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SOCIEDADE1
RESUMO
Durante muitas décadas o cigarro fez-se presente na sociedade, construindo, com a
ajuda do cinema e dos anúncios publicitários, uma imagem de glamour, poder e status,
intimamente ligada à vitalidade e saúde, que ao longo dos anos foi destruída por
pesquisas que comprovaram a sua relação direta com uma série de doenças. Este artigo
discute a imagem criada pela indústria do cigarro e sua influência na sociedade,
implicando em ações que visem a melhoria da saúde da população.
TEXTO DO TRABALHO
1
Trabalho apresentado no I Pró-Pesq PP – Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda.
De 26/08 /2010 a 27/08/2010. CRP/ECA/USP.
2
Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São
Paulo, email: edmeiacs@yahoo.com.br
indústria do cigarro para promover seus produtos em estúdios de cinema, rádio e TV e
eventos públicos.3
O cinema faz parte de uma cultura de massa que dita moda e insere produtos que
passam rapidamente de uma simples mercadoria a uma necessidade constante e, às
vezes, até mesmo imediata, criando um círculo vicioso no qual realidade e fantasia se
fundem. Será que a vida imita a arte ou é a arte que retrata a vida? Não existe uma
resposta fácil para esta questão. Por outro lado, mesmo depois de leis anti fumo que
baniram o cigarro da mídia e outros canais de divulgação (como outdoors, por
exemplo), é possível comprovar a utilização cada vez mais frequente do produto em
cenas de filmes contemporâneos e a sua relação com o número de fumantes.
3
De acordo com reportagem publicada pela BBC BRASIL.COM, pesquisadores da Universidade de
Nova Iorque, afirmam em artigo publicado na revista Tobacco Control, que os contratos para a promoção
do cigarro em filmes de Hollywood datam do começo a era do cinema falado e que praticamente todos os
grandes nomes da época estavam envolvidos com o merchandising do cigarro.
De acordo com os pesquisadores, a promoção de determinadas marcas de cigarros
usadas pelos atores em cena aumentou dez vezes durante esse período.
Conforme o estudo, a Marlboro totaliza 40% das aparições nos filmes enquanto
que 20% dos filmes infantis também são responsáveis pela divulgação de certas marcas
de cigarros. De acordo com o Dr. James Sargent, que liderou a pesquisa, quando as
empresas fabricantes contam com atores para promover seus produtos, desenvolvem
uma prática que pode ser considerada como outra forma de propaganda do cigarro e que
ela pode ter um grande impacto junto aos jovens. Antes da proibição de anúncios, as
empresas pagavam boas quantias para colocar o cigarro nas mãos de artistas famosos,
mas os críticos da indústria do cigarro dizem que as marcas não estão presentes nos
filmes por acaso, já que a produção da indústria cinematográfica exige muito
planejamento a respeito de como e quando determinados produtos deverão aparecer nas
cenas.
No ano de 2003, outro artigo publicado no mesmo veículo, mostrou que o fumo
nos filmes é responsável pela iniciação de cerca de 52% dos jovens entre 10 e 14 anos,
tendo um efeito subliminar superior aos comerciais, que correspondem a 34% dos
casos.
No entanto, não foi apenas através dos filmes que a indústria tabagista
conseguiu seu espaço na sociedade. Outro caminho galgado para levar seu produto aos
consumidores foi a propaganda. Os anúncios de TV concentraram seus esforços
principalmente no sentido de atingir o público jovem – que, por sua vez, via no cigarro
um passaporte para o mundo adulto.
A indústria cultural sorri: torna-se aquilo que és; e sua mentira consiste
precisamente na confirmação e consolidação repetitivas do simples ser-
assim, daquilo a que o andamento do mundo reduziu os homens.
(ADORNO, 1977, p. 352-3)
Essas e outras marcas de cigarros estiveram presentes na vida da população por
meio de inserções de TV, anúncios em jornais e revistas, propagandas em outdoors e
tantas outras formas de divulgação de massa e merchandising, além de patrocínios de
esportes e diversos eventos culturais. Mas toda história tem dois lados. No entanto, o
cigarro – que era apresentado como algo tão positivo -, na verdade causava inúmeros
problemas à saúde. Seus efeitos negativos sempre foram conhecidos pela indústria
tabagista, que desde o princípio apoderou-se de técnicas e estratégias para escondê-los.
