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CURSO TEOLÓGICO A DISTÂNCIA

Anjos: Agentes a serviço de Deus 

A doutrina dos anjos bons e maus

Site: ​www.josiasmoura.com
Email: ​josiasmoura@hotmail.com
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A DO U T R I N A D O S A N J O S
Que são anjos? Por que Deus os criou?
Explicação e Base Bíblica
I. LEVANTAMENTO HISTÓRICO DOS ANJOS

1.1 – No Período Antigo (c. 3000 - c. 1000 a.C.)

A afirmação da crença de povos na existência dos anjos no período antigo, está


relacionada a descobertas arqueológicas feitas em várias regiões do mundo antigo. Em meio a
materiais encontrados em escavações arqueológicas, também foram encontrados indícios da crença
em seres angelicais por parte de povos antigos. Alguns pesquisadores crêem que a idéia de anjos
vem desde o início da civilização, dos tempos pré-históricos, quando os seres humanos primitivos
saíram das cavernas e passaram a olhar mais para os céus, desenvolvendo, a partir de então, a
teoria dos anjos como sendo mediadores de Deus estando eles a serviço dos seres humanos.
Estudiosos do assunto afirmam que, na Suméria, em c. 3800 a.C. havia a crença de que o
“ar vivia cheio de… anjos protetores de cada sumeriano”, sendo esta, “até onde se sabe, a mais antiga
referência a anjos”1, embora, a mais antiga evidência encontrada que favorece a afirmação da
crença de antigos povos na existência dos anjos, é um achado em Ur-Namus, datando de 2250 a.C.,
onde se podem ver anjos pairando por sobre a cabeça do Rei, enquanto este orava.2
Embora a Bíblia apresente a aparição de anjos no período vivido por Abraão (c. 2000 a.C.),
crê-se que culturas não hebréias que existiram antes do período veterotestamentário já ​criam na
existência de anjos, considerando-os como poderosos seres espirituais. A religião persa (c. 1000 a.C.),
por exemplo, é apontada como o meio onde a angelologia formal se desenvolveu, crendo em
deidades secundárias entre elas os “flavashis, que eram guardiões dos seres humanos3, trazendo
esta crença, segundo alguns estudiosos, uma grande contribuição para a angelologia dos hebreus.

1.2 – No Período Greco-Romano (c. 400 a.C. – 50 d.C.)


Mesmo com o passar do tempo, os anjos continuavam a exercer fascínio entre as
pessoas, sendo até mesmo considerados como seres semi-divinos. H. Bietenhard afirma que era
atribuído a esses seres um “poder sobre-humano” estando o mundo cheio deles e que se
posicionavam como intermediários entre os deuses e homens. Embora não houvessem diferença na
essência dos deuses e dos anjos, estes “vivam no ar perto da terra”, ao passo que aqueles viviam
mais distantes da terra e dos homens.4
A cultura greco-romana, envolvida com o misticismo helenista, tem nas obras de seus
filósofos e poemas, a crença em anjos. William Cooke, citado por Lewis Chafer, comenta que:
“Hesíodo atribui uma agência ministradora aos espíritos que uma vez haviam habitado os corpos
mortais durante a era dourada. Hesíodo fala deles como: “espíritos etéreos (...) guardiões da raça (…)
invisíveis aos olhos mortais (…) e que marcam as nossas ações boas ou más daqui debaixo (…)”.5
Na biblioteca de Nag Hammadi, que foi descoberta em 1945 no Egito, foi encontrado um
material gnóstico datado do século IV a.C., havendo neste material uma angelologia bem elaborada,
afirmando que, dentre outras coisas, “a distância entre Deus e os Homens é preenchida por trinta
‘Archons’, isto é, seres intermediários, possivelmente anjos, que guardam as regiões celestes; nos
‘papiros mágicos’ desta coleção há fórmulas de como atrair os anjos”.6
A crença na existência dos anjos e nas suas funções também são encontradas em
literaturas apócrifas. O livro apócrifo de Tobias (250 - 200 a.C.) fala
de um arcanjo chamado Rafael, que ajudara a Tobias, quando este estivera em dificuldades. O livro
de Enoque (150 – 64 a.C.), uma literatura apocalíptica não-judaíca, descreve os anjos como auxiliares
na promulgação da Lei; e Filo (c. 20 a.C. – c. de 42 d.C), filósofos de Alexandria, descreve os anjos
como mediadores entre Deus e os homens.

1
Hygino, Z. A. 2001 p. 33,35.
2
Champlin, R. N. Vol. I p. 171
3
Ibid. p. 40-42
4
Bietenhard, H. 1989 Vol. I p. 226
5
Chafer, L. S. 2003 Livro 1 p. 427
6
Lopes, A. N. Ultimato / Maio 1996 p. 31
3
O interesse pelos anjos também é visto nos escritos da comunidade de Cunrã (c. 100
a.C.). Criam que os anjos eram o “aspecto de um dualismo cósmico” havendo Deus criado o Reino da
Luz e das Trevas, tendo posto um príncipe ou anjo sobre cada um desses reinos, e que haverá nos
últimos dias uma guerra entre Deus e os filhos da luz conta os filhos das trevas.7

1.3 – No Período Primitivo (c. 50 – 1000 d.C.)


Este período é marcado pela história da igreja cristã, sendo também um período onde a
crença nos anjos continuava a influenciar a vida de muita gente mediante o gnosticismo que pregava
dentre muitas outras coisas, não só o culto aos anjos, mas também, a equiparação de Jesus aos
mesmos.
O apóstolo Paulo reage a estas idéias escrevendo a carta aos Colossenses, mostrando a
superioridade de Cristo aos anjos, combatendo assim, também, o culto aos mesmos. Outro escritor
que se opõe a essas doutrinas gnósticas é o escritor aos Hebreus, que apresenta na abertura de sua
carta, a superioridade de Cristo aos anjos, combatendo, também a adoração a esses seres
angelicais.
Nos primeiros séculos depois de Cristo, a crença nos anjos ainda continuou ocupando um
espaço considerável nos círculos religioso, inclusive na igreja cristã, mesmo havendo uma dedicação
por parte dos pais da igreja em combater as várias heresias que surgiram acerca da natureza de
Cristo, além do combate ao gnosticismo e outros grupos heréticos.
De acordo com os pais da igreja, os anjos são possuidores de corpos perfeitos e etéreos,
havendo entre eles um consenso geral de que, embora criados bons, alguns caíram, sendo chefiados
por Satanás, por ser ele de uma classe angelical mais elevada. Aceitava-se que a razão da queda do
Satanás está relacionada ao orgulho e ambição enquanto que os demais anjos caíram por terem
cobiçado as filhas dos homens, baseando-se para isto em Gênesis 6.2. Diante de tais afirmações,
Inácio de Antioquia acreditava que havia salvação para tais anjos caídos, e que esta salvação
dependia do sangue de Cristo, enquanto que Orígenes cria na impecabilidade dos mesmos,
afirmando ainda que “se for possível a queda de um anjo, talvez seja possível a salvação de um e
demônio”.8 Com o passar do tempo, em virtude de uma melhor exegese de Gênesis 6.2, a crença na
queda dos anjos por causa da cobiça das filhas dos homens vai desaparecendo, enquanto que a
crença na queda de Satanás por causa do orgulho se manteve.
Neste período, um dos que trouxeram uma notável contribuição aos estudos dos anjos foi
Dionísio (c. de 500 d.C). Ele descreve os anjos como “urna imagem de Deus, uma manifestação da luz
oculta, um espelho puro, brilhante, sem defeito, nem impureza ou mancha”9 ​e dividiu-os em 3 classes,
sendo a primeira constituída de tronos, querubins e serafins que gozavam de uma estreita comunhão
com Deus e que iluminavam a segunda classe que era composta por domínios e poderes, e que por
sua vez, iluminavam a terceira classe, sendo esta composta por principados, arcanjos e anjos.10 Esta
divisão de anjos em classes, apontando uma hierarquia entre eles, já havia sido feita de forma
semelhante por Irineu que viveu quatro séculos antes de Dionísio.
Por este tempo, a crença no anjo da guarda volta a crescer, pois era levado em
consideração que os anjos bons viviam a atender às necessidades do povo de Deus. Jerônimo, por
exemplo, acreditava que tais anjos eram dados aos seres humanos quando estes nasciam, e “Pedro
Lombardi (1100 – 1160 d.C.), acrescentou que um único anjos podia guardar muitas pessoas de uma
só vez”.11

1.4 - Na Idade Média


A Idade Média é marcada por muitos questionamentos acerca dos anjos. O
escolasticismo, por exemplo, debateu dentre outros assuntos: se os anjos ocupavam algum espaço; o
grau de conhecimento dos anjos; qual o intervalo de tempo entre a criação e a queda deles. Este
período trouxe um apoio considerável à crença no anjo da guarda, surgindo também o
questionamento sobre qual o período em que tais anjos assumem seu compromisso de guardar as
crianças, se estando elas ainda no ventre materno, no seu nascimento ou após o batismo.12

7
Bietenhard, Ibid
8
Horton, S. M. 1997 p. 192, 193.
9
Ibid
10
Berkhof, L. 1998 p. 141
11
Ibid
12
Shafer, L. Ibid. p. 426
4
Augusto Strong aborda que os escolásticos também debateram sobre os excrementos
dos anjos, tendo em vista o fato de a Bíblia falar sobre “comida de anjos” (Salmo 78.25) e que os anjos
comeram (Gênesis 18.8; 19.3). Strong escreve ainda que uma atmosfera de medo assolava as
mentes dos homens nesta época, pensando-se “que era possível vender a alma a Satanás através de
um pacto escrito com sangue”, sendo tais idéias também pintadas ou esculpidas nas catedrais, que
“cultivavam e perpetuavam esta superstição através de figuras de demônios malignos que
arreganham os dentes das Gárgulas dos seus tetos e dos capitéis das suas colunas e a pregação
popular exaltava Satanás ao nível de um deus rival - mais temido que o verdadeiro Deus vivo”.13 ​Nesta
época a adoração aos anjos passa a ser uma prática na liturgia católica romana, o que levou
posteriormente o “Papa Clemente X (1670 – 1676 d.C.) a decretar uma festa em homenagem aos
anjos”.14

1.5 – No Período da Reforma


No período da Reforma Protestante, a crença na existência dos anjos se manteve, embora
houvesse discordância quanto à existência dos anjos-da-guarda. Os teólogos protestantes, deste
período, dentre eles Martinho Lutero e João Calvino, criam que a atividade especial dos anjos bons
era agir em favor dos salvos.15 Lutero ensinava que apesar dos anjos estarem diante de Deus, não
exercem nenhum esforço para nos socorrer imediatamente. Calvino, por sua vez, afirmava que os
anjos são agentes de Deus que nos vigiam visando nossa proteção e que cuidam para que nenhum
mal nos ocorra. 16
A Confissão Belga, credo reformado elaborado em 1561 por Guído de Bres e que se
tornou o credo padrão das igrejas reformadas da Bélgica e Holanda, no seu artigo XII ao tratar da
criação declara: “Ele criou também os anjos bons, para serem seus mensageiros e servirem seus
eleitos, alguns dos quais caíram daquele estado de perfeição em que Deus os criou, para eterna
perdição deles; e os outros, pela graça de Deus, permaneceram firmes e continuaram em seu
primitivo estado. Os demônios e os maus espíritos são tão depravados que são inimigos de Deus e de
todo bem, no máximo de sua capacidade, como assassinos que lutam pela ruína da igreja e de cada
um dos seus membros, e pela destruição de todos, com os seus vis estratagemas; e, portanto, por sua
iniqüidade, estão sentenciados à perdição eterna, em diária expectação dos seus horríveis
tormentos”17

1.6 – No Período Moderno


A doutrina dos anjos​, no período moderno, passou por grandes transformações,
contribuindo para isto, o racionalismo do século XVIII que passou a negar a existência dos anjos e do
sobrenatural.
Neste período, surgiram várias correntes de interpretação bíblica representadas por
teólogos, cujas idéias não apenas são contrárias aos ensinos das Sagradas Escrituras, como
também, chocam-se entre si. Alguns teólogos, tidos como liberais, passaram a ensinar que os anjos
não são seres reais, mas uma “representação simbólica do cuidado protetor de Deus e de sua
disposição para dar ajuda e socorro”.18
Rudolf Bultmann, por exemplo, afirmava que os relatos bíblicos são repletos de mitos e
que seria necessário demitizar, isto é, expurgar tais mitos, sendo estes mitos apontados como os
milagres de Jesus, e as ações sobre naturais de Deus, tanto no Novo como no Antigo Testamento, o
que implica também a angelologia, por serem seres espirituais o que se manifestavam e agiam
sobrenaturalmente.
O teólogo liberal Paul Tillich, declarava que “para interpretar o conceito de anjos de modo
relevante, hoje, interprete-os como as essências platônicas, como os poderes da existência, e não
como seres especiais. Se você interpretá-los desta última maneira, tudo não passará de grosseira
mitologia”.19

13
Strong A. 2003 Vol. I p. 649
14
Horton. S. Ibid p. 193
15
Berkhof, L. Ibid p. 42
16
Ibid
17
Ibid. p. 142, 143
18
Ibid p. 143
19
Horton, S. Ibid. p. 194
5
Karl Barth, por sua vez, defende um estudo cuidadoso acerca dos anjos, declarando que
“o estudioso sobre o assunto vivia um problema de como avançar sem ser precipitado (…) ser ao
mesmo tempo aberto e cauteloso, crítico e ingênuo, perspicaz e modesto?”20

