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“E você samba de que lado

De que lado você samba


Você samba de que lado
De que lado você samba
De que lado, de que lado
De que lado você vai sambar?”

Samba do Lado - Chico Science


© Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda 2018.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem


autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios
empregados

A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

DIREÇÃO EDITORIAL
Kathia Castilho

REVISÃO
Ana Carolina Carvalho

CAPA E PROJETO GRÁFICO


Marcelo Max

PRODUÇÃO DO EBOOK
Schaffer Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


de acordo com ISBD

M672c
Miranda, Ana Paula

Consumo de ativismo [recurso eletrônico] / Ana Paula Miranda, Izabela


Domingues. – Barueri, SP : Estação das Letras e Cores, 2020.
128 p. ; ePUB.

ISBN: 978-65-86088-11-3 (Ebook)

1. Consumo. 2. Ativismo. 3. Moda. 4. Cultura. I. Domingues, Izabela. II.


Título.

CDD 658.8342
2020-237 CDU 366.1

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

Índice para catálogo sistemático:


1. Comportamento do consumidor 658.8342
2. Comportamento do consumidor 366.1

Palavras chave: Consumo, Ativismo, Moda, Cultura.

Estação das Letras e Cores Editora


Av. Real, 55 – Aldeia da Serra – Barueri
06429-200 – São Paulo –
Tel: 55 11 4326 8200
www.estacaoletras.com.br
www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/
Dedicamos este livro a todxs que consomem ativismo.
E a todxs a quem amamos...ativamente.
SUMÁRIO
Apresentação
São os consumidores ativistas?

Sistema-mundo capitalista e confrontos

Cultura de consumo e consumo simbólico

O sistema que transforma contestação em status quo

Consumo e ativismo: lovers e haters

O que e consumo de ativismo?

Ativismo como objeto de moda

Moeda social, mídias sociais e netativismo

Consumidor ativista x consumidor de ativismo

Referências
SÃO OS CONSUMIDORES
ATIVISTAS?
Qual causa o freguês vai levar hoje?
Comece o dia saboreando um caffè latte de feminismo
acompanhado de biscoitinhos LGBTQ. Antes do almoço, não
deixe de checar a nova coleção de bolsas veganas. Para um dia
longo, nada melhor que um almoço reforçado com muita
proteína de causas de igualdade racial. No fim da tarde, antes de
treinar na academia, o mais recomendável é ingerir Whey
Empoderamento Transgênero. Tome três doses acompanhadas
da barra de cereal da desconstrução do masculino. Um jantar
leve é o mais indicado, brindado com uma taça de vinho contra a
exploração de mão de obra. Para a balada do fim de semana, a
rave do compartilhamento no novo espaço coworking da cidade
é o point. Vista a camiseta de moda consciente e leve um quilo
de alimento não perecível para garantir entrada livre na pista vip.
Embalamos rapidinho a sua causa e entregamos em
domicílio sem cobrança de frete.
Essas cenas parecem exagero ou ficção, mas, ainda que
limitadas, já acontecem hoje. As gôndolas do varejo oferecem
causas e ativismo enlatado para os diferentes tipos de
consumidores.
Muitos profissionais do mercado, publicitários e gestores de
marketing, marca ou produto, diante desse cenário, reclamam
que é muito mimimi e que o mundo está ficando cada vez mais
chato.
Vários consumidores alertam que é golpe dos esquerdazi e
proclamam boicote contra as causas, assinando #salveoconsumo
nas mídias digitais.
Já as pesquisadoras Izabela Domingues e Ana Paula de
Miranda optaram por mergulhar fundo no mundo do consumo
contemporâneo e entender as questões que batem à porta dos
consumidores e das marcas: existe ativismo no consumo ou é
tudo marketing? Até que ponto expressar causas ativistas no mix
de produtos compromete a imagem da marca? Quais são os
riscos do envolvimento das marcas com a política que pode
provocar a perda de legião de lovers? O quanto as marcas são
verdadeiras ao defenderem causas cidadãs ou é tudo demagogia?
Essas empresas de fato cumprem o que pregam? As marcas estão
aderindo ao ativismo ou os consumidores são ativistas?
Ao tentar responder essas questões, a dupla de autoras traça
uma radiografia de uma das facetas mais marcantes e instigantes
do consumo contemporâneo, o consumerismo. Expressão ainda
pouco usual entre os profissionais do mercado, o consumerismo
é o encontro entre a nossa vida pública e a privada por meio do
consumo. Segundo a pesquisadora sueca Michele Micheletti1,
trata-se do exercício político e engajado do poder de escolha no
consumo. Os indivíduos usam o seu papel de consumidor para
atuar como cidadãos, fazendo reivindicações que, ainda que
individuais, terão impacto para o bem social coletivo. Diferentes
causas podem ser abraçadas pelo consumerismo, como proteção
do consumidor, denúncias de exploração de mão de obra,
aumento do poder de compra, valores éticos, empoderamento
feminino, inclusão LGBTQ, igualdade racial, equidade entre os
gêneros e proteção do meio ambiente, entre várias outras. Os
debates e questionamentos sobre o consumo são por si só, atos
consumeristas porque provocam reflexividade sobre o consumo
e as suas bases.
Usar o consumo para reivindicar mudanças na sociedade não
é recente. O que há de novo é o uso do terreno cibernético para
manifestações dos consumidores. Nas redes sociais, são
frequentes os depoimentos de cidadãos comuns contra as
empresas pelos mais diferentes motivos, que variam desde uma
insatisfação particular e pontual até acusações sobre exploração
de mão de obra ou trabalho escravo, não deixando de fora as
campanhas publicitárias acusadas de objetificação do corpo da
mulher, reprodução da ditadura de padrões de beleza e ausência
de representatividade dos negros e da subcultura LGBT.
As mídias digitais deram vozes para os gritos que estavam
entalados e abafados. Vozes que antes não se ouviam, agora
importam.
Os puristas saudosos dizem que mercado e política não se
misturam. Não é verdade. As práticas de mercado têm
implicações diretas na esfera política, social, econômica e
demográfica, assim como as orientações políticas interferem nas
práticas de mercado. É um sistema orgânico no qual um
alimenta o outro.
A isenção é uma farsa. A neutralidade é uma cilada com um
emaranhado de espinhos. Não se posicionar já é um
posicionamento. Gestores que pregam a neutralidade das
marcas flertam com a omissão e a cumplicidade nas práticas de
mercado que estão na mira da vigilância e das reivindicações dos
consumidores.
Esse ativismo do consumidor coloca mais marcadamente a
urgência em pensarmos o consumo como um fato social,
transcendendo a reflexão restrita ao comportamento do
consumidor ou ao uso dos bens. É hora de entendermos como o
consumo pode ser um terreno de articulações estratégicas
sociais, políticas e econômicas entre indivíduos, instituições e
mercado.
Não se trata de transferir os debates da esfera política para as
gôndolas do consumo, movido por uma decepção crescente e
profunda com as instituições políticas e seus atores. O que
acontece é que o consumidor tem percebido que a velocidade de
resposta no mundo do consumo é muito mais ágil, efetiva e
comprometida do que os recursos políticos que, em tempos
digitais, cheiram a naftalina.
Todos nós somos consumidores, mesmo quando não nos
damos conta. Por isso que este livro tem a ver com todos nós. É
para os pesquisadores e estudiosos acadêmicos do tema, traz
apontamentos importantes para os profissionais de mercado
que lidam com marcas e consumidores, tem linguagem acessível
para qualquer consumidor que deseja deixar de ser refém e
passar a ser autor no consumo.
Em uma sociedade na qual as experiências e os sentimentos
estão mercadorizados e disponíveis nas prateleiras, não há
momentos em que não consumimos. Nada escapa da
precificação no capitalismo. Se estamos destinados a conviver
com o consumo, o mais inteligente é sabermos como podemos
reivindicar, exigir e obter o melhor dele.