Um dos registros mais antigos data de 1761, pelo médico londrino John Hill, ao
associar o uso do tabaco em pó (conhecido como rapé) a tumores no nariz. Muitas
outras pesquisas foram realizadas, mas só em 1928, um tipo de estudo se tornaria
padrão no século 20, publicado pelos médicos Herbert L. Lombard e Carl B. Doering4.
No entanto, durante esse período, um fato merece ser destacado. Em 1953, quando o
médico Ernst Wynder5, experimentou pintar o dorso de 86 ratos com uma substância
obtida da condensação da fumaça do cigarro Lucky Strike para ver o que acontecia,
chegou a um dado assustador: dos 62 animais que sobreviveram, 58% desenvolveram
tumores cancerígenos e entre os ratos pintados, 90%, morreram nos 20 meses seguintes.
Essa descoberta deu início às estratégias da indústria tabagista para encobrir os danos
causados por seu produto6. Os jornais e revistas propagaram a história dos ratos e a
idéia de que o cigarro causa câncer tornou-se forte, fazendo com que as vendas de
cigarro entre 1953 e 1954 caísse 10%.
4
A pesquisa faz a relação entre as mortes por câncer com idade, renda, alimentação e fumo.
5
Um judeu alemão que deixou o país com a ascensão de Hitler. Para a experiência, o dorso dos ratos foi
raspado com um barbeador elétrico e cada animal recebeu durante dois anos, 40 gramas de alcatrão
destilado (a mesma quantidade de alcatrão e nicotina encontrada em um maço de cigarros), três vezes por
semana.
6
O impacto do experimento deve-se ao fato de ser a primeira comprovação do efeito cancerígeno do
fumo, ao contrário dos estudos estatísticos das observações diretas apresentadas nos séculos 18 e 19.
inteira, publicado em 448 jornais americanos. Sob o título “Uma Declaração
Franca para os Fumantes”, o anúncio era categórico nas afirmações: não
havia provas científicas de que o cigarro causasse câncer; os bioestatísticos
poderiam apontar como causa qualquer outro fator ligado à vida moderna,
como a poluição de carros e fábricas ou a alimentação industrializada.
“Acreditamos que nossos produtos não fazem mal à saúde”, dizia o texto,
assinado pelo recém-criado Comitê de Pesquisas da Indústria do Tabaco. Ao
final do anúncio, o comitê fazia uma promessa: alardeava que a indústria
“aceitava como responsabilidade básica o interesse pela saúde das pessoas,
acima de todas as outras considerações de nosso negócio”. Para provar que
ela estava interessada em pesquisar o impacto do fumo sobre a saúde, estava
lá o comitê de pesquisas, financiado por todos os fabricantes de cigarro.
(CARVALHO, 2001, p. 15-16)
O número de fumantes aumentava cada vez mais, assim como o número doenças
e mortes provocadas pelas conseqüências do uso do cigarro. Entre os anos de 1950 e
1970, diversos problemas de saúde puderam ser comprovadamente relacionados ao
tabaco: infarto; câncer de boca, pulmão, laringe, esôfago, rim, bexiga e pâncreas;
angina; isquemia; aneurisma; enfisema; bronquite; entre outras.
Era hora de tomar decisões que mudassem esse quadro. Tinha início, então, uma
guerra anti fumo que iria angariar adeptos por todo o mundo.
A década de 1970 foi marcada pela revolução sexual e libertária, na qual o uso
de drogas, como a bebida e o cigarro, tomavam uma dimensão política de rebeldia e
contestação ao sistema autoritário da época. Mesmo assim, várias pesquisas já
apontavam para um problema de grandes proporções.
Anos depois, uma nova lei exigiu que fotos de pessoas doentes ou com seqüelas
do produto estivessem estampadas nos maços de cigarros. Porém, todas essas medidas
não foram suficientes para diminuir o consumo do tabaco. Um estudo realizado pelo
programa de Controle e Prevenção do Câncer da Universidade da Califórnia (EUA),
desenvolvido com jovens entre 12 e 17 anos, calculou que 700 mil jovens americanos
experimentaram cigarros devido à sua propaganda. (A INDÚSTRIA DO CIGARRO)
7
Vigilância de tabagismo em escolares.
