dos
moradores da cidade são características de uma estética ambiental.
Diferenciando-se das demais, a estética das ambiências traz outros pontos de
reflexão. O termo ambiências se refere a percepções, que funcionam quase como
atmosferas, que perpassam sentidos humanos. É a vida do lugar. Essa abordagem
enfatiza a percepção de cada sujeito e o papel das práticas sociais na construção da
sensibilidade de determinado ambiente. Dessa forma, permite-se que as tonalidades
afetivas apareçam em meio à vida urbana.
Segundo Mafessoli (2010), a natureza para o ocidente, com a pós-
modernidade, deixou de ser objeto inerte a ser explorado. Trata-se de uma figura
viva dotada do que ele chama de sensibilidade ecológica. Enquanto o pensamento
sistematiza tudo, dentro deste conceito, há espaço para que o que é orgânico ressoe e
construa-se na fala pessoal e coletiva. Cada ser só existe no, e por meio do, olhar do
outro.

Percurso pelos passos dados

Como este trabalho teve por prioridade problematizar os espaços da cidade


onde as relações entre as pessoas e o meio ambiente tornam-se mais efetivas, a
metodologia percorre um caminho que tenha essa mesma proximidade. Desse modo,
os dados – informações e descrições – foram coletados com base no método sócio-
histórico que proporciona maior profundidade nas análises. Nessa perspectiva, como
salienta Freitas (2003, p. 28.), “pesquisador e pesquisado têm oportunidade para
refletir, aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa”. Isso contribui para um
melhor entendimento dos sujeitos e as relações cotidianas que os permeiam,
principalmente, aquelas que os unem a um espaço e dá-lhes um sentido de
pertencimento. Para a coleta de informações, a entrevista, também no parâmetro
sócio-histórico, foi a ferramenta utilizada. Para Freitas,

A entrevista se constitui como uma relação entre sujeitos, na qual se


pesquisa com os sujeitos as suas experiências sociais e culturais,
compartilhadas com as outras pessoas de seu ambiente. Assim
pesquisador e pesquisado passam a ser parceiros de uma experiência
dialógica conseguindo se transportarem da linguagem interna de sua
percepção para a sua expressividade externa, entrelaçando-se num
processo de mútua compreensão. (FREITAS, 2003, p. 36. Grifo da
Autora.).