Fábio Mariano Borges


1 Political Virtue and Shopping – Individuals, Consumerism and Collective
Action. Palgrave Macmillian, 2003.
SISTEMA-MUNDO
CAPITALISTA E
CONFRONTOS
O último quarto do século XX se configurou como um
período de intensificação do modelo econômico neoliberal e
acelerada privatização do setor público nos países do Ocidente,
especialmente na América Latina, à exceção de Cuba, ainda
imune, naquele momento histórico, ao capitalismo mundial
integrado. Nesse processo, os Estados cederam o controle da
economia material e simbólica às empresas, levando a um
cenário de descapitalização nacional, subconsumo das maiorias,
desemprego crescente e empobrecimento da oferta cultural
(Sorj, 2004).
Para Wallerstein, o sistema-mundo moderno vive uma crise
estrutural e se encontra em uma época de transição (2001).
“Estamos em uma crise estrutural da economia capitalista
mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser
totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a
data exata, mas vai levar muito tempo” (Wallerstein, 2012)1. Para
o autor, um sistema-mundo é um sistema social que possui
limites, estruturas, grupos associados, regras de legitimação e
coerência, cuja manutenção é assegurada em função das forças
em conflito que o mantém unido por tensão, mas também o
dilaceram, visto que cada um dos grupos procura remodelar o
sistema em seu proveito. Um sistema-mundo funciona como um
organismo: tem um tempo de vida durante o qual algumas
características vão se modificar enquanto outras permanecerão
estáveis (1974).
Nesse sistema histórico, as unidades sociais são distintas
culturalmente, inclusive etnicamente diversas, mas
interdependentes economicamente (Scott, 2009). Esta
interdependência é reforçada por uma ideologia construída e
mantida nos países do centro, que vai contribuir para a
subjugação dos países periféricos e semiperiféricos. Entretanto,
apesar das unidades sociais serem culturalmente distintas no
sistema-mundo moderno, há uma homogeneização cultural
crescente, associada a essa ideologia dominante, que vai
proteger a manutenção da divisão díspare do mundo.
A civilização capitalista mundial consiste em um mundo
polarizado e polarizante. A afirmação das suas virtudes consegue
persuadir muitas pessoas sobre os benefícios a longo prazo
trazidos pelo surgimento desse sistema. Por outro lado, a
discussão a respeito dos problemas intrínsecos a ele faz com que
outros tantos indivíduos e grupos percebam que podem se
organizar com eficácia para implementar transformações
políticas (Wallerstein, 2001).
A economia-mundo moderna é essencialmente capitalista
(Wallerstein, 1974). Na virada do milênio, Wallerstein afirmava
que “nós entraremos – ou melhor, nós já entramos – em uma era
de turbulências caóticas nos planos econômico, político e
cultural.” (in Chesnais et al., 2003). A previsão parece ter se
confirmado e as duas primeiras décadas do século XXI se
configuraram como palcos de grandes turbulências em âmbito
mundial. “As turbulências e reviravoltas políticas que vivemos
irão recrudescer. A esquerda só vencerá se souber aliar os que
lutam por direitos sociais às forças multiculturais. Este é, hoje, o
sentido da luta de classes” (Wallerstein, 2017)2.
Tal afirmação nos faz pensar na ascensão de temas como
racismo e gênero nas pautas das discussões sociais, políticas,
econômicas, acadêmicas, midiáticas e até mesmo corporativas
na atualidade. As resistências étnicas, evidenciadas fortemente
com a ampliação dos debates sobre o racismo na última década,
e as reivindicações acerca da multiplicidade de gênero em
contraponto ao binarismo homem e mulher parecem dialogar
diretamente com o entendimento desse pensador de que, na
contemporaneidade, a luta pelos direitos sociais está atrelada,
inevitavelmente, às forças multiculturais, à inerente
complexificação do mundo e desestabilização do status quo
moderno.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União
Soviética iniciaram uma “guerra fria”, cujo objetivo “não era
derrubar o outro (ao menos no futuro previsível), e sim preservar
à risca a lealdade de seus respectivos satélites”3, ou seja, os
países periféricos e semiperiféricos sobre os quais tinham amplo
domínio, como se fosse um “Tratado de Tordesilhas” moderno.
Movimentos dos mais variados lugares do mundo perceberam
que a chamada “velha esquerda” não era tão antissistêmica
quanto parecia. “Sua ascensão ao poder não havia mudado nada
relevante, diziam seus agressores. Esses movimentos passaram a
ser vistos como partícipes do sistema que devia ser rejeitado
para que os verdadeiros movimentos anticapitalistas tomassem
seu lugar” (Wallerstein, 2017)4.
Na década de 1980, os governos do presidente americano
Ronald Reagan e da primeira-ministra britânica Margaret
Thatcher impuseram uma forte política de eliminação do
protecionismo dos países que lhes demandavam apoios e
empréstimos, acabando com o estado de bem-estar social e
determinando a supremacia do livre mercado. “É o que
conhecemos como o Consenso de Washington — e quase todos
os governos se renderam a esta grande mudança de foco.
Governos que não se enquadraram, caíram, culminando no
colapso espetacular da União Soviética” (Wallerstein, 2017)5.
Nessa perspectiva, Sorj indica que a dinâmica própria do
capitalismo, associada às mudanças no sistema político
internacional do fim do século XX, especialmente com a
derrocada do comunismo, enfraqueceu o papel organizador das
classes sociais e diminuiu a importância dos sindicatos e dos
partidos políticos (2004).
A cartilha Reagan/Thatcher, que passou a reger o sistema-
mundo capitalista na década de 1980, foi apresentada ao mundo
sob a justificativa amplamente conhecida como TINA (sigla
formada a partir das letras iniciais das palavras “there is no
alternative”, em português, “não há outra alternativa”). Buscando
mostrar que havia outros caminhos a serem trilhados, os quais
não necessariamente comungavam com o pensamento
neoliberal, articularam-se, em diversas partes do mundo, de
meados da década de 1990 ao início dos anos 2000, várias
iniciativas oposicionistas à TINA. Dentre elas, destacam-se: a
insurreição dos zapatistas, em Chiapas (1995), as manifestações
bem-sucedidas contra a tentativa de decretar garantias
obrigatórias para os chamados direitos de propriedade
intelectual, em Seattle (1998), e a fundação do Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre (2001), em oposição ao Fórum
Econômico Mundial, considerado um pilar da TINA (Wallerstein,
2017)6.
Com a esquerda global ganhando espaço novamente, durante
a década de 1990, as forças conservadoras buscaram se
reagrupar não mais sob a égide da defesa da economia de
mercado, mas sim de bandeiras com demandas e apelos
socioculturais, como a proibição do aborto e a defesa do
comportamento heterossexual exclusivo. “Utilizaram tais temas
para atrair apoiadores à ação política. E mais tarde voltaram-se
para posturas xenofóbicas anti-imigração, abraçando o
protecionismo a que os conservadores econômicos
especificamente se opunham” (Wallerstein, 2017)7. Wallerstein
destaca que os apoiadores da democratização dos direitos
sociais e do chamado multiculturalismo, nos anos 1990,
copiaram a nova tática política da direita e legitimaram, com
sucesso, ao longo da primeira década do século XXI, avanços
significativos em questões socioculturais, como os direitos das
mulheres, os primeiros direitos ao casamento homossexual e os
direitos dos indígenas. Nessa perspectiva, o discurso dos direitos
humanos veio ocupar o lugar das utopias políticas veiculadas
pelos partidos no século XX, transformando o sistema clássico de
representação e transferindo o papel de catalisadores da ação
coletiva para outros agentes sociais, como, por exemplo, as
organizações não governamentais, chamadas comumente de
ONGs (Sorj, 2004).
Desde 2013, quando ocorreram manifestações populares
expressivas no Brasil, na Turquia, no Egito e em mais de 30
países8, é possível perceber, entretanto, uma articulação
crescente de organizações coletivas desassociadas de partidos e
até mesmo de ONGs, mobilizadas em redes por meio da internet
e dos smartphones: são os móbil-izados9, conforme sugere o
estudo F/Radar elaborado pela agência de publicidade F/Nazca
Saatchi & Saatchi em parceria com o Instituto Datafolha (2015).
Pessoas de diferentes idades, localidades, classes sociais,
profissões, etnias e credos se aglutinaram em torno de causas
variadas nas redes sociais digitais e nas ruas, nos cinco
continentes, para reivindicar a manutenção dos direitos
adquiridos ou por adquirir dos mais diversos atores sociais e
políticos de maneira intensa e potente.
O estudo da agência F/Nazca aponta uma relação direta entre
a articulação das pessoas nas redes sociais digitais e o seu
envolvimento presencial em mobilizações aqui no Brasil.
“Metade daqueles que já participaram pela internet o fizeram
também fora dela. Além disso, 6 em cada 10 ativistas digitais
acreditam que as redes contribuem para eles participarem
presencialmente” (F/Radar, 2015)10. A pesquisa mostra ainda
que o engajamento político não é privilégio dos mais ricos. A
maioria dos netativistas brasileiros entrevistados, 45%, estava,
durante a realização da pesquisa, em março de 2015, na classe C.
As novas tecnologias digitais “colocam a luta política em
outro patamar, e esse outro patamar não pode mais deixar de ser
levado em conta porque a luta vai se passar lá” (Santos, 2013).
Santos chama de tecnopolítica o modo de articulação política
que remixa as ruas com as redes na era digital. “Porque não é
mais possível pensar a política sem a tecnologia junto” (Santos,
2013).11 Na atualidade, vemos o resultado de uma nova dinâmica
de individualização, constituição de identidades coletivas e
participação política que fragmenta a representação social e
limita a capacidade de elaboração de propostas para a
transformação do conjunto da sociedade (Sorj, 2004). Por outro
lado, o acesso à internet, especialmente após a invenção das
redes sociais digitais, aumentou, exponencialmente, o
conhecimento das pessoas em relação às mais diferentes
informações sobre o que acontece no mundo contemporâneo,
transformando suas possibilidades de atuação política em escala
global. Também fez com que os cidadãos de todas as partes do
mundo entrassem em contato com as enormes diferenças
sociais que existem no planeta, ampliando sua consciência sobre
fatos e fenômenos anteriormente desconhecidos e a necessidade
de se posicionarem politicamente mediante essa nova
consciência (Domingues, 2013).
Esse conhecimento levou homens e mulheres a tomarem
iniciativas e assumirem posturas as quais, antes, não se sentiam
obrigados ou motivados, por ignorância ou por não estarem
expostos continuamente a essas realidades (Ribeiro et al., 2003).
Em decorrência dessas novas posturas, as empresas também
foram convocadas pelos consumidores, cada vez mais a se
posicionarem ideologicamente, diante das assimetrias
econômicas e sociais. São pressionadas tanto pelo público
externo quanto pelo público interno a buscarem,
preferencialmente, parceiros, em seus negócios, que também
compartilhem de sua visão de mundo e de sua posição política,
ou seja, que considerem os impactos sociais e ambientais das
suas ações, bem como estimulem atitudes louváveis de todos os
seus stakeholders12, considerando os direitos humanos,
especialmente no tocante aos temas do racismo, do feminismo,
do pluralismo de gênero, dos direitos humanos em geral,
incluindo o respeito às diferenças físicas e mentais, assim como
o respeito aos direitos dos animais.
No livro Consumidores e cidadãos, Garcia Canclini destaca
que alguns consumidores querem ser cidadãos, visto que
buscam expressar seu contentamento ou desapontamento com
questões de ordem econômica, social e cultural mediante
atitudes políticas relacionadas ao consumo (2005). Podemos
afirmar que essa busca, incipiente na virada do milênio,
intensificou-se na última década e que as esferas do consumo e
da cidadania encontram-se cada vez mais imbricadas naquilo
que Micheletti chama de consumerismo político: a utilização do
mercado como arena política e das escolhas dos consumidores
como ferramenta de exercício político (Micheletti et al., 2009).
O consumerismo político consiste na utilização de ações de
pessoas físicas ou jurídicas no mercado a fim de criar confiança,
controlar incertezas e resolver problemas comuns. “Homens e
mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos
cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como
posso me informar, quem representa meus interesses – recebem
mais resposta do consumo privado de bens e dos meios de
comunicação de massa do que pelas regras abstratas da
democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos”
(Canclini, 2005, p. 52). Para além dos meios de comunicação de
massa e, certamente bem mais que eles na sociedade de
consumo multicanal, digital e global, as mídias sociais se
configuram como as grandes arenas de debates públicos acerca
dos incômodos decorrentes dos confrontos inerentes ao
sistema-mundo capitalista atual.
Mas o que é sociedade de consumo? O fenômeno do
consumo de objetos nas sociedades ocidentais contemporâneas
surge como um modo ativo de relação não somente com os
objetos, mas também com a coletividade e o mundo. É um modo
de atividade sistemática e de resposta global que serve de base a
todo o sistema cultural. Segundo Baudrillard, a sociedade de
consumo “resulta do compromisso entre princípios
democráticos igualitários, que conseguem agüentar-se com o
mito da abundância e do bem-estar, e o imperativo fundamental
de manutenção de uma ordem de privilégio e de domínio” (1995,
p. 52).
Na sociedade de consumo, a distinção se dá pela maneira de
consumir, pelo estilo, não mais pelo nível de rendimento dos
consumidores. A hierarquia dos critérios de poder passa “da
ostentação quantitativa para a distinção, do dinheiro para a
cultura” (idem, ibidem, p. 53). A ideologia do consumo é
constituída por uma lógica do feitiço. Todos os objetos são
valorizados enquanto tais. E as ideias, os lazeres, os saberes e a
cultura também ganham a condição de objeto. Os
objetos/símbolos se ordenam como valores estatutários no meio
de uma hierarquia, bem como representam diferenças
significativas no interior de um código (idem, ibidem, p. 60).
A sociedade de consumo passou por mudanças significativas,
a partir do fim dos anos 1970, tanto na organização da oferta
quanto nas práticas cotidianas e no universo mental do
consumismo moderno, transformando-se, segundo Lipovetsky,
na sociedade de hiperconsumo (2017, p. 12). A sociedade de
hiperconsumo está alicerçada não mais em uma economia
centrada na oferta, mas na procura, com políticas de marca,
criação de valor para o cliente, sistemas de fidelização,
crescimento da segmentação e da comunicação. Nesse novo
ambiente socioeconômico, surge a figura do hiperconsumidor,
responsabilizado o tempo inteiro por suas práticas de consumo
excessivas.
Douglas e Isherwood (2004) afirmam que as mercadorias
servem para pensar. É exatamente essa reflexão sobre conceitos
e valores a partir da preferência ou não por determinadas
mercadorias, marcas e corporações a que se refere o
consumerismo político. Com o avanço do capitalismo neoliberal
e da globalização econômica, a influência das corporações
transnacionais na vida dos cidadãos aumentou
consideravelmente. O consumerismo político reconhece o novo
poder dessas corporações e se utiliza do mercado como um
poderoso lugar para o exercício político (Micheletti et al., 2009).
A burocracia técnica das decisões e a uniformidade
internacional próprias do sistema-mundo capitalista diminuem
o que está sujeito a debate na orientação das sociedades. Dessa
forma, “a única coisa acessível são os bens e as mensagens que
chegam a nossa própria casa e que usamos ‘como achamos
melhor’” (Canclini, 2005, p. 30).
Até o mercado da moda, costumeiramente associado à
produção, ao consumo e ao descarte velozes relacionados à
indústria fast fashion, tem sentido as repercussões do
consumerismo político contemporâneo tanto por parte dos
consumidores quanto pela perspectiva da cadeia produtiva, que
passa a se repensar em função de sua própria consciência, mas,
especialmente, pela força da consciência cada vez maior em
relação às escolhas de consumo dos que denominaremos de
agora em diante de consumidores-cidadãos.
Para a construção teórica do conceito de consumidor-
cidadão que utilizaremos neste trabalho, partimos do
entendimento de que são aqueles que compram produtos para
obter função, forma e significado (Engel, 1995) e cidadãos são
indivíduos de um estado livre no gozo de direitos civis e
políticos. Canclini propõe a relação entre consumidores e
cidadãos na qual o exercício da cidadania na sociedade de
consumo contemporânea passa, necessariamente, pela esfera do
consumo, o que nos leva a classificar esse consumidor no
contemporâneo de consumidor-cidadão, aquele que usa seu ato
de consumo como manifesto, ou seja, exercício de cidadania.
Provocado pelo desabamento do edifício Rana Plaza, em
Bangladesh, no dia 24 de abril de 2013, que deixou 1.133 mortos
e 2.500 feridos13, um conselho global de líderes da indústria da
moda sustentável criou o movimento Fashion Revolution. “A
campanha surgiu com o objetivo de aumentar a conscientização
sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto em todas as
fases do processo de produção e consumo, mostrando ao mundo
que a mudança é possível por meio da celebração dos envolvidos
na criação de um futuro mais sustentável e criar conexões
exigindo transparência.”14 De acordo com North (2013)15, o
desabamento do prédio de três andares, onde funcionava uma
fábrica de tecidos, revelou o amplo descumprimento das normas
básicas de segurança em Bangladesh e evidenciou o lado
obscuro da indústria de roupas internacional. “É no norte da
capital Dhaka que se concentra a maior parte das fábricas de
roupas do país. Muitas delas fabricam peças para marcas
internacionalmente conhecidas. Das casas de um quarto e dos
casebres onde os operários vivem, pode-se ver blocos de
concreto de múltiplos andares atravessando os céus da região.
Nos telhados, vigas de aço reforçado estão aparentes, na
esperança de que outro piso repleto de máquinas de costura seja
erguido. Trata-se de um sinal, para os críticos, de que o ‘boom de
roupas’ ultrapassou os limites, na tentativa desesperadora de
alimentar o apetite do Ocidente por vestimentas mais baratas”
(North, 2013). O Rana Plaza era mais uma entre as dezenas de
fábricas locais em funcionamento naquele país que fornece
produtos desenvolvidos em condições sub-humanas de trabalho
para grandes redes varejistas internacionais, como a cadeia de
lojas britânica Primark. Ao saber da tragédia no local, a Primark
informou que estava “chocada e entristecida” e exigiria de seus
outros fabricantes uma revisão dos padrões de segurança no
trabalho. North enfatiza, entretanto, que “esta é apenas uma
pequena amostra de um cenário conhecido há bastante tempo
na região” (2013, p. 47). A co-fundadora do movimento Fashion
Revolution, Orsola de Castro, destaca que essa iniciativa busca
incentivar as pessoas a se questionarem sobre como as roupas
que usam são fabricadas a exercerem o consumerismo político
nas suas escolhas diárias. “Nós queremos que você pergunte:
‘Quem Fez Minhas Roupas?’. Essa ação irá incentivar as pessoas a
imaginarem o “fio condutor” do vestuário, passando pelo
costureiro até chegar no agricultor que cultivou o algodão que dá
origem aos tecidos. Esperamos que o Fashion Revolution inicie
um processo de descoberta, aumentando a conscientização
sobre o fato de que a compra é apenas o último passo de uma
longa jornada que envolve centenas de pessoas, realçando a
força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos”
(Castro, 2018)16. Lola Young, criadora do Grupo Parlamentar de
Todos os Partidos sobre Ética e Sustentabilidade na Moda no
Reino Unido, considera que “o Fashion Revolution promete ser
uma das poucas campanhas verdadeiramente globais a surgir
neste século” (2018)17.
Carvalhal avalia que está na hora de desaprendermos o que
sabemos sobre o mundo da moda e aprendermos de novo.
Diante dos enormes desafios vigentes no sistema-mundo
capitalista atual, todos que fazem essa indústria precisam
ressignificar seus conceitos e atitudes. “Marcas como a Trendt
nos mostram que acabou o tempo em que elas permaneciam
atreladas ao seu core business. Ele [Renan, dono da Trendt]
consegue fazer apenas uma peça nova por mês porque tem
muitas outras fontes de renda com a marca” (2016, p. 343). O
autor destaca que a comunicação em rede também foi
determinante para que o mundo da moda buscasse se
reinventar. “Acabou também o tempo da comunicação
unidirecional, de discursos atrelados ao produto e consumidores
passivos no processo de consumo. É hora de ampliar o escopo de
ação das marcas, ressignificar estruturas e inovar” (Carvalhal,
2016, p. 343).
O fato de os consumidores expressarem seus pontos de vista
por meio da escolha ou não de produtos, serviços, marcas e
corporações não é novo. Frequentemente, ao longo da história,
os consumidores sempre tenderam a optar por esse ou aquele
bem não somente em função dos seus aspectos econômicos
clássicos. Buscavam aqueles que se ligavam a eles por algum
aspecto intangível, seja religioso, ético, relacionado à
nacionalidade ou à classe social, enfim, à sua identidade
(Micheletti et al., 2009). Canclini avalia que, ao selecionarmos e
nos apropriarmos dos bens, definimos o que consideramos
publicamente valioso. Também utilizamos os bens, tanto
materiais quanto simbólicos, como modo de nos integrarmos e
nos distinguirmos na sociedade, “de combinarmos o pragmático
e o aprazível” (2005, p. 35).
O que existe de novo nesse fenômeno é que ele, agora, está
atrelado a um contexto de globalização socioeconômico-cultural
no qual as escolhas dos consumidores são influenciadas cada dia
mais fortemente por polêmicas, reivindicações e questões de
repercussão global que circulam, em rede, nos meios digitais
incorporados ao nosso cotidiano de maneira irreversível e
crescente (Micheletti et al., 2009). Esses embates on-life18, que
transbordam das ruas para as redes e das redes para as ruas,
imbricando, superpondo e amalgamando nossas experiências
nos meios físicos e digitais, estão profundamente atrelados a
uma consciência cada vez maior sobre o fato de que “o
capitalismo […] baseia-se na constante absorção das perdas
econômicas pelas entidades políticas, enquanto os ganhos
econômicos se distribuem entre as mãos ‘privadas’” (Wallerstein,
1974, p. 338).
Se, na Modernidade, o campo do consumo estava
relacionado aos poderes econômico e político – sendo a
propaganda alimentada pela necessidade de aumentar a
demanda por mercadorias e provocar a identificação dos
consumidores com os bens materiais – na pós-modernidade, ele
está associado aos valores culturais muito mais do que aos
materiais. “O valor dos bens depende mais de seu valor cultural
(‘valor de signo’) do que de seu valor funcional ou econômico”
(Ribeiro et al., 2003, p. 39). Assim, a propaganda e o marketing
ganham força, não mais sendo subordinados à produção,
aprofundando a desmaterialização crescente da economia.
Consumir não se separa da cultura; está intrinsecamente
associado aos processos sociais; há valores, significados e
discursos implícitos e/ou explícitos de poder, seleção,
classificação e organização nos mais distintos contextos sociais.
Enfim, o consumo é um código que “traduz” muitas relações
sociais e classifica objetos e pessoas, produtos e serviços,
indivíduos e sociedades.
1 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e-
para-sempre/>. Acesso em: 20 jul. 2018.
2 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-
no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
3 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/>Acesso em: 20 jul. 2018.
4 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
5 Disponível em: https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/Acesso em: 20 jul. 2018.
6 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
7 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
8 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/por-que-2013-ja-e-o-
ano-dos-protestos-no-mundo/> Acesso em: 21 jul. 2018.
9 Móbil: termo derivado do inglês mobile que significa aparelho celular.
10 Disponível em: <http://www.fnazca.com.br/index.php/2015/10/20/fradar-
15%C2%AA-edicao/> Acesso em: 21 jul. 2018.
11 Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/e-preciso-entender-as-
redes-e-as-ruas/> Acesso em: 16 abr. 2018.
12 Stakeholders são todos os grupos de interesse na empresa ou na marca que
podem influenciar de forma positiva ou negativa a mesma.
13 Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr
agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018
14 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
15 Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr
agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018.
16 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.rg/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
17 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
18 On-life: expressão que se refere ao amálgama da vida on-line com a vida
off-line e o borramento das fronteiras que dividiam essas experiências
anteriormente em nossas vidas, no dia a dia.
CULTURA DE CONSUMO E
CONSUMO SIMBÓLICO
O consumo pode ser explicado pela necessidade de expressar
significados mediante a posse de produtos que comunicam à
sociedade como o indivíduo se percebe enquanto interagente
com grupos sociais. Solomon (2002) considera o comportamento
de consumo mais do que comprar coisas. Esse estudo envolve
como ter (ou não ter) coisas afeta a vida das pessoas e como as
posses influenciam os sentimentos destas sobre elas mesmas e
sobre uma em relação à outra.
O interacionismo simbólico considera os significados como
produtos sociais, como criações que são formadas nas e pelas
interações pessoais. A sua peculiaridade consiste na premissa de
que os seres humanos interpretam e definem as ações uns dos
outros em vez de simplesmente reagir. Suas respostas não são
feitas diretamente para as ações uns dos outros, mas baseadas
no significado que eles atribuem a essas ações. Logo, a interação
humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação ou
verificação do significado das ações uns dos outros (Blumer,
1969).
O contexto social em que uma mensagem se apresenta pode
transformar seu significado ou levantar novas questões como
uma interpretação apropriada. Normalmente, existe uma gama
de possíveis significados ou significados em camadas que criam
“um efeito arco-íris de significados” (Kaiser, 1998, p. 237). Alguns
significados são derivados da experiência cultural, outros são
negociados durante as transações sociais e outros aparecem de
forma independente na cabeça dos participantes.
O mundo empírico do interacionismo simbólico é o mundo
natural da vida humana em grupo e da conduta humana.
Podemos entender que esse mundo natural seria o do dia a dia
das pessoas interagindo. Sob esse prisma, assumimos o luxo
como uma dimensão simbólica interessante para
aprofundamento do estudo do consumo simbólico, pois, dadas
suas características, os significados estão sempre presentes,
porém sem garantia de onde se localizam – seu significante.
Além disso, se por meio do consumo as pessoas se classificam, é
importante entender como elas usam o luxo para classificar o
que consomem, ao mesmo tempo como se classificam
mutuamente.
No âmbito do estudo de comportamento do consumidor, é de
amplo conhecimento que o consumo mantém relação direta
com a cultura. Conforme Slater (2002), o conceito de cultura
refere-se a valores que se originam do modo de vida de um povo
e que lhe dão identidade, fazendo também julgamento com
autoridade do que é bom ou mau, real ou falso, inclusive, na vida
cotidiana.
A cultura como uma construção dinâmica de significados do
mundo em que se vive também acontece por meio da compra e
da posse. A cultura é a lente por meio da qual as pessoas veem os
fenômenos que ocorrem no mundo e também os produtos e,
assim, ela supre o mundo de significados. Em verdade, todo
consumo é cultural porque sempre envolve significados: temos
necessidades e agimos em função delas interpretando sensações,
experiências e situações para dar sentido e transformar os
objetos.
Conforme Baudrillard (1995), o consumo é modo ativo de
relação não só com os objetos, mas com o mundo. O valor
simbólico agregado ao valor funcional dos objetos de consumo
vêm atender a um objetivo claro: acompanhar as mudanças das
estruturas sociais e interpessoais.
De acordo com a perspectiva do interacionismo simbólico
(Blumer, 1969), adotada nesta pesquisa – e que se dedica à
compreensão das relações sociais que atravessam as relações
humanas com os objetos e com outras pessoas – percebemos as
diferenças na construção da realidade de cada um dos grupos,
portanto, podemos afirmar que produtos são providos de
significados na sociedade; o estudo do simbólico reside em
entender como as pessoas compõem o seu próprio conceito e
compram ou rejeitam produtos que as identifiquem com a forma
idealizada, impulsionadas pelas mensagens simbólicas deles.
O profissional de marketing, na elaboração das suas
estratégias de mercado, deve considerar esses três pontos,
levando em conta o contexto cultural em que se efetiva o
consumo, pois produtos são carregados de significados que
variam conforme a cultura (Engel et al., 1995; Solomon, 2002). “A
moda é, inegavelmente, um fenômeno cultural, desde os seus
primórdios. É um dos sensores de uma sociedade. Diz respeito
ao estado de espírito, aspirações e costumes de uma população”
(Joffily, 1991, p. 09).
Portanto, a escolha do símbolo para a compreensão do
comportamento de consumo, como bem coloca Baudrillard
(1995), vem da necessidade de saber como os objetos são
vividos, quais necessidades, além das funcionais, atendem, que
esquemas simbólicos se misturam às estruturas funcionais e as
contradizem, sobre que sistema cultural, infra ou transcultural é
fundada a sua cotidianidade.
Encontramos, na cultura de consumo, um novo conceito do
do eu no qual o desenvolvimento do eu tem lugar na ênfase, na
aparência, na exposição e na gerência de impressões (Elliot,
2004). Autoapresentação requer estratégias de gerenciamento da
aparência, entre elas, a identidade como “o eu no contexto”. Na
perspectiva teatral, usa-se a analogia da vida como um teatro
para entender os “eus” nos contextos (Garcia & Miranda, 2005).
Portanto, estamos em uma sociedade de cultura de consumo,
pois. segundo Belk (2004), esse tipo de consumo existe a partir de
quatro condições:
1. Uma proporção substancial da população consome em
níveis superiores aos da subsistência.
2. Trocas dominam a produção dos objetos de consumo.
3. Consumir é aceitável como uma atividade apropriada e
desejável.
4. Pessoas julgam outras e elas mesmas em termos de seu
estilo de vida de consumo.
E aponta consequências para esse tipo de consumo,
afirmando que pessoas deixam de comprar necessidades para
poder adquirir “luxos” que as façam se sentir parte da cultura de
consumo, isto sendo consequência do incremento do
materialismo, que é a importância que os consumidores
atribuem ao mundo das posses. Em certos níveis de
materialismo, as posses assumem um papel central na vida
pessoal e são creditadas como grande fonte de satisfação e
frustração. Isto causa uma relação entre consumo cultural e
felicidade, que vem a ser o sentimento de “se sentir bem”.
No modelo psicológico, a partir do estudo de Simmel (1904),
o indivíduo possui tendência à imitação. Esta proporciona a
satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao imitar, ele não
só transfere a atividade criativa, mas também a responsabilidade
sobre a ação dele para outra pessoa. A necessidade de imitação
vem da necessidade de similaridade. Sob essa dimensão,
conclui-se que a moda é a imitação do modelo estabelecido que
satisfaz a demanda por adaptação social, diferenciação e desejo
de mudar, e a base para a adoção é o grupo social.
A função de possuir é criar e manter o sentido da
autodefinição: ter, fazer e ser estão integralmente relacionados.
Pessoas expressam o seu eu no consumo e veem as posses, por
conseguinte, como parte ou extensão do eu. Para entender o
autoconceito faz-se necessário entender suas divisões básicas
em autoconceito real, ideal e social. “O autoconceito real refere-
se a como as pessoas percebem a si próprias; o autoconceito
ideal refere-se a como a pessoa gostaria de ser percebida; e o
autoconceito social refere-se a como a pessoa apresenta o seu eu
para os outros” (Sirgy, 1982, p. 287).
Segundo Belk (1988) e Solomon (2002), as posses comunicam
algo sobre os seus possuidores. Os consumidores preferem
produtos com imagens congruentes à sua autoimagem porque
acreditam que a sua aparência física e as suas posses afetam o
seu eu. O eu não é desenvolvido a partir de processo pessoal ou
individual, mas envolve todo o processo da experiência social.
Na aferição das reações dos outros, o indivíduo desenvolve a sua
própria autopercepção. Ele se percebe como acredita que é
percebido. O eu do indivíduo, assim sendo, seria determinado
amplamente pela projeção de como os outros o veem. Sirgy
(1982) afirma que os consumidores não conseguem distinguir
entre os seus próprios sentimentos sobre o produto e as suas
crenças sobre como são vistos pelos outros.
A dinâmica do processo de consumo está em se identificar. A
lógica desse processo se constitui na personalização e na
integração que caminham em paralelo: é o “milagre do sistema”,
do qual fala Baudrillard (1995). Essa integração é o processo pelo
qual o indivíduo se ajusta à sociedade e assim se socializa
(Augras, 1967; Solomon, 1983; Engel et al.,1995).
Os objetos, que não são linguagem tal como está
convencionada, comunicam: as roupas, o conjunto de estofado
da sala, o carro, o próprio corpo significam e emitem mensagens
sobre o indivíduo e o integram à sociedade (Baudrillard, 1973). O
ponto central é o modo pelo qual a pessoa se integra à sociedade
ou se marginaliza. O significado simbólico define adoção e uso
por um produto ser usado para significar determinada
identidade.
Belk (1988) desenvolveu uma teoria sobre a relação e a
apropriação do conceito do eu estendido (extended self) em que
o significado que o indivíduo atribui à posse reflete a sua própria
identidade. A noção de que, nos dias atuais, as pessoas definem a
si mesmas por meio das mensagens transmitidas aos outros por
via da posse de bens e realização de práticas sociais, tem por
objetivo manipular e gerenciar aparências de forma a criar e
sustentar os projetos de identidade. A ordem segura de valores e
posições sociais, antes oferecidas pelas sociedades tradicionais, é
substituída por uma variedade de papéis, valores, simbolismos e
práticas que produzem e mantêm a identidade social dos
indivíduos (Belk, 1988; Baudrillard, 1991; Slater, 2002).
Belk (1988), Solomon (2002) e Batey (2010) nos ajudam com o
entendimento de que o indivíduo assume diferentes papéis
conforme seus respectivos valores e normas sociais mediados
pelo self e representados pela sua autoimagem, que é o
amálgama de várias dimensões do self: o self que acredito que
sou (self atual), o self que eu gostaria de ser (o self ideal), o self
como acho que os outros me percebem (self social) e o self como
eu gostaria que os outros me vissem (self social ideal).
Slater (2002) enfatiza que a aparência corporal e sua conduta
transmitem, potencialmente, impressões e signos legíveis aos
que estão ao nosso redor, e, que nos centros urbanos, um lugar
de encontros mudos, o processo de decodificação e o prazer de
interpretar as aparências das outras pessoas acontecem
rapidamente e a todo o tempo. O sistema das marcas e das
tendências da moda se tornou um importante componente do
jogo social por meio do qual as pessoas trocam sinais e códigos.
Esses objetos marcados permitem que os indivíduos
transformem sua aparência em uma narrativa de identidade
individual e coletiva contada e lida simultaneamente pelos
integrantes de determinados grupos sociais (Erner, 2005).

