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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE TECNOLOGIA
FACULDADE DE ENGENHARIA QUÍMICA
Disciplina: Processos de Separação II

Prof. Lênio J. G. de Faria

Transporte Hidráulico de Partículas

Transporte hidráulico é o nome genérico dado frequentemente ao transporte de partículas sólidas


em líquidos, onde o termo hidráulico refere-se ao fato de a maioria das aplicações desta técnica envolver
a água como fluido transportador.
O transporte das partículas pode ser feito em canalização horizontal ou vertical, ou seguir as
ondulações do terreno sobre o qual a canalização está construída, no caso de grandes distâncias.
As variáveis mais importantes, que têm de ser levadas em conta ao calcular as velocidades de
transporte, o consumo de energia e a queda de pressão, são:
- Da tubulação: comprimento, diâmetro, inclinação relativa à horizontal, singularidades (peças e
assessórios - curvas, válvulas, etc...);
- Do líquido: suas propriedades físicas, incluindo a massa específica, viscosidade, reologia;
- Dos sólidos: tamanho das partículas e sua distribuição por tamanho, forma, densidade e todos os fatores
que afetam o seu comportamento num fluido;
- A concentração das partículas e as vazões de sólidos e de líquidos.
2
Por conveniência divide-se as suspensões em duas grandes classes - suspensões finas, nas quais
as partículas estão razoavelmente distribuídas de modo uniforme no líquido (polpa homogênea - no
tratamento de minérios); e suspensões grossas, em que as partículas tendem a se deslocar
predominantemente na parte inferior do tubo horizontal a uma velocidade inferior à do líquido (polpa
heterogênea).
A velocidade de transporte (ou de bombeamento) de uma polpa heterogênea deve atender duas
exigências diferentes e independentes:
- deve ser suficientemente grande para produzir a turbulência necessária para manter os sólidos em
suspensão;
- deve ser a menor possível para reduzir o atrito com as paredes do tubo e consequentemente, reduzir a
perda de carga. No caso das polpas homogêneas a velocidade de transporte pode ser tão baixa quanto
conveniente; na prática, entram em suspensão em velocidades relativamente baixas, menores que 1,8
m/s. Nas polpas heterogêneas, velocidades de 4,5 m/s são usuais no transporte hidráulico de areia e
minério de ferro.
Existem na literatura especializada correlações que permitem estimar com razoável aproximação
os valores das velocidades críticas no transporte hidráulico de partículas, denominadas de velocidades
críticas de deposição ou de saltation. No projeto de linhas de transporte de polpas deve-se adotar uma
velocidade de transporte vm maior que a velocidade crítica estimada vm2 (em média 20% maior), ou
acrescida do valor na faixa de 0,3 a 0,5 m/s, (vm = vm2 + 0,3 a 0,5 m/s) suficiente para manter a perda de
carga em níveis mínimos e os sólidos em suspensão.
O transporte de partículas sólidas por arraste em fluido conduz, de um modo geral, à formação de
um campo de porosidades heterogêneo na seção transversal de escoamento da mistura sólido-fluido. Em
algumas situações, dependendo da natureza do problema em estudo, a formulação para o transporte de
partículas pode ser substancialmente simplificada considerando que a mistura se comporta como um
fluido homogêneo.
No transporte hidráulico, em qualquer configuração, o critério empírico de Newitt (Equação 1)
pode ser utilizado para indicar se as partículas são consideradas pequenas e assim o problema ser tratado
como escoamento homogêneo.

1800𝑔𝐷𝑣𝑇
𝑁𝑒 = 3 <1 (1)
𝑢𝑀
3
Onde 𝑣𝑇 representa a velocidade terminal das partículas no fluido de arraste (Equação 2) e
𝑢𝑀 é a velocidade da mistura sólido-fluido (Equações 6 ou 7). Os termos D e g são o diâmetro interno
da canalização e a aceleração da gravidade, respectivamente.

4𝑑𝑝 (𝜌𝑃 − 𝜌)𝑔


𝑣𝑇 = √ (2)
3𝜌𝐶𝐷

Onde 𝐶𝐷 corresponde ao coeficiente de arraste, adimensional.