1.7 – No Período Contemporâneo


Diferentemente do período moderno, a doutrina dos anjos, na presente era, tem sido
enfatizada de maneira tal que, contrariando o racionalismo e os conceitos de teólogos liberais, não
apenas se crê na sua existência como seres reais e que estão a serviço do ser humano, mas também
tem sido colocado em um patamar de destaque tal que ocupam espaço em livros, revistas, jornais,
programas de televisão, documentários e até mesmos filmes.
No Brasil, por exemplo, à última década do século XX foi marcada por um movimento
acerca dos anjos quando, especialmente alguns místicos, passaram a enfatizar a existência de anjos
e suas ações entre os humanos, tendo tais declarações ampla cobertura pelas emissoras de TV que
ajudaram a despertar em toda a população um desejo em saber mais sobre os anjos.
Surgiram assim pessoas que lançaram no mercado editorial, não apenas livros, mas
também propostas de cursos sobre os anjos, denominando-se seus porta-vozes. Só no mercado
editorial, houve um aumento de 147 por cento no número de livros sobre os anjos entre os anos de
1993 e 1995. Tal ênfase sobre os anjos não apenas trouxe de volta, de forma mais intensa a crença
em “anjo da guarda”, como também propiciou certas afirmações sobre os anjos, tais como: as que
foram publicadas numa matéria da revista Isto É:
a) Falam uma língua que qualquer pessoa pode entender, “dependendo da sensibilidade e da
iniciação espiritual de cada um”;
b) Lúcifer caiu por ter “se revoltado contra a ordem de Deus que incumbia os anjos de proteger os
homens. Isso porque o anjo amava tanto a Deus que queria louvar somente a Ele”;
c) Esta é a terceira grande jornada dos anjos na terra tendo sido a primeira “nos tempos bíblicos; a
segunda na Idade Média, em meio às cruzadas quando apareciam principalmente para santos e
videntes. Agora, seria a vez dos cidadãos comuns”.21
Pessoas de todas as partes do Brasil, principalmente dos grandes centros urbanos,
passaram a se projetar na mídia como terapeutas angelicais, dizendo-se manter contatos especiais
com anjos, ouvindo as suas vozes, conversando com eles e até prometendo cura de enfermidades
através da invocação de tais seres, garantindo ajuda para pessoas com problemas emocionais,
financeiros e familiares.
Outros afirmam ver os anjos e descrevem-nos como “fortes, adultos e coloridos”, além de
terem “bom humor”, ao passo que outros dizem que se comunicam com eles mediante um “fenômeno
chamado sicronicidade, que é uma série de coincidências, indicando que eles estariam por perto”.22
Além disso, surgiram tabelas que, baseadas nos 72 anjos da cabala, a tradição oculta
dos Hebreus, trazem os nomes desses anjos com datas e meses do ano para que as pessoas,
nascidas naquela data, conheçam seu “guardião” e possam invocá-lo por seu nome. Alguns autores
de livros sobre os anjos declaram ter escrito tais livros com uma inspiração angelical, quando estes
sopravam nos ouvidos daqueles as palavras que queriam passar aos seres humanos. Dentre os
muitos interlocutores dos anjos hoje podemos citar nomes como o da economista paulista Adriana
Fres; a consultora editorial Sônia Café; a figurinista Biba Arruda, além da empresária Mônica
Buonfiglio, e os escritores Paulo Coelho e Shirley MacLaine.
A ênfase sobre os anjos também chegou às igrejas evangélicas, onde não apenas novos
livros foram escritos por autores evangélicos e muitos hinos falando sobre anjos foram cantados nos
cultos e reuniões, mas também vários sermões foram pregados nos púlpitos das igrejas de todo o
Brasil, abordando a existência e o ministério desses seres angelicais.
No início do século XXI, a ênfase sobre os anjos caiu um pouco da “moda”, perdendo um
pouco da sua força, até mesmo dentro do meio evangélico. Houve uma diminuição na produção dos
cânticos concernentes aos anjos, na pregação de sermões abordando o tema, e na tiragem de livros
acerca desses seres angelicais, sejam tais livros de cunho evangélico ou não. Porém, os interlocutores
dos anjos declararam que a razão de tamanha “manifestação angelical” na década de 1990 era a de

20
Ibid p. 195
21
Gullo, C & Pereira, C. Revista Isto É, n° 1353 p. 68, 69
22
Ibid. p. 71, 73
6
ajudarem “o homem a atravessar este tumultuado final de milênio”23 havendo agora uma certa
diminuição na ênfase dada aos mesmos já que estamos em um novo milênio.
No entanto, esta diminuição na busca pelos anjos, seja no contexto secular ou religioso,
não implica em desprezo, ou desconsideração para com os tais seres, pois ainda são publicados
livros e revistas sobre o tema, havendo um público fiel na leitura dessas publicações. No meio
evangélico, também, ainda se cantam músicas que falam do anjos, e algumas igrejas vivem sob a
influência de alguns pastores e preletores que vivem abordando a ação dos anjos nas igrejas e no
mundo.
Diante desta exposição histórica sobre os anjos, vemos o quanto a humanidade tem se
voltado a conhecer melhor tais seres espirituais, o que, cada um de sua maneira tem falado sobre
eles, baseando-se não só em suas próprias experiências e idéias, mas também firmando seu
conhecimento na especulação de filósofos.
No próximo capítulo faremos uma exposição do que as Sagradas Escrituras afirma
acerca dos anjos, abordando não só a sua natureza e classificação, como também veremos o
panorama da ação destes seres, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

A. QUE SÃO ANJOS?

Podemos dar a anjos a seguinte definição: ​anjos são seres espirituais criados, dotados de
juízo moral e alta inteligência, mas desprovidos de corpos físicos.

1. Seres espirituais criados​. Os anjos não existem desde sempre; fazem parte do universo
que Deus criou. Numa passagem que se refere aos anjos como as “hostes” dos céus (ou o “exército
dos céus”), diz Esdras: “Só tu és Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército ... e o
exército dos céus te adora.” (Ne 9:6; cf. Sl 148:2,5). Paulo nos diz que Deus criou todas as coisas, “as
visíveis e as invisíveis”, por meio de Cristo e para Ele, e depois inclui especificamente o mundo dos
anjos com a expressão “sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades.” (Cl. 1:16)
O fato de que os anjos exercem juízo moral se percebe no fato de alguns deles terem
pecado e caído dos seus postos (2 Pe 2:4; Jd 6). Sua elevada inteligência se revela quando, ao longo
da Bíblia, falam às pessoas (Mt 28:5; At. 12:6-11; etc.) e cantam louvores a Deus (Ap. 4:11; 5:11).
Como os anjos são “espíritos” (Hb 1:14) ou criaturas espirituais, normalmente não têm
corpos físicos (Lc 24:39). Portanto em geral não podemos vê-los, a menos que Deus nos dê a
capacidade especial de enxergá-los (Nm 22:31; 2 Rs 6:17; Lc 2:13). São invisíveis nas suas atividades
normais de nos guardar e proteger, e de se unir a nós na adoração a Deus (Hb 12:22). Contudo, de
quando em quando os anjos assumiam uma forma corpórea, aparecendo a diversas pessoas das
Escrituras (Mt 28:5; Hb 13:2).

Têm natureza moral e nesta qualidade estão sob obrigação moral; são recompensados pela
obediência e punidos pela desobediência.

2. Outros nomes dos anjos​. As Escrituras por vezes usam outros termos para denominar os
anjos, como “filhos de Deus” (Jó 1:6; 2:1), “santos” (Sl 89:5,7), “espíritos” (Hb 1:14), “vigilantes” (Dn 4:13,
17, 23), “tronos”, “soberanias”, “principados”, “potestades” (Cl. 1:16) e “poderes” (Ef. 1:21).

3. Outros tipos de seres celestiais​. As Escrituras dão nome a outros três tipos de seres
celestiais. Quer os consideremos tipos especiais de “anjos” (num sentido mais amplo do termo), quer
serem celestiais distintos dos anjos, são de qualquer modo criaturas espirituais que servem e adoram
a Deus.

a. Os “querubins”​. Receberam a tarefa de guardar a entrada do jardim do Éden (Gn 3:24), e


diz-se freqüentemente que o próprio Deus está entronizado acima dos querubins, ou viaja com os
querubins por carro (Sl 18:10; Ez 10:1-22). Sobre a arca da aliança no Antigo Testamento havia duas
imagens de ouro de querubins, com suas asas estendidas por sobre a arca, e era ali que Deus
prometia vir habitar no meio do Seu povo: “ali, virei a ti, e de cima do propiciatório, do meio dos dois
querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar
para os filhos de Israel” (Ex 25:22; cf. vv. 18-21).

23
Gullo, C. & Ibid.
7

b. Os “serafins”​. Outro grupo de seres celestiais, os serafins, são mencionados somente em


Isaías 6:2-7, onde continuamente adoram ao Senhor e clama uns para os outros: “Santo, santo, santo
é o Senhor dos Exércitos, toda a terra está cheia da sua glória.” (Is. 6:3).

c. Os seres viventes​. Ezequiel e Apocalipse nos falam de ainda outro tipo de criaturas
celestiais, conhecidas como “seres viventes”, que circundam o trono de Deus (Ez 1:5-14; Ap 4:6-8).
Com os seus semblantes de leão, boi, homem e águia, representam os seres mais poderosos de
partes diversas de toda a criação divina (animais selvagens, animais domesticados, seres humanos e
pássaros) e adoram a Deus continuamente: “Não têm descanso, nem de dia nem de noite,
proclamando: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, aquele que era, que é e que há
de vir.” (Ap. 4:8)

4. Hierarquia e ordem entre anjos​. As Escrituras indicam que existe hierarquia e ordem entre
os anjos. Um deles, Miguel, é dito “arcanjo” em Judas 9, título que indica soberania ou autoridade
sobre outros anjos. É chamado “um dos primeiros príncipes” em Daniel 10:13. Miguel também parece
ser o líder do exército angélico: “Houve pela no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão
e seus anjos; todavia, não prevaleceram” (Ap 12:7-8). E Paulo nos diz que o Senhor, “ouvida a voz do
arcanjo” (I Ts 4:16), descerá do céu. As Escrituras, porém, não nos dizem se isso significa que Miguel é
o único arcanjo ou se há outros.

5. Nomes de anjos específicos​. Só dois anjos são denominados especificamente na Bíblia.


Miguel é mencionado em Judas 9 e Apocalipse 12:7-8, além de Daniel 10:13,21, onde é chamado
“Miguel, um dos primeiros príncipes” (v. 13). O anjo Gabriel é mencionado em Daniel 8:16 e 9:21 como
mensageiro que vem de Deus para falar ao profeta. Gabriel também se identifica como mensageiro
de Deus a Zacarias e a Maria em Lucas 1, em que o anjo responde a Zacarias: “Eu sou Gabriel, que
assisto diante de Deus” (Lc 1:19). Depois lemos ​“No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de
Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem ... a virgem chamava-se Maria”
(Lc 1:26-27).
Não é impossível que o título de arcanjo também se aplique a Gabriel e a uns poucos anjos mais,
tendo em vista a finalidade com estes anjos servem a Deus.

6. Um só lugar de cada vez​. As Escrituras muitas vezes retratam os anjos deslocando-se de


um lugar para outro, como no versículo mencionado acima, em que Gabriel foi ​“enviado, da parte de
Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré”. Isso se torna evidente quando um anjo
aparece a Daniel e diz:
“Por causa das tuas palavras, é que vim...”​. Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por
vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória
sobre os reis da Pérsia. Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo, como
tudo o mais que Deus criou (Dn. 10:12-14).
A idéia de que um anjo pode estar num só lugar por vez é compatível com o fato de serem
eles seres criados. Ao contrário de Deus, que é onipresente, os anjos são criaturas finitas e portanto
limitadas a estar num só lugar por vez, como tudo o mais que Deus criou.

7. Quantos anjos existem? Embora as Escrituras não nos dêem o número de anjos que Deus
criou, é aparentemente um grande número. Lemos que Deus no monte Sinai “veio das miríades de
santos; à sua direita, havia para eles o fogo da lei.” (Dt 33:2). Também sabemos que “os carros de
Deus são vinte mil, sim, milhares de milhares” (Sl 68:17). Quando adoramos, nos achamos na presença
de “incontáveis hostes de anjos” (Hb 12:22). Seu número é ainda mais assombrosamente enfatizado
em Apocalipse 5:11, onde declara João: “Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos
seres viventes e dos anciãos, cujo número incrivelmente grande (do ponto de vista humano) – uma
congregação inumerável de seres angélicos louvando a Deus.

8. As pessoas têm anjos da guarda individuais?

Perguntam se Deus não concede um “anjo da guarda” para cada pessoa do mundo, ou
pelo menos para cada cristão. Fundamento para essa idéia se encontra nas palavras de Jesus sobre
8
as criancinhas: “... os anjos nos céus vêem incessantemente a face de meu Pai celeste” (Mt 18:10).
Porém, nosso Senhor talvez simplesmente quisesse dizer que os anjos incumbidos da tarefa de
proteger as criancinhas têm acesso direto à presença de Deus. (Para usar uma analogia esportiva, os
anjos podem usar a tática da marcação “por zona” em vez da marcação “homem a homem”.)
Quando os discípulos dizem em Atos 12:15 que é o “anjo” de Pedro quem deve estar batendo à porta,
isso não implica necessariamente crença num anjo da guarda individual. Quem sabe um anjo
estivesse guardando ou protegendo Pedro apenas naquele momento específico. Não parece haver,
portanto, fundamento convincente para a idéia de “anjos da guarda” individuais no texto das
Escrituras.
Já em 400 d. C. Jerônimo (347-420) acreditava que anos da guarda eram dados aos seres humanos
quando do nascimento destes. Posteriormente, Pedro Lombardo (1100-1160) acrescentou que um
único anjo podia guardar muitas pessoas de uma só vez.

A idéia de que alguns deles servem de anjos da guarda de crentes individuais não têm apoio na
Escritura. A declaração de Mt. 18:10 é geral demais, para provar o ponto, embora pareça indicar que
há um grupo de anjos particularmente encarregado de cuidar das criancinhas. At. 12:15 tampouco o
prova, pois esta passagem mostra apenas que, naquele período primitivo, havia alguns mesmo entre
os discípulos que acreditavam em anjos guardiães.

9. Os anjos não se casam​. Jesus ensinou que na ressurreição as pessoas “nem casam, nem
se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mt. 22:30; cf Lc 20:34-36). Isso sugeriria
que os anjos não têm os elos familiares que existem entre os homens. As Escrituras tratam do assunto
só nessa passagem; por isso não nos cabe nos enredar em especulações.

10. O poder dos anjos. Os anjos aparentemente têm grande poder. São chamados
“valorosos em poder, que executais as suas ordens” (Sl 103:20) e “poderes” (cf Ef 1:21), “soberanias” e
“potestades” (Cl 1:16). Os anjos são aparentemente “maiores em força e poder” do que os homens
rebeldes (2 Pe 2:11). Pelo menos durante a sua existência terrena, o homem é “menor do que os anjos”
(Hb 2:7). Embora o poder dos anjos seja grande, certamente não é infinito, mas é usado na luta contra
os malignos poderes demoníacos controlados por Satanás (Dn 10:13. Ap 12:7-8; 20:1-3). Porém
quando o Senhor voltar, seremos alçados a uma posição superior à dos anjos (1 Co 6:3).

11. Quem é o anjo do Senhor? Várias passagens bíblicas, especialmente no Antigo


Testamento, falam do anjo do Senhor de um modo que sugere que é o próprio Deus revestido de
forma humana quem aparece rapidamente a várias pessoas do Antigo Testamento.
Algumas passagens tratam “o anjo do Senhor” (não “um anjo do Senhor”) como o próprio
Senhor. Assim, o “Anjo do Senhor” que encontrou Agar no deserto lhe promete: “Multiplicarei
sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada” (Gn 16:10). E Agar
responde invocando “o nome do Senhor, que lhe falava: Tu és Deus que vê” (Gn 16:13). Do mesmo
modo, estando Abraão prestes a sacrificar o seu filho Isaque, o “Anjo do Senhor” o chama do céu e
diz: “Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe faças... porquanto não me negaste o filho, o teu
único filho” (Gn 22:12). Esses são claros exemplos em que o anjo do Senhor, ou o anjo de Deus,
aparece como próprio Deus, talvez mais especificamente como Deus Filho revestido de um corpo
humano por curto tempo a fim de tornar-se visível aos homens.
Noutras ocasiões, o anjo do Senhor parece distinguir-se de Deus (ver 2 Sm 24:16; Sl 34:7; Zc
1:11-13), e passagens que mencionam “um anjo do Senhor” (Lc 1:11) geralmente indicam um anjo
enviado por Deus.
Outra designação especial no AT é “o Anjo do Senhor”. Em muitas das 60 ocorrências no AT Ele é
identificado com o próprio Deus. Mas esse “Anjo do Senhor” também pode ser distinguido de Deus,
pois Deus fala com esse anjo, e esse anjo fala com Deus. Portanto, segundo a opinião de muitos “o”
anjo do Senhor ocupa uma categoria exclusiva. “ele não é apenas um anjo de maior categoria, nem
sequer o anjo supremo: é o Senhor que aparece na forma angelical. Posto que esse anjo não é
mencionado no NT ele era provavelmente uma manifestação da Segunda Pessoa da Trindade.