Quadro 1
Construtos: definições e bases teóricas
Relaciona-se com a carga de Levy (1959), Sheth,
valores simbólicos Newmam e Gross
presentes nos diferentes (1991), Erner
Valor produtos, que pode conter (2005), Mood et al.
1
Simbólico/Expressivo significados de natureza (2009), Solomon e
pessoal e/ou social na Schopler (1982),
perspectiva de seus Banister e Hoog
consumidores (2004)

2 Valor Relaciona-se com a carga de Sirgy (1980, 1982),


Simbólico/Expressivo valores simbólicos Solomon (1983),
presentes nos atos de Belk (1988),
Fortalecedor da adquirir e consumir peças de McCraken (2003),
Autoimagem Atual vestuário, capaz de Barthes (1979),
fortalecer e “validar” a Ritamaki et al.
imagem que o consumidor (2006), Smith e
faz atualmente de si mesmo Colgate (2007),
Batey (2010), Tynan,
Mekechnie e Chhuon
(2010)

Sirgy (1980, 1982),


Relaciona-se com a carga de Solomon (1983),
valores simbólicos Belk (1988),
presentes nos atos de McCraken (2003),
Valor
adquirir e consumir peças de Barthes (1979),
Simbólico/Expressivo
3 vestuário, capaz de Ritamaki et al.
Fortalecedor da
fortalecer e validar a (2006), Smith e
Autoimagem Ideal
imagem que o consumidor Colgate (2007),
gostaria de fazer Batey (2010), Tynan,
idealmente sobre si mesmo Mekechnie e Chhuon
(2010)

Relaciona-se com a carga de Sirgy (1980, 1982),


valores simbólicos Solomon (1983),
presentes nos atos de Belk (1988),
adquirir e consumir peças de McCraken (2003),
Valor
vestuário, capaz de Barthes (1979),
Simbólico/Expressivo
4 fortalecer e validar a Ritamaki et al.
Fortalecedor da
imagem que o consumidor (2006), Smith e
Autoimagem Social
acredita ter de si mesmo Colgate (2007),
perante outras pessoas, Batey (2010), Tynan,
participantes, ou não de Mekechnie e Chhuon
suas relações sociais (2010)

Relaciona-se com a carga de Sirgy (1980, 1982),


valores simbólicos Solomon (1983),
presentes nos atos de Belk (1988),
Valor adquirir e consumir peças de McCraken (2003),
Simbólico/Expressivo vestuário, capaz de Barthes (1979),
5 Fortalecedor da fortalecer e validar a Ritamaki et al.
Autoimagem Social imagem que o consumidor (2006), Smith e
Ideal gostaria de ter de si mesmo Colgate (2007),
perante outras pessoas, Batey (2010), Tynan,
participantes ou não de Mekechnie e Chhuon
suas relações sociais (2010)
6 Valor Relaciona-se com a carga de Bourdieu (1983),
Simbólico/Expressivo valores simbólicos Warde et al.
Fortalecedor de presentes nos atos de (1999),Holt (2000),
Diferenciação adquirir e consumir peças de Tian et al.(2001),
vestuário, capaz de Rocamora (2002),
fortalecer determinados Gorp (2005),
traços da personalidade do Campbell (2006)
consumidor

Baseia-se na carga de Hirschman (1981),


valores simbólicos McCraken (2003),
presentes nos atos de Falk (1994),
Valor adquirir e consumir peças de Thompson e Haytko
Simbólico/Expressivo vestuário que vem (1997), Rocamora
7 Fortalecedor de acoplados aos próprios (2002), Douglas e
Traços Socioculturais produtos, mediante a Isherwood (2004),
Tradicionais transferência de Gorp (2005), Tian et
significados culturais al.(2001), Campbell
compartilhados por grupos (2006), Smith e
sociais maiores Colgate (2007)

Fonte: Adaptado de Christino, Gonçalves & Miranda (2015).

Em Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), um filme de Edgar


Wright, temos um herói que precisa vencer os ex-namorados da
garota pela qual está apaixonado e, entre eles, o mais poderoso é
vegano, uma sátira que demonstra como os valores
simbólicos/expressivos são usados para fortalecer a imagem do
consumidor a partir da escolha de um discurso que o mesmo
considera, e é considerado pelos grupos sociais interagentes com
o mesmo, como de superioridade.
A blogueira Priscila de Ciero, pós-graduada em nutrição
esportiva, fez a seguinte análise do filme para os seus leitores:

A parte que me chamou atenção foi quando ele luta com


um dos ex-namorados, Ingram, que é vegano e tem
poderes sobrenaturais em virtude disso e pelo que eu
entendi, ele faz academia vegan, e se acha superior por
fazer esse tipo de dieta. Disse ainda que usamos apenas
10% de nossos cérebros porque os demais 90% estão
ocupados com coalho de leite de vaca.1

Reforçando a construção simbólica do vegano como um ser


superior dotado de superpoderes, o filme continua o processo de
significação ao apresentar o namorado vegano (“Todd is vegan”)
com a intenção de fazer referência a Darth Vader, que é o
símbolo maior da cultura pop para um ser superior.
1 Disponível em: <http://prisciladiciero.com.br/blog/filme-scott-pilgrim-
contra-o-mundo>. Acesso em: : 24 jul. 2018.
O SISTEMA QUE
TRANSFORMA
CONTESTAÇÃO EM STATUS
QUO
Para Borges, é importante observarmos que o capitalismo é
pródigo, desde tempos remotos, em transformar críticas e crises
em novas oportunidades de manutenção e perpetuação,
assimilando e ressignificando demandas e discursos. “O
Capitalismo é rápido e hábil em absorver os discursos públicos e
reverter os confrontos em seu favor” (Borges, 2017, p. 28). O
autor destaca que as crises que o capitalismo tem enfrentado
não provocaram uma “transformação revolucionária no sentido
de levá-lo para outro patamar ou outro sistema econômico, mas
provoca a sua reconfiguração e manutenção, ainda que muitas
vezes de forma frágil e desarticulada” (2017, pp. 28-29).
Nessa perspectiva, Domingues afirma que o sistema
capitalista se constituiu exatamente a partir dos fluxos
decodificados que as formações sociais anteriores tentaram
evitar. É o sistema político-econômico-ideológico que tem como
especificidade sua capacidade de reprocessar e buscar
neutralizar as críticas e contestações inerentes à sua própria
constituição, “que sempre se reinventa e se reatualiza, trazendo
para dentro do regime as possíveis ameaças e desvios, como
numa espécie de ‘fagocitose sociopolítica’ rápida e eficaz”
(Domingues, 2013, p. 303).1
Em 2015, a marca italiana de moda Benetton celebrou seus 50
anos de mercado. Famosa por suas campanhas que já
preconizavam, nos primórdios dos anos 1990, o discurso de
ativismo por parte das marcas, a empresa lançou, em celebração
ao meio século de atuação, uma campanha publicitária cujo
tema destacava os direitos laborais das mulheres. A Collection for
Us dizia valorizar a emancipação da mulher e a defesa dos
direitos femininos, com os quais a marca professa estar
comprometida, por meio do projeto Women Empowerment,
envolvido com a sustentabilidade laboral das mulheres.
De acordo com o site Observador, de Portugal, ao longo
destes cinquenta anos, a Benetton tem lançado campanhas
publicitárias marcantes, onde aborda de forma original assuntos
como a escravatura, o racismo, a violência doméstica, as doenças
sexualmente transmissíveis ou a pobreza. Por norma, estas
campanhas não olham a limites e são baseadas em fotografias
muito gráficas – por vezes incómodas – com o objetivo de
garantir que aquele assunto não passa ao lado do público. E
costumam apelar à igualdade de oportunidades”2. O discurso
proferido pelo site parece corroborar o posicionamento de
marca desejado pela Benetton: uma empresa que revela as
entranhas do sistema-mundo moderno e do status quo
capitalista, mostrando cenas de situações “incômodas”, que o
mesmo, como grande promotor de desigualdades de toda
ordem, tende a esconder.
O site enaltece o perfil disruptivo da empresa com o
retrospecto de algumas de suas campanhas de maior
repercussão mundial: “Há três campanhas da Benetton
particularmente virais: são “Unhate”, “Unemployer of the Year” e
“HIV Positive”. A primeira mostrou imagens de vários líderes
mundiais a beijarem-se numa montagem. Nesta campanha
figuraram Angela Merkel, Barack Obama e até o Papa Bento XVI.
A segunda campanha, Unemployer of the Year, criticava os níveis
de desemprego causados pela crise e convidava as pessoas sem
emprego a submeter projetos para implementação. Também
“HIV Positive” foi muito comentada, por mostrar esta frase
carimbada na pele de vários modelos, algumas vezes em lugares
bastante íntimos”3.
De fato, se podemos afirmar que uma marca tomou para si,
nos meios de comunicação de massa, de maneira pioneira, o
discurso ativista ou, pelo menos, o tom provocativo e polêmico
dedicado a colocar os holofotes sobre as assimetrias provocadas
pelo sistema-mundo moderno, essa marca é a Benetton. Há mais
de 20 anos, ela já se destacava nas revistas e outdoors do mundo
inteiro por mostrar imagens surpreendentes e provocativas,
diferentemente das demais publicidades cujas narrativas
ficcionais sempre reforçaram estereótipos de classe e gênero e se
recusaram a visibilizar temas passíveis de provocar polêmica ou
rejeição por parte dos seus públicos-alvo. “A publicidade é
simplista, às vezes simplória, mas possui uma qualidade real: ela
é merecedora de felicidade... Ai daqueles que provocam o
debate” (Séguéla in Toscani, 1996, p. 62).
Passados 50 anos de mercado e 30 anos das primeiras
campanhas publicitárias, cujas fotos concebidas por Oliviero
Toscani chamavam a atenção de consumidores e cidadãos de
diversos países para os impasses provocados pelas diferenças e
divergências sociais, culturais, étnicas, econômicas e políticas
em pauta no início da sociedade de rede e do processo de
globalização, nos anos 1990, a marca continua a impactar o
público no contemporâneo. Em junho de 2018, sofreu críticas
severas por causa da sua nova campanha publicitária, que expõe
a imagem de refugiados a bordo do navio Aquarius sendo
resgatados no mar, na costa da Líbia. A embarcação transportava
629 imigrantes em condições vulneráveis, dentre eles 123
menores, 11 crianças e 7 mulheres grávidas4. A ação da Benetton
pode ser considerada, no jargão publicitário, como uma
campanha de oportunidade, pois utilizou um acontecimento
que mobilizou a opinião pública mundial para chamar a atenção
também para ela enquanto repercutia junto à mídia e à
sociedade.
A organização humanitária europeia SOS Méditerranée, a
quem a imagem utilizada na publicidade é atribuída, fez questão
de repudiar a iniciativa da marca. E esclareceu por causa da seu
perfil na rede social digital Twitter: “A SOS Méditerranée se
dissocia completamente desta campanha, que exibe uma foto
tirada enquanto nossas equipes estavam resgatando pessoas em
perigo em alto mar, no dia 9 de junho”5. O resgate do Aquarius
com seus 629 tripulantes expôs a forma como o governo da Itália
tratou a questão da imigração e do grande número de refugiados
que chegam ao país atravessando o Mediterrâneo.
Ao tomar conhecimento de que um navio de resgate que
recolheu migrantes de embarcações precárias em alto mar se
encaminhava para a costa do país, o Ministério dos Transportes
italiano ordenou o fechamento dos portos para a embarcação. A
Itália recomendou que o Aquarius se dirigisse para Malta,
arquipélago no Mediterrâneo central, mas o governo local
também se recusou a acolher os imigrantes. A Comissão
Europeia e o Alto Comissariado da ONU6 para os Refugiados
(Acnur) pediram sem sucesso que os dois países agissem para
que uma tragédia fosse evitada. O ministro do Interior da Itália,
Matteo Salvini, afirmou à imprensa que “salvar vidas no mar é
um dever, mas transformar a Itália em um enorme campo de
refugiados não é”. Finalmente, a Espanha se colocou à
disposição para receber o navio declarando que o aceite visava a
“evitar uma catástrofe humanitária e oferecer um porto seguro a
essas pessoas”.7
Como multinacional sediada na Itália e, na condição de
denunciante das mazelas do mundo, a Benetton procura se
posicionar e se diferenciar das demais empresas do seu setor
como se fosse a ovelha negra da família: uma empresa capitalista
que, por sua vez, critica as próprias condições adversas
intrínsecas ao capital. Não podemos esquecer, no entanto, de
acordo com Wallerstein, que as mesmas condições que
promovem o jogo de tensões inerente ao capitalismo propiciam
sua perpetuação enquanto sistema, conforme vimos no primeiro
capítulo. Responsável pelo translado dos refugiados em busca de
um local seguro para aportar, a SOS Méditerannée publicou na
sua conta no Twitter que a “dignidade dos sobreviventes deve ser
respeitada em todos os momentos” e “a tragédia humana em
jogo no Mediterrâneo nunca deve ser usada para fins
comerciais”.
Em sua conta também no Twitter, a Benetton publicou duas
fotos publicitárias com migrantes: a primeira, creditada à SOS
Méditerannée, e uma segunda, creditada à agência de notícias
italiana Ansa. A iniciativa provocou a revolta de consumidores-
cidadãos que denunciaram o oportunismo da marca com
reposts8, demonstrando como estavam decepcionados e
envergonhados com ela, exigindo da empresa uma postura de
auxílio aos vulneráveis em vez da exposição global dos mesmos e
das desgraças sofridas por eles com fins mercadológicos.
Destacamos aqui alguns dos comentários disponíveis para
consulta em <https://twitter.com/benetton>:
Clare Herbert @clarecharliecat Jun 20

Benetton are doing this to raise their own brand awareness


- they could have donated money to the rescue
organisations but chose not to. This is not something
designed to help others. I only hope they feel ashamed
enough to make a donation.

Tradução nossa: Benetton está fazendo isso para ampliar o


conhecimento de sua própria marca – eles deveriam doar
dinheiro para as organizações de resgate, mas preferem não
fazer. Isso não foi pensado para ajudar os outros. Eu só espero
que eles sintam vergonha suficiente para fazer uma doação.

Mireya Toto Gtz @mitoguti Jun 20


Replying to @benetton
Repugnante ! Infame !!
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Alice Onwordi @Alicethegoodone Jun 20
Replying to @benetton

Please look at what Benetton is doing to sell sweaters. It is


showing the migrants disembarking from charity boats.
The charity that owns the boat has condemned the
Benetton adverts.

Tradução nossa: Por favor, olhem o que a Benetton está


fazendo para vender suéteres. Está mostrando os imigrantes
desembarcando de barcos de caridade. A instituição de caridade
que possui o barco condenou os anúncios da Benetton.

diana caggiano @dianacaggiano Jun 20


Replying to @benetton

@OriettaScardino vai in #Patagonia così vedi il


trattamento che da @benetton al popolo #Mapuche Hai
venduto le foto di questa pavera gente per fare questa
infamia! #JusticiaPorSantiago #JonesHuala
#JusticiaPorRafaelNahuel #CaceriaMapuche #Argentina

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Tradução nossa: Orietta Scardino vá à Patagônia ver o
tratamento que a Benetton dá ao povo Mapuche. Você vendeu
fotos dessa gente pobre para fazer essa infâmia!
Cookiemunchster @BarryJumpleads Jun 20
Replying to @benetton

Well done @benetton .hope you feel proud using the


suffering, distress and plight of real people to sell maybe
another shitty jumper. You should be ashamed. You should
give these people help. You should help clothe these people.

