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FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

COMUNICAÇÃO SOCIAL – CINEMA


ANÁLISE DA IMAGEM II

ANÁLISE DE UMA PROPAGANDA

Davi Krasilchik
Paola Palermo
Pedro Bonfim
Rebecca Hanna
Thomas Mello

São Paulo
Outubro de 2020
https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/37398/doritos-rainbow-chega-ao-brasil.html
Análise da propaganda:

Com o gradativo aumento da visibilidade de causas sociais marginalizadas

durante séculos, não são surpreendentes as inúmeras adaptações adotadas pela

Mídia na incorporação dessas temáticas em seus principais meios. Destacando-se

como uma das mais influentes formas de comunicação da atualidade, a publicidade

tem se convertido em um dos principais veículos de divulgação de ideais de

aceitação e respeito às individualidades. Sob a ótica de um sistema capitalista,

todavia, é notável que essas boas ações compartilham seu espaço com a busca

pelo lucro.

Visando a realização dessas adequações e tendo como foco especial a

comunidade LGBTQIA+, é notável uma tendência publicitária exemplificada por

propagandas como a acima, da marca “Doritos”. Relacionando seu produto às cores

da bandeira do movimento como forma de inserção e apoio, a empresa visa, assim,

associar seu nome às causas sociais de seu público - possível forma de

diferenciação em meio aos concorrentes - e receber apoio do próprio consumidor

pela concordância de ideias. Esse fato demonstra a grande adaptabilidade da

publicidade como forma de integração àquilo que está em alta, camuflando-se e

aderindo a pensamentos de seu público-alvo conforme lhe convém.

Segundo o teórico John B. Thompson, aparatos midiáticos como o

propagandístico se colocam como mediadores do revezamento das discussões em

pauta, adotando tópicos de visível relevância na contemporaneidade tal como

orquestrado pelo selo alimentício em questão. Dessa forma, a multinacional, ao

tentar participar ativamente dessa batalha social, comprime as ideias e a cultura de

toda uma comunidade nas meras cores e formas de um salgadinho, como se essa

ação fosse suficiente para causar um impacto relevante na sociedade.


Com isso, fica evidente a comercialização de causas e de busca por

identificação e pertencimento, tornando-se uma justificativa para o capitalismo, de

modo que o consumidor compra a ideia da batalha - projetando nesse consumo o

que poderia ser direcionado para o verdadeiro ativismo - e não o salgadinho por si

só. Essa ideia de “coisificação”, ou seja, de conversão de ações e até mesmo

vertentes humanas para o campo imagético, não é recente, estando presente nos

princípios do “Materialismo Histórico” desde a época da Revolução Industrial.

Apresentada por Karl Marx - filósofo reconhecido por sua profunda teorização

acerca do socialismo científico - e aprofundada por Theodor Adorno - responsável

pela ardoz crítica construída a partir do conceito da “Indústria Cultural" -, tal ideia

consiste na análise das transformações de modos de vida da humanidade em

decorrência das mudanças econômicas e do advento de novas relações sociais.

Aplicado a um contexto mais atual, esse desenvolvimento se dá pela ótica da

materialização de valores que antes pairavam no plano metafísico.

Nesse ínterim, o universo publicitário amplifica esse processo de

metamorfose por meio da corporificação de ideais defendidos por grupos, como o

LGBTQIA+, há anos oprimido por suas particularidades e que vêm alcançando seus

direitos com dificuldade, persistência e lentidão, essa justificada pela falta de voz e

visibilidade. O uso de elementos verbais e não verbais em diferentes propagandas

que utilizam desse recurso se bastam, sem a citação direta da causa, para levar seu

público-alvo a compreender a sua ideologia.

No caso da propaganda em discussão, tal fenômeno se faz presente através

das frases: “Mais cores. Mais diversidade. Mais empoderamento" e “Nada mais ​bold

do que ser você mesmo” e do uso das antigas cores da primeira bandeira LGBT, de

1978 para representar, como justificado pela marca, uma “maior quantidade de
diversidade”. Busca-se assim uma aproximação com o público-alvo jovem, através

do emprego de estrangeirismos e, principalmente, indicar diversidade como forma

de incentivo à exibição das individualidades.

Por mais importante que seja o posicionamento de marcas a favor da

necessária extensão do poder de fala para essas minorias sociais, entretanto, essa

defesa abre espaço a um certo oportunismo - da parte tanto dos idealizadores

dessas peças quanto de alguns consumidores - , e ultrapassa, sob a influência da

busca pela lucratividade e pela manutenção de um “status” positivo, a pureza da luta

por ideais de inclusão. Tem-se assim uma clara referência à teoria do pensador

Wolfgang Haug, teórico que denuncia, em sua famosa obra da “Crítica à estética da

Mercadoria”, a artificialidade humana em um contexto atual em que os mais

diversos traços de comportamento são projetados para o campo imagético, se

bastando a partir de meras aparências.