B. QUANDO OS ANJOS FORAM CRIADOS?


A opinião de alguns, baseada em Jô 38:7, de que foram criados antes de todas as outras coisas,
realmente não tem o apoio da Escritura.
Seu número total e completo foi criado no princípio; não há mais aumento em suas fileiras.
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Todos os anjos devem ter sido criados antes do sétimo dia da criação, pois lemos: “Assim,
pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército” (Gn 2:1, interpretando “exército” como
as criaturas celestes que habitam o universo de Deus). Ainda mais explícito que isso é a declaração:
“Em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e ​tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou”
(Êx 20:11). Logo, todos os anjos foram criados no máximo até o sexto dia da criação.
Mas será que é possível ser mais específico? Talvez haja uma sugestão da criação de seres
angélicos já no primeiro dia, pois lemos que “No princípio, criou Deus os céus e a terra” , e
imediatamente depois lemos que “A terra, porém, estava sem forma e vazia”, sem menção dos céus
nesse segundo versículo. Isso sugere quem sabe que o estado inabitável da terra esteja em contraste
com os céus, onde, talvez, Deus já criara seres angélicos e lhes atribuíra diversas funções e
hierarquias. Essa idéia fica mais plausível quando lemos que “as estrelas da alva, juntas, alegremente
cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus” quando Deus assentou a “pedra angular” da terra e
fundou as suas “bases” para formá-la ou criá-la (Jó 38:6-7). SE os anjos (“os filhos de Deus”)
rejubilavam quando Deus fundava a terra inabitável, isso talvez implique que Deus criou os seres
angélicos já no início do primeiro dia.
Entretanto, como nas Escrituras não encontramos nada além de pistas, precisamos nos
resignar com o fato de Deus não nos ter dado muita informação sobre o momento da criação dos
anjos. Especular sem claras informações bíblicas nos parece inútil. “As coisas encobertas pertencem
ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre,
para que cumpramos todas as palavras desta lei.” (Dt 29:29).
Antes de Satanás ter tentado Eva no jardim, certo número de anjos pecou e se rebelou
contra Deus (2 Pe 2:4; Jd 6). Esse evento ocorreu aparentemente depois do sexto dia da criação,
quando “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1:31), mas fora isso a Bíblia nada
mais nos revela.

C. O PAPEL DOS ANJOS NOS DESÍGNIOS DIVINOS

Ao raiar do séc. XIII, os anjos passaram a ser assunto de muita especulação. O teólogo
italiano Tomás de Aquino (1225-1274) formulou perguntas mui relevantes a respeito. Sete das suas
118 conjecturas sondavam as seguintes áreas: de que se compõe o corpo de um anjo? Há mais de
uma espécie de anjo? Quando os anjos assumem a forma humana, exercem funções vitais do corpo?
Os anjos sabem quando é manhã e quando é entardecer? Conseguem entender muitos
pensamentos ao mesmo tempo? Conhecem nossas intenções mais secretas? Têm capacidade de
falar uns com os outros?
1. Os anjos revelam a grandeza do amor e dos desígnios de Deus para nós​. Os homens e os
anjos são as únicas criaturas morais e altamente inteligentes que Deus criou. Portanto é possível
compreender muito sobre os desígnios e o amor de Deus para nós quando nos comparamos aos
anjos.
A primeira distinção a reparar é que jamais se diz que os anjos foram criados “à imagem de
Deus”, enquanto várias vezes se afirma que os homens foram feitos à imagem do Criador (Gn 1:26-27;
9:6). Como ser à imagem de Deus significa ser semelhante a Deus, parece certo concluir que somos
ainda mais semelhantes a Deus que os anjos.
Essa conclusão se estriba no fato de que Deus um dia nos dará autoridade sobre os anjos,
para julgá-los: “Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos?” (I Co 6:3). Embora estejamos
“por um pouco, menor que os anjos” (Hb 2:7), quando nossa salvação estiver completa seremos
exaltados acima dos anjos e passaremos a regê-los. De fato, mesmo agora os anjos já nos servem:
“Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a
salvação?” (Hb 1:14)
Os anjos também demonstram a grandeza do amor de Deus por nós, pois, embora muitos
anjos tenham pecado, nenhum deles foi salvo. Pedro nos diz que “Deus não poupou anjos quando
pecaram”, mas os precipitou “no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo”
(2 Pe 2:4). Judas diz que os anjos “que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu
próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia” (Jd
6). E lemos em Hebreus: “Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de
Abraão” (2:16).
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Vemos, portanto, que Deus criou dois grupos de seres inteligentes e morais. Dentre os anjos,
muitos pecaram, mas Deus decidiu não redimir nenhum deles. É perfeitamente justo que Deus tenha
agido assim, e anjo nenhum pode jamais queixar-se de ter sido tratado injustamente por Deus.
Ora, no outro grupo de criaturas morais, os seres humanos, também encontramos grande
número (na verdade, todos) que pecaram e se afastaram de Deus. Como no caso dos anjos
pecadores, Deus poderia ter deixado que todos seguissem o caminho que nós mesmos escolhemos,
rumo à condenação eterna. Tivesse Deus decidido não salvar nem sequer um indivíduo de toda a
pecadora raça humana, estaria absolutamente justificado ao fazê-lo, e ninguém jamais poderia
reclamar de injustiça da parte dEle.
Mas Deus decidiu fazer muito mais do que meramente atender as demandas da justiça.
Decidiu salvar alguns homens pecadores. Se tivesse decidido salvar somente cinco homens de toda a
raça humana, isso seria já muito mais que justiça: seria uma grande demonstração de misericórdia e
graça. Mas Deus, na verdade, resolveu fazer muito mais do que isso. Resolveu redimir grandes
multidões da humanidade pecadora. Esse é um ato de incalculável misericórdia e amor, que de longe
supera a nossa compreensão. É favor totalmente imerecido: pura graça. O flagrante contraste com o
destino dos anjos deixa isso inequivocamente claro para nós.

2. Os anjos nos fazem lembrar que o mundo invisível é real​. Assim como os saduceus no
tempo de Jesus diziam “não haver ressurreição, nem anjo, nem espírito” (At 23:8), também muitos
nossos contemporâneos negam a realidade de qualquer coisa que não se possa ver. Mas o ensino
bíblico sobre a existência dos anjos é para nós constante lembrança de que existe um mundo invisível
bastante real. Só quando o Senhor abriu os olhos do servo de Eliseu à realidade desse mundo invisível
é que o servo viu que “o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu"(2 Re
6:17) O salmista também demonstra consciência do mundo invisível ao encorajar os anjos: “Louvai-o,
todos os seus anjos...” (Sl 148:2). I autor de Hebreus nos lembra que, quando adoramos, alçamo-nos à
Jerusalém celeste e nos juntamos a “incontáveis hostes de anjos” (Hb 12:22), que não vemos, mas
cuja presença deve-nos encher de assombro e alegria. Um mundo incrédulo pode considerar a
existência de anjos mera superstição, mas as Escrituras nos revelam as coisas como realmente são.

3. Os anjos são exemplos para nós. Tanto na sua obediência quanto na sua adoração, os anjos nos
dão belos exemplos a imitar. Jesus nos ensina a orar, dizendo: “Faça-se a tua vontade, assim na terra
como no céu” (Mt 6:10). No céu a vontade de Deus é feita pelos anjos – imediata e alegremente, sem
questionamentos. Devemos orar diariamente para que nossa obediência e a obediência dos outros
seja como a dos anjos no céu. Seu prazer é viver como humildes servos de Deus, cada qual
desempenhando fiel e alegremente as suas tarefas, grandes ou pequenas. Devemos orar e desejar
para que nós e os outros façamos o mesmo na terra.
Os anjos também nos servem como exemplos na sua adoração a Deus. Os serafins diante do
trono divino vêem a Deus na sua santidade e não param de entoar: “Santo, Santo, Santo é o Senhor
dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6:3). E João vê em torno do trono de Deus um
grande exército angélico, “cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares,
proclamando em grande voz “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e a riqueza, e
sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap 5:11-12). Assim como a maior alegria dos anjos é
louvar continuamente a Deus, será que também nós devemos nos deleitar diariamente entoando
louvores a Deus, considerando tal o emprego mais elevado e mais digno do nosso tempo e a nossa
maior alegria?

4. Os anjos executam alguns dos desígnios de Deus. ​As Escrituras retratam os anjos como
servos de Deus que executam alguns dos Seus desígnios na terra. Eles levam as mensagens de Deus
às pessoas (Lc 1:1-19...) Quando Cristo voltar, os anjos o ladearão como um grande exército
acompanhando seu Rei e Senhor (Mt 16:27; Lc 9:26; 2 Ts 1:7).
Os anjos também patrulham a terra como representantes de Deus (Zc 1:10-11) e guerreiam
contra as forças demoníacas (Dn 10:13; Ap 12:7-8. João, na sua visão, contemplou um anjo descendo
do céu, e registra que ele “segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, satanás, e o prendeu
por mil anos; lançou-o no abismo...” (Ap 20:1-3). Quando Cristo voltar, um arcanjo proclamará Sua
vinda (1 Ts 4:16; cf. Ap. 18:1-2,21;19:17-18).
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5. Os anjos glorificam diretamente a Deus. ​Os anjos também cumprem outra função: servem
diretamente a Deus, glorificando-O. Assim, além dos seres humanos, há no universo outras criaturas
inteligentes e morais que glorificam a Deus.
Os anjos glorificam a Deus pelo que Ele é em Si, pela Sua excelência.
Os serafins continuamente louvam a Deus pela Sua santidade (Is 6:2-3), assim como os
quatro seres viventes (Ap 4:8).
Os anjos também glorificam a Deus pelo grandioso plano de salvação, pois testemunham o
Seu desenrolar. Quando Cristo nasceu em Belém, uma multidão de anjos louvou a Deus dizendo:
“Glória a Deus nas maiores alturas, ...” (Lc 2:14; Hb 1:6). Diz-nos Jesus: “Há júbilo diante dos anjos de
Deus por um pecador que se arrepende” (Lc 15:10), indicando que os anjos exultam toda vez que
alguém se afasta do pecado e deposita sua fé em Cristo como Salvador.
Quando Paulo proclama o evangelho para que pessoas de diferentes culturas, tanto judeus como
gregos, se reúnam na igreja, vê desenrolar-se diante dos anjos (e demônios) o sábio desígnio divino
para a igreja, pois diz que foi chamado a pregar aos gentios “para que, pela igreja, a multiforme
sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais.”
(Ef 3:10

D. NOSSA RELAÇÃO COM OS ANJOS

1. Devemos ter consciência dos anjos no dia-a-dia. As Escrituras deixam claro que Deus
quer que nos mantenhamos conscientes da existência dos anjos e da natureza da sua atividade. Não
devemos, portanto, supor que a doutrina bíblica sobre os anjos não tem absolutamente nada que ver
conosco hoje. Antes, a vida dos cristãos se enriquece em vários aspectos pela consciência da
existência e do ministério dos anjos no mundo de hoje.
Quando nos apresentamos perante Deus em adoração, juntamo-nos não só à grande
congregação de crentes que já morreram e passaram à presença de Deus nos céus, “aos espíritos
dos justos aperfeiçoados”, mas também à grande multidão de anjos, “incontáveis hostes de anjos”
(Hb 12:22-23). Embora normalmente não tenhamos provas visuais nem auditivas desse culto celestial,
certamente o nosso senso de reverência e alegria na presença de Deus se enriquece se nos
conscientizamos do fato de que os anjos se unem a nós no culto a Deus.
Além disso, devemos cultivar a consciência de que, ao longo do dia, os anjos observam a
nossa obediência ou desobediência a Deus. Mesmo que acreditemos cometer nossos pecados em
segredo, sem entristecer ninguém, a consciência de que talvez centenas de anjos testemunhem a
nossa desobediência e com isso se entristecem deve-nos incutir comedimento. Por outro lado,
quando nos sentimos desencorajados e achamos que nossa fiel obediência a Deus não é
testemunhada por ninguém, nem serve de incentivo para ninguém, podemos consolar-nos
percebendo que talvez centenas de anjos testemunhem a nossa luta solitária, diariamente “anelando
prescrutar” como a grande salvação de Cristo se exprime em nossas vidas.
Quando de repente nos vemos livres de um perigo ou angústia, podemos suspeitar que
Deus enviou anjos em nosso socorro e devemo-nos mostrar gratos. Um anjo fechou a boca de leões
para que não devorassem Daniel (Dn 6:22), libertou os apóstolos da prisão (At 5:19-20), mais tarde
libertou Pedro da prisão (At 12:7-11) e ministrou a Jesus no deserto num momento de grande
fraqueza, imediatamente depois de encerradas as tentações (Mt 4:11).
Quando um carro se desvia pouco antes de nos atingir, quando de repente achamos um
apoio que nos livra de ser arrastados pela forte correnteza de um rio, quando saímos ilesos depois de
passar por uma região perigosa da cidade, não devemos com razão suspeitar que Deus enviou Seus
anjos para nos proteger? Pois não promete a Bíblia: “Porque aos seus anjos dará ordens a teu
respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para
não tropeçardes nalguma pedra” (Sl 91:11-12)? Não devemos, portanto, agradecer a Deus por enviar
Seus anjos para nos proteger nessas ocasiões? Parece-nos correto fazê-lo.