Tradução nossa: Bem-feito, Benetton. Espero que você sinta


orgulho de usar o sofrimento e a aflição de pessoas reais para
talvez vender outro moleton vagabundo. Você deveria ter
vergonha. Você deveria era ajudar essas pessoas. Vocês deveriam
ajudar a vestir essas pessoas.
A estratégia publicitária utilizada há décadas pela Benetton é
chamada, costumeiramente, no meio publicitário de
“propaganda de choque”, uma prática considerada eficiente, mas
perigosa, para ganhar com mais rapidez a difícil competição pela
atenção do público na atualidade9. “É uma volta da Benetton às
suas origens. A marca sofreu um lento declínio e claramente
quer voltar a chamar a atenção”, avalia o professor Darren Dahl,
da escola de negócios Sauder, em Vancouver, no Canadá.10
A iniciativa de lançar uma campanha, em 2015, como vimos
no início deste capítulo, com a temática de apoio às condições
laborais femininas parece bastante ousada, para não dizer
arriscada e quase camicase para a marca. É que, em maio de
2013, o executivo-chefe da Benetton, Biagio Chiarolanza,
admitiu vínculos da multinacional de moda com a tragédia no
Rana Plaza, o edifício que desmoronou em Bangladesh com
milhares de trabalhadores no interior, inclusive mulheres
trabalhadoras, acidente mencionado no primeiro capítulo do
livro.
A Benetton comprou, entre dezembro de 2012 e janeiro de
2013, um lote de cerca de 200 mil camisas de uma empresa
chamada New Wave Style, que administrava uma das fábricas
dentro do Rana Plaza. “No momento do desastre, a New Wave
não era uma das nossas fornecedoras, embora um dos nossos
fornecedores na Índia tenha subcontratado dois pedidos à
empresa”, reconheceu o executivo-chefe da Benetton. Suas
afirmações, em entrevista publicada no site do The Huffington
Post, contradisseram as declarações iniciais da Benetton, em
comunicado logo após a tragédia, de que a mesma não tinha
qualquer vinculação com o incidente. O que se revelou,
posteriormente, foi um “labirinto de contratos e subcontratos
(no caso da Benetton, mais de 700 empresas em 120 países) que
mantêm em pé o mercado da moda popular e das roupas
vendidas em lojas de departamentos e hipermercados, o que por
vezes torna impossível traçar o caminho que o vestuário segue
desde a fábrica até o consumidor”.11
Trippi faz menção à era da delegação de poder, que consiste
na possibilidade dos cidadãos comuns desafiarem o poder das
instituições arraigadas por meio, através da cultura colaborativa
no século em curso (apud Jenkins, 2008, p. 275). “O poder está se
deslocando das instituições que sempre governaram de cima
para baixo, sonegando informações, dizendo como devemos
cuidar de nossas vidas, para um novo paradigma de poder,
distribuído democraticamente e compartilhado por todos nós”.
(Trippi apud Jenkins, 2008, p. 275).
No livro A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de
desastre, Klein demonstra como as corporações têm explorado as
próprias crises ambientais, promovidas por elas mesmas, em
busca do lucro. “A doutrina do choque como todas as doutrinas é
uma filosofia de poder. É uma filosofia sobre como conseguir
seus próprios objetivos políticos e econômicos. É uma filosofia
que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para
impor as ideias radicais do livre-mercado é no período
subsequente ao de um grande choque. Esse choque poder ser
uma catástrofe econômica. Pode ser um desastre natural. Pode
ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas a ideia é que
essas crises, esses desastres, esses choques abrandam sociedades
inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma
‘janela’ e a partir dessa janela se pode introduzir o que os
economistas chamam de ‘terapia do choque econômico’.”12 Klein
parte da descrição da tática do economista Milton Friedman
para identificar a “doutrina do choque” do capitalismo
contemporâneo: espera-se uma grave crise, vende-se parte do
Estado para investidores privados (enquanto os cidadãos ainda
se recuperam do choque) e depois as reformas são
transformadas em mudanças permanentes.
Klein argumenta que a crise das mudanças climáticas
derivada do estágio atual do sistema traz, no seu bojo, a
possibilidade das pessoas despertarem para uma ação
democrática contrária à cooptação do capitalismo sobre tudo e
todos, inclusive sobre os problemas provocados por ele mesmo.
Para a autora, quando um tornado destruiu a maior parte da
cidade de Greensburg, no Kansas, em 2007, a população rejeitou
as iniciativas “de cima para baixo” para a recuperação da cidade.
Preferiu reunir esforços da comunidade para a reconstrução do
lugar, aumentando a participação democrática, criando novos
edifícios públicos ambientalmente responsáveis. Após essa
virada, Greensburg se tornou uma das cidades mais verdes dos
Estados Unidos.
A ampliação da consciência dos consumidores e cidadãos
sobre o estado de coisas atual derivado dos impactos do sistema-
mundo capitalista deve, segundo Klein, estimular uma
transformação radical da nossa economia: menos consumo,
menos comércio internacional, mais iniciativas de economia
solidária que valorizem a “relocalização” da economia, mais
redistribuição das riquezas “para que mais entre nós possam
viver confortavelmente dentro das capacidades do planeta”13.
Nessa perspectiva trazida por Klein, da ampliação da consciência
acerca das ameaças ao planeta e às mínimas condições de vida
adequadas para as pessoas, as iniciativas de buycott14 se
ampliam, individual ou coletivamente, especialmente entre os
mais jovens, impactados pela circulação exponencial de notícias
sobre os desafios do mundo agora e adiante.
A busca pelo controle é algo inerente aos agenciamentos
publicitários. Hoje, o monitoramento das mídias sociais pelas
empresas busca acompanhar esse grande poder de mobilização
acima mencionado a fim de neutralizá-lo antes que cause
maiores estragos às empresas por meio da disseminação de
pontos de vistas negativos e das reivindicações dos
consumidores e cidadãos alinhadas aos seus desejos15.
Para melhor avaliar essa questão, é interessante pensarmos
também na relação entre os sujeitos, o desejo, o capitalismo e a
publicidade, considerando a política e o poder existente nesses
agenciamentos. Quando refletimos sobre o conceito de
micropolítica à luz de Foucault, Deleuze e Guattari, somos
levados a considerar as operações de poder existentes nas
relações partindo do princípio de que é impossível dissociar
desejo e política. Todas as relações humanas são agenciadas por
desejos que têm repercussões políticas tanto na vida dos
indivíduos quanto no corpo social em que elas se processam.
“Vemo-nos solicitados o tempo todo e de todos os lados a
investir a poderosa fábrica de subjetividades serializada,
produtora destes homens que somos, reduzidos à condição de
suporte de valor – e isso inclusive (e sobretudo) quando
ocupamos os lugares mais prestigiados na hierarquia dos
valores. Tudo leva a esse tipo de economia. Muitas vezes não há
outra saída”. (Rolnik in Guattari; Rolnik, 2008, pp. 15-16).
Na máquina capitalista, sempre que os desejos contrários aos
interesses do sistema são acionados, há uma potência de
recuperação intrínseca ao regime. “Sempre que algo
descodificado flui sobre o corpo social, a máquina capitalista
produz um axioma a mais, codifica e territorializa” (Ferraz,
2010).16 Os fluxos desterritorializados oferecem riscos à
sociedade porque não respondem a nenhum código. Mesmo
assim, quando surgem, são rapidamente decodificados e
absorvidos pela máquina. “Neste processo, o desejo é capturado,
mas capturado ao mesmo tempo em que as subjetividades são
produzidas incessantemente na máquina capitalista” (Ferraz,
2010)17. Analisando a sociedade ocidental contemporânea,
Deleuze afirma: “Ela não teme o vazio, nem a penúria, nem a
escassez. Sobre seu corpo social, alguma coisa flui e não se sabe
o que é, alguma coisa que não é codificada, e que, em relação à
sociedade, aparece como não codificável. Alguma coisa que
fluiria e arrastaria esta sociedade a uma espécie de
desterritorialização, que faria fundir a terra sobre a qual ela se
instala” (1971, p. 2).
O corpo social se define pelos fluxos que correm sobre ele,
sempre codificando o que escapa aos códigos, remanejando os
códigos para abarcar os fluxos perigosos. A sociedade pautada
pelo capital pode suportar as piores condições de vida, mas não
suporta o estranho, o inquietante, aquilo que abala o aparelho
repressivo. Diante da ameaça, são rapidamente produzidos
novos axiomas que permitam uma codificação (Ferraz, 2010)18.
Vale observar aquilo que, a despeito da crítica e da contracultura,
foi produzido a partir da fotografia de Ernesto “Che” Guevara,
um dos líderes da revolução cubana, crítico do capitalismo de
mercado estadunidense, tirada pelo fotógrafo Alberto Korda, em
1960: muitos produtos de consumo e imagens para campanhas
publicitárias.
Em vez de essa imagem ser cristalizada no imaginário social
como representação do questionamento ao sistema e da busca
por sua desconstrução, opera-se uma reconversão simbólica e
ela se torna um objeto de consumo como outro qualquer, para
ser aproveitado de maneira alienada, logo descartado, esquecido
e substituído por outro igualmente descartável. Há inúmeros
produtos à venda na internet com a imagem de “Che”, de
canecas a camisetas, passando por almofadas, chinelas,
mousepads, capas para celulares e adesivos para computadores:
o líder anticapitalista transformado em mercadorias para o
mercado global.
A máquina capitalista parece “fagocitar” tudo aquilo que
coloca seus interesses em perigo e adquire ainda mais energia
com isso19. Para Deleuze, esse é o paradoxo fundador do
capitalismo como formação social: “Se é verdadeiro que o terror
de todas as outras formações sociais foram os fluxos
descodificados, o capitalismo, por sua vez, se constituiu
historicamente sobre uma coisa inacreditável, sobre o que fazia
todo o terror das outras sociedades: a existência e a realidade de
fluxos descodificados dos quais fez seu negócio” (1971, p. 4).
E os fluxos decodificados seguem livres, ressignificando e
proporcionando associações simbólicas inusitadas como a
superposição da imagem do Che Guevara à imagem da cantora
pop Cher, numa espécie de amálgama do ativismo com a
mercantilização, que dá origem a uma “Cher Guevara”,
facilmente encontrada na internet. Capitalismo e ativismo,
juntos e misturados, seguem provocando encontros insólitos e
angariando amantes e inimigos.
1 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar corpos
estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas
ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas,
essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão
do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia
para a célula. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/> Acesso em: 7 jan. 2015.
2 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-
campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
3 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-
campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
4 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
5 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
6 ONU: sigla da Organização das Nações Unidas.
7 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
8 Repost: termo que designa o reencaminhamento de uma mensagem
postada no Twitter por outra pessoa, normalmente com o intuito de visibilizar
o texto e seu emissor, em tom de aprovação ou de desaprovação, de escárnio
ou denúncia.
9 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-
polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>.
Acesso em: 22 jul. 2018.
10 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-
polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>.
Acesso em: 22 jul. 2018.
11 Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/empresa-benetton-
admite-vinculos-com-predio-que-caiu-em-bangladesh-e-matou-900-
pessoas-09052013>. Acesso em: 22 jul. 2018.
12 Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/176-noticias/noticias-
2007/562784-a-doutrina-do-choque-o-tema-do-novo-livro-da-ativista-
naomi-klein>. Acesso em: 22 jul. 2018.
13 Disponível em: <https://www.esquerda.net/artigo/5-licoes-cruciais-para-
esquerda-do-novo-livro-de-naomi-klein/3402>.1 Acesso em: 22 jul. 2018.
14 Buycott: termo utilizado para designar, dentro do contexto do
consumerismo político contemporâneo, os boicotes a marcas, empresas e
produtos por meio da recusa à compra dos mesmos e, muitas vezes, da
propagação dessa recusa pelas mídias sociais para outros consumidores.
15 Disponível em: <https://www.ibpad.com.br/blog/o-que-e-
monitoramento-de-midias-sociais-definicao-inteligencia-e-pesquisa-de-
mercado/>. Acesso em: 22 jul. 2018.
16 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. p?pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
17 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
18 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
19 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar
corpos estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas
ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas,
essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão
do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia
para a célula. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/>. Acesso em: 7 jan. 2015.
CONSUMO E ATIVISMO:
LOVERS E HATERS
Como podemos observar ao longo deste estudo, consumo e
ativismo não se encontram, necessariamente, em lados opostos,
como uma antinomia: consumo versus ativismo. O ativismo
pressupõe o consumo de símbolos capazes de propagar ideias e
conceitos, os quais, por sua vez, acabam sendo reprocessados
pelo sistema a favor de sua própria reprodução. Quando falamos
em cultura do consumo, falamos sobre algo muito maior do que
a relação entre a produção, a circulação, a aquisição, o uso e o
descarte de mercadorias, conforme abordamos no segundo
capítulo. “Quando falamos de consumo não estamos nos
referindo apenas a compras e, por conseguinte, ao consumo de
mercadorias ou bens materiais, pois consumimos modos de ser,
consumimos moda, telenovelas, consumimos Instagram, entre
outros bens simbólicos. Consumir significa se inscrever em
imaginários que determinadas marcas nos inscrevem” (Hiller,
2017).1
Uma marca que faz bastante sucesso quando pensamos em
consumo e ativismo, na contemporaneidade, é a Banksy. Criador
de graffitis ao ar livre, o artista nasceu na Inglaterra, em 1973.
Filho de um técnico de fotocopiadora, começou a trabalhar
como açougueiro, mas logo se envolveu com graffitis no fim da
década de 1980. Suas criações, vistas em Bristol, Londres, Los
Angeles, Nova Iorque e Paris, dentre outras cidades, são
marcadas por uma grande incógnita, pois o artista não se deixa
fotografar e sua fama também está associada a este mistério.
Conhecido pelo seu desprezo pelo governo que rotula graffiti
como vandalismo, Banksy expõe sua arte em locais públicos,
utilizando muros, paredes e ruas, podendo usar também objetos
como suporte para expô-la. “Banksy não vende seus trabalhos
diretamente, mas sabe-se que leiloeiros de arte tentaram vender
alguns de seus graffitis nos locais em que foram feitos e deixaram
o problema de como remover o desenho nas mãos dos
compradores.” (Imbroisi, 2017).2 O mistério sobre a identidade
do artista é mantido com a ajuda de um grupo de colaboradores
que chegam a montar tapumes ao redor do britânico para que
possa pintar escondido.
Em suas obras, o artista visual deixa mensagens com forte
conteúdo social e político, frequentemente carregadas de ironia.
São paráfrases e paródias como é próprio da linguagem utilizada
pelos consumidores e cidadãos também nas campanhas de
terrorismo de marca, que consiste nos ataques dos
consumidores-cidadãos às marcas com campanhas
contradiscursivas propagadas na internet, como define
Domingues (2013). Enquanto a paráfrase é a permanência de
algo já presente no discurso, a paródia é a subversão do mesmo,
trazendo memórias diversas e, na maior parte das vezes, opostas
àquelas que estavam no primeiro enunciado. Sant’Anna avalia
que “a paródia é um ato de insubordinação contra o simbólico,
uma maneira de decifrar a Esfinge da Mãe Linguagem. Ela difere
da paráfrase na medida em que a paráfrase se assemelha àquele
que dorme edipianamente cego no leito da Mãe Ideologia” (2007,
p. 32).
Vários enunciados ativistas contrários a marcas, inclusive as
criações de Banksy, utilizam-se da paródia para mobilizarem a
sociedade e impactarem os consumidores com novas
possibilidades de linguagem a partir de modificações verbais ou
visuais na superfície discursiva. Foucault observa que “o
enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a
realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na
ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de
apropriação ou de rivalidade” (2008, p. 119).
Banksy pintou notas de dez libras falsas, substituindo a
imagem da rainha Elizabeth pela imagem da princesa Diana em
uma paródia da moeda oficial do Reino Unido. Com a
intervenção artística, as notas foram, posteriormente, vendidas
por 200 libras, o que demonstra a valorização da temática e da
ética apresentadas pelo artista associadas às qualidades estéticas
da obra. “Sua poética é anti-conformista, anti-liberal, anti-
capitalista, anti-establishment e se levanta contra as injustiças,
criticando as instituições formais e a arbitrariedade do poder.
Quando suas obras passaram a valer uma fortuna, ele as
disponibilizou gratuitamente em sua página na internet em
variados tamanhos para impressão, em um link ironicamente
chamado “shop”. Isso não impediu que fossem impressas e
vendidas por centenas de libras.”3
Em 2009, a exposição Banksy vs Bristol Museum atraiu cerca
de 300 mil pessoas em 12 semanas, o que demonstra a
capacidade crescente das mensagens ativistas de atraírem o
grande público, em todo o mundo, na última década,
transformando-se em uma mercadoria cada vez mais valorizada.
O discurso ativista se faz presente, cada vez mais, para além das
ruas: está nos museus, nas galerias de arte, na internet e até
mesmo nas prateleiras de mercadinhos que vendem xampu,
com produtos voltados para a transição capilar, o retorno dos
cabelos alisados por jovens e mulheres afrodescendentes para
sua condição natural de cabelos cacheados e crespos, vivenciado
como uma afirmação política da identidade e da cultura negra
em diálogo com as lutas por um mundo menos racista. Rocha &
Casotti (2017) fazem uma reflexão crítica acerca do consumidor
negro e sua invisibilidade tanto no mercado quanto na
sociedade e Rocha & Nascimento (2017) desenvolvem como essa
invisibilidade e o estigma levam consumidoras a se tornarem
prosumers em um mercado que não atende às suas
necessidades; enquanto no estudo de Rocha & Casotti (2018), o
contexto investigado é a experiência dessa consumidora negra
no mercado de tratamento e beleza dos cabelos revela um
padrão estrutural dominante, que perpetua a condição marginal
dos traços naturais dessas mulheres, aspectos emergentes do
mercado que apontam movimentos rumo à visibilidade dessa
consumidora, e que essas mulheres se mostram ávidas por
consumir, mas se sentem desencorajadas em sua demanda.
Banksy faz sua interpretação própria do quadro Le radeau de
la méduse: na obra, vemos uma cena de naufrágio,
acrescentando-se, entretanto, um iate de luxo ao fundo. A obra
nos lembra, imediatamente, a problemática dos refugiados à
deriva no Mar Mediterrâneo e o uso mercadológico que a
empresa italiana Benetton fez do incidente com o navio
Aquarius, conforme discutido no terceiro capítulo. Ao lado da
obra de Banksy, que parafraseia Le radeau de la méduse, está
escrito: “Não estamos todos no mesmo barco”.
Uma das modalidades de marketing que mais fez sucesso, no
mundo inteiro, na última década, é o chamado marketing de
guerrilha. O termo “marketing de guerrilha” foi criado na década
de 1980, quando Jay Conrad Levinson escreveu o primeiro livro
de sua série homônima, mais exatamente em 1982. Além dele, Al
Ries e Jack Trout publicaram, em 1986, o livro Marketing de
guerra, endossando ainda mais o surgimento da necessidade de
se utilizar essa ferramenta para se destacar em meio à
comunicação de massa. Ele se utiliza da performance e de outras
linguagens artísticas para surpreender o público com ações
inesperadas, capazes de chamar a atenção, cativar as pessoas e
produzir lembrança. Como um artista que sabe manejar bem os
conceitos de performance e arte contemporâneas aliados aos
princípios do branding e do marketing, Banksy já entrou
anonimamente em museus como o Louvre, o Metropolitan e a
Tate Gallery, inserindo, sorrateiramente, suas obras ou elementos
criados por ele em obras exibidas nesses espaços de legitimação
da arte.
Uma das suas ações mais conhecidas foi um plano
coordenado e bem-sucedido para se infiltrar em quatro dos mais
importantes museus de Nova York no mesmo dia. Primeiro, o
artista levou o seu próprio quadro de uma lata de sopa para
dentro do Museu de Arte Moderna de Nova York, pendurando-o
em uma parede. O quadro permaneceu lá por três dias sem ser
