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4. Se trata de uma religião que, obviamente, não entra no âmbito da religião estatal,
mas se refere a um tipo de religiosidade conectada aos mistérios. Com efeito, no
poema parmenídeo se encontra uma individual expediência do divino, um zelo
pela anunciação da verdade revelada, um ressoar de exortações de tom religioso.
5. Jaeger diz: “Naturalmente não se pode pensar que Parmênides com a sua
filosofia tenha querido sustentar a causa de qualquer seita religiosa ou tenha
somente derivado traço por traço a descrição da sua aventura do protótipo de
uma tal seita. Se também este modelo ajudou o filósofo a concretizar a expressão
do seu próprio engajamento espiritual, este permanece em todo caso um ato
original da criação do pensamento. É muito mais que uma metáfora: é a
transposição da expressão religiosa no campo filosófico por onde se vem a
formar verdadeiramente um novo mundo espiritual”. Logo, como não poucos
concordaram, não se trata de pura alegoria, mas de uma grandiosa expressão de
uma experiência de acesso à Verdade.
10. Cada nome não só exprime um momento ou aspecto essencial do divino, mas
também necessariamente remete a outro, evidenciando um momento do operar
da Deusa e junto um aspecto do real.
13. O prólogo do poema, em seu final, contem o quadro geral da tratação que virá
desenvolvida no poema. Trata-se de versos que foram subentendidos, e que
somente nos últimos decênios foram interpretados de modo correto.
14. Neles se perfilam não dois (como se acreditou por muito tempo), mas três vias
de investigação, ou, se se quer, duas vias, uma das quais tem dois traços bem
distintos, como veremos. Os versos (28-32) dizem assim:
15. “Terás, pois, de tudo aprender: (1) o coração inabalável da verdade bem redonda
(2) e as opiniões dos mortais, em que não há uma verdadeira certeza. (3) Mas
também isto aprenderás: como as aparências têm de aparentemente ser, sendo
tudo em todo sentido”.
16. Logo, tem a via segundo a qual se colhe o coração inabalável da Verdade bem
redonda; tem a vida das opiniões dos mortais, que é de tudo falácias; e tem
também uma via que indica o modo correto como as coisas que aparecem vão
interpretadas, ou seja, como vão incluídas no ser (no modo em que veremos).
21. O fragmento 2 distingue de modo claro duas vias: aquela da verdade e aquela do
erro. A via da Verdade e da Persuasão é a via do Ser, a via que leva a
compreender “ que é e que não é possível que não seja” (fr. 2, v.3).
22. A segunda via é aquela do erro, e é a via do não-ser, a via que induz a crer “que
não é e que é necessário que não seja” (fr. 2, v.5). Esta segunda via deve ser
excluída de forma categórica, porque aquilo que não é não se pode nem
“conhecer”, nem em algum modo “exprimir” (fr. 2, vv. 7-8). O pensar é sempre
e somente pensar o ser. O célebre fragmento 3 diz: “(...) pois o mesmo é pensar e
ser”.
23. E o fragmento 8 (vv. 34-38) reforça: “O mesmo é o que há para pensar e aquilo
por causa de que há pensamento. Pois sem o ser – ao qual está prometido -, não
acharás o pensar. Pois não é e não será outra coisa além do ser, visto o Destino o
ter amarrado para ser inteiro e imóvel”.
25. A paralela via do erro é aquela que crê no devir entendido como ser tocado pelo
não-ser, ou seja, como cíclico passagem do ser ao não-ser e vice-versa. Convém
ler antecipadamente o fragmento 6, porque contém conceitos-chaves do ponto de
vista hermenêutico:
26. “ É necessário o dizer e o pensar que o Ser seja: de fato o Ser é enquanto o nada
não é: nisto te indico que reflitas. Desta primeira via de investigação te afasto, e
logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, vagueiam, com duas
cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são levados,
surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita
que o ser e o não-ser são o mesmo e o não-mesmo, e por isto de todas as coisas
tem um caminho que é reversível”.
