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A GERAÇÃO Z E A QUEBRA DA LÓGICA DE CONSUMO

CAPITALISTA NO MERCADO DA MODA


Nicole Curtinovi Martins; Uniritter, nicolecurtinovi@gmail.com

Resumo​: Este artigo tem por objetivo analisar as relações entre a moda e o modelo
capitalista vigente, confrontando esses itens com o comportamento da geração Z e
seus hábitos de consumo. Por fim, busca propor reflexões sobre este mecanismo e
onde encontrar oportunidades de atuação que estejam de acordo com as expectativas
dessa nova geração.

Palavras-chave​: Geração Z, lógica de consumo, comportamento, tendência.

Introdução

Através de pesquisa bibliográfica e referencial, foi realizado um breve estudo sobre


como o sistema econômico vigente se firmou com a ajuda do mercado da moda
utilizando como base Luxemburgo (1983), Bauman (2010), Lipovetsky (1989) e Nunes
(2012). Mais enfaticamente foram observadas, a partir dos textos de Francis e Hoefel
(2018), Criteo (2017) e Penso (2020), quais seriam as tendências comportamentais da
geração Z, principalmente em relação às perspectivas de hábitos de consumo.
As análises foram realizadas tendo por objetivo principal propiciar a reflexão sobre os
rumos que a moda deverá seguir nos próximos anos, levando em consideração as
características atribuídas a geração Z que poderão gerir grandes mudanças dentro
deste mecanismo. Compreender qual o papel da indústria da moda e de toda
sociedade nessa nova perspectiva pode contribuir para que esses agentes encontrem
formas de auxiliar essa juventude nas mudanças propostas em busca da construção
de uma sociedade mais sustentável e ética.

O capitalismo e a moda

Para Luxemburg (1983), o capitalismo é um sistema insustentável em sua gênese, ele


se mantém pela exploração das regiões periféricas – países subdesenvolvidos e
classe operária – através de práticas predatórias e, uma vez que não encontrar mais
formas de exploração, tende a ruir. Contudo, segundo Bauman (2010), esse sistema
descobre novas maneiras de se regenerar antes que essa ruptura aconteça e

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atualmente, um de seus pilares são as dívidas de milhares de consumidores,
dispostos a contraí-las pela promessa de “prazer instantâneo”. Ao longo dos anos, a
indústria da moda vem sendo uma das que mais contribui para a manutenção dessa
promessa. Para Lipovetsky a moda está diretamente ligada a construção da sociedade
moderna no ocidente, e consequentemente, da construção no modelo capitalista atual.
Nunes (2012) argumenta que se trata de uma população submetida a uma ótica que
tem na aparência, forma como esse indivíduo se apresenta ao mundo, a
representação de sua posição social. Essa visão é nutrida através de gatilhos que os
fazem crer que uma “boa aparência” está ligada a moda da estação e a grandes
marcas. Assim, ele se vê em um constante ritmo de consumo com objetivo de se
afirmar dentro do seu círculo social. Dessa forma, a moda ajudou a construir e manter
esse sistema pela “moldação de indivíduos com desejos ardentes de consumo
imediato” (NUNES, 2012). Para suprir esses desejos foi necessário a implementação
de uma cadeia exploratória que utiliza recursos naturais e humanos como combustível.
Movimentos como o Fashion Revolution vem procurando quebrar essa cadeia através
de ações locais e globais que buscam divulgar dados sobre a indústria da moda,
cobrar que empresas e governos tomem ações responsáveis e propor a reflexão do
público consumidor. Segundo Fashion Revolution (2020), as pesquisas realizadas
apontam que, desde o início de suas ações, houve uma melhora significativa em
diversos desses âmbitos, onde 94% dos entrevistados para a pesquisa disseram que
conhecer o movimento mudou suas em relação a indústria da moda e também houve
um aumento de 9% na pontuação média das 98 marcas analisadas para o Índice de
Transparência da Moda desde 2017. A Morgan Stanley (2019) cita que, mesmo com o
preço das roupas mais baixo, o volume de consumo no setor do vestuário começou a
diminuir nos mercados ocidentais. Essa queda se deve tanto a percepção do
consumidor que agora entende que “já possui roupas demais” e também ao aumento
da conscientização ambiental (MORGAN STANLEY, 2019).
Contudo, ainda há muitos pontos a serem melhorados. Mesmo com o aumento da
conscientização sobre o tema “milhões de trabalhadores [...] ao redor do mundo ainda
enfrentam pobreza, riscos e até a morte enquanto produzem as roupas que
compramos; em outras palavras, os negócios seguem como sempre” (FASHION
REVOLUTION, 2020). Dessa forma, e como já vem sendo mostrado, uma sociedade

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consumidora consciente e exigente é fundamental para a construção de um mercado
de moda mais justo, pois, enquanto o anseio pelo consumo sobrepor a
responsabilidade social e ambiental, esse sistema continuará a explorar seus
recursos.