percebido como intruso. No Museu Brooklyn, colocou uma tela a
óleo, mostrando um almirante da era colonial, com frases
contrárias à guerra. “Os outros dois ‘alvos’ foram o Metropolitan
Museum of Art e o Museu Americano de História Natural. Neste
último, Banksy colocou um besouro com umas asas de caça-
bombardeiro e mísseis presos ao corpo” (Imbroisi, 2017).4 Como
destaca Sant’Anna, “assumindo uma atitude contra-ideológica,
na faixa do contra-estilo, a paródia foge ao jogo de espelhos,
denunciando o próprio jogo e colocando as coisas fora do seu
lugar ‘certo’” (2007, p. 29). O ativismo busca colocar o que está
errado na sociedade, no lugar certo. Para isto, faz uso da
linguagem que tira as coisas do lugar certo, a paródia, para que
elas sejam, finalmente, percebidas.
Wallerstein avalia, conforme já mencionado no primeiro
capítulo, que a civilização capitalista mundial consiste em um
mundo polarizado e polarizante. Enquanto alguns são
persuadidos pela afirmação das virtudes do sistema, outros,
como o artista inglês, questionam seus princípios, ampliando a
discussão a respeito dos problemas intrínsecos ao capitalismo.
Com a cultura digital, os termos haters e lovers ganharam
evidência e passaram a designar, respectivamente, as pessoas
que atacam ou valorizam outras pessoas ou empresas, marcas,
instituições e até mesmo artistas a partir da identificação ou
repulsa às suas ideias e mensagens.
Na sociedade de consumo, todos nos relacionamos com a
cultura de consumo. Nessa perspectiva, o ativismo vem
convocando as pessoas, na atualidade, para tomar posições
sobre todos os temas em evidência e essa tomada de posição
pressupõe a escolha de um lado para se posicionar. Afinal, “não
estamos todos no mesmo barco”, como diria a inscrição no site
de Banksy. Na canção Samba Makossa, a banda pernambucana
Chico Science e Nação Zumbi indagava lá na década de 1990:
“Você samba de que lado? De que lado você vai sambar?”. Essa
parece ser a pergunta que não quer calar na contemporaneidade
e separa lovers e haters tanto na internet quanto fora dela em um
contexto de ativismo que vem se intensificando.
A consolidação da sociedade em rede e das mídias digitais,
sobretudo das mídias sociais, ampliou a porosidade entre os
campos do consumo e do ativismo. Hoje, não é mais possível
falar sobre ativismo sem falar sobre consumo e internet.
Também não é possível falar sobre consumo sem pensar nas
modificações intensas impostas às suas práticas na
contemporaneidade tanto pela internet quanto pelo ativismo.
“Há [ainda] aqueles, hoje em dia, que são avessos ao consumo,
que são anti-marcas, que só usam camiseta branca e roupas
veganas. Oras, mas isso também é um tipo de consumo. O não-
consumo é um tipo de consumo” (Hiller, 2017). Klein destaca
que a globalização econômica colaborou para a formação de
militantes investigativos tão globalizados e high-tech quanto as
empresas que eles investigam, os quais formam uma militância
poderosa, que reúne pessoas das mais diferentes idades,
escolaridades e classes sociais (Klein, 2009, p. 355).
Mediante o apoio e a escolha de marcas e produtos pelos seus
lovers (consumidores apaixonados, defensores e disseminadores
das marcas positivamente) ou do protesto ou boicote contra elas
pelos seus haters (críticos e sabotadores), pessoas de todas as
partes do planeta se colocam politicamente, em rede, diante dos
novos desafios trazidos pelo sistema-mundo capitalista e pela
sociedade de consumo. Se os enunciados criados pelos
consumidores-cidadãos em oposição às marcas não se mostram
capazes de modificar o sistema-mundo capitalista
estruturalmente, demonstram que podem causar fissuras nas
imagens das empresas, consideradas bens muito valiosos, sendo
protegidas e preservadas por campanhas publicitárias muitas
vezes milionárias promovidas em âmbito global (Domingues,
2013). O termo hater é utilizado na internet para classificar
algumas pessoas que praticam bullying virtual ou cyberbullying ,
ações impetradas por alguns pessoas com o intuito de inibir,
constranger ou maltratar outras pessoas nos meios digitais.
“Basicamente, o hater é uma pessoa que simplesmente não está
feliz ou satisfeita com o êxito, conquista ou felicidade de outra
pessoa. Assim sendo, preferem “atacar” e “criticar” o indivíduo,
expondo situações comprometedoras publicamente sobre essa
pessoa, ou desvalorizando as ações e vitórias do “alvo”. O hater
pratica o ato de odiar alguma coisa ou alguém e esta expressão
não está diretamente relacionada com a inveja, pois os haters
não desejam ser ou possuir algo de alguém, mas, sim, apenas
criticar e desvalorizar outra pessoa perante seu grupo social.”5
Curiosamente, em oposição ao termo hater, não é costumeiro
usar o termo lover, como poderíamos esperar, em relação aos
adoradores de marcas e empresas, apesar de algumas
celebridades fazerem uso frequente desse termo para se
referirem aos seus fãs como, por exemplo, os vittarlovers (fãs da
drag queen e cantora Pablo Vittar) e os kelovers (fãs da youtuber
e escritora Kéfera Buchmann).
O dossiê The F-Factor do site de tendências
Trendwatching.com defende que, na era digital, as marcas
devem buscar ampliar o seu relacionamento positivo com o
público cultivando os 3F: fans, friends e followers (fãs, amigos e
seguidores)6. Milhões de pessoas frequentam as mídias sociais e
é lá que as marcas estão buscando se relacionar também com
seus públicos, visando ampliar o número de lovers, diminuindo
ou zerando seu número de haters. São os 3F que serão
responsáveis por influenciar nosso consumo, seja material ou
simbólico, por isso não podemos esquecer da sua importância.
“Claro que o consumo sempre foi social: todo mundo é
eternamente influenciado por aquilo que as pessoas ao seu redor
pensam e compram. A KellerFay, uma consultoria de marketing
dos EUA que trabalha com divulgação boca a boca, estima que
haja cerca de um trilhão de conversas a respeito de marcas todos
os anos, só nos EUA. Mas, da mesma maneira que acontece com
tantas tendências de consumo, ao passo que o comportamento
central do consumidor não é novidade, os desenvolvimentos
tecnológicos propiciam novas manifestações desse
comportamento, que aqui amplifica sua importância e impacto.
De fato, o F-Factor é alimentado por novas ferramentas e
plataformas disponíveis tanto para consumidores quanto
marcas, e pelos altos números de pessoas que hoje usam e
contribuem e com estas ferramentas.”7
Quando buscamos entender o comportamento das pessoas
em relação a marcas, empresas, produtos e serviços, é fácil nos
depararmos com o conceito de lovemarks, bastante badalado
entre profissionais de branding, marketing e publicidade. Kevin
Roberts, CEO mundial da Saatchi & Saatchi e autor do livro
Lovemarks – O Futuro Além das Marcas, defende que o amor é
um fator essencial para uma boa relação entre público e empresa
(2005). Para o autor, o respeito pela marca está diretamente
ligado ao amor que o consumidor sente por ela. Nessa
perspectiva, o respeito deve reger a manutenção da relação com
o consumidor a cada contato. Se essa relação falhar,
provavelmente, o consumidor vai se afastar e procurar uma nova
marca com a qual se identificar e, por consequência, terá muito
mais chances de desenvolver uma relação passional com ela.
Respeito às diferenças e valorização da diversidade parecem ser
valores caros aos consumidores ativistas e aos consumidores de
ativismo, conforme discutiremos melhor no último capítulo.
Para Roberts, o respeito é fundamental para garantir uma
performance de excelência para as marcas e empresas no mundo
atual (2005). Na era das mídias sociais, tribos em rede e
comunidades virtuais, os consumidores se reúnem por
afinidades em torno de seus gostos e predileções acerca de tudo,
das orientações sexuais às opções alimentares e, como não
poderia deixar de ser, acerca das mercadorias a serem
consumidas ou desprezadas e das marcas a serem amadas ou
repudiadas.
Conforme observa Hiller, “o consumo é um sistema que
classifica os produtos, mercadorias, bens e serviços. É o processo
do consumo que atribui valor às coisas. Até mesmo dinheiro é
algo que foi inventado um belo dia e que só faz sentido dentro de
uma lógica cultural. O ato de consumir é algo modelado e
modulado por um viés cultural e, fundamentalmente, social”
(2017). As marcas que não entenderem o espírito do tempo
presente, no qual consumo e ativismo andam juntos como
jamais estiveram, tendem a ampliar seu time de haters e perdem
a oportunidade de angariar mais apaixonados pelos seus
princípios e propósitos, mesmo tendo consciência, como
provoca a publicitária Ana Paula Cortat, em entrevista ao site da
revista Meio & Mensagem, que “publicidade não é sobre causa,
marcas não são ativistas e propósitos não são simples recursos
criativos.” (2017)8. Esta provocação sobre a real capacidade de
empresas que visam ao lucro, e para isso, gerenciam o valor das
marcas (branding), no qual a causas é oportuna para pensarmos,
por exemplo, o reposicionamento da marca de cerveja Skol,
conforme discutiremos a seguir.
O setor de cervejarias é reconhecido, no Brasil, pelo seu
histórico de comunicação mercadológica machista e sexista.
Praticamente todas as marcas de cerveja anunciantes, até 2015,
produziam e veiculavam campanhas com fortes teores
segregadores e opressivos perante as minorias, como pessoas
LGBTQ+, deficientes e, especialmente, mulheres. “O machismo
ainda está presente na comunicação de muitas marcas no Brasil
e no mundo. E, embora não seja exclusividade desse segmento, a
cerveja é uma das categorias mais simbólicas quando se fala em
objetificação e estereótipo de gênero. Nos últimos dois anos,
porém, algumas marcas têm mudado o tom de sua
comunicação, muitas após a repercussão negativa entre os
consumidores” (Lessa, 2017). Um das marcas mais
emblemáticas, no Brasil, nesse sentido, é a Skol.
Atuando no mercado brasileiro de cervejas populares desde
1967, a marca sempre foi adepta de campanhas publicitárias
com forte tom machista, em que mulheres de biquíni eram
expostas como objeto de desejo dos homens em praias, clubes e
outros locais públicos. Em 2015, entretanto, a marca viveu seu
ponto de virada de marketing e de comunicação. Foi
confrontada por duas amigas, uma publicitária e por uma
jornalista, que, ao verem a campanha da marca voltada para o
Carnaval veiculada em uma parada de ônibus, resolveram fazer
uma intervenção sobre a peça publicitária, “ensinando” à
cervejaria como aquela mensagem deveria ter sido escrita.
Belk (2010; 2013) atualiza sua teoria do Eu Estendido com o
seu texto sobre compartilhamento, no qual fala que
compartilhar é um comportamento fundamental do consumidor
que tendemos a ignorar ou a confundir com troca de
mercadorias e presentes. O compartilhamento abrange uma
ampla gama de questões de consumo, desde o
compartilhamento de recursos domésticos versus bens
familiares até compartilhamento de arquivos versus direitos de
propriedade intelectual. Belk sugere que o compartilhamento
dissolve as fronteiras interpessoais colocadas pelo materialismo
e pelo apego à posse por meio da expansão do eu estendido
agregado. No entanto, esse compartilhamento é desafiado pela
crescente mercantilização do mercado. Por um lado, temos o
desejo do consumidor de compartilhar e, por outro, temos as
ações do mercado, buscando monetizar esse compartilhamento,
quer seja com retorno financeiro imediato a partir da venda de
mais produtos e serviços, quer seja com ganhos de imagem de
marca, em uma era em que a reputação das empresas se tornou
um ativo ainda mais valioso por conta da comunicação em rede.
Afinal, é a reputação em rede que acarreta a produção de lucros
ou a perda deles de maneira exponencial, em função da
propagação das opiniões e percepções do consumidores-
cidadãos.
Como prossumidoras e também netizens (Silva, Patriota,
2010)9, as moças fotografaram as peças publicitárias com as
intervenções realizadas por elas e compartilharam na rede social
digital de maior audiência no país. A propagação exponencial da
mensagem foi imediata, não somente na internet como nas
mídias de massa. O texto postado por uma das garotas dizia: “A
“maravilhosa” Skol decidiu fazer uma campanha de Carnaval
espalhando frases que induzem a perda do controle. “Topo antes
de saber a pergunta”, “esqueci o não em casa” são alguns
exemplos. Uma campanha totalmente irresponsável,
principalmente durante o Carnaval que a gente sabe que o índice
de estupro sobe pra caramba. Eu e @sugarmila decidimos fazer
uma pequena intervenção. Amigos publicitários, vocês precisam
ter mais noção e respeito. #feminismo #respeito #estuproNAO”
Com fita isolante, elas escreveram “e trouxe o nunca” no
anúncio, modificando a mensagem da marca. As acusações de
apologia ao estupro fizeram com que a Skol trocasse os cartazes
por completo. Com outro tom, os novos dizeres continham o
recado “Neste Carnaval, respeite”. Em comunicado, a marca
afirmou que substituiu as peças “por respeito à diversidade de
opiniões”10. O caso virou pauta de noticiários e um contágio de
adesões à causa defendida pelas moças levou o gerente de
marketing da empresa responsável pela ação à demissão diante
da pressão dos consumidores-cidadãos sobre o discurso da
marca de cervejas.
Desde então, o que vemos é um reposicionamento constante
da marca Skol, que modificou seu discurso e suas práticas,
tornando-se, inclusive, a patrocinadora oficial da Parada do
Orgulho LGBT de São Paulo. Em março de 2015, a campanha
“redondo é sair do seu quadrado”, criada pela agência F/Nazca,
trouxe novos ares para a cervejaria, partindo do slogan “a cerveja
que desce redondo” para indicar a mudança de mindset da
empresa, desde o incidente da intervenção das garotas na
campanha do Carnaval. O terceiro filme da campanha “redondo
é sair do seu quadrado” tem o título de Viva a Diferença e
convida as pessoas a deixarem de ser “quadradas” (gíria que
significa conservadoras) e abandonarem os seus preconceitos. O
comercial utiliza atores com diferentes tipos físicos e etnias. Para
Thaís Fabris, da consultoria 65/10, “os consumidores têm o
poder de mudar o ponteiro de negócios de uma marca. E a
mulher representa quase metade dos consumidores. Além disso,
65% das mulheres não se identificam com a forma que são
retratadas. No caso de Skol, a comunicação mudou muito e tem
muito mais a ver com o conceito Redondo” (Fabris in Lessa,
2017)11.
Aguiar avalia que marcas como a Skol percebem a
necessidade de um alinhamento com os anseios dos seus
públicos-alvo, especialmente com os valores culturais
reconhecidos pelo público jovem. Por isso, buscam se apropriar
dos discursos das minorias, com as quais esse público tende a se
identificar, como uma estratégia para despertar as percepções de
responsabilidade e de reconhecimento valorizadas pelos grupos
de jovens consumidores (Aguiar, 2018). “Segundo a assessoria da
marca, a crítica das mulheres foi o principal motivo para a
mudança do tom da comunicação da Skol. Por essas e outras que
as mulheres precisam sim serem ouvidas. Ponto para o
feminismo, que com uma crítica bem feita, fez a marca rever
seus conceitos” (Lafloufa, 2015).12
Após os ataques à campanha em 2015, o diretor de marketing
da Skol, Pedro Henrique de Sá Earp, foi substituído pela
executiva Paula Lindenberg. Ela admitiu que as modificações na
publicidade foram motivadas primeiro pelo departamento
jurídico da marca, que (de acordo com postagem em tom de
celebração do Instituto Patrícia Galvão) teve que responder a
uma representação aberta pelo Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária, o Conar, contra a campanha
do Esqueci o Não, após essa entidade receber 30 denúncias
associando a marca Skol à apologia ao estupro13. Também para
modificar a sua reputação e se adequar aos anseios e aos valores
dos consumidores na atualidade. Fora isso, a profissional
destacou que as mulheres formam um grupo relevante do ponto
de vista de negócios por seu volume financeiro e por sua
representatividade. (Aguiar, 2018).
Para ampliar o entendimento da dinâmica de mercado com a
intervenção do consumidor ativista, relacionamos os lovers e os
haters com o conceito de marcas-setas e de marcas-alvos
proposto por Suarez & Belk (2017). Nesse estudo, os autores
apresentam duas formas de ressonância cultural da marca: setas
ou alvos. Como setas, as marcas emprestam seus recursos
simbólicos para a construção de mensagens dos manifestantes,
ajudando-os a comunicar suas ideias. Como alvos, marcas
tornam-se inimigos sociais e representam pólos negativos de
contradições. Nesse sentido, percebemos uma ligação imediata
dos haters com as marcas-alvos e dos lovers com as marcas-setas,
capazes de propagarem os posicionamentos sociais valorizados
pelos consumidores-cidadãos hoje.
A partir do entendimento da ação de lovers e haters na
dinâmica de consumo, vamos agora para a nossa próxima
reflexão, na qual passamos da ação ativista em contextos de
ativismo para o entendimento da existência do consumo de
ativismo.
1 Disponível em:
<http://www.administradores.com.br/artigos/marketing/as-diferencas-
entre-consumo-e-consumismo/108030/>. Acesso em: 23 jul. 2018.
2 Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/prazer-em-
conhecer/banksy/>. Acesso eem: 23 jul. 2018.
3 Disponível em:
<https://www.confrariadovento.com/revista/numero15/artista.htm>. Acesso
em: 23 jul. 2018.
4 Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/prazer-em-
conhecer/banksy/>. Acesso em: 23 jul. 2018.
5 Disponível em: <https://www.significados.com.br/haters/>. Acesso em: 22
jul. 2018.
6 Disponível em: <https://trendwatching.com/pt/trends/ffactor/>. Acesso
em: 23 jul. 2018.
7 Disponível em: <https://trendwatching.com/pt/trends/ffactor/>. Acesso
em: 23 jul. 2018.
8 Disponível em:
<http://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2017/07/11/publicida
de-nao-e-sobre-causa.html >. Acesso em: 23 jul. 2018.
9 De acordo com Silva e Patriota (2010), o prosumer (em inglês) ou
prossumidor (em português) é aquele consumidor que também adquire o
caráter de produtor. Sendo assim, não apenas recebe passivamente os
enunciados, mas também os produz. Os netizens são os cidadãos que
utilizam a internet como forma de ampliar debates e trazer à luz questões
que, muitas vezes, não dispõem de um espaço para serem debatidas na mídia
de massa. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/resumos/R5-2642-
1.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2018.
10 Disponível em: <https://www.b9.com.br/55133/mulheres-se-irritam-com-
tom-da-campanha-de-skol-e-alteram-mensagem-de-outdoor/>. Acesso em:
23 jul. 2018.
11 Disponível em:
<http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/02/02/o-
antes-e-depois-das-campanhas-de-cerveja.html>. Acesso em: 23 jul. 2018.
12 Disponível em: <https://www.b9.com.br/55133/mulheres-se-irritam-com-
tom-da-campanha-de-skol-e-alteram-mensagem-de-outdoor/>. Acesso em:
23 jul. 2018.
13 Disponível em: <https://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-
olho/mulher-e-midia/esqueci-o-nao-da-skol-sai-de-cena-mas-cai-na-mira-
conar/>. Acesso em: 23 jul. 2018.
O QUE É CONSUMO DE
ATIVISMO?
Domingues & Miranda (2018) analisaram duas marcas, que se
relacionam com o público massivo no Brasil, e dois fenômenos
sociais, que emergiram em nichos de consumidores-cidadãos de
grandes capitais do país, a fim de observar como há, na
atualidade, um consumo simbólico de ativismo que está que está
sendo apropriado tanto pelas marcas quanto pelos cidadãos com
o objetivo de valorizar sua imagem pessoal, institucional ou
corporativa na sociedade contemporânea.
A marca Skol, que já foi marca-alvo e busca se reposicionar
como marca-seta, conforme vimos no capítulo anterior, lançou,
em abril de 2017, mais uma campanha cujo tema está alinhado
com consumo de ativismo: Skolors.
De acordo com a empresa, a marca se apresentava “em defesa
da pluralidade e do respeito”. Nas matérias não eram
apresentadas novas políticas organizacionais ou iniciativas da
área de Recursos Humanos, por exemplo, com a contratação de
pessoas das mais diferentes etnias, credos, gêneros, entre outras
possibilidades. A atuação política ativista da marca se
materializava no lançamento de uma edição limitada de latinhas
de cerveja em que a identidade visual da embalagem bastante
conhecida dos brasileiros nos supermercados, bares e
restaurantes de todo o Brasil ganhava novos leiautes com,
supostamente, variados tons de pele.
O coletivo de Moda, Arte e Design (Mooc) formado por oito
jovens negros moradores da periferia paulistana e que
respondem que “resistência” é o seu negócio, criou a ação
juntamente com a agência de publicidade F/Nazca S&S. De
acordo com Catarina Martins, que faz parte do Mooc,
“A nossa pele é uma só. Não importa o seu gênero, sua cor,
sua classe social, somos todos feitos da mesma coisa. Somos
essa diversidade de contrastes e texturas. Somos um só e
vários ao mesmo tempo. Somos únicos e somos essa
mistura de tudo. É essa a proposta do projeto. É explorar a
beleza dessa diversidade em todos os sentidos. É brindar
nossas diferenças. Não importa sua pele, não importa a cor
da lata, a essência é única e é de todos”.1

