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DIREÇÃO EDITORIAL
Kathia Castilho
REVISÃO
Ana Carolina Carvalho
PRODUÇÃO DO EBOOK
Schaffer Editorial
M672c
Miranda, Ana Paula
CDD 658.8342
2020-237 CDU 366.1
Referências
SÃO OS CONSUMIDORES
ATIVISTAS?
Qual causa o freguês vai levar hoje?
Comece o dia saboreando um caffè latte de feminismo
acompanhado de biscoitinhos LGBTQ. Antes do almoço, não
deixe de checar a nova coleção de bolsas veganas. Para um dia
longo, nada melhor que um almoço reforçado com muita
proteína de causas de igualdade racial. No fim da tarde, antes de
treinar na academia, o mais recomendável é ingerir Whey
Empoderamento Transgênero. Tome três doses acompanhadas
da barra de cereal da desconstrução do masculino. Um jantar
leve é o mais indicado, brindado com uma taça de vinho contra a
exploração de mão de obra. Para a balada do fim de semana, a
rave do compartilhamento no novo espaço coworking da cidade
é o point. Vista a camiseta de moda consciente e leve um quilo
de alimento não perecível para garantir entrada livre na pista vip.
Embalamos rapidinho a sua causa e entregamos em
domicílio sem cobrança de frete.
Essas cenas parecem exagero ou ficção, mas, ainda que
limitadas, já acontecem hoje. As gôndolas do varejo oferecem
causas e ativismo enlatado para os diferentes tipos de
consumidores.
Muitos profissionais do mercado, publicitários e gestores de
marketing, marca ou produto, diante desse cenário, reclamam
que é muito mimimi e que o mundo está ficando cada vez mais
chato.
Vários consumidores alertam que é golpe dos esquerdazi e
proclamam boicote contra as causas, assinando #salveoconsumo
nas mídias digitais.
Já as pesquisadoras Izabela Domingues e Ana Paula de
Miranda optaram por mergulhar fundo no mundo do consumo
contemporâneo e entender as questões que batem à porta dos
consumidores e das marcas: existe ativismo no consumo ou é
tudo marketing? Até que ponto expressar causas ativistas no mix
de produtos compromete a imagem da marca? Quais são os
riscos do envolvimento das marcas com a política que pode
provocar a perda de legião de lovers? O quanto as marcas são
verdadeiras ao defenderem causas cidadãs ou é tudo demagogia?
Essas empresas de fato cumprem o que pregam? As marcas estão
aderindo ao ativismo ou os consumidores são ativistas?
Ao tentar responder essas questões, a dupla de autoras traça
uma radiografia de uma das facetas mais marcantes e instigantes
do consumo contemporâneo, o consumerismo. Expressão ainda
pouco usual entre os profissionais do mercado, o consumerismo
é o encontro entre a nossa vida pública e a privada por meio do
consumo. Segundo a pesquisadora sueca Michele Micheletti1,
trata-se do exercício político e engajado do poder de escolha no
consumo. Os indivíduos usam o seu papel de consumidor para
atuar como cidadãos, fazendo reivindicações que, ainda que
individuais, terão impacto para o bem social coletivo. Diferentes
causas podem ser abraçadas pelo consumerismo, como proteção
do consumidor, denúncias de exploração de mão de obra,
aumento do poder de compra, valores éticos, empoderamento
feminino, inclusão LGBTQ, igualdade racial, equidade entre os
gêneros e proteção do meio ambiente, entre várias outras. Os
debates e questionamentos sobre o consumo são por si só, atos
consumeristas porque provocam reflexividade sobre o consumo
e as suas bases.
Usar o consumo para reivindicar mudanças na sociedade não
é recente. O que há de novo é o uso do terreno cibernético para
manifestações dos consumidores. Nas redes sociais, são
frequentes os depoimentos de cidadãos comuns contra as
empresas pelos mais diferentes motivos, que variam desde uma
insatisfação particular e pontual até acusações sobre exploração
de mão de obra ou trabalho escravo, não deixando de fora as
campanhas publicitárias acusadas de objetificação do corpo da
mulher, reprodução da ditadura de padrões de beleza e ausência
de representatividade dos negros e da subcultura LGBT.
As mídias digitais deram vozes para os gritos que estavam
entalados e abafados. Vozes que antes não se ouviam, agora
importam.
Os puristas saudosos dizem que mercado e política não se
misturam. Não é verdade. As práticas de mercado têm
implicações diretas na esfera política, social, econômica e
demográfica, assim como as orientações políticas interferem nas
práticas de mercado. É um sistema orgânico no qual um
alimenta o outro.
A isenção é uma farsa. A neutralidade é uma cilada com um
emaranhado de espinhos. Não se posicionar já é um
posicionamento. Gestores que pregam a neutralidade das
marcas flertam com a omissão e a cumplicidade nas práticas de
mercado que estão na mira da vigilância e das reivindicações dos
consumidores.
Esse ativismo do consumidor coloca mais marcadamente a
urgência em pensarmos o consumo como um fato social,
transcendendo a reflexão restrita ao comportamento do
consumidor ou ao uso dos bens. É hora de entendermos como o
consumo pode ser um terreno de articulações estratégicas
sociais, políticas e econômicas entre indivíduos, instituições e
mercado.
Não se trata de transferir os debates da esfera política para as
gôndolas do consumo, movido por uma decepção crescente e
profunda com as instituições políticas e seus atores. O que
acontece é que o consumidor tem percebido que a velocidade de
resposta no mundo do consumo é muito mais ágil, efetiva e
comprometida do que os recursos políticos que, em tempos
digitais, cheiram a naftalina.
Todos nós somos consumidores, mesmo quando não nos
damos conta. Por isso que este livro tem a ver com todos nós. É
para os pesquisadores e estudiosos acadêmicos do tema, traz
apontamentos importantes para os profissionais de mercado
que lidam com marcas e consumidores, tem linguagem acessível
para qualquer consumidor que deseja deixar de ser refém e
passar a ser autor no consumo.
Em uma sociedade na qual as experiências e os sentimentos
estão mercadorizados e disponíveis nas prateleiras, não há
momentos em que não consumimos. Nada escapa da
precificação no capitalismo. Se estamos destinados a conviver
com o consumo, o mais inteligente é sabermos como podemos
reivindicar, exigir e obter o melhor dele.
Quadro 1
Construtos: definições e bases teóricas
Relaciona-se com a carga de Levy (1959), Sheth,
valores simbólicos Newmam e Gross
presentes nos diferentes (1991), Erner
Valor produtos, que pode conter (2005), Mood et al.
1
Simbólico/Expressivo significados de natureza (2009), Solomon e
pessoal e/ou social na Schopler (1982),
perspectiva de seus Banister e Hoog
consumidores (2004)