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Inércia Rotacional.

Sob uma tênue luz azulada, a bailarina desliza pelo palco e parece voar, seus
pés roçando na Terra imperceptivelmente. [...] Enquanto ela dança, a na tureza vai
desempenhando o seu papel de modo impecável, com absoluta confiabilidade. Na
pointe, o peso da bailarina é precisamente compensado pela força do chão contra a
sapatilha: as moléculas em contato são comprimidas exatamente na medida necessária
para contrabalançar uma força com igual força contrária. Gravidade equilibrada com
eletricidade. Uma linha invisível parte do centro da Terra, passa pelo ponto de contato
da bailarina com o chão e continua avançando para cima. Se o centro da bailarina se
desviar um centímetro que seja dessa linha, conjugados gravitacionais irão derrubá-
la. Ela nada sabe sobre mecânica, mas é capaz de permanecer sobre os dedos do pé
por vários minutos, seu corpo efetuando continuamente minúscu- las correções que
revelam uma intimidade com os conjugados e a inércia. [2, p. 13-14]

Figura 1: En pointe – Parte do balé clássico em que a bailarina dança na ponta dos dedos dos
pés usando sapatilhas especialmente reforçadas para essa finalidade. Fonte da imagem: [1, p.
198]
Figura 2: Ao deslizar sobre o gelo, a patinadora executa movimento de translação (a) e, ao girar
em torno de um eixo fixo que passa pelo seu corpo, seu movimento é de rotação (b). Atleta Ando
Miki, nos Jogos Olímpicos de Turim, Itália, em 2006. Fonte: [1, p. 198]

No texto, o autor nos conduz a uma reflexão sobre os movimentos de uma bailarina e as leis
da Física. Nos termos de Alan Lightman (1948-), seus movimentos “revelam uma intimidade
com os conjugados e a inércia” e também com o momento angular e sua conservação, assuntos
que trataremos neste tópico e no próximo.
Os patinadores que se exibem em pistas de gelo, além de apresentarem belos espetáculos,
nos fornecem bons exemplos para ilustrar os movimentos de translação e de rotação. Na figura
1, vemos uma patinadora deslizando sobre o gelo: seu movimento é de translação. Na figura 2,
vemos a patinadora girando em torno de um eixo fixo que passa pelo seu corpo: seu movimento
é de rotação.
Quando estudamos o movimento de translação de um corpo rígido, observamos que, para
dado intervalo de tempo, todos os pontos do corpo apresentam o mesmo deslocamento escalar,
ou seja, todos os pontos deslocam-se com a mesma velocidade escalar. Esse fato nos permite
analisar o movimento do corpo considerando o movimento de um único ponto: o centro de massa
do corpo (figura 3). Nesse caso, a massa, denominada massa inercial, nos fornece a medida da
dificuldade de alterar o estado de movimento de translação do corpo. A alteração do estado de
movimento de translação de um corpo é feita por meio de uma força.
Figura 3: O movimento de translação do caminhão pode ser representado pelo movimento do
seu centro de massa. Fonte: [1, p. 198].

E no caso de um corpo rígido em rotação? Tomemos como exemplo o movimento rotacional