Apesar de as latas mostrarem uma separação de cores, de um


objeto para outro, na tentativa de representar a multiplicidade, o
discurso da designer não fala da possível separação das pessoas
por suas nuances de cor na própria representação gráfica do
projeto, mas sim evidencia essas diferenças como parte de uma
unidade: a raça humana. A estratégia da Skol é legitimada pela
adesão do Mooc, cuja presença no projeto esvazia potenciais
críticas dos consumidores-cidadãos.
Conforme mencionado por Santos (2013), dentro do cenário
cada vez mais complexo e intenso da tecnopolítica, é impossível
dissociar ativismo e mídias digitais. A Skol providenciou, dentro
desse projeto, em um contexto de ativismo, uma ação específica
para suas redes sociais digitais. Nelas, o internauta que se
identificava com a proposta da marca podia criar uma lata digital
personalizada. Um dispositivo identificava o tom da pele do
usuário na foto de perfil publicada na mídia social e criava,
então, uma lata “única” para ele. Um sistema randômico
colocava a lata do usuário brindando com outro tom de pele e a
foto era, então, compartilhada nas redes sociais digitais.
Outra ação que pretende transformar os haters de uma marca
em seus novos apaixonados é a Mattel, com o lançamento da
linha Barbie Mulheres Inspiradoras. Percebe-se, claramente, uma
busca da marca de bonecas, muitas vezes colocada na condição
de marca-alvo pelos consumidores-cidadãos, em ressignificar
essas percepções negativas a fim de se tornar uma marca-seta.
Em março de 2018, 17 novas bonecas Barbie “inspiradas em
mulheres reais” chegaram às lojas de brinquedos infantis de todo
o país, segundo a marca, “para honrar o Dia Internacional da
Mulher e empoderar crianças”. Entre as personagens, destacam-
se a artista plástica Frida Kahlo, a aviadora Amelia Earhart, a
física Katherine Johnson e a atleta Chloe Kim. É curioso perceber
que a marca Barbie foi alvo de críticas muitas vezes em função
de promover um tipo de mulher muito magra, quase anoréxica,
branca e loira. “A linha Barbie Mulheres Inspiradoras é mais uma
ação da Mattel para se modernizar e se afastar das críticas
recebidas. A boneca já foi ligada a problemas de autoestima em
garotas por representar um corpo irreal.”2
O interesse do brasileiro por temas relacionados à
diversidade, ao racismo, ao feminismo e ao universo LGBTQ+
cresceu nos últimos anos de acordo com o dossiê do Google
BrandLab, núcleo de pesquisa do buscador. As buscas pelo
termo feminismo, especificamente, cresceram 200% entre 2015 e
2017. Esse aumento pelo interesse no tema indica o porquê do
aumento do interesse das marcas em oferecer produtos e
serviços associados a ele. No caso das bonecas Barbie, no
entanto, chama a atenção o fato da marca já ter sido bastante
contestada em relação aos padrões femininos que promovia,
levando a mesma a se arriscar como uma marca oportunista. De
acordo com Tomiya (2010), uma marca se apresenta como
oportunista quando não revela sua identidade ao público e pega
carona em oportunidades de mercado mesmo sem ter aderência
a elas.
Nos casos anteriores, a perspectiva de análise foi da marca
como provedora do discurso para o consumidor. Nos próximos,
o foco será em como o consumidor constrói o discurso ativista e
passa a ser o provedor de significado para as comunidades da
marca.
Para Miranda & Casotti (2018), o uso da saia por homens
pode ser visto, no contexto sociocultural brasileiro como um
comportamento desviante, pois infringe a regra de saia como de
pertencimento ao feminino. No uso da saia por homens
encontramos a busca pela liberdade de ação e o uso do discurso
da moda como ato político de quebra de convenções sociais. A
busca por uma utopia social, uma sociedade que não julga o
outro por uma aparência convencionada e que permite a livre
escolha. A ação consciente desses indivíduos enquanto
transgressores da regra está em difundir um novo
comportamento que busca a massificação do mesmo e, por
conseguinte, a sua normalização. O que está em jogo aqui não é
a aparência mas a estética, que é a reação do outro sobre essa
aparência, o que leva a falar do discurso da moda sob outros
parâmetros.
Na matéria do jornal O Globo, cujo título é Por que as saias
estão invadindo o guarda-roupa masculino: conforto, atitude
política e desconstruçãode gênero3, aponta-se que “depois do
frescor, a desconstrução de gênero — ou seja, o fim da teoria de
que a roupa “x” é feita para mulheres e a “y” para homens — é
outro argumento sustentado por adeptos do visual”. Segundo a
matéria, “no corpo deles, a saia tem ‘função social’”. Podemos
apontar o ativismo, nesse caso, a partir da fala de um dos
entrevistados na matéria, o consultor de estilo de moda Vinícius,
que faz a seguinte reflexão: “É muito louco como a mulher
sempre pôde usar roupa masculina. Por que tem que ter essa
distinção? A saia é um símbolo feminino. E dentro de um
contexto machista, o homem de saia é uma atitude bem
desconstrutiva. A gente tem que aproveitar esse momento de
liberdade de expressão e de colocação para usar”.
Podemos perceber tanto na pesquisa de Miranda & Casotti
quanto na matéria de O Globo, em diálogo com Foucault (2014),
que ser modelo de comportamento é forma de se libertar e de
libertar o outro, como uma cadeia de continuidade buscando a
normalização do comportamento. O estranhamento vem da não
exposição ao fato e quando este passa a ser corriqueiro deixa de
ser anormal e a massificação normaliza a ação. “O desejo leva a
busca do objeto mediante a sua posse, ou seja, se desejo me
arrumar, ter um objeto de adorno, fazer compras, significa que
desejo ter determinada aparência que me leva a ser reconhecido
como possuidor de determinadas características, definindo
assim a relação: fazer, ter, ser” (Miranda, 2017, p. 5)
Mediante a análise do fenômeno da moda, identificamos os
desejos e anseios de um certo grupo social em determinados
tempo e espaço. Quando se estuda a interação entre indivíduos e
grupos, entra-se em uma área de influências sociais e
situacionais, influências estas que trabalham em todas as fases
do comportamento do consumidor afetando os estilos de
preferência, o desejo em relação aos produtos que as pessoas vão
ou não adquirir, as lojas que se encontram mais adequadas à
compra, entre outros. Assim, o estudo da socialização é de
grande importância para as práticas de marketing. No ativismo,
o objeto de desejo é a transformação social.
Santos (2018) apresenta a possibilidade de extensão dos
significados atribuídos ao botão de comparecimento a eventos
do Facebook como uma ampliação das possibilidades de
manifestação, cujo uso ressignifica as formas de utilização dos
espaços de luta política. Concluindo que o potencial de
demonstrar apoio, possibilitado pelo “evento virtual”, uma vez
que se torna um ato de manifestação em si mesmo, não
necessariamente implica em processos de intervenção nos
espaços físicos da cidade, o que atribui nuances únicas a esse
tipo de performance.
Em fevereiro de 2011, o Facebook criou o aplicativo
Calendário para marcar eventos, permitindo a extração de dados
para usuários do próprio calendário ou aplicativos de
mapeamento. O dispositivo “Eventos” do Facebook é uma
ferramenta de R.S.V.P.4 para que os membros informem a seus
amigos sobre os próximos eventos dos quais irão participar em
sua comunidade, para organizar encontros sociais ou
simplesmente para dizer o que está sentindo no momento.
Muitos internautas, no Brasil, confirmam participações em
eventos por meio da plataforma Facebook, mesmo que não
tenham a intenção de comparecer aos mesmos. Fazem isso com
o intuito de apoiar a iniciativa, fazer essa confirmação reverberar
no seu networking digital e, também, na pespectiva do consumo
de ativismo, para apoiar causas e mostrar ao mundo sua
identificação com os atores sociais e as temáticas mais diversas.
Paulo André Pires, produtor do festival de música Abril Pro Rock,
em entrevista às autoras, observa que: “Acho ridículo ‘tenho
interesse’. Ou vai ou não vai, com a confirmação on-line, você
está apoiando, ajudando a dar visibilidade, divulgar”.
Nessa sociedade consumista hedonista, o individualismo,
paradoxalmente, convive com um senso gregário de
neotribalização. Segundo Maffesoli, no mundo atual, as pessoas
buscam se reunir em comunidades a partir de afinidades
nomeadas por ele como emoções estéticas. A emoção estética
funciona com um cimento social expresso por meio do trabalho,
de festas grupais, de uniformes, de iniciativas de caridade e
ações militantes (Maffesoli, 1996). Clicar no botão
“comparecerei” do Facebook, e não comparecer ao mesmo,
significa dar sustentação a esse “cimento social” apontado por
Maffesoli: mesmo que eu não vá a um evento no mundo físico,
quero dizer ao mundo que me identifico com essa neotribo e
compartilho das mesmas emoções estéticas que os outros
participantes do evento virtual.
Em 2014, o movimento Ocupe Estelita, liderado pelo grupo
Direitos Urbanos5, no Recife, mantinha uma página bastante
dinâmica na rede social digital Facebook e chamou a atenção da
sociedade para o projeto Novo Recife, que visava ocupar uma
área privilegiada da cidade, o Cais José Estelita, no bairro
histórico de São José, para a construção de 12 torres residenciais
e empresariais, com até 41 andares de altura, por um pool
formado por grandes empreiteiras. O projeto estava orçado, em
2014, em R$ 800 milhões e, de acordo com especialistas, não
atendia a diversas exigências legais prévias para que a demolição
dos antigos imóveis do local pudessem acontecer a fim de que o
projeto fosse implementado (Domingues, 2016, p. 171).
A fim de chamar atenção para a causa de defesa do espaço
urbano em prol dos cidadãos e detrimento das construtoras, o
grupo Direitos Urbanos manteve uma página no Facebook
bastante ativa de 2014 a 2016. Santos (2018) aponta um fato
curioso sobre os eventos lançados pelo Movimento Ocupe
Estelita na mídia social Facebook: o fato de que toda vez que o
movimento abria a chamada para um evento em prol do Estelita
havia centenas de pessoas que clicavam no botão
“comparecerei”, número expresivamente maior do que aquele de
pessoas que clicavam os botões “não comparecerei” ou “tenho
interesse”. As centenas de ativistas que diziam que iriam
comparecer ao evento em prol do protesto contra as torres de
mais de 40 andares não se convertia no número efetivo de
participantes do evento, pelo contrário. Para centenas de pessoas
que diziam que iriam ao evento, no máximo, duas dezenas
apareciam efetivamente para marcar presença no protesto
(Santos, 2018).
Entrevistando alguns recifenses que costumavam visibilizar
sua presença na convocatória para o evento por meio da mídia
social, Souza (2018) percebeu que havia ativismo por parte
desses sujeitos. Alguns entrevistados relataram para o
pesquisador que clicavam na confirmação da presença porque
apoiavam a ideia do movimento, seus valores e suas crenças
expressos e propagados em rede, mas não necessariamente
iriam ao evento promovido pelo grupo em local físico. Era muito
mais frequente, inclusive, que não fossem, o que indica que o ato
de consumir virtualmente não requer a presencialização,
evidenciando novas dinâmicas próprias do ambiente virtual.
Os cases em análise têm a mesma formação discursiva e
apontam para outras campanhas publicitárias contemporâneas
em uma constelação de enunciados diferentes. Apresentam uma
regularidade, pois os enunciados integram o discurso de
ativismo em prol dos direitos humanos, amplamente proferido
por marcas de diversos segmentos na atualidade, das marcas de
massa, como Skol e Barbie, a grupos sociais simpatizantes dos
valores associados às causas mais diversas, do uso de saias pelos
homens ao direito ao espaço público urbano.
Entretanto, conforme apontado por Foucault, também
indicam um sistema de dispersão, visto que os enunciados
demonstrados nos exemplos discutidos utilizam-se de
estratégias de ativismo, mas por meio de abordagens diversas,
em função de suas estratégias e táticas mercadológicas e de seus
públicos-alvo de interesse (Foucault, 2008). Dessa forma, a
estrutura do discurso se funda a partir de enunciados dispersos e
heterogêneos que coexistem na sociedade contemporânea
pautados nos pilares acima mencionados.
O consumidor ativista se considera responsável por si e essa
responsabilidade tem que refletir a responsabilidade com o
outro. A relação com Foucault e as práticas de “cuidado de si”
ficam claras: a prática de reinvenção de si mesmo como forma
de resistência aos padrões de normalização social são formas de
resistência dos indivíduos que buscam a ressignificação da
liberdade. A transgressão às regras é a forma de falar desse
desconforto com o estabelecido e tornar o seu desconforto o
desconforto alheio. Por outro lado, para esse consumidor-
cidadão ativista do contemporâneo sobrou essa incongruência:
na busca de fazer sentido para o outro com a sua identidade em
conformidade, esqueceu de fazer sentido para si mesmo, o que
compromete a sua liberdade de expressão, tornando suas
decisões mais subjugadas a uma norma do que relacionadas ao
seu eu, que se perdeu no contexto.
O estudo de Silva & Pepece (2018) nos ajuda na compreensão
dessa dinâmica do consumidor ativista como prática do
“cuidado de si” quando apresenta a consumidora do parto
humanizado como uma ativista da ideia de que as mulheres
devem se voltar ao natural não só nas questões de consumo de
bens sustentáveis, mas em relação à maneira como lida com o
seu próprio corpo, com as suas emoções e as de seus entes
queridos. Quebrar as regras do parto normal e da cesariana,
normatizadas nas maternidades de forma mecanizada tanto no
público como privado, é o objetivo dessa ativista que entende a
forma estabelecida nas instituições de saúde em relação aos
partos convencionais como uma agressão física e emocional.
Os discursos ativistas no Instagram e no Facebook,
considerando a coerência entre as causas defendidas e as
identidades das marcas promovidas, desvendam o fenômeno do
consumo do discurso ativista que não se constitui em prática
fora do contexto virtual, como os arquétipos que nos fala
Hirschman (2000) sobre consumo de discursos a partir da mídia
de massa.
Consumidores se tornam comunicadores e multiplicadores
de discursos políticos definindo o consumidor-cidadão que
busca demonstrar suas adesões e seus apoios a causas atuais por
meio do ato de consumo como disseminador de narrativas agora
visibilizadas em rede, entendendo os mesmos como difusores de
comportamento e propagadores do que chamaremos aqui de
consumo de ativismo. Buscamos investigar a cultura de
consumo de grupos com esse perfil visando entender a dinâmica
de mercado desse consumidor engajado que utiliza o consumo
de ativismo para participar de movimentos sociais.
Dessa forma, buscamos, neste estudo, investigar a existência
do consumo de ativismo que se configura, nas sociedades
capitalistas contemporâneas, basicamente, a partir de dois
aspectos:

1) Por parte das empresas: a capacidade de perceber no


zeitgeist contestatório a oportunidade para aproveitar a
predisposição do público para o consumo de bens
materiais e/ou simbólicos que vêm ao encontro desse
espírito do tempo;
2) Por parte dos consumidores-cidadãos: a busca de
pessoas dos mais variados gêneros, idades, localidades,
gostos, raças e credos por aderirem ao consumo de
produtos e serviços que sejam capazes de comunicar sua
visão político-ideológica acerca do sistema-mundo atual e
dos numerosos embates inerentes à complexidade da
sociedade de consumo no contemporâneo.

O consumo de ativismo é a adesão ao discurso ativista como


valor simbólico de interação social que não implica em prática
de ação ativista, mas que também não a exclue.
1 <http://www.fnazca.com.br/index.php/2017/04/07/skolors/>. Acesso em:
24 jul. 2018.
2 Disponível em: <https://www.metropoles.com/vida-e-
estilo/feminismo/barbie-lanca-bonecas-de-frida-kahlo-e-outros-icones-
feministas>. Acesso em: 15 abr. 2018.
3 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ela/moda/por-que-as-saias-
estao-invadindo-guarda-roupa-masculino-20766130>. Acesso em: 24 jul.
2018.
4 RSVP é a sigla da expressão francesa “répondez s’il vous plait” que, em
português, significa “responda, por favor”. É muito comum ver essa sigla em
convites para eventos como casamento, para os quais a confirmação da
presença é essencial. É usada para solicitar a confirmação, ou não, da
presença do convidado para um evento, podendo significar “avor, confirmar
presença.
5 Direitos Urbanos é um grupo aberto na rede social Facebook, cuja proposta
não é apenas debater os problemas do Recife, mas também abordar ideias e
rumos que podem ser dados à capital pernambucana. Em julho de 2018, o
grupo, no Facebook, contava com 39 mil membros. Disponível em:
<https://www.facebook.com/search/top/?q=ocupe%20estelita>. Acesso em:
25 jul. 2018.
ATIVISMO COMO OBJETO
DE MODA
O uso proeminente da moda é desenvolver senso de
identidade pessoal. Consumidores usam a moda para
representar tipos sociais específicos e formar senso de filiação ou
dissociação com a construção de identidade social por eles
idealizada (Thompson, 1994; 1996; 1997). Verifica-se aqui a ideia
de Canclini (1999) de que o consumo não deve ser visto como a
posse de objetos isolados, mas como processo de “apropriação
coletiva” servindo para enviar e receber mensagens.
A busca pela aquisição de identidade é a busca do “quem nós
somos” e requer um grande investimento de eu, ou seja, na
sociedade de consumo, as pessoas têm uma ação dupla, a de
desconstruir (ou, no caso da moda, de descosturar) o velho eu e
reconstruir a partir desses pedaços um novo eu reestruturado. As
mudanças na moda não são arbitrárias e extravagantes, como
alguns escritores sobre o vestuário alegam, mas o sinal externo e
visível de profundas alterações sociais e culturais.
Alguns analistas veem a teoria trickle-down como conflito de
classes e competição de classes por símbolos; é competição por
igualdade social entre classes. Inovadores, “líderes”, seguidores e
participantes são partes do processo coletivo que responde às
mudanças em gosto e sensibilidade (Sproles, 1985).
Segundo Lipovetsky (1989), os dois movimentos que
fundamentam a mudança na moda são imitação e diferenciação.
“O valor de uso das mercadorias é o que motiva profundamente
os consumidores; aquilo a que se visa em primeiro lugar é o
standing, a posição, a conformidade, a diferença social. Os
objetos não passam de “expoentes de classe”: significantes e
discriminantes sociais funcionam como signos de mobilidade e
de aspiração social” (Lipovetsky, 1989, p. 171).
O prestígio conferido por adoção de moda parece ser o
benefício mais evidente a ser adquirido com o produto. Segundo
Blumer (1969), a moda é usada pelo grupo de elite para demarcá-
lo dos grupos de não-elite. No contemporâneo, o que define o
pertencimento ao grupo de elite não está limitado ao poder
aquisitivo, mas outras questões como informação e consciência
sobre as consequências de seus atos de consumo parecem ser
outros demarcadores de “classes de consumidores”.
Para Simmel (1904), a moda é forma de diferenciação de
classe em sociedade de classes aberta. Os grupos de elite usam o
modo de vestir como insígnia para os distinguir dos demais.
Quando os membros de outra classe, normalmente a
imediatamente inferior, adotam esse “distintivo”, trata-se de
tentativa de se identificar com status superior. Por meio da roupa
as pessoas comunicam alguma coisa sobre elas mesmas e em
nível coletivo, esse simbólico se refere a status e estilo de vida
principalmente (Davis, 1985)
Status é aquilo que a pessoa representa de positivo na
estimativa de grupo ou de classe de pessoas. Estão incluídos aqui
as qualidades pessoais, as atividades, as posses, a posição no
grupo e outros valores que dão prestígio social. Status não é só
questão de dinheiro, basta que o indivíduo possua algo que seu
grupo de referência gostaria de ter para que esse algo se
transforme em símbolo de status (Richers, 1996).
A moda perde o seu valor à medida em que aumenta o
número de adotantes e, por isso, a necessidade de constante
lançamento de novos produtos. No outro lado dessa questão, a
moda pode ser produzida mediante os hábitos de vestir dos
grupos sociais pertencentes às classes mais baixas da hierarquia
social. A chamada moda de rua, antes de ser adotada pelas
pessoas da classe média, deverá ser legitimada pela classe alta,
que incorpora o novo estilo aos seus hábitos de vestir (Solomon,
1996).
Grupos subculturais ou subculturas (adolescentes, negros,
etc.) emergem como líderes de moda. Essa liderança está
relacionada à capacidade de inventar, criar novos estilos (punks,
new wave). Mas só pode ser encarado como líder quando sua
influência atinge o mercado de massa (Sproles, 1985).
A trickle-across theory enfatiza que a velocidade de adoção
de nova tendência de moda varia entre grupos pertencentes ao
mesmo extrato social. Nesse caso, o líder de opinião de grupo de
pares torna-se importante; o movimento de adoção pode até
sugerir lógica geográfica. Consumidores tendem a ser mais
influenciados pela opinião de líderes que são seus similares
(Solomon, 1996). Atualizando para o contemporâneo, os
influenciadores digitais são esses pares que atendem uma lógica
geográfica virtual porque todos estão no mesmo lugar: a
noosfera, ou seja, a rede. Estamos todos morando no mesmo
lugar (Levy, 2001). Cada grupo social possui os seus próprios
inovadores de moda, que lhe determinam as tendências. Blumer
(1969) lembra bem que “nem todas as pessoas importantes são
inovadoras – e inovadores não necessariamente são pessoas de
alto prestígio” (1969, p. 281). A moda assim implica imposição do
grupo e depende de sentimento especial de aprovação coletiva
(Souza, 1987).
Tal necessidade de se ajustar pode ser explicada pelo
comprometimento do indivíduo com a identidade social, que
determina o poder dessa identidade para influenciar o seu
comportamento. Identidades que são centrais para o eu têm
grande probabilidade de ser evocadas como guias para o
comportamento apropriado. A função do processo de
socialização é educar o indivíduo para se comportar
apropriadamente em cada nova situação. A noção de que muitos
produtos possuem características simbólicas e o seu consumo
depende mais do seu significado social do que da sua utilidade
funcional vem sendo apresentada nas pesquisas de consumo,
por essa premissa básica: as qualidades simbólicas dos produtos
têm frequentemente determinado a avaliação e a adoção desses
produtos com base na ideia de que produtos reforçam
identidades (Solomon, 1983; 1996).
Em suma, o consumidor não é orientado apenas pelo aspecto
funcional; o seu comportamento é significativamente afetado
pelos símbolos encontrados na identificação dos produtos. Os
produtos que as pessoas compram são vistos, por elas e pelos
outros, com significados pessoais e sociais adicionados à
funcionalidade (Engel et al., 1991). “Pessoas compram coisas não
somente pelo que estas coisas podem fazer, mas também pelo
que elas significam” (Levy, 1959, p. 118).
Como vimos anteriormente, os movimentos de
adoção/difusão da moda são entendidos a partir da constatação
que o indivíduo possui tendência psicológica à imitação, esta
proporciona a satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao
imitar, ele não só transfere a atividade criativa, mas também a
responsabilidade sobre a ação dele para o outro. A necessidade
de imitação vem da necessidade de similaridade.
A partir da compreensão da comunicação e qual é o seu papel
no processo de consumo/adoção na rotina diária das pessoas,
podemos começar a pensar na atualização dessa estrutura de
pensamento contextualizando-o nas atuais formas de
comunicação, chamadas mídias sociais. Sendo assim, vamos
definir comunicação, segundo Damhorst et al (2000), como
processo interativo entre duas ou mais pessoas. Processo que
envolve o envio de mensagem para pelo menos um receptor e,
para que o ato de comunicação seja completo, o receptor deve
enviar o feedback (retorno) para o emissor; processo dinâmico
no qual significados compartilhados são negociados e criados
para o entendimento comum. Entre o emissor e o receptor deve
haver um nível mínimo de concordância sobre os significados do
vestir para que ocorra a interação.
O compartilhamento de significados é condição sem a qual o
indivíduo não se ajusta à sociedade. O indivíduo para se sentir
confortável em um grupo deve compartilhar dos seus
significados, da sua língua, das suas roupas e dos seus hábitos:
para estar ajustado é necessário que não haja discordância entre
o simbólico e as significações socialmente admitidas.
Diferentemente dos meios de comunicação de massa, as
mídias sociais constituem canais de relacionamento na internet
nos quais existem diferentes oportunidades de interação e
participação entre os usuários com a possibilidade de via dupla,
bem como do receptor atuar como consumidor/produtor de
informação. A ideia do emissor/receptor nas mídias sociais se
fragmenta em “n” possibilidades, o que faz necessário se
repensar o modelo clássico de entendimento da adoção de
moda.
Do modelo clássico na sociedade verticalizada:
Modelo trickle-down – a adoção acontece a partir de modelos
midiáticos e/ou do topo da pirâmide da moda como marcas de
luxo e estilistas renomados.
Modelo trickle-across – a adoção acontece entre pares do
grupo de convívio, no qual uma pessoa do grupo é reconhecida
como especialista naquela categoria de consumo.
Modelo trickle-up – a adoção acontece a partir da legitimação
pelas grandes marcas de uma manifestação estética da rua, das
pessoas comuns no seu cotidiano.
Para o modelo de adoção de moda própria da sociedade em
rede, que vamos nomear como trickle-diagonal, apresentamos o
entendimento de sua dinâmica em estágios de difusão que
acontecem em etapas sucessivas de transformação em grande
velocidade, chegando a parecer que acontecem
simultaneamente:
Estágio down – lançar/reforçar uma inovação por estar sendo
legitimidado pelo sistema de moda. Caso de ser apadrinhado por
marcas, estilistas, celebridades e mídias tradicionais. Quanto
mais geral o assunto e maior o número de seguidores, menor a
ilusão de intimidade e maior a percepção de celebridade.
Características: seguidores em número massivo, legitimação
pelas grandes marcas e pela mídia tradicional.
Estágio across – lançar/reforçar uma inovação por projeção
em personalidade que não é celebridade, mas é reconhecida
pelo grupo de convívio como representante do mesmo. Quanto
mais específico o assunto e restritos o público e o alcance, maior
a ilusão de intimidade com o blogueiro. Características:
seguidores em número significativo e começa a legitimação pelo
sistema mas ainda não chegou na mídia tradicional.
Estágio up – lançar/reforçar uma inovação própria depende
da legitimação dos seguidores, mas que pode chamar atenção e
ser legitimada posteriormente pela mídia
especializada/celebridades/grandes marcas. Características:
poucos seguidores, sem legitamação do sistema.
A blogueira Boca Rosa começou com um público específico
que se identificou com seu discurso de garota comum que
precisava driblar as dificuldades de acesso aos produtos por
limitações financeiras e ensinou às suas seguidoras-amigas
truques de maquiagem que obtêm os mesmos resultados de
marcas renomadas. Em etapas sucessivas e pela legitimação por
outros contextos, como uma peça teatral autobiográfica,
estrelada pela própria blogueira, acontece a transcendência de
garota comum para celebridade a partir do contágio com as
mesmas marcas que antes ela ensinava as amigas-seguidoras a
burlar (Nascimento; Ribeiro; Campos, 2016).
O consumo como vocabulário simbólico é mais do que uma
prática individual, mas uma fonte rica para a ação social e
interpretações compartilhadas ou compartilhar de
interpretações, o que é ainda mais significativo no universo dos
blogueiros de moda.
Os fatores individuais e sociais nos níveis macro e micro
ajudam na formação das escolhas para o vestuário. As pessoas
olham para os outros à sua volta, para o que a indústria de moda
oferece e para as questões culturais e tendências esperando que
estas as ajudem a decidir o que vestir ou não. Moda e vestuário
são culturais no sentido de que são algumas das maneiras pelas
quais grupos constroem e comunicam sua identidade. O sistema
de moda demanda interação social. Tanto indivíduos inovadores
como os conformados são necessários para a difusão da moda.
Os profissionais de marketing e os designers de moda sozinhos
não conseguem fazer com que as tendências aconteçam sem a
aceitação e a adoção dos estilos por parte dos consumidores, ou
seja, o ambiente virtual possibilitou ao consumidor final passar a
ser um difusor de moda com maior credibilidade perante
“pessoas como eu” (Souza, 2013).
Tal processo de busca da identidade dentro do contexto
social que indica a necessidade de consumo da moda não é de
todo maléfico. De certa forma, a moda cumpre o papel de
compreensão do próprio eu, e é instrumento de prazer, culto da
fantasia e da novidade: simplesmente é divertido estar na moda.
“A moda é um discurso livre e um dos privilégios, se não um dos
prazeres, de um mundo livre” (Lurie, 1981, p. 50).
A lógica é a diferença individual e a inovação estética, ou
promoção da identidade pessoal e legitimação da expressão
individual. Ou seja, diferenciar para singularizar, ao mesmo
tempo que não se rompe com os padrões da sociedade. Esta
parece ser a interpretação de Lipovetsky (1989, p. 39), quando ele
diz: “Mas a moda não foi somente um palco de apreciação do
espetáculo dos outros; desencadeou, ao mesmo tempo, um
investimento de si, uma auto-observação estética sem nenhum
precedente. A moda tem ligação com o prazer de ver, mas
também com o prazer de ser visto, de exibir-se ao olhar do outro
[...] As variações incessantes da moda e o código da elegância
convidam ao estudo de si mesmo, à adaptação a si das
novidades, às preocupações com o próprio traje”.
Sociólogos veem a moda como forma de comportamento
coletivo, ou onda de conformidade social (Blumer, 1969). Nesse
momento, entra o conceito de conformidade que “refere-se à
mudança nas crenças ou ações como reação à pressão real ou
imaginária do grupo” (Solomon, 1996). São essas normas que
regem o uso apropriado de roupas, entre outros itens pessoais, e
o comportamento generalizado de consumo.
Por outro lado, não devemos esquecer que a conformidade
do indivíduo à moda se dá, fundamentalmente, pelo desejo de
assemelhar-se àqueles que são considerados superiores, àqueles
que brilham pelo seu prestígio e pela sua posição.
Essa perspectiva social coloca que a moda se impõe, “é a
pressão, sobre esses gostos pessoais, de um consenso coletivo”
(Freyre, 1987, p. 18). Existe a possibilidade de consenso entre o
gosto individual e a pressão do coletivo, mas as divergências
existem e funcionam como propulsor da mudança na moda.
Essa imposição do geral sobre o particular fica como base para
que a moda se estabeleça. A pressão se realiza pelo indivíduo
acreditar que “estar fora de moda” é “condenação social à sua
posição na sociedade ou na cultura de que participe” (Freyre,
1987, p. 19). Sapir (apud Freyre, 1987) coloca que a preferência
individual tende a capitular ao enfrentar a imposição geral.
Blumer (1969) contribuiu para a análise da moda com seis
condições essenciais para que haja moda:
Primeira: a área na qual a moda opera deve estar envolvida
em movimento de mudança, com pessoas prontas para revisar
ou descartar velhas práticas, crenças e afinidades e adotar novas
formas sociais.
Segunda: a área deve estar aberta para a apresentação de
modelos ou propostas de novas formas sociais.
Terceira: deve haver oportunidade para exercer a liberdade de
escolha entre os modelos.
Quarta: a moda não é guiada por considerações utilitárias ou
racionais. Quando a escolha entre modelos rivais é feita com
bases objetivas e teste efetivo, esse não é o lugar da moda.
Quinta: presença de figuras de prestígio que compartilhem de
um ou outro modelo.
Sexta: a área deve estar aberta para emergir novos interesses e
disposições em resposta ao impacto de eventos externos, a
introdução de novos participantes na área e mudanças na
própria interação social.
Em satisfeitas essas condições, existe a possibilidade para que
a moda surja e esta se reporta à combinação particular de
atributos: “estar na moda” significa que essa combinação é
correntemente avaliada em termos de aprovação por algum
grupo de referência (Solomon, 1996); então, moda é forma de
comportamento temporariamente adotada por alguma
proporção perceptível de membros do grupo social, porque essa
mudança de comportamento é percebida como sendo
apropriada socialmente para o tempo e a situação (Sproles,
1981).
Moda é campo de consumo simbólico no qual a
comunicação é intencional, especialmente quando a proposta é
persuadir; comunicação é transação, negociação em que
mensagens são trocadas baseadas na motivação de todos os
participantes na expectativa de resposta mútua; comunicação é
simbólica: os símbolos são criados e usados para focar, por meio
dos objetos ou pessoas representados por esses símbolos, os seus
significados. “Toda comunicação tem lugar através de símbolos”
(Engel et al., 1991, p. 64).
A publicidade foi descoberta pela moda como meio de
difusão, possibilitando ao sistema da moda criar novos estilos de
roupas e associá-los aos princípios e às categorias culturalmente
estabelecidos e disseminá-los, fazendo assim o movimento do
significado do mundo/moda para o vestuário (Barthes, 1979).
A publicidade tem por tarefa divulgar as características desse
ou daquele produto e promover-lhe a venda: pode ser encarada,
ao mesmo tempo, como artifício de consumo e manifestação de
certa cultura. Em verdade, a demonstração do produto não guia
o movimento do consumidor pela adoção do objeto de consumo
apresentado; ela serve para racionalizar a compra que, de
qualquer maneira, precede ou ultrapassa os motivos racionais.
“Qualquer objeto será considerado mau enquanto não resolver
esta culpabilidade de não saber o que quero ou o que sou”
(Baudrillard, 1973, p. 180).
Associar o objeto enquanto não-humano que tem poder de
agência sobre o humano e vice-versa, dentro do contexto da
moda enquanto locus no qual existe a preponderância dessa
situação, apresenta a moda não apenas como contexto e
sinônimo de vestuário, como acontece no senso comum, mas
como teoria que explica o compartilhar de um comportamento.
Davis, Flugel, Kaiser, Solomon e Sproles podem justificar a moda
não só como contexto de estudo, mas como teoria da moda que
explica esse fenômeno.
Miranda, Domingues e Souza (2018) identificam os valores de
autodeterminação e filantropia como sendo os valores culturais
que regem o consumo minimalista de moda, inserido em um
contexto maior de consumo consciente crescente na atualidade,
ou seja, o consumo ativista. Nesse contexto, consumidores
exercitam o consumo como ato político e de exercício da
cidadania e se preocupam em buscar saber como a roupa foi
produzida, que materiais utilizou e como foram obtidos, que
impactos provocou na sociedade e no meio ambiente, optando,
muitas vezes, por peças que tenham uma maior vida útil e
estejam de acordo com aspectos legais e éticos atuais, conforme
vimos sendo propagado pelo Movimento Fashion Revolution,
cujo manifesto é amplamente adotado pelos consumidores que
compartilham desse significado como simbólico de
pertencimento, construção de sua identidade e moeda social,
como vemos ao longo deste estudo.
A partir dessas reflexões, fica evidente que o que entra e sai de
moda não é o objeto, mas o discurso que esse objeto emite para
os grupos. O minimalismo é um discurso do consumo ativista,
bem como tantos outros – veganismo, feminismo, libertação
animal –, que passam pela lógica da moda, na qual o desejo de
pertencimento, de aceitação e de conformidade está na escolha
de qual texto o consumidor-cidadão vai escolher para a
performance da vida cotidiana.
MOEDA SOCIAL, MÍDIAS
SOCIAIS E NETATIVISMO
O ativismo presencial do século XX confrontou o discurso
liberal universalista promovendo um contradiscurso calcado em
fatos históricos e acarretando importantes transformações
sociais. A segunda metade do século XX correspondeu ao
terceiro ciclo de afirmação dos direitos humanos, expresso na
revolta e no inconformismo advindos da percepção de que “o
caráter universal contido na tradição dos direitos humanos não
havia ainda se concretizado de fato” (Mondaini, 2008, p. 141).
Nessa conjuntura, a primeira década do século XXI acolheu a
transformação da internet como palco de inúmeras
manifestações ativistas, com uma capacidade de mobilização
dos cidadãos do mundo inteiro, exponencialmente muito maior
do que antes. A cibermilitância se configurou a partir de
comunidades ligadas em rede em torno de causas relacionadas
tanto aos direitos humanos quanto aos direitos dos animais e até
mesmo do meio ambiente, com a chamada ecomilitância. Como
circulam livremente na rede, essas ideias e opiniões “passam a
disputar a hegemonia, buscando a maior propagação possível
para adquirir um status de reconhecimento pelo maior número
possível de pessoas” (Felice, 2008, p. 28).
As tecnologias digitais possibilitaram que o consumidor
também seja produtor de toda sorte de conteúdos audiovisuais,
captando e editando imagens e sons, criando e cocriando
mensagens, postando suas ideias, opiniões e produções na rede
mundial de computadores com muita facilidade, com baixo ou
nenhum custo. A figura do prossumidor, conforme vimos no
quarto capítulo, reconfigurou o universo da comunicação e do
marketing, transformando a relação de forças existente até então
entre aqueles que detinham os meios de comunicação e aqueles
que apenas consumiam as mensagens por meio dos meios
massivos (Domingues, 2013).
Dentro dessa perspectiva, observamos o sistema-mundo
capitalista globalizado constituído por corporações
transnacionais que ambicionam o crescimento de seus lucros,
entre outros aspectos, pela expansão dos mercados
consumidores. Para isso, as grandes marcas globais investem
cifras vultosas em publicidade para se tornarem desejadas por
um público cada vez maior no mundo inteiro. O consumerismo
político surgiu, nesse contexto, como uma forma de ação política
que atinge o sistema capitalista no seu ponto vital: o lucro. Como
discutido no terceiro capítulo, a partir do boicote a determinadas
empresas e marcas – o buycott – os consumidores se posicionam
a favor ou contra as ações dessas corporações em um exercício
de cidadania que se dá na esfera do próprio consumo.
Por mais que exista uma grande força transformadora na
atitude dos prosumers, fazendo circular seus discursos ativistas
pela internet, dentro de um contexto de consumerismo político,
essa força não se mostra suficiente para modificar
profundamente o sistema-mundo capitalista. Conforme nos
mostrou Wallerstein, no primeiro capítulo, há uma
transformação do sistema em curso, mas ainda não podemos
afirmar o que está acontecendo e que rumos iremos tomar nos
próximos 20 ou 30 anos. O discurso cibermilitante, entretanto,
consegue incomodar as corporações hegemônicas e, às vezes,
modificar algumas de suas condutas por atingir suas marcas,
maculando a imagem que seus públicos de interesse têm delas,
como percebemos com os casos, aqui, neste estudo, da
Benetton, por meio das mensagens postadas no Twitter, e da
Skol, a partir da disseminação da postagem contradiscursiva
postada no Facebook.
Em 2013, Domingues afirmou, no livro Terrorismo de Marca -
cuja temática visa a compreender – que “como uma espécie de
arquiinimigos, o discurso publicitário e o discurso ativista lutam,
politicamente, pelos poderes e saberes ligados à manutenção do
status quo neoliberal global ou à sua crítica. A ordem do discurso
publicitário, portanto, exclui os aspectos destacados pelo
discurso ativista, procurando manter na sua exterioridade as
facetas menos louváveis das empresas em relação a questões
morais, sociais e éticas”.
A afirmação feita pela autora continua válida se pensarmos
que, efetivamente, nunca interessará a nenhuma empresa
mostrar suas fragilidades a seus consumidores, pois isto
implicaria perder clientes e, por consequência, receita e
lucratividade. Mas é interessante pensar também que essa
sentença não é mais totalmente verdadeira, visto que o discurso
publicitário, na atualidade, não se coloca mais como
arquiinimigo do discurso ativista, conforme podemos constatar
no percurso traçado por esta pesquisa até aqui. Pelo contrário.
No fim da segunda década do século XXI, o discurso publicitário
quer se parecer cada vez mais com o discurso ativista, conforme
podemos perceber, de acordo com o planejamento estratégico
de algumas empresas, como a Benetton e a Ambev e sua marca
de cerveja Skol. Podemos dizer que o discurso publicitário de
algumas empresas gostaria até mesmo de deixar de ser
percebido como um discurso publicitário e passar a ser recebido
como um discurso genuinamente ativista, o que vem
provocando discussões dentro do próprio campo publicitário.
A publicitária Ana Cortat expressou, em artigo publicado na
revista Meio & Mensagem, sua preocupação com essa pretensa
imbricação do consumo com o ativismo. “Não tenho nenhuma
dúvida. Termos incorporado a discussão sobre propósito, além
de visão e missão; pessoas, no lugar de consumidores; e atos, no
lugar de discursos, é uma das mudanças que mais impactaram o
marketing e a comunicação nos últimos dez anos. Não estou
dizendo isso apenas pela visível transformação da manifestação
das marcas pela publicidade. Essa é apenas uma dimensão. Uma
dimensão que muitas vezes tem sido tratada, equivocadamente,
como se fosse a única.
Nos últimos meses, não faltaram posts, artigos e discussões
sobre a publicidade estar ou não surfando uma onda, sendo ou
não oportunista, se apropriando indevidamente de causas, se
transformando em palanque ativista sem legitimidade,
assumindo discursos de transformação sem compromissos
estruturais — aqueles fundamentais, relacionados a cultura
interna, compliance, produtos, cadeia produtiva, velocidade e
impacto da inovação.
Tudo bem. Podemos até querer acreditar que existe um jeito
simples e rápido de resolver tudo isso. Podemos criar listas
generalizando o que é preciso ser feito para que as marcas tirem
nota máxima em comportamento, podemos cobrar coerência,
sugerir que as campanhas sejam acompanhadas de uma ou
outra iniciativa que atribua credibilidade à mensagem. Talvez
tudo isso precise mesmo ser feito. Mas hoje eu resolvi oferecer
outra perspectiva.
Por um momento, lembre-se que tudo o que fazemos todos
os dias é sobre reforçar, influenciar, legitimar, transformar
comportamentos sem colocar em risco a sobrevivência do
negócio, ou seja, o lucro. Agora pense comigo: governos, ONGs,
mídia e negócios. Quatro instituições que já ocuparam lugares
muito diferentes uns dos outros e que talvez, como
independentes, nunca tenham estado tão próximas — o que até
poderia ser considerado positivo se não estivesse ocorrendo em
um momento que todas elas se encontram amplamente
enfraquecidas. Por mais um momento, esqueça o top of mind, o
quanto a marca para a qual você trabalha foi compartilhada na
última semana, a quantidade de comentários na sua timeline, o
Glass Lion, o D&AD Impact. Esqueça se você concorda ou não
com o artigo do The Guardian sobre Fearless Girl e pense se você
realmente já aceitou que ao criar campanhas que transformam
comportamentos de consumo você está interferindo no
comportamento social. Essa consciência vale muito se aplicada
no dia a dia e se, junto dela, vier a consciência de que não existe
transformação sem confiança.
Este ano, o The Edelman Trust Barometer, survey on-line
gobal realizado em 13 países, incluindo o Brasil, revelou que a
confiança está em crise no mundo todo em relação a todas as
instituições, incluindo os negócios. Algo que nunca foi
observado desde que o estudo começou em 2012. 53% dos
pesquisados acreditam que o sistema atual falhou com eles, é
injusto e oferece poucas esperanças para o futuro.
Isto significa que as pessoas, nesse momento, estão se
perguntando: “quem está por mim?”. Esse não é um sentimento
qualquer. O que está alimentando esse processo? Segundo o
estudo, o medo da corrupção, da imigração, da globalização, da
erosão dos valores sociais, do ritmo da inovação.
Quando a combinação entre a falta de fé no sistema e medos
profundos encontra nossa busca por estabilidade e segurança, a
consequência pode ser o reforço de crenças pessoais conhecidas,
o que provoca um aumento de resistência às mensagens que
oferecem uma oposição ao que se acredita correto, provocando o
fortalecimento de valores tradicionais e o conservadorismo. O
estudo realizado pela Edelman revela que as pessoas estão
quatro vezes mais propensas a ignorar informações que
suportam uma posição na qual não acreditam, isso afeta nosso
papel central de promover transformações de qualquer natureza.
Tudo o que já começamos faz muita diferença. Crescemos
muito ao colocar as pessoas no centro e ao nos reconectarmos
com os contextos culturais e sociais, mas isso não é apenas sobre
publicidade. A publicidade não é apenas sobre publicidade
como também não é sobre causas e não faz o suficiente por elas
ao tratá-las como simples recurso criativo, principalmente
quando o público-alvo são pessoas que não sabem mais em
quem confiar.
A relação das marcas com a sociedade vem ganhando uma
nova dimensão na última década. Diferente da antiga ideia de
que a busca pelo melhor resultado para os acionistas é uma
missão e um fim em si mesmo, a ideia de que é possível construir
lucro enquanto construímos saúde para a sociedade já está
sendo colocada em prática em grandes corporações. Mas
precisamos continuar nos esforçando e aprendendo a equilibrar