27. Uma correta compreensão destes versos é, por muitos aspectos, essencial,
enquanto, no passado, não poucos intérpretes acreditaram que Parmênides toma
uma precisa posição polêmica contra Heráclito.
28. Alguém chegou até mesmo a dizer que o poema de Parmênides é o melhor
comentário – negativo – à doutrina de Heráclito. Porém, outras versões dizem
que Parmênides tem na mira os homens em geral, enquanto faz uso de
expressões gregas usadas para determinar a essência do homem.
29. A fonte de erro em que caem os homens “com duas cabeças”, ou seja, aqueles
que admitem ser e não-ser, está nas sensações. A Deusa, em particular no
fragmento 7, exorta a não ter fé aos sentidos e à experiência sensível contra os
ditames do logos, que diz que o Ser é e não pode em algum modo não ser: “ Pois
nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; mas afasta desta via
de investigação o pensamento, não te force por este caminho o costume muito
experimentado, deixando vaguear olhos que não veem, ouvidos soantes e língua,
mas decide pela razão a prova muito disputada de que falei”. Qual é, então, a via
que se deve seguir?
31. Sobre a base do que foi dito até aqui, a via que pode ser percorrida é apenas a do
Ser (cf. fr. 8, vv. 1-2). E sobre tal via existem precisos sinais indicadores,
precisas indicações das características essenciais do ser, reveladores da sua
natureza (fr.8, vv. 2 ss.).
32. Para poder compreender estas características essenciais, é preciso ter bem
presente a interpretação de fundo que Parmênides dá do Ser, considerando-o
como o puro positivo em sentido absoluto livre de qualquer negatividade e
diferenciação, isto é, como contraditório do não-ser como o puro negativo,ou
seja do nada em sentido absoluto. Vejamos quais são esses sinais indicadores:
33. a) O Ser não “era”, ou seja não pode ter um passado, porque para ter um passado
deveria não ser mais; e nem mesmo ‘será’, ou seja, não pode ter um futuro,
porque para ter um futuro deveria não ser ainda (fr. 8, vv. 5s. e vv. 19ss.).
34. b) Portanto, o Ser é ‘não-gerado’ e ‘incorruptível’ (fr. 8, vv. 6 ss.). De fato, não
poderia derivar do não-ser, que não é; nem do ser, enquanto, em tal caso, o ser já
seria e não seria preciso de nascer (do ser não pode nascer alguma coisa que seja
outro do ser). E pela mesma razão é impossível que se corrompa, ou seja que
caminhe para o não ser. E assim : “E assim a gênese se extingue e da destruição
não se fala” (fr.8, v.21).
38. f) O Ser é ‘uno, contínuo’ (fr. 8, v.6). É ‘um’ como um inteiro absolutamente
igual a si mesmo e como aquela absoluta identidade, que, excluindo cada
diferenciação, implica também total unidade.
39. Os seguintes versos são verdadeiramente emblemáticos (fr. 8, vv. 42-49): “Visto
que tem um limite extremo, é completo por todos os lados, semelhante à massa
de uma esfera bem rotunda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem
maior, nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja. Pois nem o não-ser é, que o
impeça de chegar até ao mesmo, nem é possível que o ser seja maior aqui,
menor ali, visto ser todo inviolável: pois é igual por todo o lado,e fica
igualmente nos limites”.
40. Depois de tudo aquilo que vimos, a pergunta vem espontânea: mas este ser é de
caráter imaterial ou material? Esta pergunta, que não poucos intérpretes
colocaram, não é hermeneuticamente correta. Parmênides não podia colocar-se
este problema, enquanto a categoria de material e de imaterial nasceram com
Platão.
41. Todavia, é bem claro que o Ser do qual fala Parmênides é o ser do cosmos, em
grande parte purificado e ‘abstrato’ e, se pode dizer com uma expressão
paradoxal, é um tipo de cosmos ‘descosmicizado’.
42. No entanto, se considere o fato que esta doutrina de Parmênides, como já outras
vezes se colocou aqui em evidência, revoluciona de forma radical a problemática
iônica da investigação do ‘princípio’ do qual todas as coisas derivam.