Transporte Hidráulico Horizontal

No caso do transporte hidráulico horizontal de partículas, a velocidade crítica 𝑢𝑠 (saltation), ou


velocidade crítica de deposição (𝑣𝑚2 ), pode ser obtida a partir da correlação de Santana (1982), conforme
a Equação 3:

1 𝜌𝑝
1
0,46 𝑑 0,077
𝑝
𝑢𝑠 = 𝑣𝑚2 = 6,34𝐶𝑉 (𝑔𝐷 ) ( − 1)
3 2 ( ) (3)
𝜌 𝐷

Onde o termo 𝐶𝑉 , denominado de concentração volumétrica de partículas (ou de sólidos), é


calculado por meio da Equação 4:

𝑄𝑝
𝐶𝑉 = (4)
𝑄𝑝 + 𝑄𝑓

No transporte de uma suspensão aquosa de finos (partículas pequenas), observa-se que a mesma
apresenta o comportamento de fluido não-Newtoniano, onde a queda de pressão pode ser calculada
segundo a abordagem de Santana (1982), a partir da Equação 5 (para suspensões homogêneas):

2
∆𝑃 𝑢𝑀
=𝑓 𝜌 (5)
𝐿 2𝐷 𝑀

Na qual a velocidade da mistura sólido-fluido 𝑢𝑀 , é definida pela Equação 6 ou 7:

𝐺𝑓 𝐺𝑝
𝑢𝑀 = + (6)
𝜌𝐴 𝜌𝑝 𝐴
4
𝑄𝑓 + 𝑄𝑝
𝑢𝑀 = (7)
𝐴

Onde D e L representam o diâmetro interno do tubo e a distância entre duas tomadas de pressão,
respectivamente. Os termos 𝐺𝑓 𝑒 𝐺𝑝 representam as vazões mássicas do fluido e dos sólidos,
respectivamente. Os termos 𝑄𝑓 𝑒 𝑄𝑝 são as vazões volumétricas do fluido e dos sólidos, respectivamente.
O parâmetro A nas Equações 6 e 7 representa a área da seção transversal de transporte.

O fator de atrito f depende da reologia da suspensão. No caso de fluidos não-Newtonianos que


obedecem à Lei da Potência (Power Law ou modelo de Ostwald-de-Waele), o valor de f pode ser
estimado por meio das correlações do Quadro 1. O valor da massa específica da mistura sólido-fluido ou
concentração mássica da suspensão (𝜌𝑀 ) pode ser calculada por meio da Equação 8:

𝜌𝑀 = 𝜀𝜌 + (1 − 𝜀)𝜌𝑝 (8)

Quadro 1 - Correlações para o fator de atrito de fluidos não-Newtonianos (Power Law) e para a
interação fluidodinâmica entre a mistura e a parede interna do duto onde ocorre o transporte (modelo
de Churchill, 1973) – suspensões homogêneas:

Pesquisador Correlação Equação


𝑛
(1− )
1 2 𝑓
∗( )
2 0,2
= 𝑙𝑜𝑔 [𝑅𝑒 ]−
Dodge e Metzner √𝑓 𝑛0,75 4 𝑛1,2 (9)

1
1 𝑓 2
Tomita = 2𝑙𝑜𝑔 [𝑅𝑒 ∗ ( ) ] − 0,2 (10)
√𝑓 4

1 10−𝛽/2 1 𝜖
= −2𝑙𝑜𝑔 [ ∗ (2−𝑛)/2𝑛 ] + ( )
√𝑓 𝑅𝑒 (𝑓 ) 3,71 𝐷
Szilas et al. (11)
1/𝑛
0,707 4,015
𝛽 = 1,51 ( + 2,12) − − 1,057
𝑛 𝑛

1 𝑘 6,81 0,9
Churchill = −2𝑙𝑜𝑔10 [0,27 +( ) ] (12)
√𝑓 𝐷 𝑅𝑒𝑀

O número de Reynolds modificado (Re*) para fluidos não-Newtonianos do tipo Power


Law, deve ser calculado pela Equação 13:
5
𝜌𝐷 𝑛 𝑢𝑀 (2−𝑛)
𝑅𝑒 ∗ =
𝑘 6𝑛 + 2 𝑛 (13)
[ ]
8 𝑛

Na qual os termos k e n representam, respectivamente, os índices de consistência e de


comportamento do fluido não-Newtoniano.

Na Equação 12 o termo 𝑅𝑒𝑀 representa o número de Reynolds modificado para a mistura, dado
pela Equação 14, onde 𝜌𝑀 , 𝜇𝑀 e 𝑢𝑀 são respectivamente a massa especifica, viscosidade efetiva e
velocidade da mistura sólido-fluido.