2. Precauções a tomar em nossa relação com os anjos


a) Recuse-se a receber falsas doutrinas de anjos​. A Bíblia nos alerta para o perigo de
receber falsas doutrinas de supostos anjos: “Mas ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos
pregue outro evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1:18). Paulo faz
esse alerta porque sabe que existe a possibilidade de fraude. Diz: “o próprio satanás se transforma
em anjo de luz” (2Co 11:14). Do mesmo modo, o profeta mentiroso que enganou o homem de Deus em
1 Reis 13 disse: “um anjo me falou por ordem do Senhor, dizendo: Faze-o voltar contigo a tua casa,
12
para que coma pão e beba água” (v. 18). Contudo, o texto bíblico acrescenta imediatamente, no
mesmo versículo: “Porém mentiu-lhe”.
Todos esses são exemplos de falsas doutrinas ou orientações transmitidas por anjos. É
interessante notar que esses exemplos mostram a clara possibilidade de que agentes satânicos nos
tentem, procurando-nos levar a desobedecer os claros ensinos bíblicos ou mandamentos de Deus (1
Re 13:9). Esses alertas devem evitar que qualquer cristão se deixe enganar, por exemplo, pelos
argumentos dos mórmons, que dizem que um anjo (Morôni) falou a Joseph Smith e lhe revelou os
fundamentos da religião mórmon. Tal “revelação” é contrária aos ensinamentos das Escrituras em
muitos pontos (com respeito, por exemplo, à doutrina da Trindade, da pessoa de Cristo e da
justificação somente pela fé, entre muitas outras), e os cristãos devem ser alertados contra a
aceitação desses argumentos. O encerramento do cânon das Escrituras deve também nos servir de
alerta de que Deus não mais fará nenhuma revelação doutrinária, e qualquer pessoa que hoje alegue
ter recebido novas revelações doutrinárias de anjos deve ser imediatamente rejeitada.

b) Não adore os anjos, nem lhes dirija oração, nem os procure​. O “culto de anjos” (Cl 2:18) era
uma das falsas doutrinas ensinadas em Colossos. Além disso, o anjo que falou a João no livro de
Apocalipse exorta o apóstolo a não adorá-lo: “Vê, não faças isso; ... adora a Deus” (Ap 19:10).
Tampouco devemos orar aos anjos. Devemos orar somente a Deus, pois só Ele é onipotente
e, portanto, capaz de atender a oração. Paulo nos exorta a não pensarmos que possa existir outro
“mediador” entre nós e Deus (1 Tm 2:5). Se orássemos aos anjos, estaríamos implicitamente
atribuindo a eles posição igual a Deus, coisa que jamais devemos fazer. Não há exemplos em toda a
Bíblia de alguém que ore a algum anjo, ou que peça socorro a anjos.
Além disso, as Escrituras não nos dão nenhuma garantia de que, se os buscarmos, os anos
nos aparecerão. Els se manifestam sem que sejam procurados. Buscar tais aparições indicariam
uma curiosidade mórbida, ou o anseio de algum tipo de acontecimento espetacular, e não do amor a
Deus e da devoção a Ele e à Sua obra. Embora os anjos de fato tenham aparecido a algumas
pessoas em diversas oportunidades na Bíblia, esas pessoas aparentemente jamais buscaram tais
aparições. Nosso papel, antes, é nos dirigirmos ao Senhor que é o comandante de todas as hostes
angélicas. Porém, não nos pareceria errado pedir a Deus que cumpra as Suas promessas de Salmos
91:11, de enviar anjos para nos proteger em tempos de necessidade.

c) Será que os anjos ainda hoje aparecem às pessoas? ​No período inicial da história da
igreja, os anjos se achavam ativos. Um anjo disse a Filipe que viajasse para o sul, tomando a estrada
que ida de Jerusalém a Gaza (At 8:26), orientou Cornélio a enviar um mensageiro até Jope para
mandar chamar Pedro (At 10:3-6), exortou Pedro a que se erguesse para sair da prisão (At 12:6-11) e
prometeu a Paulo que ninguém do navio pereceria e que ele, assim, compareceria perante César (At
27:23-24). Além disso, o autor de Hebreus encoraja seus leitores, nenhum deles apóstolos nem mesmo
crentes da primeira geração ligada aos apóstolos (Hb 2:3), a que eles continuem a demonstrar
hospitalidade a estranhos, aparentemente com a expectativa de que também possam um dia
receber anjos sem o perceber (Hb 13:2).
Entretanto, devemos usar de ​extremo cuidado ao receber orientação de um anjo, caso nos
ocorra tal evento extremo. O fato de demônios poderem aparecer como anjos de luz (2 Co 11:14)
deve-nos alertar para o fato de que a aparição de qualquer criatura angelical não garante que esse
ser fale a verdade: nosso guia é a Bíblia, e nenhum anjo pode transmitir ensinamentos autorizados
que sejam contrários às Escrituras (Gl 1:8).
Uma aparição de anjos seria hoje um fato incomum. Se (aparentemente) um fato desses
acontecer, devemos examiná-lo com prudência. Mas não há razão convincente para dizer que tal
evento não poderia ocorrer em hipótese nenhuma, especialmente num momento de extremo perigo
ou de intenso conflito com as forças do mal.

A maioria dos aparecimentos de anjos é fugaz, sem ser provocada nem predita. Tais manifestações
confirmam verdades, mas nunca as produzem por si mesmas. Quando os anjos são mencionados, é
sempre para informar-nos mais a respeito de Deus, o que Ele faz, e como o faz, bem como o que Ele
quer.

As intervenções dos anjos


13
Tais intervenções são ministérios da Providência de Deus. Em nenhum caso, porém, há evidência de
que os crentes hajam exigido a ajuda dos anjos ou prescrito qualquer mandamento a eles. Somente
Deus tem poder para prescrever o que os anjos devem ou não fazer.

O Senhor Jesus durante a tentação no deserto não tirou proveito indevido do poder dos anjos, e
quando de sua paixão e morte não quis a sua intervenção Mt. 26:53

Os anjos bons conservaram o seu estado original, foram confirmados em sua condição, e agora são
incapazes de pecar. São chamados não somente santos anjos,mas também anjos de luz. Sempre
contemplam a face de Deus servem-nos de exemplos na prática da vontade de Deus e têm vida
imortal.

A DOUTRINA ACERCA DE
SATANÁS

·​NOÇÕES PRELIMINARES

É também possível que haja uma referência à queda de Satanás, o príncipe dos demônios, em Is.
14. descrevendo o juízo de Deus contra o rei da Babilônia (rei terreno e humano), a partir de
certo ponto Is. Passa a usar uma linguagem que parece forte demais para referir-se a
qualquer rei meramente humano: ​acima das estrelas exaltarei o meu trono; serei
semelhante ao Altíssimo.
No discurso profético hebraico, não é incomum passar de descrições de acontecimentos
humanos para descrições de eventos celestes que lhes sejam análogos, e que os
acontecimentos terrenos retratem de modo limitado. Sendo assim, o pecado de Satanás é
pintado como o ORGULHO E A TENTATIVA DE SE IGUALAR a Deus em posição e
autoridade.
Satanás como chefe dos demônios – ​“Satanás” é o nome do chefe dos demônios. Esse nome é
mencionado em Jó 1:6, onde lemos: “... os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o
Senhor, veio também ​Satanás entre eles”. Aqui ele aparece como inimigo do Senhor, que
impõe severas tentações a Jó. Do mesmo modo, perto do fim da vida de Davi, “Satanás se
levantou contra Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Israel” – I Cr. 21:1;
Além disso, Zacarias teve uma visão e contemplou “o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante
do Anjo do Senhor, e Satanás que estava à mão direita dele, para se lhe opor” Zc. 3:1.
O nome Satanás é uma palavra hebraica satan que significa adversário. O Novo Testamento
também usa o nome Satanás, simplesmente tomando emprestado ao AT. Assim Jesus,
sendo tentado no deserto, fala a Satanás diretamente, dizendo: “retira-te, Satanás” Mt. 4:10.

Há muitas pessoas, que por não possuírem o conhecimento divino, defendem a tese de que
Deus criou os anjos caídos, ou que eles se rebelaram porque Deus quis.
Diante da afirmação da Palavra de Deus, de que “Ele é a rocha, cuja obra é perfeita, porque
todos os seus caminhos juízos são. Deus é a verdade e nEle não há injustiça”, acreditamos que Ele
nem criou os anjos caídos, nem desejou a sua queda.
Os anjos caídos foram anjos criados perfeitos mas, que tendo dado ouvidos a Satanás,
terminaram por rejeitar a autoridade de Deus. E assim sendo, passaram a ser chefiados pelo próprio
Satanás (Ap. 12:7-9).

1- Sua Divisão
A divisão que ocorreu entre os anjos deu-se devido a rebelião de Lúcifer e da terça parte dos
anjos que levou após si – Ap. 12.4.
A- O fato da rebelião
Os anjos foram criados em estado de absoluta perfeição, dos quais Deus agradava-se
recebendo o louvor da parte deles – Is. 6.3. Mas Lúcifer e a terça parte dos anjos
rebelaram-se e o Senhor não perdoou aos mesmos, pelo fato deles terem pecado atentando
14
contra a Sua soberania e as Suas obras. Foram eles precipitados sobre a Terra juntamente
com o mal que estavam em seus corações, resultando no grande cataclismo que deixou a
mesma sem forma e vazia – Gn. 1:2.

B- O tempo da rebelião
Não há uma data precisa em nossa cronologia, mas sabemos que se deu Céu, e antes do
pecado do homem. A luz de certas passagens bíblicas que relatam a criação da Terra não
como algo sem forma e vazia – Jr. 4:23.

C- A causa da rebelião
A bíblia não específica o real pecado dos anjos, mas nos oferece luz quanto ao que
motivou a rebelião. Há duas correntes:
a- ​Pecado nos céus e na terra – esta corrente diz que os anjos rebelaram-se, conforme
Is. 14 e Ez. 28; por causa do orgulho é que estes estão soltos, como agentes do mal. Na
segunda fase desta rebelião, então alguns rebeldes caíram segunda vez através da
fornicação chegando a coabitar com as filhas dos homens, conforme a narrativa de Gn. 6
num propósito satânico de corromper toda a linhagem ou semente de mulher, de onde
haveria de nascer o Cristo, para assim conseguir destruir os propósitos de Deus. A estes,
foram reservadas as cadeias da escuridão, onde esperam o juízo final – 2ª Pd. 2:4; Jd. 6.
b- ​Pecado nos céus – esta última, com base em Ez. 2.28, defende que foi devido o
orgulho, arrogância e ambição, mas que o fato deles terem sido precipitados sobre a Terra foi
o pecado. Diz também que I Tm. 5:21 menciona a expressão ​anjos eleitos​, que dá a entender
que houve um período de provação para os anjos, tendo como resultado a manifestação dos
eleitos como tais, distinguindo-se dos que pecaram – Mt. 25:41. Neste caso, a causa da
rebelião, foi que eles não ficaram satisfeitos com a dignidade que lhes fora concedida de uma
vez para sempre e aspiraram à posições superiores.
Algumas considerações devem ser feitas neste ponto: 1) os anjos caídos não
cohabitaram com as filhas dos homens; 2) os que cohabitaram foram os descendentes de
Sete, ou seja, a linhagem da descendência, dos que não viviam na presença do Senhor – Gn.
4.16: o argumento baseado em Judas 6 e 7 é mal interpretado, pois o verso 6 refere-se aos
anjos que não guardaram sua própria habitação, isto é, que não foram fiéis à sua missão
(ficando por isso reservados para o dia do juízo), enquanto que o 7 é uma analogia ou
explicação do verso 6. Assim como os sodomitas tinham fornicado, desviando-se das
normas naturais semelhantes, os anjos se tinham desviado de sua posição. Deus entregou os
sodomitas ao juízo, sofrendo eles a pena do fogo eterno. A expressão ​“ido após outra carne”​,
no verso refere-se à relação sexual dos sodomitas que conforme Rm. 1:27 se tinham desviado
da ordem da natureza para se corromperem entre si mesmos. Não há nenhuma confusão
neste sentido, é simplesmente comparação entre o ato dos sodomitas. Ademais, o caso em
Judas é diferente de Gn. 6:2. Aqui é casamento legal, enquanto em Judas é pecado de
sodomia. A natureza dos anjos exclui em si mesmo tal união. Este é um argumento
contundente. Os anjos são assexuados. Jesus, dando resposta aos saduceus afirmou a
existência dos anjos – Mt. 22:29-30.

D- O resultado da rebelião
a- ​Perderam a primitiva santidade, automaticamente tornaram-se corruptos em natureza e
conduta – Ef. 6.12; Ap.12.9.
b- Alguns foram lançados no hades e aí permanecem presos aguardando o juízo final – Jd.
6.
c- Os demais estão soltos e se ocupam em opor-se aos anjos bons – Dn. 10.13; Jd. 9.
d- O tormento eterno – Ap. 20.10.

2- Sua Classificação
A- Satanás – ​é a principal personagem do império das trevas. É conhecido também por
Belzebu, Diabo, Destruidor, Devorador, Serpente, Tentador, Príncipe e deus deste mundo, etc.
B- Anjos caídos que não estão presos – ​trono, dominações, principados e potestades são
classificações dos anjos. Deduz-se, portanto, que há dois sistemas invisíveis, um chefiado pr
Deus e outro por Satanás. Há uma luta constante entre eles, que terminará com a vitória
divina sobre Satanás e os seus seguidores – Rm. 8.38; Ef. 6.12; Cl. 2.15.
15
C- Anjos caídos que estão presos – ​2ª Pd. 2:4; Jd. 6.
D- Demônios – ​os estudiosos afirmam três correntes, embora a primeira seja a mais aceita no
meio teológico. São elas:
a- Que são anjos caídos.
b- Que são espíritos desprovidos de corpos, daqueles que foram homens
depravados, perversos, corrompidos.
c- Que são os espíritos de uma raça pré-adâmica.
Quanto às duas últimas não as aceitamos, porque em primeiro lugar isso não pode
ser, visto a Escritura revelar que as almas ou espíritos dos homens desobedientes e ímpios
estão no hades ou sheol, e não livres. Em segundo lugar, porque não haveria condições de
existir esta raça pré-adâmica, sendo ela, como afirmam os teólogos algo existente antes da
criação do homem. Quanto à primeira, queremos levantar algumas reflexões:
a- ​Os anjos não têm corpo material, e sim, corpo espiritual; enquanto os demônios em
nenhuma passagem bíblica sã apresentados como possuidores de corpos espirituais, mas
sempre como seres necessitados de um corpo material.
b- Há vários casos em que “anjos eleitos” apareceram com formas semelhantes a
dos homens – Gn. 18.2; 19.1,2,4 e 5. Os anjos tomaram forma tão semelhante a dos homens
que se confundiram com os mesmos, a ponto dos habitantes de Sodoma quererem entrar a
eles. Os demônios nunca tomaram a forma humana.
c- Os trabalhos dos anos e os demônios são diferentes. Os anjos caídos estão em
conflito com os anjos eleitos – Dn. 10.13. Os demônios estão em luta, mas com os homens,
sendo seu chefe Satanás. A Bíblia nunca diz que um homem estivesse possesso de um anjo,
mas de demônio ou espírito mau, que vem a ser o mesmo.

3- Sua Personalidade
A- Rebeldes – ​rebelaram-se contra o Senhor – 2ª Pd. 2.4
B- Irreverentes - ​o principal deles contendeu com o Arcanjo Miguel – Jd. 9.
C- Astutos – ​o príncipe deles pretendeu vencer ao Senhor Jesus usando a própria Palavra de
Deus – Mt. 4.6; Ef. 6.11.
D- Ferozes – ​1ª Pd. 5.8
E- Traiçoeiros - ​o próprio Belzebu transfigura-se em anjo de luz – 2ª Co. 11.14.

4- Sua Obra
A- ​Opõe-se aos propósitos de Deus –​ ​Dn. 10.13 e 14.
B- ​Afligem o povo de Deus – 2ª Co. 12.7.
C- ​Executam os propósitos de Satanás – Mt. 25.41.
D- ​Impedem os santos e servos de Deus – Ef. 6.12.

5- Sua Posição Geográfica


A- ​O maioral deles tem acesso aos céus (habitação de Deus) – Jô 1.7; Ap. 12.10.
B- ​Região celestes – Ef. 6.12.
C- ​Alguns estão no hades – 2ª Pd. 2.4.
D- ​Na terra – Gn. 3.4.

6- Sua Reta Final


O homem caído tem condição de obter a regeneração através do Senhor Jesus, mas não há a
mesma oportunidade para os anjos caídos. Eles serão precipitados à terra e após o julgamento serão
jogados no lago de fogo – Ap. 12.7-9; 20.10; Mt. 25.41.

SATANÁS
I. SUA EXISTÊNCIA
“No AT, Satanás é referido em sete livros, sob diferentes nomes.No NT ele é referido por todos os
escritores em dezenove de seus livros. Estariam todos esses autores, que escreveram durante um
período de 1600 anos equivocados com referência à sua existência? Certamente que não”. Mt. 13:19;
At. 5:3; I Pe. 5:8; Ef. 6:11, 12.