A geração Z e o consumo

A geração Z nasce no cerne da sociedade do consumo e da difusão da internet.


Crescem recebendo inúmeros estímulos, adaptando-se a novas realidades – ​online e
offline - e circulando em diferentes grupos. Nascidos entre os meados dos anos 1990
e 2010, os “​Zoomers​”, são filhos da modernidade líquida e vivem numa fluida
concepção de ideias, onde recebem informações, as compartilham, discutem e
reformulam para construir sua própria identidade. Diferentes dos seus antecessores,
os ​millennials​, essa geração não tem o “eu” como foco: eles vivem suas pautas e
lutam por elas, mas também estão abertos a entender as pautas alheias e tem o
diálogo como solução principal para resolução de conflitos. Principalmente, eles estão
em constante busca pela verdade. (FRANCIS e HOEFEL, 2018)
O jovem da geração Z, assim como em todas as outras gerações, é influenciado pelos
seus ídolos, seja na forma de se vestir, seja no comportamento. Porém, agora esses
ídolos não são mais celebridades internacionais, com características físicas diferentes
das suas e que estampam capas de revistas. Segundo a Criteo (2017), esses ídolos
inalcançáveis foram substituídos pelos influenciadores, que estão bem mais próximos
da sua realidade e que expressam seu estilo e opinião nas redes sociais. Assim, essa
geração não está mais tão interessada na busca pela mesma estética eurocêntrica
padrão, eles querem mais do que nunca mostrar quem são através da maneira como
performam no mundo a sua volta; sem julgamentos a ​sua individualidade, gênero,
sexualidade e corpo. Para eles o lugar de fala é mais compreendido e respeitado e,
assim, reerguem lutas absolutamente importantes para a construção de uma
sociedade mais justa. ​O acesso à informação os tornou consciente dos problemas
globais e deu a eles a oportunidade de se manifestar. Um exemplo desse
comportamento foi publicado em uma matéria por O’Sullivan (2020), tratando de um
grupo desses jovens que afirmou ser responsável pela organização de uma ação

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através da rede social TikTok e reservou, mesmo sem intenção de comparecer,
milhares de ingressos para um comício do presidente Donald Trump, conhecido pelas
opiniões preconceituosas e conservadoras. A perspectiva era que o estádio para 19
mil pessoas estivesse lotado no dia do evento, contudo apenas 6.200 efetivamente
compareceram. A ação também foi citada pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez na
rede social Twitter, onde atribui o ato a geraç​ão Z:
Na verdade, vocês [a organização do evento] foram simplesmente
derrubados por adolescentes no TikTok que inundaram a campanha de
Trump com reservas falsas de ingressos e os enganaram a acreditar que um
milhão de pessoas queria seu discurso supremacista branco, o suficiente
para encher uma arena durante a pandemia. Um salve para os ​Zoomers,​
vocês me deixam orgulhosa. (OCASIO-CORTEZ, 2020, tradução nossa)

Para Penso (2020) todas essas peculiaridades os fazem uma geração extremamente
empática e exigente, características que acabam recaindo sobre sua ótica de
consumo. Segundo Francis e Hoefel (2018) esse consumo se traduz em três linhas: “​o
consumo visto como acesso e não como posse; o consumo como uma expressão da
identidade individual; e o consumo baseado na ética.” ​Assim, se faz necessário
analisar essas demandas e criar formas de consumo que coincidam aos seus anseios.
Diversas iniciativas já vêm ganhando espaço há algum tempo. Ainda para Francis e
Hoefel (2018), o que antes eram considerados bens de consumo duráveis estão cada
vez mais se tornando serviços ou passando para o meio virtual. No que tange o âmbito
da individualidade, o uso da ​big data tem sido amplamente utilizado pelas empresas
com o objetivo de direcionar o conteúdo para o consumidor certo, apesar desse
consumidor não se sentir totalmente confortável com essa ideia. (FRANCIS e
HOEFEL, 2018). Ele quer se sentir único e não invadido. Assim, iniciativas de
personalização para ressaltar essa individualidade são bem-vindas. Quanto a ética, a
geração Z vem influenciando outras gerações a se preocuparem com a
sustentabilidade e vem demonstrando ainda mais pragmatismo ao consumir, avaliando
diferentes esferas antes do ato da compra e repensando também os próprios signos e
implicações do consumismo. Uma geração marcada por indivíduos que pontuam seus
ideais não quer ser representada por marcas e empresas que não se adequam a suas
expectativas e dá preferência aquelas que demonstram atitudes sustentáveis
ambiental e socialmente (FRANCIS e HOEFEL, 2018).
É interessante observar como estas propensões dialogam com a ideia de sociedade
moderna apontada por Lipovetsky (1989), onde a geração Z vem quebrando essa