Indo mais a fundo, pessoas que normalmente não se mobilizam acerca da

defesa desse movimento utilizam do atual reconhecimento dessas ideias a partir de

produtos e, consequentemente, do que eles representam, como forma de

pertencimento e de construção de uma nova identidade. Em outras palavras, esses

indivíduos encontram, no consumo dos elementos anunciados ou no

compartilhamento das próprias peças publicitárias, plataformas para a construção

de ilustrações positivas ao redor de si mesmos, fazendo uso do campo da imagem

para se posicionar como apoiadores de tais vertentes. Dessa forma, os

consumidores priorizam a construção de sua própria identidade, munindo-se de uma

imagem supostamente positiva, em detrimento da causa em si, infeliz consequência

dos efeitos provocados pela ideologia e sua profunda relação com a dominante

materialidade.
Resgatando mais uma vez os ideais dissertados pelo filósofo alemão T.

Adorno, dessa vez no campo da Ideologia - termo aqui cunhado por um mecanismo

de convencimento que conduz os indivíduos a se conformar com a sua

homogeneidade em relação aos demais e visualizar a compra como única

plataforma para sua diferenciação - e analisando a sua influência sobre o

consumidor, o autor afirma que, caso esta realmente exista, toda a eterna busca por

individualidade torna-se um mero instrumento de uso do próprio Capitalismo.

Segundo esse pensamento, todo tipo de busca por objetivos são mediados pelo

capital, o qual sempre influenciará os ideais particulares de cada indivíduo mesmo

com o almejo a uma sociedade utópica socialista.

Nesse caso, isso se aplica mesclado aos ideais da busca de identidade para

um grupo que não se sente representado. A comunidade LGBTQIA+,

acreditando-se enfim visível e reconhecida, consome esses produtos para reforçar

sua própria identidade perante a sociedade, reafirmando a ideologia capitalista

identitária existente para gerar lucro à marca, igual qualquer ação medida pelo

capital. A ilusão de representatividade já não passa de um “Pink Money” para trazer

o público que escolherá, dentre todos os produtos, essa marca que os representa.

Esse conceito do “Pink Money”, popularizado nos últimos anos, faz referência

à essa ideia da utilização do movimento - que movimenta mais de 150 milhões de

reais ao ano no Brasil - como forma de lucro para as marcas. Essa ação tem se

tornado cada vez mais comum, principalmente quando relacionada ao mês do

orgulho LGBT, período em que ocorre uma ampla utilização da atenção

momentânea dada à causa e que se esvai, gradativamente, ao fim do mesmo. No

caso da propaganda de Doritos , isso se confirma, uma vez que a peça utiliza desse

movimento para criar uma própria imagem de inclusividade e diversidade, quando


na realidade a necessidade primordial é a busca pelo capital intermediada por essa

“oportunidade publicitária”.

Em suma, torna-se evidente, a partir da análise da propaganda do “Doritos

Rainbow” um forte apelo à comunidade LGBTQIA+, querendo inserir-se no

movimento como forma de marketing e divulgação da própria marca, utilizando de

recursos ideológicos para a identificação com seu público-alvo. Seria injusto,

todavia, retirar completamente o valor de inclusão que ações midiáticas como essa

produzem, principalmente ao se considerar que a linha em questão promove uma

campanha de reversão de parte do valor para ONGs de auxílio à comunidade

LGBTQIA+ - informação que, por outro lado, não chega a sequer ser informada na

propaganda em si. Dessa forma, o anúncio analisado faz um importante papel de

representatividade, mas não se isenta da capitalização em cima de um movimento

de luta por direitos e reconhecimento que ocorre há anos.


Referências:

● EAGLETON, Terry. Ideologia. Trad. Luís Carlos Borges e Silvana

Vieira. São Paulo: Boitempo/Unesp, 1997. p. 21.

● FIANCO, Francisco. ​Adorno: Ideologia, cultura de massa e crise de

subjetividade. I​ n: Revista ​Estudos Filosóficos -​ pg 128-142. Disponível

em <​https://ufsj.edu.br/revistaestudosfilosoficos/revista_no_4.php​>.

Acesso: 11/10/2020

● HAUG, Wolfgang Fritz. ​Crítica da estética da mercadoria. ​São Paulo:

Unesp fundação, 1997.

● MAAR, Wolfgang Leo. Materialismo e primado do objeto em Adorno.

Trans/Form/Ação [online]. 2006, vol.29, n.2 [cited 2020-10-13],

pp.133-154. Disponível em:

<​http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-317320

06000200011&lng=en&nrm=iso​>. Acesso: 13/10/2020

● PIRES, Marília Freitas de Campos. O materialismo histórico-dialético e

a Educação. Interface (Botucatu)​, Botucatu , v. 1, n. 1, p. 83-94, Aug.

1997. Disponível em:

<​http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-328319

97000200006&lng=en&nrm=iso​>. Acesso: 12/10/2020

● THOMPSON, John B. ​A mídia e a modernidade: ​Uma teoria social da

mídia. ​São Paulo: Vozes, 1995.

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