II. SEU ESTADO ORIGINAL


16
O diabo foi criado perfeito em seus caminhos, como pessoa de grande beleza e brilho, exaltado
em posição e honra; que, em resultado de orgulho pela sua própria superioridade, ele procurou
desviar para si a adoração devida exclusivamente a Deus; e que, em consequência desse seu
pecado, ele foi rebaixado em sua pessoa, posição e poder, tornando-se o grande adversário de Deus
e o inimigo do homem.

1. Criado perfeito em sabedoria e beleza -​ Ez: 28:12


2. Estabelecido no monte como querubim da guarda -​ Ez. 28:14
3. Impecável em sua conduta –​ Ez:28:15
4. Elevado era seu coração de vaidade e falsa ambição – ​Ez. 28:17; Is. 14:12-17; I Tm. 3:6
5. Rebaixado em seu caráter moral e deposto de sua exaltada posição – ​Ez. 28:16; Is.
14:12; Ez. 28:17.
O versículo 16 fala do pecado de Satanás, e o 17 da causa do pecado que foi a
vaidade, pois ele se ensoberbeceu devido a sua própria beleza. Paulo atribui a
condenação de Satanás a essa causa (I Tm. 3:6).

III. SUA NATUREZA


1. Personalidade
a- Demonstrado por pronomes pessoais – ​Jô 1:8; 2:1 e 2; Zc. 3:6.
b- Por características pessoais –​ I Tm. 3:6
c- Por ações pessoais –​ Jô. 8:44; I Jô. 3:8; Hb. 2:14; I Cr. 21:1; Sl. 109:6.
2. Caráter
a- Sua astúcia –​ usa de estratégias e ciladas: 2 Co. 2:11; Ef. 6:11, 12; 4:44.
b- Seu poder miraculoso –​ 2 Ts. 2:9; Ap. 13: 11 e 14; Mt. 24:24.
c- Seus enganos –​ 2 Co. 11:14; 2 Ts. 2:9-10.

IV. SUA POSIÇÃO – MUITO EXALTADA


1. Príncipe da potestade do ar – ​Ef. 2:2; Mt. 12:26; At. 26:18.
2. Príncipe deste mundo – ​Jô. 14:30; 12:31; 16:11.
3. Deus deste século – ​2 Co. 4:4; 2 Ts. 2:3-4.

V. SUA PRESENTE HABITAÇÃO


1. Tem acesso à presença de Deus –​ Jô 1:6; Ap:12:10.
2. habita nas regiões celestes –​ Ef. 6:11 e 12.
3. É ativo na face da terra –​ Jô 1:7; 1 Pd. 5:8

VI. SUA OBRA


1. Originou o pecado – ​No universo e na raça humana Ez. 28:15; Gn. 3:1-13; 2 Co. 11:3.

2. Causa sofrimentos – ​At. 10:38; Lc. 13:16.

3. Causa a morte – ​Hb. 2.14; Cl. 2.15

4. Atrai o mal –​ I Ts. 3.5; I Cr. 21.1; Mt; 4.1, 3, 4, 6.

5. Ilude os homens​ – 2 Tm. 2.26; I Tm. 3.7

6. Inspira pensamentos e propósitos iníquos ​– Jo. 13.2; At. 5.3

7. Apossa-se dos homens​ – Jo. 13.27; Ef. 4.27

8. Cega as mentes dos homens – ​2 Co. 2.4;

9. Dissipa a verdade​ – Mc. 4.15; Lc. 8.12

10. Produz os obreiros da iniqüidade​ – Mt. 13.25, 38-39

11. Fornece energia a seus ministros​ – 2 Co. 11.13-15; Ap. 3.9; Ef. 2.2-3
17

12. Opõe-se aos servos de Deus​ –


a- Impede-os – I Ts. 2.18
b- Resiste-lhes – Zc. 3.1
c- Esbofeteia-os – 2 Co. 12.7

13. Põe à prova os crentes ​– Lc. 22.31

14. Acusa os crentes​ – Ap. 12.9-10

15. Dará energia ao Anticristo​ – 2 Ts. 2.9-10

VII. SEU DESTINO


1. Será perpetuamente amaldiçoado ​– Gn. 3.14-15

2. Será tratado como inimigo derrotado que é​ – Cl. 2.15

3. Será expulso dos lugares celestiais​ – Ap. 12.9

4. Será aprisionado no abismo, por mil anos ​– Ap. 20.1-3

5. Será solto pouco tempo, após o Milênio – ​Ap. 20.3b, 7-9

6. Será lançado no lago do fogo​ – Ap. 20.10

VIII. O CAMINHO DO CRENTE EM RELAÇÃO A SATANÁS


1. Apropriar-se dos seus direitos de redenção​ – Hb. 2.14; Cl. 2.15;

2. Apropriar-se de toda a sua armadura​ – Ef. 6.11-18

3. Manter o mais absoluto auto-domínio​ – Ef. 4.27; Gn. 5.22-23

4. Exercer vigilância incessante​ – I Pd. 5.8

5. Exercer resistência confiante​ – Tg. 4.7

SOBRE OS DEMÔNIOS

Quando examinam as Escrituras, algumas pessoas ficam em dúvida se os demônios devem


ser classificados juntamente com anjos (caídos) ou não; mas não há dúvida de que, na bíblia, há
ensino positivo concernente a cada um dos dois grupos.
Os deuses famosos da antiguidade, tanto do Egito como da Mesopotâmia, bem côo os da
mitologia africana, são na realidade, demônios que nunca deixaram em paz o homem, seu alvo
principal. Os demônios, em sua maioria, personificam os males. Atuam como espíritos sem cor, sem
sexo, sem dimensões, enfim, sem corpo. Procuram seres vivos para através deles se exprimirem e o
homem é o seu principal alvo. Não possuem corpos, daí viverem se apossando daqueles que não têm
cobertura de Deus; são inimigos de Deus e do homem, por ser este a coroa da criação divina.
Possuem os homens não somente para afasta-los de Deus, ms também porque desejam se
expressar no mundo físico em que vivemos. São entidades espirtuais que atuam organizadamente
tendo Satanás por chefe. A humanidade tem sido constantemente atingida e destruída pela sua
ação; são mensageiros de Satanás.
A crença popular grega, o mundo estava cheio de demônios, sres entre deuses e homens que
podereiam ser aplacados ou controlados por magia, feitiços e encantamento. Eram, em primeiro
lugar, os espíritos dos mortos, especialmente daqueles que não foram sepultados (um conceito
18
animístico), e, então, assombrações que poderiam aparecer em várias formas, especialmente de
noite. Não há diferença em essência entre deuses e demônios. Estes últimos viviam no ar, perto da
terra. A obra dos demônios poderia ser vista nas calamidades e desgraças da sorte humana.
Através de catástrofes naturais, sacudiam o cosmos. Acima de tudo, levavam os homens à doença
ou a loucura.

1- Sua Existência
A- Reconhecida no AT
Encontramos alusão à crença popular em I Sm. 28.13; Is. 8.19. A consagração dos filhos aos
deuses (demônios); a consulta a um espírito adivinhante; a existência de mágico, prognosticador,
agoureiro, feiticeiro e necromante era proibido em Israel – Dt. 18.9-14. Is. 13.21; 24.14.
B- Reconhecida no Período Interbíblico
Os escribas criam na crença dos demônios e os denominavam de: poderoso, senhores, demônios,
sátiros, espíritos maus, danificadores, destruidores, atacantes e espíritos.
C- Reconhecida no NT
a- Pelo Senhor Jesus – ​falou acerca deles e com eles – Mt. 8.29,31 e 32; Mc. 16.17; 5.9.
b- Pelos Setenta –​ Lc. 10.17.
c- Pelos Apóstolos –​ I Co. 10.20; Tg. 2.19.
d- Pela Igreja Primitiva –​ At. 8.7; 19.12.

2- Sua Natureza
A- Natureza essencial
a- Inteligência pessoal – ​Mt. 8.29; Lc. 4.34.
b- Seres espirituais –​ Lc. 9.39
c- Seres destituídos de corpos –​ Mt.12.43.
d- Seres numerosos – são tão numerosos que dão a impressão de Satanás ser
onisciente – Mc. 5:9.
B- Natureza moral
a- São maus e maliciosos – ​degenerados em seu caráter – Mt. 8.28.
b- São vis e perversos – ​baixos em sua conduta – Lc. 9.39.
c- São servis e obsequiosos –​ Mt. 12.25 e26.

3- Sua Atividade
A- ​Afligem mental e fisicamente aos homens e animais – Mc. 5.2, 12.
​B- ​Produzem impureza moral – Lc. 8.2.
​C- ​Causam mudez, cegueira, insanidade, sofrimentos e deformidades – Mt. 9.33; 12.22; Lc. 8.27;
13.11.
​D- ​Enganam os homens – jogando uns contra os outros para destruírem-se mutuamente, pois se
eles agissem unicamente por si próprios teriam suas ações conhecidas pelos homens que iriam
buscar refúgio em Deus pra combate-los – Mt. 15.22.
​E- ​Propagam falsas doutrinas – I Tm. 4.11.
​F- ​Opõem-se aos filhos de Deus – Ef. 6.12.
G- Realizam às vezes propósitos divinos – Jz. 9.23.

4- Os Demônios e o Homem
A- ​Sua apoderação para com o homem
- Por acompanhamento familiar – há demônios que familiarizam-se com uma família e tudo
fazem para destruí-la totalmente, perseguindo-a por várias gerações.
- Por participação direta ou indireta em centros espíritas, e em outros envolvimentos com
práticas místicas e esotéricas.
- Por trabalhos de feitiçaria.
- Por ação dos próprios demônios.
- Por envolvimento com pessoas que praticam o demonismo em suas várias formas.
- Por comidas sacrificadas a ídolos.
- Por rejeição ao Senhor Jesus Cristo.

​B- ​Sua presença no homem


19
a- Manifestantes – ​Muitos demônios manifestam-se através da fala, do grito – Mc. 9.20.
b- Não manifestantes – são espíritos enganadores que não se manifestam, pois não
querem ser detectados – I Tm. 4.1.

​C- ​Sua exigência para com o homem


a- Sacrifícios de animais – ​Dt. 32.17; I Co. 10.20.
b- Sacrifícios da própria vida –​ I Co. 10.20b.

​D- ​Sua participação na vida humana


a- Tentação – ​Gn. 3.1-4; At. 5.3; Mt. 4.3.
b- Obsessão – considerada por alguns como o primeiro estágio da possessão. Ela diz
respeito ao pervertimento do uso normal da razão.
c- Possessão –​ Mc. 9.17; Mt. 12.44-45;

5- Os Demônios e o Cristão
Pode o crente ficar endemoniado?

6- Os Demônios e os Últimos Tempos


A bíblia mostra um aumento das atividades demoníacas os últimos tempos (I Tm. 4.13). nunca
se procurou o ocultismo, a adivinhação, a adoração de demônios como nos dias atuais. Os demônios,
em harmonia com sua natureza e seu caráter, estão continuamente ocupados em sua obra de
subjugar homens para o serviço de Satanás, e de propagar tanto as enfermidades como a
contaminação espiritual.

BATALHA ESPIRITUAL
Augustus Nicodemus Gomes Lopes24*
Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a
armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do Diabo; porque a nossa luta não é
contra o sangue e a carne e sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste
mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto, tomai toda a
armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, depois de terdes vencido tudo,
permanecer inabaláveis. Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça
da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da
fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete
da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; com toda oração e súplica, orando em
todo tempo no Espírito, e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos, e
também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra para com intrepidez
fazer conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador em cadeias, para que em Cristo
eu seja ousado para falar, como me cumpre fazê-lo. (Ef 6:10 - 20)
Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, o conhecido John Stott era bem jovem, com idade de
alistar-se no Exército. Contudo, ele se recusou a entrar no Exército Britânico e a participar da guerra.
O pai de Stott, um médico que havia se alistado para combater ao lado dos aliados, ficou
extremamente revoltado com o filho e cortou as relações com ele. Só depois que Stott tornou-se
pastor conhecido, e começou a pregar na capela de All Souls, na Inglaterra, é que um dia, finalmente,
seu pai, comovido, o procurou. Seu pai não aceitava que, naquele momento de crise para o país, as
convicções pacifistas de Stott o impedissem de lutar pela sua Pátria.
Pacifismo ou guerra espiritual? - Sem entrar no mérito da questão do pacifismo, queremos apenas
usar essa ilustração para dizer que não há lugar para pacifistas na guerra espiritual em que a Igreja
está envolvida. A Bíblia diz que estamos num combate, estamos no meio de uma escaramuça. Não é
de estranhar que no Novo Testamento a Igreja quase sempre é descrita com uma linguagem oriunda
do campo militar. Muita gente hoje fala em Igreja, inclusive há essa idéia muito popular de que a Igreja