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lógica apontada como fundadora do sistema atual. Uma vez que o consumidor não
está mais tão preocupado com a aparência ideal criada a partir de um modelo
hierárquico de classes, conforme citado por Nunes (2012), se tem uma ruptura nesse
sistema que abre espaço para a construção de um novo modelo de consumo, no qual
a moda, novamente, pode servir como pilar de construção.

Reflexões para o agora

A moda deverá desempenhar um importante papel para a construção do jovem dessa


geração e também daquelas que virão após ela. Ela deverá suprir as demandas por
um consumo consciente e ético e, ainda, conseguir dar a esses jovens a oportunidade
de expressar sua individualidade. Closets compartilhados, logística reversa, tecidos
biodegradáveis, o movimento ​slow fashion,​ brechós online e tantas outras iniciativas
que, já vem ganhando força no mercado, terão mais um grande nicho de atuação.
Marcas pequenas, de produção manual, que são transparentes e dialogam
diretamente com o consumidor tendem a ganhar cada vez mais espaço. Muitas são as
oportunidades de atuação e aproveita-las é extremamente importante. Afinal, a
ascensão da geração Z trará a necessidade de adequações dentro do mecanismo da
moda e quem não se adaptar deverá ficar para trás. Mais do que nunca, é hora de
Fashion Revolution!

Referências bibliográficas

BAUMAN, Z. ​Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos​. Rio de


Janeiro: Zahar, 2010.

CRITEO. Gen Z Report Based on the Criteo Shopper Story, 2017. Disponivel em:
<https://www.criteo.com/wp-content/uploads/2018/05/GenZ-Report.pdf>. Acesso em: 4
de julho de 2020.

FASHION REVOLUTION. Why we still need a Fashion Revolution, 2020. Disponivel


em: <https://issuu.com/fashionrevolution/docs/fr_whitepaper_2020_digital_singlepage

5
s>. Acesso em: 4 de julho de 2020.

FRANCIS, T.; HOEFEL, F. ‘True Gen’: Generation Z and its implications for
companies. ​McKinsey & Company​, Novembro 2018. Disponivel em:
<https://www.mckinsey.com
/industries/consumer-packaged-goods/our-insights/true-gen-generation-z-and-its-implic
ations-for-companies>. Acesso em: 6 de julho de 2020.

LIPOVETSKY, G. ​O Império do Efêmero​. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

LUXEMBURG, R. ​A acumulação do capital: estudo sobre a interpretação econômica


do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.

MORGAN STANLEY. Peak of Apparel Consumption, 2019. Disponivel em: <https://


www.morganstanley.com.au/ideas/peak-clothing>. Acesso em: 6 de julho de 2020.

NUNES, G. P. A. A moda é filha do mundo capitalista. ​Revista Inter-Legere​, 11, 2012.


Disponivel em: <https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4304/3508>. Acesso
em: 3 de julho de 2020.

OCASIO-CORTEZ, A. (AOC). “Actually you just got ROCKED by teens on TikTok who
flooded the Trump campaign w/ fake ticket reservations & tricked you into believing a
million people wanted your white supremacist open mic enough to pack an arena
during COVID Shout out to Zoomers. Y’all make me so proud.” 20 de junho de 2020,
9:27 pm. Tweet.

O'SULLIVAN, D. Usuários do TikTok dizem ter sabotado comício de Donald Trump.


CNN​, 2020. Disponivel em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/06/21
/usuarios-do-tiktok-dizem-ter-sabotado-comicio-de-donald-trump>. Acesso em: 23 de
setembro de 2020.

PENSO, A. Como a Geração Z pode nos fazer mudar? ​O Futuro das Coisas​, 2020.
Disponivel em: <https://ofuturodascoisas.com/como-a-geracao-z-pode-nos-fazer

6
-mudar/>. Acesso em: 03 de julho de 2020.

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