156
As etapas desenvolvidas foram, primeiramente, as leituras necessárias para
construção de um corpo teórico que deram base à ida ao campo. Apesar de a
pesquisa bibliográfica acontecer constantemente, ela foi de mais intensidade nos
primeiros meses. No campo, primeiramente o esforço se concentrou na identificação
dos lugares que possuíam hortas ou pomares, quintais, jardins, públicos ou privados.
Isso foi a porta de entrada para se chegar aos sujeitos que iriam colaborar com o
projeto de pesquisa, através das entrevistas.
De acordo com levantamento, realizado informalmente, não havia hortas
comunitárias em Lorena. Com isso, ampliou-se para hortas urbanas e quintais com
alimentos. Essa etapa se concentrou em procurar iniciativas coletivas também. As
buscas aconteceram por meio de conversas informais com conhecidos e grupos de
troca de informações sobre plantio e compra e venda de alimentos. Logo, obteve-se
uma lista relativamente grande de indicações de lugares e pessoas.
Como a pesquisa possuía o foco no modelo qualitativo foram escolhidas
pessoas em diferentes contextos sociais e culturais para que gerassem material de
contribuição mais aprofundado. Selecionou-se, então, 08 nomes – para preservar o
anonimato dos entrevistados, optou-se por identificá-los numericamente –,
que, ao final, foram reduzidos para 04 entrevistados. Percebendo a dificuldade de
abertura da maior parte dos entrevistados, foi modificada a forma de abordagem.
Pessoas que eram conhecidos de conhecidos possuíam maior facilidade em se abrir
para a pesquisa. Dessa forma, foi necessário o desenvolvimento de vínculo social
com as pessoas que iriam ser entrevistadas.
O entrevistado 01 é recém-formado na faculdade e fazia parte de um projeto
que trabalhava com plantio agroflorestal de horta e na reabilitação de dependentes
químicos. Não possuía nenhum vínculo social com a pesquisadora que foi ao campo.
Mesmo o projeto não existindo mais, foi escolhido por conta do envolvimento e
proximidade maior com o conceito de horta comunitária na cidade de Lorena.
A entrevistada 02 está na faculdade, mora em uma república e havia
começado uma horta no quintal há três semanas. Foi escolhido por conta do
ambiente coletivo em que se encontrava e pelo tempo relativamente curto de contato
com plantio.
O entrevistado 03 é um senhor que possui uma horta orgânica em um
terreno arrendado há cerca de três anos e meio, na cidade de Lorena. Nesse lugar, ele
planta apenas com o intuito de venda e trabalha sozinho. Foi escolhido por conta do
aproveitamento de um espaço que poderia ser apenas um terreno baldio.
O entrevistado 04 é casado e tem um filho de quase 01 ano. Em seu quintal,
possui um pomar e uma horta há mais ou menos 01 ano. Entretanto, se envolve com
atividades de plantio há mais de 10 anos. Foi escolhido por conta do histórico de
experiências tanto coletivas, quanto individuais.
157
Após serem entrevistados, os entrevistados 02, 03 e 04 lançaram seus olhares
pessoais sobre os seus espaços cotidianos por meio da fotografia. Cada um tirou
cerca de cinco fotos. O entrevistado 01 preferiu escolher algumas fotos do projeto
que havia participado anteriormente, que foram produzidas em conjunto na época, já
que não seria possível gerar novas imagens nesse momento. Cada fotografia feita foi
analisada conjuntamente com as conversas gravadas nas entrevistas e aquelas
realizadas de maneira informal. Percorreu-se um caminho até que as pessoas se
abrissem à gravação. As conversas informais não gravadas continham informações
relevantes para análise das perspectivas fotográficas e, portanto, também foram
usadas.

Percurso sobre o lugar vivenciado

Em buscas observacionais e conversas informais sobre o tema, descobriu-se


que na cidade de Lorena existiam dois polos para difusão de conceitos
agroecológicos. O coletivo “O Despertar do Gigante” e o “Instituto Oikos”. Além
disso, há dois parques ambientais, o “Parque Taboão” e a “Floresta Nacional de
Lorena”. Todos produziam ações de consciência ambiental, inclusive, atividades
relacionadas ao plantio de árvores, à distribuição de mudas frutíferas e nativas e à
difusão de alternativas sociais via experiência ambiental.
Durante as observações pela cidade de Lorena, indo desde a Avenida
Peixoto de Castro até os bairros mais periféricos, a presença de plantas era
incontestável. Eram maracujás pesando em galhos ao lado de postes de iluminação
pública ou folhas de bananeiras emergindo de muros chapiscados. Até mesmo
Plantas Alimentícias brotavam entre frestas nas calçadas e muros. Neste contexto,
quatro diferentes espaços foram abertos à pesquisa, o que possibilitou uma
atmosfera de confiança e troca entre os interlocutores. Dentre essas observações,
dois aspectos se mostraram recorrentes nas análises, “vivências e sentimentos” e
“relações sociais e terapêuticas”, que serão discutidos nos próximos tópicos.

Vivências e sentimentos nos espaços de plantio

Os sentidos, para Thibaud (2017), consistem em pontos de partida para


expressão do morador de uma cidade. O Entrevistado 03 saiu do Rio de Janeiro
desempregado. Chegando à Lorena, gostou da cidade e logo tentou arrendar um
terreno. Neste lugar, 04 anos atrás, iniciou uma horta. Nela, atualmente, ele produz
alimentos orgânicos para venda. Nas conversas, ele deixava escapar em muitos
momentos que amava aquilo que fazia. E se referia às plantas como "criançada".
Suas falas traziam sempre o gosto de cada pedaço dali.