propósito e negócios. De nossas diferentes perspectivas, temos
um papel agora. Melhor, cada um de nós, definir qual é o seu.”
(Cortat, 2017).1
É exatamente esse borramento de papéis entre marcas e
ativistas, entre consumidores e cidadãos, entre linguagem
publicitária e linguagem-manifesto, entre ruas e redes, entre
propósitos genuínos e interesses velados, que buscamos discutir
neste trabalho. Ao fazermos o percurso de escrita deste livro,
deparamo-nos com a complexidade do tema, com a facilidade
de cairmos em análises maniqueístas e simplistas, em pontos de
vistas diversos, em várias maneiras de tentarmos montar esse
quebra-cabeça. As empresas do sistema-mundo capitalista
visam ao lucro e somente ao lucro? Sim. Mas esse lucro virá
mediante a exploração extrema de tudo e de todos? Talvez não
mais. Há uma consciência crescente tanto por parte dos
consumidores e cidadãos quanto das empresas de que estamos
vivendo um turning point no sistema-mundo capitalista como
conhecemos até agora? Provavelmente.
Há, com a sociedade em rede, evidentemente, uma mudança
na relação de forças entre os consumidores e cidadãos e as
empresas. Tanto há que o próprio campo publicitário se vê
atônito e em xeque com essas novas dinâmicas. Não foi ensinado
nas escolas de administração de marketing e de publicidade
como posicionar as marcas dentro desse mundo em profunda
ebulição e transformação, um mundo complexo e desafiador. Há
uma discussão relativamente recente, no mercado, sobre todo
esse estado de coisas, e alertas sobre como proceder para evitar
tais situações e reagir caso elas aconteçam. Mas os erros
continuam acontecendo e são muitos, não somente no Brasil
como em outros países do sistema-mundo nos seus diversos
recortes: centro, periferia e semiperiferia.
Em março de 2018, foi publicada pela BBC News e
republicada pelo portal G1, no Brasil, uma matéria com nove
cases em que, supostamente, a publicidade falhou ao dialogar
com o público feminino e provocou reações de netativismo.
Foram tentativas de trabalhar com a chamada femvertising:
publicidade feita especialmente para mulheres com viés
feminista. Mas o tiro saiu pela culatra e as marcas que buscaram
esse recurso foram percebidas mais como oportunistas do que
como oportunas pelo público. Entre elas, estão marcas bastante
conhecidas do público brasileiro como Johnny Walker, Dove,
Toyota, Bic e ela mesma, a Skol, com uma menção ao case
Esqueci o Não, discutido amplamente neste livro.2 “O
crescimento do movimento feminista nas últimas décadas não
passou despercebido pela indústria da publicidade: nos últimos
25 anos, os marqueteiros aperfeiçoaram o conceito de
“femvertising” – palavra formada pela junção de dois termos em
inglês: “feminist” (feminista) e “advertising” (propaganda). Trata-
se, na prática, de usar a retórica do movimento que defende a
igualdade de direitos entre homens e mulheres para vender
produtos ou serviços.”3 O viés crítico desse texto já aponta para
essa desconfiança de que, de fato, a publicidade possa defender
causas genuinamente, como mencionou Ana Cortat,
“publicidade não é sobre causas”4. Outra definição dada para o
termo femvertising pode ser a “propaganda que usa pessoas,
mensagens e imagens ligadas ao movimento pró-mulheres para
promover o protagonismo de mulheres e garotas”.5
Uma das marcas de material para escritório mais famosas do
mundo, a BIC, foi alvo de protestos em 2012, quando lançou uma
linha de canetas que se diziam “confortáveis” para mulheres.
Elas estavam disponíveis nas cores rosa e roxa (maior reforço de
estereótipos impossível). Pensadas exclusivamente para o
público feminino, foram apresentadas pela publicidade como
tendo uma “silhueta elegante e detalhes pensados para dar mais
estilo”. As canetas “teriam uma pegada suave para garantir o
conforto ao longo de todo o dia.”
Depois das críticas, a companhia procurou a comediante e
apresentadora de TV conhecida mundialmente Ellen DeGeneres
para atuar como sua porta-voz. O que aconteceu? Ellen não
somente recusou a proposta como caçoou da BIC, referindo-se
de forma sarcástica ao produto em seu programa de TV com um
vídeo com forte dose de terrorismo de marca. “Travestida de mãe
de uma adolescente, a apresentadora tem uma conversa meio
surreal com a menina: ‘A caneta é tão simples de usar que
mesmo uma mulher vai saber’, diz ela. ‘Você pode fazer a lista do
supermercado com a caneta, ou anotar receitas para quando
você tiver de alimentar o seu homem.’ Se quiser anotar uma
opinião, aconselha ela, também pode. ‘É só amassar o papel
depois e jogar fora, já que ninguém está interessado na sua
opinião’.”6 O vídeo fez enorme sucesso e viralizou
exponencialmente, expondo a BIC como uma marca que
imbeciliza as mulheres e, por isso, merece todo o sarcasmo e a
repulsa ofertados a ela e compartilhados para e por audiências
do mundo inteiro.
Não bastasse essa pisada de bola junto ao público feminino e
à sociedade como um todo, em 2015, a empresa se envolveu em
outra polêmica ao lançar uma campanha para o Dia
Internacional das Mulheres na África do Sul. “A peça incentivava
mulheres a ter ‘a aparência de uma garota, agir como uma dama
e pensar como um homem”. Além de utilizar uma abordagem
inadequada como na campanha de 2012, essa trazia um
agravante: era um publicação em celebração ao Dia
Internacional da Mulher e estimulava o público a compartilhar a
mensagem percebida como inadequada pelo do uso da hashtag
#FelizDiaDaMulher. A foto foi deletada após uma onda de
críticas, mas continuou sendo replicada nas mídias sociais. A
ativista feminista Caroline Criado-Perez foi uma das pessoas que
mostraram sua indignação com a abordagem utilizada pela
marca no Twitter. “O que é isto? Sério? ‘pense como um
homem’... *furando os olhos com uma caneta Bic*”.7
Como a marca foi alvo de críticas, mais uma vez, e optou por
retirar a linha “para mulheres” do site em inglês da BIC e da
sessão do site voltada para o Brasil. “As canetas “femininas”
ainda podem ser encontradas na loja online da Amazon, onde
recebem grande quantidade de avaliações positivas e/ou
irônicas”.8
A campanha da BIC na África do Sul e as reações provocadas
por ela chamam a atenção pelo fato de a marca ter errado na sua
abordagem, mas, principalmente por ter agido como uma marca
flawsome, ou seja, uma marca que reconhece seus erros, pede
desculpas em público e busca renovar sua confiança perante a
sociedade e os seus consumidores e consumidoras. De acordo
com os site de tendências Trendwatching.com, no seu dossiê
sobre o tema, os consumidores não esperam que as marcas
sejam completamente sem falhas. Com a comunicação em rede,
no modelo todos-todos, não somente as marcas falam com os
consumidores, como no modelo broadcast da comunicação de
massa. As marcas falam com os consumidores, os consumidores
falam com as marcas, os consumidores falam com os
consumidores, as marcas falam com as marcas, que por sua vez
falam com ONGs, as quais falam com os ativsitas, que falam com
os consumidores que falam com as marcas e assim,
sucessivamente, em um infinito dialógico que passou a exigir
uma maior flexibilidade das marcas para aceitar quando errarem
sem arrogância ou prepotência, sabendo que o mais indicado é
acatarem seus erros e se desculparem perante seus públicos.
Em inglês, flawsome é um termo que combina as palavras
“flaw” e “awesome”, respectivamente, na língua portuguesa,
“defeito” e “fantástico”. De fato, consumidores abraçarão com
muito mais facilidade, no complexo mundo atual, marcas assim:
geniais, apesar de suas falhas. Mesmo com falhas (e elas são
sinceras sobre isso), elas podem ser fantásticas. “Quando
tratamos de marcas flawsome, estamos falando de marcas que
mostram alguma empatia, generosidade, humildade,
flexibilidade, maturidade, humor e (ousamos dizer) algum
caráter e humanidade.”9
Há dois vetores chaves que alimentam a tendência flawsome:
1) Human brands (marcas humanas): a humanização das
marcas, ou seja, a capacidade das marcas de serem mais
flexíveis, sabendo ganhar, sabendo perder, sabendo quando se
gabar, mas também quando devem ser humildes e até mesmo
quando desculpar com os outros, sejam consumidores,
concorrentes ou quaisquer outros atores sociais. “Sabemos que
muitas coisas, inclusive o atual desdém geral com relação ao
mundo corporativo e a influência da cultura on-line (com sua
honestidade brutal e natureza imediatista), estão afastando os
consumidores de marcas chatas e insossas e levando-os na
direção de marcas que têm personalidade.”10
2) Transparency triumph (o triunfo da transparência): os
consumidores estão se beneficiando de uma transparência
quase total e brutal (e assim estão descobrindo os defeitos das
marcas de qualquer jeito), graças à enorme quantidade de
avaliações de usuários, vazamentos de informações e índices de
satisfação disponíveis na web. Em uma sociedade dialógica,
amplamente conectada, com consumidores e cidadãos com um
poder jamais visto, munidos com gadgets potentes, só resta às
marcas descer do salto e pedir desculpas quando necessário.
Esse foi o caso do Facebook. Ao ser convocado para depor no
Tribunal da União Europeia sobre o vazamento dos dados
pessoais de milhões de usuários da rede, o criador e símbolo de
uma das mais importantes redes sociais digitais do mundo só
teve uma alternativa: pedir desculpas. “Foi um erro meu, e eu
sinto muito, eu comecei o Facebook, eu o controlo e sou
responsável pelo que acontece aqui.”11
Marcas flawsome são aquelas que levam em conta a
recomendação de Roberts, conforme vimos no quarto capítulo,
quando o autor fala sobre o que faz uma lovemark e destaca que
somente o respeito é capaz de construir pontes para o amor.
Marcas flawsome não se sentem envergonhadas ou menores
porque sabem pedir desculpas. Pelo contrário, mostram-se mais
preparadas para desempenhar suas funções no complexo
mundo atual e demonstram ter um conhecimento maior sobre
como funciona a sociedade de consumo multicanal, digital e
global, na qual a visibilidade exponencial se tornou uma moeda
significativa.
Berger (2014) aponta a moeda social como um dos fatores
que mais potencializam a viralização de conteúdos nas mídias
sociais. “Tendemos a compartilhar coisas que nos fazem parecer
mais divertidos, espertos e bacanas. Ou seja, precisamos oferecer
às pessoas conteúdos compartilháveis que desencadeiem
notabilidade interna”12. O que falamos e, por conseguinte, o que
postamos nas nossas mídias digitais influencia o modo como os
outros nos veem, funciona como uma moeda social, capaz de
nos tornar mais ou menos valorizados aos olhos das outras
pessoas. Ao se mostrarem ativistas, apoiadores de causas,
atentos às injustiças e baluartes da mobilização em prol dos mais
fracos e injustiçados, os internautas se valorizam perante os
olhos dos seus 3Fs: fãs, amigos e seguidores. As postagens e os
compartilhamentos de caráter panfletário em prol dos temas em
evidência hoje, na sociedade digital e global, como o feminismo,
o racismo, os direitos humanos, ambientais e dos animais se
tornaram uma moeda social disputada e valorizam aqueles que
fazem uso dela como a própria apresentadora Ellen DeGeneres
fez. A apresentadora poderia ter se recusado a fazer a campanha
para a BIC e não ter se manifestado a respeito do equívoco da
marca, mas optou por se valorizar em cima do erro da
apresentação criando e propagando um conteúdo de caráter
ativista em linguagem humorista.
As fronteiras entre consumo e ativismo se encontram
borradas porque não é mais possível empresas se manterem de
um lado e ativistas se manterem do outro. Sabemos também que
é impossível que estejam, como diz a comédia, juntos e
misturados. Mas é fato que as polarizações claras e evidentes que
se colocavam aos olhos de todos há duas ou mais décadas estão
exigindo uma maior capacidade de análise e de negociação por
parte de todos.
1 Disponível em:
<http://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2017/07/11/publicida
de-nao-e-sobre-causa.html>. Acesso em: 23 jul. 2018.
2 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-
marketing/noticia/9-vezes-em-que-a-publicidade-falhou-em-entender-as-
mulheres-em-pleno-seculo-21.ghtml>. Acesso em: 22 jul. 2018.
3 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-
marketing/noticia/9-vezes-em-que-a-publicidade-falhou-em-entender-as-
mulheres-em-pleno-seculo-21.ghtml>. Acesso em: 22 jul. 2018.
4 Disponível em: <http://www.meioemensagem.
com.br/home/opiniao/2017/07/11/ publicidade-nao-e-sobre-causa.html >.
Acesso em: 23 jul. 2018.
5 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-
marketing/noticia/9-vezes-em-que-a-publicidade-falhou-em-entender-as-
mulheres-em-pleno-seculo-21.ghtml>. Acesso em: 22 jul. 2018.
6 Disponível em: <https://igay.ig.com.br/2013-09-17/ellen-degeneres-tira-
sarro-de-lancamento-uma-caneta-bic-para-mulheres.html>. Acesso em: 23
jul. 2018.
7 Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2015/08/12/este-
anuncio-da-bic-e-o-jeito-errado-de-comemorar-o-dia-
nacional_a_21692576/>. Acesso em: 24 jul. 2018.
8 Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/midia-e-
marketing/noticia/9-vezes-em-que-a-publicidade-falhou-em-entender-as-
mulheres-em-pleno-seculo-21.ghtml>. Acesso em: 23 jul. 2018.
9 Disponível em <http://trendwatching.com/pt/trends/flawsome/>. Acesso
em: 24 jul. 2018.
10 Disponível em <http://trendwatching.com/pt/trends/flawsome/>. Acesso
em: 24 jul. 2018.
11 Disponível em:
<https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/04/10/mark-
zuckerberg-depoimento-ao-congresso-dos-eua.htm>. Acesso em: 24 jul. 2018.
12 Disponível em: <https://marketingdeconteudo.com/jonah-berger/>.
Acesso em: 15 abr. 2018.
CONSUMIDOR ATIVISTA
X
CONSUMIDOR DE
ATIVISMO
A partir do entendimento de que vivemos em um sistema-
mundo que existe em função de forças em conflito , no qual cada
um dos grupos procura remodelar o sistema em seu proveito,
concluimos que o consumo é o local dessa batalha. Um novo
conceito do eu, cujo desenvolvimento tem lugar na ênfase da
aparência, na exposição e no gerenciamento de impressões,
intensifica o consumo simbólico que permite que as pessoas
classifiquem o que consomem ao mesmo tempo que se
classificam mutuamente a partir do que é (ou não é) consumido.
No contemporâneo, essa classificação tem, na luta pelos
direitos sociais, o seu status quo e, no ativismo, o símbolo
desejado por marcas para evitar haters e conquistar lovers, pois o
consumidor-cidadão pode derrubar uma marca transformando-
a em alvo ou elevar a mesma para a posição de seta.
Consumidores se tornam, assim, consumidores-cidadãos que
buscam demonstrar suas adesões e seus apoios a causas atuais
por meio do ato de consumo/anticonsumo como disseminador
de narrativas virtualizadas que potencializam o seu papel de
difusores de comportamento e propagadores do consumo de
ativismo, que, ao ser compartilhado como comportamento
desejado por um grupo seus relação tempo e espaço que traduz
o espírito, as aspirações e os costumes de uma época entra na
moda, e como moda é pertencimento, a construção de sua
identidade é moeda social capaz de se valorizar ou se
desvalorizar uns em relação aos outros.
No significado do ativismo reside o valor para o consumidor-
cidadão, pois é prática que privilegia a efetiva transformação da
realidade. Contextos que relacionam moda, consumo e ativismo
são campos férteis para o estudo do consumo como discurso de
poder na vida cotidiana presencial, mas, principalmente, nas
redes sociais digitais, nas quais ganham efeito megafone para
discussões polêmicas a partir dos fatos do dia a dia e da ação do
indivíduo como ser político.
Para Foucault (2008), o poder é vivenciado cotidianamente no
modo como as pessoas se relacionam. São as relações de poder
que definem um molde de comportamento, portanto, o
significado de resistência implícito no ativismo remete ao
consumo como ato de resistência e, por conseguinte, prática de
liberdade.
Às vesperas da terceira década do século XXI, associar
consumo e ativismo para chamar a atenção dos consumidores,
posicionar as marcas e cativar o público está deixando de ser um
diferencial competitivo para as empresas em função do processo
de “commoditização” desse recurso com o uso disseminado das
mensagens engajadas ou supostamente engajadas em causas
diversas. É também uma decisão que exige uma gestão de
marca/branding eficaz, capaz de articular de forma coerente a
imagem da empresa com o seu discurso e também com suas
ações de marketing e de comunicação, a fim de que sua “filosofia
de vida” corresponda às suas práticas cotidianas junto ao
público interno (gestores e funcionários) e também ao público
externo (consumidores, fornecedores, parceiros, acionistas,
sociedade em geral).
Vieira defende que, ao pensarmos na gestão das marcas sob a
perspectiva da relação intrínseca que deve ser buscada entre o
marketing e a ética, vale a máxima “o que o coração não sente os
olhos não veem”. Subvertendo o dito popular “o que os olhos não
veem o coração não sente”, Vieira demonstra que, no branding, a
relação é exatamente inversa.
Para verem as empresas de uma determinada maneira (como
engajadas, socialmente responsáveis, ativistas, entre outros
atributos buscados incessantemente pelas corporações na
atualidade), é necessário que os consumidores sintam primeiro
que essas são marcas que se propõem ser de verdade,
experienciem o discurso na prática, vivenciem a verdade da
marca em suas múltiplas iniciativas, nos mínimos detalhes. “A
percepção da marca é produto de uma expressão gráfica (ela tem
uma cara), de uma expressão filosófica (ela tem alguma coisa a
dizer) e de uma experiência (ela tem alguma coisa a trocar). Cada
um desses momentos remete à origem da marca e à
confiabilidade de seus propósitos. Por isso, a imagem, o discurso
e a ação devem fazer sentido entre si, como membros de uma
mesma família ética” (Vieira, 2002, p. 119).
“Comunicar é também agir num sentido mais amplo. Quando
um enunciador reproduz em seu discurso elementos da
formação discursiva dominante, de certa forma, contribui para
reforçar as estruturas de dominação. Se (ele) se vale de outras
formações discursivas, ajuda a colocar em xeque as estruturas
sociais” (Fiorin, 2004, p. 74).
O consumo simbólico do ativismo está sendo apropriado
tanto pelas marcas quanto pelos cidadãos como moeda social,
no sentido mencionado por Berger (2014), de valorização da
imagem pessoal na sociedade em rede. Podemos assim
correlacionar o conceito de moeda social de Berger à busca pelo
acesso às hierarquias sociais possibilitadas pelo consumo desses
discursos ativistas. Na dinâmica de mercado no contemporâneo,
é no engajamento que reside o consumo ostentatório professado
por Veblen (1899), que defende que a ostentação de bens é uma
das ferramentas poderosas de distinção social na sociedade.
O consumo de ativismo parece se opor ao consumo
ostentatório professado por Veblen (1899), entretanto, sob um
olhar mais agudo, considerando os valores culturais ocidentais
contemporâneos e o espírito do tempo presente, podemos
perceber que ser um consumidor de ativismo, é talvez, hoje, uma
ideia em si mesma a ser ostentada, visto que, na sociedade de
consumo do século XXI, em plena era do acesso e da economia
compartilhada no mundo pós-industrial, onde a produção de
bens imateriais se intensifica, o consumo de ativismo parece ser
um símbolo com grande valor a ser ostentado.
Há uma “comunidade de sentidos” estabelecida a partir de
fenômenos sucessivos na nossa época, “ligações simbólicas, um
jogo de semelhança e de espelho – ou que faz surgir, como
princípio de unidade e de explicação, a soberania de uma
consciência coletiva” (Foucault, 2008, p. 24).
Tanto marcas quanto pessoas parecem buscar aumentar sua
moeda social por meio do consumo de ativismo no Brasil
contemporâneo, assim como em outras localidades do mundo, a
despeito de efetivamente se colocarem como defensores
daquelas causas e ideais que propagam junto a seus círculos
sociais e/ou mercados de interesse.
Lembrando que todo consumidor ativista é um consumidor
de ativismo, mas nem todo consumidor de ativismo é um
consumidor ativista. O primeiro procura o discurso e ação
ativista em toda a sua ação de consumo; o segundo consome o
discurso ativista mas não está orientado para que todas as suas
ações sejam ativistas, escolhendo apoiar e dar suporte, mas sem
o investimento pessoal no “campo de batalha” ativista. Por
exemplo, “a pessoa compra a camiseta do Ocupe Estelita, mas
não vai para as manifestações”.
As formas de resistência dos indivíduos diante dos processos
de subjetivação de que nos fala Foucault poderiam caminhar na
direção de uma estética/ética da vida, ressignificando o sentido
de liberdade no qual residiria a “ostentação simbólica” do
ativismo. Ao refletirmos sobre o consumo como uma relação de
poder, podemos chegar ao entendimento de que o consumidor
usa desse poder para provocar mudanças e essa consciência de
que, a partir da investigação/conhecimento das consequências
de seus atos de consumo, ele inverte a ordem econômica,
fazendo com que a demanda defina a oferta mais uma vez, mas
agora mais em termos de discursos e imagem do que do volume
de produtos que serão ofertados/consumidos.
Como vimos anteriormente, os valores
simbólicos/expressivos são fortalecedores da auto-imagem,
diferenciação e tradições sócioculturais, o que nos leva a refletir
sobre os achados da pesquisa de Miranda, Domingues & Souza
(2018), de que os valores norteadores do comportamento de
consumo ativista do consumidor minimalista são filantropia e
autodeterminação, combinados com os de Aguiar (2018), de que
os valores culturais que regem grupos de jovens ativistas são
responsabilidade e reconhecimento, assim constatamos a
diferença entre o consumidor ativista e o consumidor de
ativismo. Observamos que a presença desse conjunto de valores
define uma prática ativista, o engajamento total com uma causa,
da retórica à práxis diuturna, diferentemente do consumo de
ativismo, que consiste na adesão a um discurso muito mais do
que a uma prática, em um movimento de apoio a uma causa,
mas não necessariamente, no exercício cotidiano das suas táticas
de enfrentamento. A partir desses estudos, podemos concluir
que os valores culturais norteadores do consumo ativista são:
filantropia, autodeterminação, responsabilidade e
reconhecimento. Na ausência de um desses valores, vamos
encontrar o consumidor de ativismo, mas não o ativista.
Conforme discutido no capítulo anterior, consumo e ativismo
não podem mais ser pensados em oposição na
contemporaneidade, mesmo percebendo diferenças claras entre
o consumo ativista e o consumo de ativismo. Curiosamente, até
a Escola de Ativismo1, concebida para auxiliar na formação de
jovens ativistas, vai buscar os saberes advindos da sociedade de
consumo, próprios de disciplinas como Administração de
Empresas e Marketing, para ensinar aos seus alunos como
entender melhor um problema a ser solucionado e que
estratégias e táticas usar.
A Escola de Ativismo é um coletivo independente e
multidisciplinar de ativistas formado em 2012, que busca
fortalecer grupos ativistas ensinando estratégias e técnicas de
ações não-violentas e criativas. Também oferece conhecimentos
e capacitações no que tange à elaboração de campanhas, à
comunicação, à mobilização e à segurança da informação,
sempre com ênfase na defesa da democracia, dos direitos
humanos e da sustentabilidade. Sua organização é distribuída e
não hierárquica, estando presente em diversas regiões do Brasil2.
É curioso observar alguns conteúdos disponibilizados no site
da Escola de Ativismo e perceber o uso de técnicas
frequentemente utilizadas pelo meio corporativo para atingir
objetivos mercadológicos. São princípios gerais, norteadores de
qualquer estratégia que visa atingir um certo objetivo,
independentemente do seu uso para fins mercadológicos ou
não. Na sociedade de consumo, entretanto, esses fazem parte da
rotina dos departamentos de marketing e dos conselhos de
administração das empresas de todos os portes: das
transnacionais às microempresas amplamente atendidas no
Brasil pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas).
Sabemos que os campos da Gestão e do Marketing beberam
da fonte, inclusive, das estratégias de guerra milenares, como
aquelas apresentadas no livro A arte da guerra, de Sun Tzu, e dos
conhecimentos advindos das Ciências Políticas, como no caso
do livro O príncipe, de Nicolau Maquiavel. Esses não são
conhecimentos criados nos campos da Administração e do
Marketing, mas reprocessados por eles com vistas à obtenção de
melhores resultados nas práticas corporativas nos séculos XX e
XXI.
O que nos chama a atenção é abrirmos o site da Escola de
Ativismo e encontrarmos termos como matriz FOFA3,
abreviatura em português da clássica matriz SWOT, utilizada em
todo e qualquer plano de marketing e análise de ambiente
mercadológico nas escolas de Administração, Marketing e
Publicidade há décadas. Lá também nos deparamos com a
chamada matriz Pastel, cujas letras representam os fatores
políticos, ambientais, sociais, tecnológicos, econômicos e legais,
a clássica análise macroambiental, que devem ser considerados
para a definição de uma estratégia eficaz de atuação.
Todo e qualquer plano de marketing elaborado pelo Sebrae,
por exemplo, apresenta os fatores contemplados pela matriz
Pastel mesmo que esse nome não esteja lá presente. Essas
observações nos indicam que as mesmas ferramentas que
alimentam a luta pelo mercado na competição das empresas
fomenta os ativistas para que se coloquem de maneira
estratégica, eficaz e assertiva em prol dos seus objetivos. Como
diria Chico Science, “é me organizando que eu vou desorganizar
e é desorganizando que eu vou me organizar”. Conforme
discutido anteriormente, Banksy é um bom exemplo de ativista
que faz uso das técnicas de marketing e branding para
disseminar a sua obra e a sua reflexão sobre o sistema-mundo
capitalista.
Lemos no site da Escola de Ativismo: “As ferramentas de
planejamento apresentadas nesta publicação auxiliam na
definição de objetivos e estratégias para sua causa. Problema,
visão e mudança, Análise Pastel (política, ambiental, social,
tecnológica, econômica e legal), FOFA (Forças, Oportunidades,
Ameaças e Fraquezas), e Mapa de Atores ajudam a coletar e
organizar informações que, juntas, permitirão construir um
panorama geral dos interesses em jogo, poderes, forças atuantes
e atores envolvidos. Elas facilitam na criação de um plano para
mudar o cenário e por em xeque o poder ou os interesses
estabelecidos”.4
Um dos aspectos que merecem destaque no site da Escola de
Ativismo é a consciência das assimetrias de poder e de recursos
para a ação, a qual vai nortear os usos dessas ferramentas de
construção de estratégias. Enquanto as empresas usam suas
matrizes FOFA e Pastel para potencializar seus lucros, os ativistas
usam esses conhecimentos para potencializar os impactos das
suas ações em busca da transformação de uma dada realidade
social.
No site da Escola de Ativismo, vemos: “A análise de poder
serve para identificar os pontos fracos de seus antagonistas, as
áreas em que são mais vulneráveis, onde/como/quando é mais
fácil pressioná-los. Ela é importante porque normalmente não
dispomos de grandes quantidades de recursos, então precisamos
selecionar com cuidado as oportunidades-chave nas quais
podemos intervir da maneira mais efetiva”.5
Para Chomsky, em citação na home do site da Escola de
Ativismo, “se você vai a um protesto e depois vai para casa, já fez
algo. Mas aqueles que não estão no poder podem sobreviver a
isso. O que eles não suportam é pressão constante e crescente,
organizações que não cessam, pessoas que seguem aprendendo
com o que fizeram e fazendo melhor nas próximas vezes”.6 Nesse
sentido, demarca-se, a partir da fala do pensador também, uma
diferença entre o que é ser um consumidor ativista e o que é ser
um consumidor de ativismo.
Como demonstra Chomsky, o ativismo está, inerentemente,
associado a uma prática que deve ser constante e incansável a
fim de atingir os objetivos desejados. O consumidor de ativismo,
diferentemente do consumidor ativista, na maior parte das
vezes, expressa sua simpatia por uma causa, clicando no evento
do movimento coletivo na mídia social, comprando a camiseta
com a frase de ordem do grupo, adquirindo produtos e serviços
que dirão ao mundo (e a ele mesmo) quem ele é e o que pensa,
ou talvez, quem ele gostaria de ser e o que gostaria de expressar
para a coletividade na qual está inserido, como nos ensinou
Solomon e Belk, na teoria de autoconceito sobre os diferentes
tipos de eu e a capacidade que produtos, no sentido
generalizado do termo, tem de representar e comunicar esses
eus para os outros.
Dessa forma, a partir de suas convicções e ações constantes,
o consumidor ativista parece vivenciar a jornada do herói
mitológico amplamente discutida por Joseph Campbell na sua
obra (2008). Um herói é aquele ser que vivia com tranquilidade
até que recebe um chamado para a aventura. Ao aceitar esse
chamado, vivenciará muitos desafios, superará obstáculos e se
transformará em um ser cuja missão é trazer os aprendizados
desse percurso para aqueles que estavam com ele quando o
chamado aconteceu.
O consumidor ativista é esse herói incansável que recebe um
chamado (a convocação de um grupo social, de um amigo ou de
sua própria consciência), parte para uma aventura que o
transformará intensamente (as participações em protestos, as
vivências em manifestações, os aprendizados com a Escola de
Ativismo) e, após as conquistas obtidas, regressa para seu grupo
de origem (por exemplo, uma cidade, uma neotribo, uma etnia,
uma comunidade local) trazendo as conquistas consigo para
todos.
A jornada do herói mitológico nos faz perceber que os valores
culturais de filantropia, autodeterminação, responsabilidade e
reconhecimento, estão profundamente associados a essa
condição de líder de uma transformação e caracterizam os
consumidores ativistas, demarcando a diferença, mais uma vez,
entre consumidores ativistas e consumidores de ativismo.
Mas o que seria dos consumidores ativistas sem a força
crescente dos consumidores de ativismo? Afinal, os
consumidores de ativismo se inspiram nos consumidores
ativistas, dando o suporte imprescindível para a ampla
disseminação da resistência tão necessária para as
transformações desejadas no contemporâneo e ampliando a
pressão mercadológica sobre o sistema-mundo capitalista.
1 Disponível em: <https://escoladeativismo.org.br>. Acesso eem: 25 jul. 2018.
2 Disponível em: <https://escoladeativismo.org.br>. Acesso em: 25 jul. 2018.
3 Matriz Fofa: quadrante que disponibiliza as forças, as oportunidades, as
fraquezas e as ameaças de mercados relacionadas a uma empresa ou marca
para análise e tomadas de decisão estratégicas. No inglês, nomeia-se como
matriz SWOT.
4 Disponível em: <https://escoladeativismo.org.br>. Acesso em: 25 jul. 2018.
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