𝐷𝑢𝑀 𝜌𝑀 (14)
𝑅𝑒𝑀 =
𝜇𝑀

A presença e partículas em um líquido faz com que a viscosidade da suspensão aumente, em


relação a do fluido. Isso ocasiona uma mudança no comportamento reológico da mistura. A viscosidade
efetiva da mistura sólido-fluido, para partículas esféricas e sem restrições para CV, pode ser estimada
adequadamente por:

𝜇𝑀
= 1 + 2,5𝐶𝑉 + 10,05𝐶𝑉2 + 0,00273𝑒 16,6𝐶𝑉
𝜇

E sem restrição de forma, por:

𝐶𝑉
𝜇𝑀 𝑒𝑥𝑝 (2,5𝐶𝑉 − 𝑛 𝐶𝑚á𝑥 )
=
𝜇 𝐶 𝑛
(1 − 𝐶 𝑉 )
𝑚á𝑥

Na qual n = 2; Cmáx = 0,63; µM representa a viscosidade efetiva da suspensão e µ é a viscosidade


dinâmica do fluido.

Uma abordagem consagrada na literatura de tratamento de minérios para estimar a velocidade


crítica de deposição, é a fórmula de Durand (1953), dada pela Equação 15:

𝜌𝑃 − 𝜌 1/2
𝑣𝑚2 = 𝐹𝐿 [2𝑔𝐷 ( )] (15)
𝜌
6
onde 𝐹𝐿 é o fator de Durand, função de dp e de 𝐶𝑉 . Esse fator pode ser estimado por meio da correlação
de Schiller e Herbich (1991), de acordo com a Equação 16:

𝐹𝐿 = (1,3𝐶𝑉 0,125 )[1 − 𝑒 −6,9𝑑50 ] (16)

onde 𝑑50 é expresso em mm (percentagem de passante).

O método de cálculo de 𝐹𝐿 atribuído a Gilies (1999) baseia-se nos números adimensionais de


Arquimedes (𝐴𝑟 ) e de Froude (𝐹𝑟 ), dado pelas Equações 17 e 18, respectivamente:

4 3
𝐴𝑟 = 𝑑 𝜌(𝜌𝑃 − 𝜌)𝑔 (17)
3𝜇 2 𝑝

𝐹𝑟 = 𝑎𝐴𝑟 𝑏 (18)

Onde os parâmetros a e b são obtidos em função da faixa de valores do número de Arquimedes, conforme
o Quadro 2:

Quadro 2 - Parâmetros a e b da Equação 18 em função da faixa de Ar


Faixa do número de Arquimedes a b
Ar > 540 1,78 - 0,019
160 < Ar <540 1,19 0,045
80 < Ar < 160 0,197 0,4

Conhecendo-se 𝐹𝑟 o valor de 𝐹𝐿 é então obtido da relação dada pela Equação 19:

𝐹𝑟
𝐹𝐿 = (19)
√2

Se 𝐴𝑟 < 80 usa-se o método de Wilson e Judge (1976), conforme a Equação 20:

𝑑𝑝
𝐹𝐿 = [2 + 0,3𝑙𝑜𝑔10 ( )] (20)
𝐷𝐶𝐷

A Equação 20 é válida para:

𝑑𝑝
10−5 < ( ) < 10−3
𝐷𝐶𝐷
7
O fator FL também pode ser determinado por meio dos gráficos das Figuras 1 e 2 em função de
dp e Cv.

Figura 1. Fator FL de Durand em função de CV (2 a 15%) e dp (μm )


8

Figura 2. Fator FL de Durand em função de CV (5 a 30 %) e dp (μm )

Cálculo de d50 (Exemplo)

Os dados a seguir representam o resultado de uma análise granulométrica de um material


particulado. Determine d50.
Diâmetro da partícula (m) 425 300 212 150 106 75 53 45 38
Passante acumulativo (%) 97,2 87,1 68,3 51,3 35,9 20,5 14,5 11,8 10,8

Resposta: 150 μm
9
Passs=(-8,9488)+(,478117)*dp+(-,54e-3)*dp^2
100

90

80

Material passante acumulativo (%)


70

60

50

40

30

20

10

0
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450

dp (micrometros)

Figura 3. Ajuste (modelo quadrático)

100
90
80
70
60
Passante Acumulativo (%)

50

40

30

20

10
9
50 150 250 350 450
100 200 300 400

dp (micrometros)

Figura 4. Gráfico Log-Log


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A queda de pressão total no transporte hidráulico horizontal de partículas pode ser estimada por
meio da correlação de Santana (1982):

∆𝑃 ∆𝑃
( ) −( ) 2 −3/2 𝑑 0,23
𝑢𝑀 𝜌𝑠
1,38
𝐿 𝑇 𝐿 𝐹 𝑝
= 385 ( ) ( ) ( − 1)
∆𝑃 𝑔𝐷 𝐷 𝜌𝑓
𝐶𝑉 ( 𝐿 )
𝐹

Onde CV é a concentração volumétrica de sólidos.