58% no sexo masculino e de 31 a 55% no sexo feminino, enquanto a
prevalência de escolares fumantes atuais variou de 11 a 27% no sexo
masculino e 9 a 24% no feminino. (INCA)
No Estado de São Paulo, entrou em vigor no dia sete de agosto de 2009, a lei
anti fumo8 que proíbe o fumo em locais fechados de uso coletivo, como bares,
restaurantes, casas noturnas, locais de trabalho, etc. Isso quer dizer que os ambientes
estarão 100% livres do tabaco, na tentativa de inibir o fumo e reduzir os danos à saúde
dos fumantes ativos e passivos. (PORTAL DA LEI ANTI FUMO)
Iniciativas como esta foram tomadas em outros países, como Portugal, por
exemplo, e prometem ser seguidas também em outros estados brasileiros. Entretanto, a
polêmica faz parte das discussões sobre o assunto.
8
LEI Nº 13.541, de 7 de maio de 2009.
pacientes na faixa dos 35 a 60 anos de idade foram os responsáveis pelos
maiores custos. (PARANÁ ONLINE, 2008)
Alguns dos focos principais desta “luta” contra o tabaco são a redução da
iniciação dos jovens, público mais suscetível aos apelos da indústria tabagista através
dos meios de comunicação e o fácil acesso a esses produtos.
Mesmo com tantas restrições, a indústria tabagista ainda usa meios para burlar
leis e estar, ainda que de forma não tão incisiva, presente no cotidiano social e na
indústria cinematográfica. Temos a oportunidade de assistir a filmes como Obrigado
por fumar e O Informante que ressaltam a manipulação da opinião pública, mas em
contrapartida, é difícil apontar um filme em que não haja nenhuma cena que apareça
pelo menos um personagem, meramente ao acaso, com um cigarro na mão. Em novelas
e seriados o cigarro ainda apresenta-se como um ingrediente a mais para a composição e
a caracterização dos personagens. O impacto na saúde da população tem reflexos que
não serão minimizados em curto prazo. As estratégias implantadas pelo Ministério da
Saúde, conjuntamente com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), prevê ações que,
apesar de indispensáveis e essenciais para a prevenção da saúde, são realizadas em
momentos pontuais, datas comemorativas, atividades educativas, enquanto que a
indústria do tabaco investe pesado e diariamente com o objetivo de fazer-se presente, de
alguma forma, na sociedade, seja pelos meios de comunicação, seja em eventos
públicos. A luta anti fumo precisa ter mais visibilidade e tomar uma proporção maior
aos olhos da população. Essas ações devem ser reconhecidas diariamente e estarem cada
vez mais próximas das pessoas. É a promoção da saúde x a indústria cultural, em uma
briga que consume muito dinheiro e muitas vidas.
REFERÊNCIAS
BBC BRASIL.COM. Astros de Hollywood recebiam fortunas para promover fumo. Disponível
em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/09/080925_hollywoodfumo.
shtml> Acesso em: 30/07/10.
BARATA, Germana. Cigarro no cinema contribui para jovens começarem a fumar. In: Ciência
e Cultura. vol. 55, n. 4, São Paulo: SBPC, Oct/Dec. 2003. Disponível em <
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252003000400012&script=sci_
arttext> Acesso em 31/08/2009.
MATTEDI, José Carlos. Fim da propaganda de cigarros foi fundamental para queda do
consumo entre jovens, avalia pesquisador. Jornal do Brasil, 28/01/2007. Disponível em
<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/28/materia> Acesso em 20/07/2009
PARANÁ ONLINE. Mais de R$ 300 milhões gastos em doenças causadas pelo cigarro.
Disponível em <http://www.parana-online.com.br/canal/vida-e-saude/news/287602/
?noticia=MAIS +DE+R+300+MILHOES+GASTOS+EM+DOENCAS+CAUSADAS+
PELO+CIGARRO> Acesso em 07/12/09.
PORTAL DA LEI ENTI FUMO. SP proíbe cigarros em ambientes fechados de uso coletivo.
Disponível em: <http://www.leiantifumo.sp.gov.br/portal.php/lei> Acesso em: 10/07/10.