158
Esse sentimento era parecido com o do entrevistado 01 quando falava das
muitas vivências durante o projeto, que promovia a reabilitação de dependentes
químicos por meio de atividades relacionadas ao plantio agroflorestal. O que
confirma a existência de algo maior do que um simples terreno. Na forma como o
entrevistado 01 contava sobre as experiências vividas neste lugar, era possível sentir
uma nostalgia. Havia um sorriso ao falar das partes que mais gostava de participar e
um leve desapontamento ao explicar o desfecho do projeto.
Nas falas sobre o espaço em si, a entrevistada 02 compartilhou que sempre
quis ter um lugar para plantar e colher seu próprio alimento. Quando viu que o
quintal da sua república poderia ser útil devido à presença de terra boa, se perguntou:
"Por que não?". Fazia 03 semanas que ela havia iniciado sua horta e já imagina o
momento em que ela iria poder colher seu próprio legume. O espaço é relativamente
pequeno, apenas um canteiro.
Os sentimentos relacionados ao espaço também se repetem com o
entrevistado 04. Ele planta no quintal da sua futura casa. Só escolheu esse terreno
por conta das árvores frutíferas, de mais de dez anos de idade, presentes ali. A casa
está em construção, saindo do zero. Já a horta, está a todo vapor há mais de um ano
e meio. É possível observar o amor e dedicação pelo quintal, que segue a lógica
agroecológica, sendo floresta, pomar e horta ao mesmo tempo. Ele conta seus planos
de criar um quintal de atividades recreativas para seu filho. O entrevistado
compartilhou que quer implantar uma tradição, começada em Janeiro de 2019, em
sua família. A ideia é que todo início de ano, seja feita uma “palmitada” com o
palmito que sair da sua horta.
Pode-se notar que há um ambiente sensorial construído nestes espaços
habitados. É visível que a relação com o espaço em que se planta é importante e
responsável por criar significados e relações pessoais. E são elas que fazem com que
a ambientação do espaço possa ser criada. Os sentimentos são expressos de formas
diferentes. Porém, a maior parte das vezes, trazem boas sensações aos conviventes.

Relações sociais e terapêuticas nos espaços de plantio

As relações sociais podem ser um fator relevante para permanência do


hábito quando ele não parte de dentro e precisa ser aprendido ou desenvolvido.
Todos os entrevistados deram contribuições relevantes nesse aspecto. O entrevistado
03 é responsável pela horta urbana e orgânica, em Lorena, e cuida sozinho do
terreno. Ele diz que são dois segredos para a implantação de uma horta: o gostar e
saber fazer.
O entrevistado 01 disse que das pessoas que participavam do projeto, apenas
cinco estavam dispostas a aprender realmente. Ele afirmou que o engajamento era
difícil. A entrevistada 02 também apresentou esta dificuldade. Como mora em
159
república, existe um convívio social similar ao comunitário. Ela compartilhou que as
pessoas que vivem ali, juntas, não ajudam a cuidar da horta. Um ponto interessante
dentro dessa dificuldade é que mesmo não ajudando efetivamente, elas dão apoio à
implantação, pois concordam com a ideia. Outro fato significativo é que nenhuma
das moradoras da república, além dela, experienciou o ato de plantar antes.
A ideia de fazer uma horta no quintal foi potencializada quando a pessoa
responsável pelo corte de grama da república comentou várias vezes sobre a
qualidade da terra. Ela também contou com o incentivo e ajuda inicial de uma amiga
que mora sozinha e que já possuía alimentos plantados em seu apartamento. Quando
perguntada sobre o motivo que a impedia de ter uma horta antes, mesmo ela
gostando desse contato, a entrevistada respondeu que "não sabia como iniciar" e que
"nunca tinha feito sozinha". Esse assunto também foi abordado com o entrevistado
04. Ele afirma que essa é uma dificuldade passageira porque sempre ganhou mudas
de pessoas para plantar em sua casa. Depois passou a investir nisso. Quando
pequeno, seu pai plantava na roça onde morava, mas ele não possuía o contato
direto. Mais velho, se envolveu em atividades de educação ambiental na cidade de
Lorena e acabou aprendendo e tendo a vontade de ter um espaço seu.
O entrevistado 01 nunca havia experimentado o plantio, mas afirma que a
sensação é boa. Para o entrevistado 03, o que ele “gostava muito era a parte da
conversa. Você poder estar lado a lado com essa pessoa. Poder escutar o que ela tem
a dizer. Compartilhar sentimentos”. A contrapartida observada, nesse contexto, é
que mesmo com todos os benefícios que uma horta possa trazer, o conhecimento
prévio e o incentivo são necessários para que haja continuidade do hábito. O
processo de troca interpessoal, a experiência, no sentido de experimentar, e a
convivência, associados aos desejos internos e pessoais de cada um, podem ser
fatores potenciais para modificação desse panorama. Como diz Thibaud (2010, p.
11), um meio ambiente sensível conta com a integração entre "qualidade de vida dos
moradores, estratégias socioeconômicas das cidades e questões ecológicas".