∆𝑃 ∆𝑃 ∆𝑃
( ) = ( ) +( )
𝐿 𝑇 𝐿 𝑆𝐹 𝐿 𝐹

∆𝑃 𝜌𝑓 2
( ) = 2𝑓𝐹 𝑢𝑀
𝐿 𝐹 𝐷

∆𝑃
( ) = (1 − 𝜀)(𝜌𝑠 − 𝜌𝑓 )𝑔
𝐿 𝑆𝐹

Obs. Para o transporte hidráulico vertical, usar:


∆𝑃 𝜌𝑓 2
( ) = 2𝑓𝐹 𝑢𝑀 + 𝐶𝑉 (𝜌𝑠 − 𝜌𝑓 )𝑔
𝐿 𝑇 𝐷

Os índices T, SF e F referem-se a TOTAL, interação SÓLIDO-FLUIDO e FLUIDO. O termo 𝑓𝐹


é o fator de atrito de Fanning, igual a:
1
𝑓𝐹 = 𝑓𝐷
4

Onde 𝑓𝐷 é o fator de atito de Darcy-Weisbach (o mesmo f da equação universal da perda de carga).

Recomenda-se também estimar a queda de pressão total pela clássica correlação de Durand e
Condolios (1953):
11
1,5
∆𝑃 ∆𝑃 𝜌𝑠
( 𝐿 ) −( 𝐿 ) 𝑔𝐷 (𝜌 − 1)
𝑇 𝐹 𝑓 1
= 150 {[ ]( )}
∆𝑃 𝑢 2
√ 𝐶
𝐶𝑉 ( 𝐿 ) 𝑀 𝐷
𝐹

Onde CD representa o coeficiente de arraste.

Notação [unidades do SI]

A = área da seção reta do tubo [m2]


Ar = número de Arquimedes [adim]
Cv = concentração volumétrica de partículas [adim]
CD = coeficiente de arraste [adim]
D = diâmetro interno do tubo [m]
f = fator de atrito, conforme a reologia da suspensão [adim]
f = fD = fator de atrito de Darcy-Weisbach [adim]
fF = fator de atrito de Fanning [adim]
FL = fator de Durand [adim]
Fr = número de Froude [adim]
g = aceleração devida à gravidade [m/s2]
G = fluxo mássico de sólidos [kg/(m2 s)]
L = altura ou comprimento do tubo [m]
Gf = vazão mássica de fluido [kg/s]
Gp = vazão mássica de sólidos [kg/s]
Qf = vazão volumétrica de fluido [m3/s]
Qp = vazão volumétrica de sólidos [m3/s]
p = pressão [Pa]
Δp/L = gradiente de pressão [Pa/m]
uM = velocidade média da suspensão [m/s]
vm2 = us = velocidade crítica de deposição ou velocidade saltation [m/s]
vm = velocidade de transporte [m/s]
Qf = vazão volumétrica de fluido [m3/s]
Qp = vazão volumétrica de sólidos [m3/s]
dp = diâmetro da partícula [m]
ε = porosidade da suspensão [adim]
ρ = massa específica do fluido [kg/m3]
μ = viscosidade dinâmica do fluido [Pa.s]
μM = viscosidade efetiva da suspensão [Pa.s]
ρp = ρs = massa específica da partícula ou do sólido [kg/m3]
ρM = concentração mássica da suspensão [kg/m3]
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Bibliografia

- ABULNAGA, B. Slurry systems handbook. New York: McGraw-Hill, 2002.

- CHAVES, A. P. Teoria e prática do tratamento de minérios, volume 1, 3ª ed., São Paulo: Signus, 2006.

- COULSON, J. M.; RICHARDSON, J. F. Tecnologia química, 1º volume, 4ª ed., Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 2004.

- CREMASCO, M. A. Operações unitárias em sistemas particulados e fluidomecânicos. São Paulo:


Blucher, 2012.

- GOVIER, G. W.; AZIZ, K. The flow of complex mixtures in pipes. New York: Van Nostrand Reinhold,
1977.

- MASSARANI G. Fluidodinâmica em sistemas particulados. 2ª ed., Rio de Janeiro: e-papers, 2002.

- SANTANA, C. C. Transporte hidráulico e pneumático de partículas. In: Tópicos especiais de sistemas


particulados. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, 1982.

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