24
​O  Rev.  Augustus  é  pastor  presbiteriano,  tem  mestrado  em  Novo  Testamento  pela  Potschefstroom  University  for Christian 
Higher  Education,  na  África  do Sul, e doutorado em Hermenêutica e Estudos Bíblicos pelo Westminster Theological Seminary, 
Filadélfia,  USA.  Atualmente  é  coordenador  do  Departamento  de  Novo  Testamento  do  Centro  de  Pós-Graduação  Andrew  A. 
Jumper, em São Paulo 
20
é um grande hospital onde as pessoas vêm para que sejam curadas. Não queremos descartar esse
lado, cremos que o Novo Testamento nos dá base para afirmar que há espaço entre o povo de Deus
para a cura interior. Aliás, muita gente vê a Igreja desta maneira, como um grande sanatório, onde
nossas esquizofrenias espirituais são tratadas pelo pastor ou por uma equipe.
O problema com essa visão é que ela não leva em consideração que, no Novo Testamento, a Igreja é
vista como um exército que marcha, um exército que está em plena campanha, um exército que está
em batalha. Há muitos que estão na Igreja há tantos anos esperando para que sejam curados de
suas feridas. Talvez o que esteja faltando seja uma palavra como: “Irmão, toma a tua armadura e vai
para o campo de combate”. Há irmãos que são doentes profissionais na Igreja. Estão ali e vão ficar ali
a vida toda. Na realidade, o quadro de Igreja que vemos no Novo Testamento é o de uma Igreja
militante. Não é por acaso que os nossos teólogos entendem a Igreja como sendo a Igreja militante e
a Igreja triunfante. Militante porque está em luta, está em combate, está em conflito, contra as hostes
do mal, contra o pecado, e contra o mundo.
Entendendo o contexto de Efésios 6 - O texto lido é o mais detalhado do Novo Testamento sobre a
militância da Igreja, sobre o seu conflito com as hostes das trevas. Antes de analisar esse texto
propriamente dito, para aprender dele o conceito do apóstolo Paulo quanto ao conflito cristão e à
guerra em que estamos envolvidos, é importante entender a situação em que o apóstolo escreveu
estas palavras. Seguindo regras simples de interpretação, observamos que quando vamos pregar
sobre um texto, ou quando vamos estudar uma passagem, é sempre bom levar em conta o quadro
maior. E aqui, no caso desse texto em particular, isso é extremamente importante. Essa passagem
tem sido mal usada por pessoas que defendem as mais loucas idéias que você possa imaginar na
área de conflito ou batalha espiritual. Contudo, quando nos colocamos dentro do contexto e da
perspectiva da carta, temos uma visão privilegiada do ponto de vista do autor.
Não é mistério para ninguém que quando Paulo escreveu a carta aos Efésios estava preso em Roma,
mas, mesmo assim, desejava confortar os que sabiam da sua prisão. Não sabemos exatamente
todos os detalhes. A carta aos Efésios é uma das que mais se revestem de mistérios, especialmente
no que respeita ao propósito de Paulo ao escrevê-la. Pessoalmente, cremos que ele a escreveu para
explicar à Igreja de Éfeso, e talvez a outras Igrejas da região, o fato de que Deus havia permitido que
ele, mesmo sendo o apóstolo designado para pregar aos gentios, tivesse sido lançado na prisão de
Roma, ficando impedido, assim, de realizar o seu ministério. É isso que ele diz no capítulo 3, no verso
13: ​“Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa
glória” O propósito de Paulo era mostrar que aquilo que para os efésios, e possivelmente para as
Igrejas daquela região, era motivo de dúvida, questionamento ou perturbação, na realidade
representava a glória deles. E ele faz isso expondo a doutrina da Igreja, mostrando o propósito de
Deus para a Igreja.
No capítulo primeiro, mostra como Deus, em Cristo, reuniu todas as coisas, apresentando a Igreja
como representação disso; ele mostra como, em Cristo Jesus, a Igreja foi abençoada com toda a
sorte de bênção espiritual e foi selada pelo Espírito Santo (vs. 3). No segundo capítulo, ele mostra que
Deus fez isso em termos práticos, chamando-nos pela graça quando estávamos mortos em ofensas
e pecados. Depois, ainda no segundo capítulo, ele mostra a união de judeus e gentios formando um
único povo, a Igreja, desfazendo a diferença ou barreira entre judeus e gentios. Deus não tem dois
povos. Deus tem um único povo: a Igreja, que é composta de judeus e gentios convertidos. No terceiro
capítulo, Paulo fala da sua função, como apóstolo, no propósito eterno de Deus de revelar o mistério
de Cristo que outrora havia estado oculto, mas que tinha sido revelado através dos apóstolos e da
pregação da Palavra, na vinda do Senhor Jesus. Paulo mostra que estava sofrendo exatamente por
causa disso, e que o sofrimento dele fazia parte desse eterno propósito de Deus; e nisso estava a
glória dos efésios e de tantos quantos lessem a carta que, possivelmente, era uma carta circular. E, a
partir daí, ele fala, no quarto capítulo, sobre a unidade da fé através do ministério dos apóstolos, dos
profetas, dos evangelistas e dos pastores e mestres. Ainda no quarto capítulo, ele começa a traçar as
implicações práticas de tudo que ele havia feito, mostrando, a partir da metade do capítulo, como os
efésios deveriam andar, à luz desse contexto. Então ele trata da santificação, uma vida pura diante
de Deus. No quinto capítulo, trabalhando na mesma direção, Paulo trata da vida conjugal. No sexto
capítulo, ele fala sobre a criação de filhos, sobre a vida na sociedade, e, por fim, conclui exortando a
Igreja a se preparar contra as astutas ciladas do inimigo. Os efésios ouviram tantas coisas
maravilhosas a respeito do que eles eram em Cristo Jesus, do que Deus providenciou para eles, do
plano eterno; e certamente devem ter ficado tão cheios de alegria e de gozo que Paulo sentiu a
necessidade de dizer: “irmãos, nós ainda não chegamos lá, vocês vão encontrar oposição no mundo
para viver como Igreja de Deus, para experimentar em termos práticos, definidos, completos tudo isso
21
que Deus tem para vocês”. Ele disse então: “irmãos, vocês vão encontrar oposição, não de homens de
carne e sangue como nós, mas dos principados e potestades que estão nos lugares celestiais que
querem nos destruir. Portanto, vocês têm que tomar toda a armadura de Deus para poder resistir às
tentativas dessas forças que hão de tentar impedi-los na carreira cristã”. Então, quando olhamos
para o capítulo 6 de Efésios, particularmente os versos 10 a 20, com a perspectiva da carta como um
todo, à luz da eclesiologia de Paulo nessa Carta, algumas lições se tornam evidentes para nós no que
respeita à questão da batalha espiritual. ​Em primeiro lugar, devemos ver que o propósito de Paulo no
capítulo seis é ensinar a Igreja a resistir. Esse é o seu ponto principal. ​Não é difícil provar isso. Se vocês
derem uma olhadinha no texto que lemos, a ordem principal é: “ficai firmes”. O imperativo aparece
três vezes, no versos 1, 13 e 14 “Ficai firmes” é a exortação de Paulo.
Combate ou resistência? - Essa passagem tem sido descrita por alguns como sendo uma
convocação ao combate. Contudo, ela seria melhor descrita como uma exortação a que a Igreja
resista. Outra coisa que a gente observa é que ​o soldado cristão, aqui descrito, está numa posição de
defesa. O soldado que é descrito aqui, a partir inclusive da descrição das armas que lhe são dadas,
não está partindo para o combate, para conquistar novos campos ou para assaltar o inimigo, ou para
derrubar uma trincheira. Na realidade, ele já conquistou, já venceu, já colocou o pé em território
inimigo​. O que ele tem que fazer é resistir firme, esse é o peso da passagem que se coaduna com tudo
que nós vimos até agora. A Igreja, na Carta aos Efésios, já é vitoriosa, já está assentada com Cristo
nos lugares celestiais, como Igreja invencível e imbatível. Cristo já venceu todas as batalhas por ela.
Paulo começa a tratar dessa batalha (Ef 6:10) dizendo​: “Sede fortalecidos no Senhor e na força do
Seu poder”​. Essa expressão aparece no capítulo primeiro, quando Paulo ora, no verso 18, para que
fossem iluminados os olhos do entendimento daquela Igreja e o coração para que soubessem qual
era a esperança da vocação deles, qual era a riqueza da glória da herança dos santos e qual era a
suprema grandeza do seu poder para com os que crêem, segundo a eficácia da força do Seu poder.
Assim, Paulo exorta a Igreja a que se apodere da vitória de Cristo, daquele poder que ressuscitou
Cristo dentre os mortos e O colocou à direita de Deus nos lugares celestiais. ​Portanto, o guerreiro que
está descrito aqui já é vencedor, já conquistou, já colocou o pé no solo inimigo. O que Paulo manda é
que esse guerreiro resista às tentativas do inimigo de recuperar aquilo que ele já perdeu e que foi
tomado pelo nosso Capitão, o Senhor Jesus. Estamos destacando esse ponto porque uma das
ênfases do movimento de “Batalha Espiritual”, que vamos considerar mais detalhadamente, é que a
Igreja deve entrar em conflito direto com os principados e potestades. Eles mudaram as coisas. Para
eles, não somos nós que somos caçados pelo Diabo; antes, nós é que temos que sair caçando o
Diabo. Mas vejam que o que Paulo está dizendo nesse texto não é isso. Ele está dizendo é que nós já
somos vencedores. Mas ainda assim, o movimento de “Batalha Espiritual” insiste em que os crentes
saiam caçando o Diabo para tomar o território dele, para derrubá-lo, para conquistá-lo e implantar a
doutrina de Cristo nesses locais todos. Como se tudo já não fosse de nosso Senhor e como se o Diabo
já não fosse um inimigo derrotado​. Voltaremos a esse ponto porque ele requer mais detalhes. Mas
esse é o ponto principal que gostaríamos de enfatizar e que fica claro quando se vê essa passagem à
luz do seu contexto. ​Paulo não está mandando a Igreja partir para tomar qualquer ofensiva contra
demônios. Pelo contrário, a Igreja, segundo ele, já é vencedora. Sua recomendação, portanto, é para
que ela resista aos ataques que lhe são feitos. Esse é um ponto de grande importância que devemos
guardar em mente​.
Origens do movimento - Agora, a grande pergunta, naturalmente, é: Como podemos resistir? Vamos
considerar, em primeiro lugar, a resposta do movimento de ​“Batalha Espiritual​”, como é conhecido em
nossos dias. Vamos dizer, brevemente, o que eles pensam sobre o assunto, depois ofereceremos uma
análise de tudo e, finalmente, apresentaremos uma alternativa bíblica quanto ao tema. Vamos
começar, então, entendendo o que é esse movimento de “​Batalha ​Espiritual​” e a que ele se propõe.
Em nossas pesquisas, não encontramos, com muita segurança, a origem do movimento, a não ser
uma informação de um dos seus defensores que diz que o movimento teve as suas origens em um
missionário americano chamado J.O. Fraser, na década de 30. Fraser foi missionário na China, pela
“​Missão para o Interior da China​”, fundada por Hudson Taylor. Seu trabalho se restringia a uma tribo
no interior da China envolvida com ocultismo, práticas de feitiçaria, e magia negra. Fraser, no início do
seu ministério, fracassou redondamente. Ele não conseguia libertar aqueles chineses incultos e
bárbaros das suas superstições mágicas e das suas tradições de feitiçaria e ocultismo. Notava que
os seus convertidos não conseguiam realmente se libertar da influência dos espíritos dos demônios.
Então ele começou a tentar na forma empírica, isto é, na base da tentativa de erro e acerto, achar
uma maneira de combater esses demônios. Ele entendia que a sua luta não era mais com os
convertidos; então, queria ir direto à causa. Assim, achou que seu negócio era com os demônios, e
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começou a desenvolver uma técnica, uma estratégia para anular, para eliminar, ou para impedir a
atuação dos demônios nos convertidos; impedir a ação dos demônios que emperravam o trabalho da
Igreja. Depois de várias tentativas, Fraser deixou de lado as Escrituras e desenvolveu um método na
base do pragmatismo, ou seja: se funciona, está certo. Foi assim que ele entendeu ter encontrado o
caminho do sucesso, em termos de invadir os territórios dos demônios e amarrá-los.
Fraser era um missionário, uma pessoa desconhecida, portanto as técnicas e o trabalho dele ficaram
desapercebidos até que a irmã dele publicou, trouxe à luz, as cartas que ele havia escrito, e as
anotações dele sobre o assunto. A partir daí, a coisa passou para o domínio público. Isso teria
acontecido no começo da década de 30.
Divulgadores atuais - Um nome bem mais conhecido, Frank Perreti, popularizou essas idéias no
mundo todo. Peretti, com dois romances intitulados: “​Este Mundo Tenebroso​”, descreve a luta
espiritual de uma pequena comunidade de uma cidade dos Estados Unidos para impedir que os
espíritos malignos daquela região se apoderassem da cidade. Ele narra, então, de forma muito bem
escrita, uma estória que se passa em um local fictício e com personagens fictícios. Esse livro foi um
best seller nos Estados Unidos e já foi traduzido para quase todas as línguas ocidentais. Peter
Wagner, o maior nome do movimento de “​Batalha ​Espiritual​”, agradece publicamente a Peretti
dizendo que nós devemos mais a Peretti do que a qualquer outro autor a difusão da idéia do
movimento de “​Batalha​ ​Espiritual​” no mundo todo.
Peter Wagner foi professor e missionário na América Latina durante alguns anos. Então, ele voltou
aos Estados Unidos para ensinar no Centro de Missões no Seminário Fuller e voltou com convicções
pentecostais. A princípio ele era bastante conservador e contra todas as manifestações pentecostais
e carismáticas. Mas ele viu alguma coisa na América Latina que virou a cabeça dele. Assim, ao voltar
para o Fuller, estava absolutamente comprometido com essas manifestações. Depois de algum