das pás de um ventilador. Quando está em funcionamento, cada ponto das pás (corpo rígido)
descreve um movimento circular em torno do eixo de rotação (ponto O). Na figura 4, observe
os dois pontos, A e B, marcados em uma das pás do ventilador. Embora situados a distâncias
diferentes do eixo de rotação, eles efetuam o mesmo número de voltas em um dado intervalo de
tempo, isto é, a frequência de rotação é a mesma para os dois pontos. Em termos de deslocamento,
dizemos que, para dado intervalo de tempo, eles apresentam o mesmo deslocamento angular, ou
seja, eles possuem a mesma velocidade angular. Por esse motivo, as grandezas angulares são mais
adequadas para o estudo dos corpos em movimentos de rotação. No Capítulo 5, ao estudar a
primeira lei de Newton, apresentamos o conceito de inércia: a propriedade da matéria de manter
seu estado de repouso ou de movimento, ou seja, corpos em repouso tendem a permanecer
em repouso, e corpos em movimento tendem a continuar em movimento. Naquele momento,
tratávamos dos corpos em movimento de translação. O que dizer, então, de um corpo em
rotação, como uma roda que gira (figura 5) em torno de um eixo?
Figura 4: Em um ventilador os pontos assinalados A e B descrevem um movimento circular em
torno do eixo de rotação indicado como sendo o ponto O. Fonte da imagem: [1, p. 199]
Figura 5: Roda-gigante iluminada girando à noite é um bonito exemplo de movimento de rotação.
Fonte da imagem: [1, p. 199]

A lei da inércia também se aplica aos corpos em rotação. Assim, a tendência de um corpo que
roda em torno de um eixo é continuar em rotação, a menos que ele sofra a interferência de um
agente externo que mude essa situação. Essa propriedade que os corpos em rotação apresentam
é denominada inércia rotacional ou momento de inércia (I).
Assim, em razão da inércia rotacional, corpos em rotação tendem a continuar em rotação
(figura 6), e corpos em repouso tendem a continuar em repouso. Em ambos os casos (translação
e rotação), a inércia está relacionada à massa do corpo. No caso dos corpos em rotação, a inércia
rotacional depende da distribuição da massa em relação ao eixo de rotação. Por exemplo, é mais
fácil colocar uma roda em movimento quando o eixo de rotação passa por seu centro do que
quando o eixo passa por qualquer outro ponto (figura 7).
Figura 6: Um pião poderia girar por um tempo indeterminado se forças externas (como o atrito)
não atuassem sobre ele. Fonte da imagem: [1, p. 200]

Nas duas situações mostradas na figura 7, a massa da roda é a mesma, mas a distribuição
dessa massa em relação ao eixo de rotação é diferente; por isso, as duas rodas possuem diferentes
inércias rotacionais (momento de inércia). Em qual das duas situações mostradas a inércia
rotacional é menor? A experiência nos mostra que uma roda gira com mais facilidade quando o
eixo de rotação passa por seu centro de massa. Expressamos esse fato dizendo que, nessa situação,
a roda tem uma inércia rotacional menor. Sendo assim, o menor valor da inércia rotacional de
um corpo se verifica quando o eixo de rotação passa pelo centro de massa do corpo – e, quanto
menor a inércia rotacional, mais fácil se torna colocar o corpo em movimento rotacional. Em
muitas situações práticas, é desejável que a inércia rotacional seja a menor possível, enquanto em
outras, busca-se o contrário. No caso de um equilibrista andando sobre uma corda acima do solo,
por exemplo, um momento de inércia maior ajuda a pessoa a manter o equilíbrio. Para conseguir
uma inércia rotacional maior, o equilibrista carrega uma vara nas mãos (figura 8). Quanto maior
a vara, maior o momento de inércia do sistema e, nessas condições, torna-se mais difícil alterar
o estado de movimento rotacional desse mesmo sistema. Se o equilibrista não dispuser de uma
vara, ele pode andar sobre a corda com os braços abertos ao máximo; com isso, ele consegue
aumentar a inércia rotacional do seu corpo.
Figura 7: A escolha do eixo de rotação influi na inércia rotacional. [1, p. 200]

Figura 8: A longa vara que o equilibrista carrega ao andar sobre a corda bamba visa aumentar
seu momento de inércia. Fonte da imagem: [1, p. 200]
1 Bibliografia
Referências
[1] Wilson CARRON, José Roberto PIQUEIRA, and Osvaldo GUIMARÃES. Física. v. 1. 2016.

[2] Alan LIGHTMAN. Viagens no tempo e o cachimbo do vovô Joe. Companhia das Letras,
1998. Tradução: Carlos Afonso Malferrari.

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