Considerações Finais

As modificações da sensibilidade do espaço, para além do indivíduo, são


essenciais para compreensão do funcionamento do processo de interiorização de um
aprendizado em comum. Nesse sentido, as linguagens e os modelos alternativos de
reumanização das pessoas como seres sociais e políticos têm forte relevância para
uma mudança efetiva de hábitos arraigados culturalmente, sobretudo, aqueles ligados
às dinâmicas de consumo.
Dentro da afetividade do lugar, comunitário ou privado, borbulham essas
sensibilidades, essas linguagens e esses novos modos de relação entre as pessoas e as
coisas do lugar. Diante da real possibilidade de se ambientar um espaço, ao se
160
trabalhar com o seu valor afetivo, partir de dentro de si a vontade de ambientar o
meio urbano com o verde das plantas pode apresentar diversos significados
positivos. Dentro de sua particularidade, os entrevistados se conectam com o espaço
de forma única, mas, notadamente, se interconectam com todos os outros elementos
que se articulam nessa relação.
Aparentemente, o hábito de plantar exige dedicação e há dificuldades na
aderência quando nunca se teve contato. Entretanto, existe incentivo vindo de
pessoas que passam a conviver ou já possuem certa familiaridade com a ação. Nota-
se, contudo, que o plantar pode ser uma ferramenta de reconexão consigo mesmo,
com os outros, com experiências já vividas e com novos valores.
Voltar à atenção ao cotidiano pode despertar novas perspectivas. Plantar
alimentos torna-se um exercício de desenvolvimento de segurança alimentar,
independente se o cultivo é para si ou para o outro. As políticas podem contribuir no
intuito de facilitar e ampliar o acesso a esse conhecimento, criando ambientes
favoráveis, dando suporte e ferramentas para que esse tipo de segurança alimentar
possa acontecer. Mas a ambientação do espaço é quase toda responsabilidade de
quem o vivencia cotidianamente.
Trabalhar com vínculos sociais e afetividade pode ser difícil. As relações que
se tecem nesses espaços remetem ao autocuidado e à empatia. Plantar mostrou-se ser
mais que um exercício de autonomia alimentar, mas parece proporcionar uma
reconexão das pessoas com a terra e com o seu entorno. Independente das
singularidades entre as vivências, aqui partilhadas, nota-se que em um espaço
ambientado com significado e humanidade, pode se tornar mais que uma fonte de
alimento constante. Seja ele afetivo ou literal. A natureza pode (re)integrar-se à
vivência humana. Basta que diariamente uma atitude seja tomada.

Referências

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