44. O modo correto segundo o qual a via da opinião pode ser percorrida, depois de
ter percorrido a via do Ser, como um prosseguimento desta mesma via.
46. Com efeito, como vimos, Parmênides fala de duas vias: uma verdadeira e uma
falsa (distinta em duas formas). Mas sobretudo, através de alguns estudos do
século XX, emergiu com clareza que Parmênides declara, sim, a opinião dos
mortais falaciosos, mas concede à ‘aparência’, oportunamente entendidas, uma
certa plausibilidade.
48. Já na conclusão do prólogo (fr 2, vv. 28-32) do poema a Deusa disse com
clareza que além do “sólido coração da Verdade bem rotunda”, e além das
opiniões do s mortais “nas quais não existe uma verdadeira certeza”, mostrará
também que “como as coisas que aparecem precisavam que verdadeiramente
fossem, sendo todas em todo sentido”.
49. E ao início da exposição da via das aparências (fr. 8, vv. 60 s) reforça: “ Este
ordenamento do mundo, verdadeiramente em tudo, completamente te exponho,
de forma que nenhuma convicção dos mortais poderá te transviar.
51. Em Parmênides vemos uma doutrina sobre a natureza que compreende todo o
ser, e também o conhecimento. Já no fragmento 1 de Parmênides, que é o início
do seu poema, se distinguem “o coração inabalável da realidade fidedigna” das
“crenças dos mortais, em que não há confiança genuína”; se contrastando dois
tipos de conhecimento: um verdadeiro, infalível, e o outro no qual não se pode
ter confiança.
52. A primeira, a via da persuasão “diz que é, e que não é possível que não seja”, “a
outra diz que não é e que é necessário que não seja” (fr. 2). De fato, o
pensamento é sempre pensamento do ser, pensamento que alguma coisa é.
53. O famoso fr. 3 “...” (...de fato, o mesmo
é pensar e ser) quer dizer precisamente isto: o pensamento é sempre pensamento
de alguma coisa. E similarmente no fr. 8 Parmênides diz: “É a mesma coisa
pensar e pensar que é: - porque sem o ser, naquilo que é dito, não encontrará o
pensar”.
54. Desta constatação, e podemos bem dizer, descoberta, que pensar quer dizer
sempre pensar que é alguma coisa, Parmênides deduz que somente o ser é e que
o não ser não é (como ensina a Verdade), enquanto a via do erro diz que não é,
afirma o não ser.
55. Para Parmênides, não-ser é tudo aquilo que é diverso do puro e simples ser, ou
seja, qualquer outro predicado, qualquer outra determinação que não seja esta:
ser.
56. Portanto, cada vez que atribuímos ao ser predicados diversos estamos no erro;
cada vez que falamos de uma coisa é fogo, ou é água, estamos no erro, porque
falamos que aquela coisa é outro do ser, e se é outro do ser quer dizer que não é.
Mas segundo as opiniões comuns as coisas são fogo, água...logo a opinião
comum, a reflete apenas a aparência, e não a realidade verdadeira.
57. E como não pode existir, na realidade verdadeira, a diversidade, assim não pode
nem mesmo existir o nascer e o perecer. O ser, de fato, não pode nascer do ser,
porque este é já; nem do não ser, porque do nada não nasce nada. O ser sendo
não- gerado é também imperecível, todo inteiro, único, imóvel e sem fim.
60. Se como não podemos pensar se não pensando alguma coisa; se como no fundo,
a cada nosso conceito existe um conceito do ser, Parmênides conclui que a
fundamento de cada ente tem um único ser.
66. As coisas são aquelas que aparecem ao homem, tais quais aparecem ao homem.
Portanto, é inútil investigar o que a realidade em si: a única tarefa séria é aquela
de procurar colocar em acordo as opiniões dos homens e ali prospectar uma “lei”
que regule em melhor modo a vida e a convivência humana.
69. A teoria das ideias é antes de tudo a afirmação que a realidade verdadeira não é
aquela que se colhe sensivelmente, aquela que nasce e perece e muda, mas uma
realidade transcendente, que não se colhe com o olho material ou com algum
outro sentido, mas com a mente.