tempo, tomou o lugar de Donald McGavran, que é o fundador do movimento de “​Crescimento de
Igreja​”. Peter Wagner tomou o lugar de McGavran, que era mais moderado, e difundiu não somente a
idéia do movimento de “​Crescimento de Igreja​”, mas associou a idéia de fazer a Igreja crescer com
sinais e prodígios. Ou seja, ele acha que no mundo de hoje não tem jeito de fazer a Igreja crescer se
não houver sinais e prodígios. Nós vivemos numa época pós-moderna onde ninguém valoriza o
conceito de certo ou errado. O que vale hoje é a experiência, o que você sente; e, portanto, a única
coisa que a Igreja tem para oferecer como principal chamariz, diz Wagner, é exatamente a produção
de sinais e prodígios.
Riso, urro e vômito “​santos​” - O Seminário de Fuller comprou a idéia e abriu um curso chamado:
“Crescimento de Igreja, Sinais e Prodígios” onde quem dava aula eram Peter Wagner e John Wimber,
o fundador do movimento “​A Videira​”, uma das denominações carismáticas que mais cresce nos
Estados Unidos hoje e de onde saiu a ​Igreja da “Bênção de Toronto”​. Já ouviu falar da ​“bênção de
Toronto”​? A ​“bênção de Toronto” é a ​“gargalhada santa”​, o ​“riso santo”​. Quando a Igreja de Toronto
começou com a ​“gargalhada santa”​, John Wimber foi lá, não sabemos se Peter Wagner foi também,
mas eles trabalhavam juntos. John Wimber foi lá e disse: ​“Isso é uma obra do Espírito Santo”​. Ele deu
todo apoio à “​bênção de Toronto​”. No Natal do ano passado, acrescentou-se alguma coisa ao “​riso
santo​” - o “​urro santo​”. Aqueles irmãos começaram não somente a rir, mas a berrar, a urrar, a grunhir
e a latir. A justificativa dada, no caso dos que urravam como leão, é que o berro é o urro de indignação
de Deus contra o pecado da Igreja, porque no livro de Amós, Deus se apresenta como um leão e,
portanto, quando o Espírito vem sobre alguém ele urra em indignação contra o pecado da Igreja.
Tudo bem! Mas e o cachorro? A coisa ficou tão feia que John Wimber voltou lá, disse que o movimento
não era mais do Espírito Santo e cortou a Igreja de Toronto da comunhão. Ele fez isso no Natal do ano
passado. O último desdobramento do movimento é o ​“vômito santo”​: quando a pessoa está
vomitando no Espírito quer dizer que ela está expelindo, na linguagem deles, todos aqueles espíritos
malignos, todos aqueles pecados e coisas que estavam neles.
Queremos fazer apenas um parêntese para dizer o seguinte: Se não houver o freio da Escritura, se
não houver limite, ninguém sabe onde isso vai parar. Até o próprio John Wimber disse: ​“Tem hora que
tenho que dizer basta​”. Tem muita gente entusiasmada com esse tipo de movimento, mas nós já
podemos ver o fim deles, o que vai acontecer. Porque o movimento que não se baseia exclusivamente
na Palavra de Deus, que não parte da suficiência da Escritura, e não se submete ao crivo da Bíblia,
não tem cerca.
O movimento no Brasil - O que está acontecendo em Toronto e em outros lugares nos Estados
Unidos, infelizmente, é o que irá acontecer, segundo cremos, no Brasil. Com o rumo que o movimento
de ​“Batalha Espiritual” está tomando hoje, no mundo todo, precisamos ficar apostos quanto à nossa
Igreja.
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Peter Wagner que defendeu o crescimento de Igreja com sinais e prodígios, abraçou logo em seguida
a idéia de batalha espiritual como sendo necessária para fazer sua Igreja crescer. Não estamos
dizendo que todo mundo que defende o movimento de crescimento de Igreja também é do
movimento de “​Batalha Espiritual”. ​Mas é preciso ficar claro que existe essa relação entre as duas
coisas e você tem que ficar de olho aberto para entender bem o que está acontecendo no movimento
de crescimento de Igreja, junto com batalha espiritual. Não estamos dizendo que são todos, mas na
pessoa de Wagner e de muitos outros você vai encontrar esta fusão. Assim, Wagner pode ser visto
como o teólogo do movimento. No Brasil, ele ganhou muitos adeptos; o mais conhecido é a ​Drª. Neusa
Itioka​, que é membro da equipe da SEPAL e que se tornou conhecida pela publicação do seu livro:
“Deuses da Umbanda”​, que na realidade foi sua tese de doutorado em Missiologia no Seminário de
Fuller. No livro ​“Deuses da Umbanda”​, Neusa Itioka coloca nomes nos demônios que controlam o
Brasil, e a grande crítica que se faz contra ela é quanto à fonte de informação que usou para
descobrir os nomes dos demônios, porque a Bíblia não dá nome a nenhum demônio. À exceção
daquela legião, que simplesmente quer dizer “muitos”, e de Satanás, a Bíblia não dá nome a demônio
nenhum. Como, então, Neusa Itioka sabe os nomes dos demônios que estão no Brasil? A resposta
dela é que soube disso através de informação de pessoas endemoninhadas em tratamento no seu
gabinete. ​Mas, desde quando o testemunho de pessoa endemoninhada ou o testemunho de
demônios pode servir de base para formulação doutrinária​? Outra pessoa também que tem difundido
muito essa idéia, embora menos teologicamente, é a conhecida ​Valnice Milhomens​, através dos seus
escritos e especialmente através dos seus simpósios e programas de televisão. Além disso, centenas
de simpósios sobre batalha espiritual, conferências sobre o assunto e uma grande quantidade de
literatura, a maior parte traduzida do inglês para o português, têm divulgado o movimento no Brasil
Em primeiro lugar, gostaríamos de dizer, antes de fazer uma análise seguida de uma crítica do
pensamento deles, que não estamos negando nem a sinceridade, nem a honestidade, nem o desejo
de servir a Deus e nem mesmo a conversão de quem quer que seja. Estamos tratando as coisas no
campo das idéias. Não estamos dizendo que porque alguém abraçou o movimento de “Batalha
Espiritual” não é crente. Não estamos dizendo que Neusa Itioka não é crente, que Valnice e Peter
Wagner não são crentes. Ao tratar desse assunto, que Deus nos dê humildade e também dor no
coração para com a situação.
Demônios especialistas - Fica difícil dizer o que eles crêem por causa das divergências existentes
entre si. Mas há uma base na qual todos eles se firmam. Em um livro que está para ser publicado pela
Cultura Cristã, o autor faz uma distinção que nos ajuda muito. Ele colocou o dedo no ponto crucial da
“Batalha Espiritual​”: O conceito de que todo mal que existe no mundo, qualquer que seja sua
natureza, quer seja mal moral, pecado, desastre, etc. é causado pela ação direta de um ou mais
demônios que são especialistas em causar aquilo. Portanto, a única solução apresentada por eles é
um ministério ekbalístico. (que quer dizer “lançar fora”, “expelir”). Para o pessoal do movimento de
“​Batalha Espiritual​”, o único modo possível de ministério é o ministério ekbalístico, já que tudo que
aflige o indivíduo, a Igreja, e a sociedade é produzido pela interferência, pela atuação e pela influência
de demônios. Assim, a solução só pode ser uma: amarrá-los, controlá-los, proibi-los, repreendê-los,
etc. Então, se você compreende isso, você já conhece a porta de entrada para o movimento de
"Batalha Espiritual".
Com essa base, será possível entender tudo o que eles fazem. O ministério ekbalístico refere-se,
então, àquele tipo de ministério crido e exercido por muitos pastores no Brasil: a expulsão de
demônios. Isso é visto por eles como a arma principal da Igreja, talvez a única arma para resolver
todos os problemas da Igreja e da sociedade. Vamos supor: alguém está sofrendo de pensamentos
sensuais, é crente, não consegue se livrar de pensamentos lascivos, devaneios eróticos, imagens
contra as quais venha lutando, etc. Se essa suposta pessoa for a um conselheiro ekbalístico ele vai
dizer o seguinte: ​“Isso está acontecendo porque tem um demônio entrincheirado na sua vida e que
está produzindo esse tipo de coisa e você não vai resolver o problema enquanto você não expelir esse
demônio da sua vida”​. Então, possivelmente, o que vai acontecer é que vai haver uma sessão de
exorcismo onde o conselheiro vai repreender o demônio e mandar que saia e o cidadão vai embora
sentindo-se bastante aliviado. Possivelmente os pensamentos vão voltar, a pessoa vai regressar e
repetir o mesmo processo por umas duas ou três vezes. Finalmente, o conselheiro ekbalístico vai
dizer: ​“Você tem que aprender você mesmo a expulsar o demônio​”. Eles ensinam, então, uma técnica
para localizar o demônio fisicamente na parte do corpo em que ele se encontra, colocar a mão ali e
ordenar que o demônio saia em nome de Jesus. Assim a pessoa passa a se automedicar, expelindo
os demônios todas as vezes que eles voltam. Essa é a abordagem deles. Contudo, se o mesmo
suposto personagem for a um conselheiro bíblico, a interpretação será outra. O conselheiro dirá: ​“Meu
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filho, comece a queimar as revistas ‘Playboy’ do seu quarto, depois pára de ver esses filmes com
figuras e pensamentos eróticos, pára de andar com certas companhias que provocam a sua
sensualidade, começa a lutar sério com isso, aprenda a orar, pedir a Deus que lhe guarde, tenha uma
vida reta... aprenda que o caminho para se libertar disso é chamado pela Bíblia de ´santificação`, um
processo árduo que exige a mortificação da natureza humana​” O fato de “​amarrar​” um ou mais
demônios não vai resolver isso. Como se vê, o ponto principal do movimento de “​Batalha Espiritual​” é o
conceito de que todos os problemas do indivíduo, da Igreja, e da sociedade são causados por
demônios que estão instalados em posições estratégicas e geográficas cabendo à Igreja a
responsabilidade, segundo o movimento, de ir a esses demônios e anular a atuação deles. Essa é a
base do pensamento, é a porta de entrada para a teologia de batalha espiritual deles.
Espíritos territoriais - Como já mencionamos, temos que compreender esse conceito de espíritos
territoriais. Há um livro que foi editado por Peter Wagner, recentemente publicado, onde ele fala sobre
esses espíritos. Para eles, os espíritos ocupam determinados territórios geográficos, regiões que
podem abranger países, estados, cidades, bairros, e até casas e ruas. A idéia é que para cada região
geográfica existem um, dois ou três demônios responsáveis pelo pessoal que mora ali. O trabalho
deles é cegar as pessoas, levá-las à perdição e impedir que a Igreja penetre ali. Esse seria o trabalho
dos espíritos territoriais. O alvo deles é cegar as pessoas daquelas regiões, pelas quais eles são
responsáveis, através do ocultismo, Nova Era, astrologia, satanismo, uso de pirâmides, cristais,
bruxaria, macumba, etc. O segundo objetivo desses demônios seria oferecer total resistência aos
esforços da Igreja para entrar naquela área, impedir a abertura da área para a entrada da Igreja.
Para isso eles cegam e oprimem os crentes. No caso mais extremo, alguns defensores de “​Batalha
Espiritual​” crêem na possessão demoníaca dos crentes. O crente poderia ficar possesso, segundo
eles. Neusa Itioka, partindo de um estudo de Gilberto Piker, procura fazer distinção entre possessão e
demonização. Ela não aceita que o crente possa ser possuído, mas acredita que pode ficar
demonizado. Neusa está trabalhando em cima de uma distinção que foi feita por Gilberto Piker, no
seu livro sobre guerra espiritual. Parece-nos bastante infeliz essa idéia e sem qualquer apoio na língua
grega. Ele acha que temos traduzido ​daimonitzo​, que é o verbo para indicar possessão, de uma forma
errada. Segundo ele, a tradução correta seria “​ficar demonizado​”. Assim, Piker entende que
possessão significa estar totalmente sob o controle do Diabo e demonização significa que um
demônio entrou na vida de alguém e ocupa uma área. Então, enquanto alguns diriam que o crente
pode ficar totalmente possesso, como Neuza Itioka, Gilberto Piker, fala em demonização de áreas da
vida em que o demônio pode chegar e se entrincheirar e de onde só sairá através do ministério
ekbalístico. Os demônios fariam isso na Igreja para impedir o seu avanço, atacando pregadores,
promovendo pecados de divisão e semeando confusão.
Outro ponto interessante é que, segundo eles, o quartel general dos demônios, o território que eles
chamam de “​trono de Satanás​” está localizado em um ponto geográfico. Quando Peter Wagner
esteve aqui no Brasil, convidado pela Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana
naquela época, ele defendeu abertamente em Campinas a idéia de que estas regiões têm um local
geográfico, que é conhecido como ​“trono de Satanás”, onde o líder dos demônios daquela região tem
o seu quartel general e de onde controla os seus subordinados que cegam as pessoas e oferecem
resistência à Igreja. Por conseguinte, a Igreja não pode progredir, crescer e evangelizar enquanto não
neutralizar estas forças espirituais cósmicas. Seria inútil a Igreja começar uma campanha de
evangelização numa nova área sem primeiro neutralizar esses espíritos territoriais que estariam ali
entrincheirados. Primeiro temos que amarrar o valente e depois é que podemos saquear a casa. Essa
é a estratégia missionária do movimento de “​Batalha Espiritual​” associada com o crescimento da
Igreja. Primeiro tem que neutralizar os demônios, neutralizar suas fortalezas, tirar-lhes o domínio
daquela região, e só assim a Igreja vai poder entrar, evangelizar e conquistar as pessoas para Cristo.
A Igreja não deve ficar na defensiva. A reflexão inicial que fizemos sobre Efésios 6, mostrando que a
Igreja já é vitoriosa e está na defensiva, essa nossa posição é totalmente inaceitável para eles.
Segundo o movimento, temos que sair caçando Satanás, derrubando esses territórios, neutralizando
a ação dos demônios e travando uma batalha cósmica nas regiões celestes.

Técnicas contra os espíritos - Segundo Wagner, nem todo mundo pode ser um guerreiro de oração,
se não estiver preparado. Satanás vai devorá-lo no café da manhã. Como ninguém quer ser devorado
por Satanás no café da manhã, os crentes vão em massa para o simpósio de “​Batalha Espiritual​”
aprender com os “​peritos​” as estratégias e as táticas para enfrentar o inimigo e conquistar seus
territórios. Esses “​peritos​” ensinam aos crentes os segredos de como atacar, nas regiões celestiais,
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essas forças espirituais. J.O. Fraser, na década de 30, não tinha idéia do que o seu pensamento iria
produzir no século XX.
O que a Igreja deve fazer, segundo o movimento? Em primeiro lugar, fala-se muito em mapeamento
espiritual. A idéia é que assim como se pode ir para uma cidade e mapear as suas diversas
localidades e os seus acidentes geográficos, pode-se, também, fazer um mapa das regiões celestiais.
Chamam isso de “​mapeamento espiritual​”. Dizem que há uma superposição do que está
acontecendo nas regiões celestes com o que está acontecendo na terra. O mapeamento espiritual
consistiria em descobrir basicamente duas coisas: a) onde estão localizados os demônios que
controlam uma determinada região; b) quais os nomes deles. A idéia é que o conhecimento do nome
do demônio dá poder sobre ele. Por isso dão tanta ênfase à necessidade de conhecer o nome dos
demônios. Essa idéia veio, possivelmente, do gnosticismo antigo que o Dr. Horton chamou de
“​tecnologia espiritual​”. Os gnósticos acreditavam que quando você tinha determinado conhecimento,
você tinha controle de Deus e podia ter acesso a ele quando quisesse. Isso, portanto, é um
reavivamento de certos aspectos do gnosticismo antigo, quando se conhece o nome de um demônio
tem-se autoridade sobre ele.
Quanto à questão do trono de Satanás, Wagner ensinou um método para localizá-lo e derrubá-lo.
Primeiro, toma-se o mapa da região, divide-o em quadros e anda-se por eles orando em cada um
deles. Na área em que a maior opressão se manifestar, onde se torna quase impossível orar, é que
está a maior concentração de demônios e ali, possivelmente, estará o trono de Satanás. O que deve
ser feito é a promoção de uma corrente de oração trazendo guerreiros de oração para que derrubem
o trono de Satanás. Uma vez feito isso, a região estará livre e poderá ser evangelizada com sucesso.
No livro ​“Espíritos Territoriais” há uma ilustração interessante: Havia um cidadão na fronteira do Brasil
com o Uruguai. No Uruguai, ele recebeu um folheto, mas ao lê-lo, nada aconteceu. Quando o cidadão
cruzou a fronteira e entrou no Brasil, ele se converteu. Explicação dada: ​“Os demônios do lado do
Uruguai não estavam amarrados, ao passo que, no lado brasileiro, eles estavam amarrados”​.
Segundo eles, ninguém se converte enquanto essas entidades não forem anuladas. Essa é a
implicação do conceito do movimento de que todo mal existente no mundo é causado pela ação
direta de um demônio. Portanto, a solução sempre seria a de atacar os demônios com um ministério
ekbalístico. Então, esses simpósios ensinam fazer mapas espirituais; localizar e derrubar o trono de
Satanás; orar intercessoriamente, em voz alta, determinando a queda das fortalezas; amarrar
demônios pela palavra, especialmente os demônios ligados a certas atividades como embriaguez,
vícios em geral, uso de drogas, etc.; dar ordens diretas aos demônios, repreendê-los e mandá-los
para o abismo.
Quebrando maldições - Um desenvolvimento recente encontra-se na questão da maldição
hereditária. Essa ênfase tem sido dada por ​Valnice Milhomens​, ​Neusa Itioka​, ​Jorge Linhares e ​Robson
Rodovalho​; este, da Comunidade de Goiânia. Eles entendem que os demônios passam a ter
autoridade na vida de uma pessoa quando alguém lança uma praga. Por exemplo, quando um pai diz
a um filho: “​menino, que o Diabo te carregue!​”. Por causa disso, o demônio vai controlar a vida desse
menino e mesmo que ele se converta, se não se quebrar essa maldição, ele não conseguirá ser feliz
porque ela o acompanhará pelo resto da vida. Assim, palavras descaridosas dos pais, xingamento,
coisas más que são ditas, dariam autoridade aos demônios sobre as pessoas. Jorge Linhares conta
que comprou um carro novo e, viajando, atropelou um coelho; na semana seguinte, atropelou um
cachorro; na terceira semana, um passarinho bateu no parabrisa e morreu. Então ele orou: “​Senhor,
eu quero saber o que está acontecendo, tem alguma coisa errada com esse carro​”. Ele diz em seu
livro que o Espírito Santo revelou-lhe que aquele carro estava amaldiçoado e que ele devia quebrar
todas as maldições; então ele foi e anulou todas as maldições que havia naquele carro. Qual é a
conclusão lógica? Quando chegou em casa ele saiu de quarto em quarto anulando a maldição do
refrigerador, da televisão, da mesa, etc. Isso porque ele cria que o Espírito tinha lhe revelado que o
carro estava amaldiçoado porque foi produzido numa fábrica de ímpios. Há pessoas que crêem
seriamente nisso e estão fazendo isso mesmo.
Robson Rodovalho ensina que para anular maldições hereditárias deve-se traçar uma árvore
genealógica com todos os ascendentes e investigar a vida de todos os antepassados para saber se
eles fizeram algum pacto com o Diabo, se há algum pecado que se repete na família o tempo todo,
como separação, ou outra característica da família; e então, ensina o que fazer para quebrar essas
maldições.
Pontos positivos - Gostaríamos de fazer uma breve avaliação do ensino do movimento de “Batalha
Espiritual” e oferecer uma alternativa bíblica para a questão. Tentaremos cobrir os pontos básicos:
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Primeiramente, vamos fazer uma avaliação positiva do movimento. Há pelo menos três coisas boas
em tudo isso:
a) a conscientização que esse movimento vem trazer à Igreja da realidade do poder e da atuação das
hostes espirituais da maldade. A tendência e a tentação das igrejas reformadas calvinistas têm sido a
de esquecer-se de que a luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades. Às
vezes, a ênfase na igreja reformada calvinista é muito forte na questão do conhecimento, do
treinamento doutrinário, e da precisão teológica na mente. Por vezes pensamos que qualquer coisa
no reino de Deus sempre se processa no campo das idéias. Sem, naturalmente, querer desmerecer
esta verdade, precisamos destacar que o verdadeiro calvinismo ensina a importância de uma mente
preparada, sem se esquecer do valor de um coração aquecido, um coração em chamas pelo
Evangelho, por amor a Deus, amor à Igreja, amor à glória de Cristo, que deseja ver essa glória
espalhada pelo mundo. Não podemos dissociar essas duas coisas. Se ficarmos só na questão
intelectual seremos reformados frios; e o que tem acontecido é que esta frieza tem entrado nas
igrejas. Em outros países, onde estudamos, professores de seminários não acreditam em possessão
demoníaca. Eles não têm nenhuma preocupação com o que a Escritura diz com respeito às astutas
ciladas do Diabo. O fato de que Satanás anda ao nosso redor como leão que ruge, procurando a
quem possa devorar, não desperta neles a menor preocupação. Tudo isso é considerado como
sendo coisa do período apostólico e que cessou. Há, portanto, esse perigo e certamente esse
movimento vem nos conscientizar dele.
Quando Paulo escreveu a carta aos Efésios, ele estava preso e, portanto, impedido de prosseguir na
evangelização. Entretanto, Paulo não via a coisa apenas do ponto de vista meramente humano. Ele
estava preso porque o imperador o havia abrigado como preso político e porque os judeus o
entregaram ao imperador. Mas Paulo, ao analisar a situação, vê além disso. Ele sabia que por detrás
do imperador e dos judeus que o colocaram ali, estavam forças espirituais da maldade nos lugares
celestiais. Às vezes a Igreja esquece esse aspecto. É claro que o extremo oposto é de gente que vê o
Diabo em tudo, em qualquer coisa, mas o outro extremo é esquecer da existência da atuação, da
realidade dessas forças malignas ao nosso redor. Cremos que esse movimento, mesmo sendo
definitivamente estranho aos ensinos bíblicos, pode nos ajudar a corrigir a nossa tendência de ir aos
extremos.
b) O segundo ponto positivo é o zelo evangelístico. Como vimos, esse movimento nasceu no campo
missionário, numa tentativa de ganhar pessoas para Cristo, libertá-las e levar o Evangelho a elas. É
verdade que hoje o moderno movimento de crescimento de Igreja já perdeu muito desse zelo
missionário de ir a outros povos e praticamente se tornou uma metodologia urbana de igrejas
grandes; mas as raízes do movimento são missionárias e esse pessoal, muitos deles, têm um zelo
muito grande no trabalho de ganhar as pessoas para Cristo e levá-las ao conhecimento de Deus. Isso
vem fustigar, às vezes, a mornidão e indiferença das igrejas reformadas; a acomodação que vem às
igrejas calvinistas que não têm visão missionária. Esse pessoal tem essa preocupação, alguns com
motivos errados, mas pelo menos a preocupação existe.
c) Uma terceira coisa é a ênfase que eles dão à oração. Eles estão orando pela coisa errada, mas
pelo menos acreditam que pela oração podem fazer alguma coisa. Sabemos que é Deus quem faz
todas as coisas, mas também sabemos que Deus manda, em Sua Palavra, que oremos e que a Igreja
ore e que interceda. Paulo mostra isso no final do capítulo seis de sua carta aos Efésios, ao pedir que
a Igreja estivesse orando em todo o tempo no Espírito por todos os santos e também por ele para que
lhe fosse dada a Palavra. Assim, embora o movimento de ​“Batalha Espiritual​” tenha a ênfase errada,
a vida de oração que ensina serve de chicote de Deus para nós.
Talvez um lugar onde seja mais fácil negligenciar uma vida de oração seja no seminário. Quando o
seminarista chega ao seminário, calouro, feliz, ele ajoelha toda noite e sabe de cor o nome de todos os
membros da sua Igreja, dos seus amigos e a favor de cada um ora de joelhos durante o seu primeiro
ano. No segundo, ele já não conhece os nomes de cor e prepara, então, uma lista. Então, à noite, ele
se ajoelha, pega a lista e diante de Deus lê o nome daquelas pessoas e pede que Deus as abençoe.
No terceiro ano, ele já pregou a lista na parede. À noite, ele se ajoelha e diz: “Senhor, abençoa os
nomes que estão nessa lista”. Esse movimento vem nos lembrar que sem oração, sem buscar a Deus,
sem obedecer a ordem das Escrituras de que temos que orar Deus não nos abençoará.
Erros do movimento - Agora, ao mesmo tempo em que destacamos esses pontos positivos, temos
também alguns questionamentos sinceros, algumas preocupações verdadeiras; mas, antes de
apresentá-las, queremos dizer duas coisas: Primeiro, cremos na realidade e na atuação dos
demônios conforme o ensino bíblico. Não entendemos que toda atividade demoníaca foi restrita ao
período apostólico, não há base para dizer isso. Segundo, cremos no poder da oração e cremos que o
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crente fortalecido no Senhor, na força do seu poder, é capaz de enfrentar e vencer as tentações do
Diabo.
Agora vamos ver algumas críticas. São seis ou sete observações. A ordem que vamos seguir não tem
que ver com a ordem de importância, mas a primeira merece destaque:
1​. Apesar do tom de autoridade desses “peritos”, o que eles falam, a grande maioria das estratégias
propostas, não tem base bíblica. Suas técnicas parecem mais com um misticismo exagerado. Por
exemplo, onde, na Bíblia, vamos encontrar uma orientação, uma ordem do Senhor Jesus, para que os
apóstolos e a Igreja localizassem e derrubassem o trono de Satanás? Por que Jesus nunca ensinou
isso aos apóstolos e os apóstolos nunca ensinaram isso às Igrejas? Onde vamos encontrar, no Novo
Testamento, o Senhor Jesus ensinando aos apóstolos que eles deveriam amarrar Satanás por meio
de palavras? E onde vamos encontrar os apóstolos ensinando as Igrejas que na batalha contra o
Diabo elas poderiam amarrar Satanás com a autoridade que Jesus deu? Onde vamos encontrar que
a Igreja deve se organizar para, através da oração, fazer guerra contra o trânsito, como o pessoal de
“​Batalha Espiritual​” em Los Angeles amarrou os demônios no engarrafamento, durante as
Olimpíadas? Amarraram os demônios da maldição do triângulo das Bermudas. Na revista Newsweek
saiu a notícia de que não houve engarrafamento no trânsito em Los Angeles durante as Olimpíadas
porque eles decretaram a prisão do demônio do engarrafamento. Onde está na Escritura que a Igreja
deve se unir em oração para fazer isso? É claro que não tinha engarrafamento na época de Paulo.
Segundo o pensamento de alguns deles, os demônios não só atuam em pessoas mas, também, em
estruturas. Neusa Itioka afirma que o problema do funcionalismo público no Brasil é que existe um
demônio do funcionalismo público. Ela afirma isso! No seu livro: “​Você Está em Guerra​”, publicado
agora pela SEPAL, ela fala que o problema do funcionalismo público no Brasil é um demônio que está
entrincheirado nas estruturas econômicas, e o problema do racismo no Brasil é que quando foi
assinada a Lei Áurea, resolveu-se o problema externo, mas ninguém passou uma canetada
amarrando o demônio do escravagismo; por isso a raça negra continua sendo desprezada,
ridicularizada e menosprezada. Certamente não vamos encontrar esse ensino na Escritura. Por que o
apóstolo Paulo não promoveu uma campanha entre as suas Igrejas para amarrar o imperador ou
destronar o poder do Império Romano que estava matando cristãos? Por que Paulo não fez uma
campanha para acabar com a escravidão, amarrar o demônio da escravidão que havia no Império
Romano? Por que Paulo não fez nada disso? Onde encontramos na Escritura que para o homem ser
feliz ele tem que quebrar as maldições hereditárias?
A interpretação que o movimento de “Batalha Espiritual” tem dado à passagem de Êxodo 20 consiste
num crasso erro de hermenêutica. Nunca se deve pegar um texto isoladamente, para elaborar uma
doutrina. Êxodo 20 tem que ser interpretado à luz de Ezequiel 18, onde o profeta repreende a nação
porque o povo estava dizendo: “os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que
embotaram”. O profeta disse: “de forma nenhuma. A alma que pecar essa morrerá”. Se um homem
justo gerar um ladrão, as bênçãos do justo, os méritos do justo não vão passar para o filho ladrão; ele
vai morrer debaixo da ira de Deus; e se o filho ladrão gerar um filho justo nada do que o pai fez de
errado vai cair sobre esse filho justo. Assim, devemos interpretar Êxodo 20 à luz dos profetas, do Novo
Testamento, onde está escrito que em Cristo Jesus todas as nossas cadeias, toda a nossa dívida foi
desfeita. Essa é a nossa primeira preocupação, a falta de base bíblica para essas ousadas
afirmações.
Outra coisa: Por que Paulo sofreu durante catorze anos com um espinho que ele expressamente diz
que era um mensageiro de Satanás? Não sabemos a natureza do mensageiro, mas sabemos sua
procedência, era de Satanás. Por que durante catorze anos Paulo sofreu com aquele enviado de
Satanás? O que ele fez foi pedir a Deus, três vezes, humildemente, que tirasse aquele espinho. E nem
assim ele foi atendido. Como se explica isso? Como se explica que Paulo, querendo voltar a
Tessalônica, tenha sido barrado por Satanás (I Ts 2:18; 3:1)? Qual foi a estratégia de Paulo? Aqui está
um caso típico de guerra espiritual, ele queria voltar a Tessalônica, onde tinha deixado uma Igreja de
novos convertidos, mas não pôde porque Satanás lhe barrou o caminho. Não sabemos a natureza da
barreira. A palavra “barrar” significa: “cavar uma trincheira”, vem da linguagem militar, cavar uma
trincheira para que o inimigo não passe. Está claramente caracterizado um caso em que o
missionário quer entrar no campo mas o Diabo coloca obstáculo. O que fez o apóstolo Paulo? Ele não
amarrou, não determinou queda, não repreendeu, não mandou de volta para o abismo. Não podendo
ir pessoalmente a Tessalônica, ele simplesmente enviou Timóteo. Mais duas coisas: Ele orou, escreveu
uma carta e mandou Timóteo driblar a barreira e ir em seu lugar. Segundo os padrões de “​Batalha
Espiritual​” moderno, Paulo era um verdadeiro crente frio.
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De onde vêm essas técnicas, de onde elas se desenvolveram? Há duas fontes: primeiro, do
pragmatismo; - ​“se funciona, então está certo”​. Neusa Itioka, nesse livro que saiu agora, diz que os
demônios ganham autoridade para sentar no pescoço de alguns crentes. Ai você pergunta: “​Neusa,
de onde você tirou essa idéia?” ​Certamente a resposta não será: “​das Escrituras​”, pois isso não está
na Bíblia. A resposta dela será: “​eu tenho observado no meu gabinete que muitos crentes que vêm se
queixando de determinados pecados, também vêm sofrendo com dores no pescoço.​” A conclusão
dela é que o demônio monta no pescoço. É uma questão tragicômica. A base da maioria das práticas
desenvolvidas por esse movimento vem dessa forma. Uma vez, um defensor do movimento,
conhecido aqui no Brasil, foi fazer uma palestra numa igreja em Minas; quando acabou de falar, ele
perguntou aos presentes: “​Quem ficou com sono durante a palestra​”? As pessoas levantaram a mão
e ele chamou-as para a frente e disse: “​Vou orar, agora, repreendendo o demônio do sono da vida de
vocês​”. Orou, expulsou o demônio do sono, e na saída o pessoal foi falar com ele. Disseram: “​onde é
que você tem base para dizer que se uma pessoa está cochilando durante a sua palestra, aquilo é um
demônio que está causando sono​”? Porque, na realidade, se olhar na Bíblia, o sono é uma bênção de
Deus. Tem gente que daria qualquer coisa no mundo para passar uma noite de sono profundo. Em
nenhum momento da Escritura isso está ligado a uma ação demoníaca, ​“como é que você sabe
disso”​? Ele respondeu: “​Eu sei que não está na Escritura, mas Deus me revelou​”. São essas as fontes
básicas do movimento: Revelações especiais diretas de Deus e experiências práticas. Em outras
palavras: Isso é uma mistura de pragmatismo e misticismo.
2. Outra coisa que tem nos preocupado é a influência doutrinária da “​Confissão Positiva​”, nas práticas
do movimento. O movimento de “​Confissão Positiva​” começou com o pastor Essek William Kenyon,
dos Estados Unidos. Ele pegou a idéia de filósofos sobre o poder da palavra; - “​a palavra cria​” - e
trouxe isso para dentro da Igreja, criando a idéia de que pela palavra o crente consegue criar
realidades ao seu redor. Um dos discípulos de Kenyon é Paul Young Cho, com aquele famoso livro,
que fez muito mal ao Brasil, chamado ​“A Quarta Dimensão”​, onde se lê que você visualiza, mentaliza e
pela palavra você cria resposta à sua oração, exatamente do jeito que você queria. Outro discípulo é
Benny Hinn, cuja literatura está espalhada pelo Brasil. Sua idéia é basicamente esta: Assim como
Deus no começo criou todas as coisas pela palavra do seu poder, nós, porque somos deuses,
podemos igualmente criar, podemos criar circunstâncias através da palavra.
Há pouco tempo recebemos um livro escrito por um pastor chamado Hank Hanegraaff, dos Estados
Unidos, e ele mandou, acompanhando o livro, duas fitas onde colecionou as próprias palavras e
expressões usadas por Benny Hinn e outros, tiradas da televisão e de revistas. Ele fez uma coletânea
para que os evangélicos ouvissem, nas próprias palavras desse pessoal, o ensino deles. Benny Hinn
diz: ​“Você não tem um deus dentro de você, você é deus”​. O que está por detrás disso é a idéia de que
podemos criar como Deus criou, porque nós também somos deuses. Um outro evangelista dessa
linha diz o seguinte: ​“Não diga que você está doente, você simplesmente bata em seu corpo e diga:
´Ah! esse corpo saudável!` Porque na hora em que você disser: ´eu estou doente` você vai ficar
doente, porque a palavra tem poder. Mas diga: ´eu estou curado`. Não diga também que você está
pobre, bata no seu bolso e diga: ´Ah! carteirinha cheia de dinheiro`” Esse pensamento da palavra
criadora está por detrás de muitas das estratégias do movimento de “​Batalha Espiritual​”. Ou seja, a
voz de autoridade e comando dos crentes vai criar aquilo que eles estão dizendo e aquela
vocalização vai derrubar fortalezas, vai amarrar o Diabo, vai repreender os demônios, e vai criar
realidades favoráveis ao crescimento da Igreja. Então há a influência do movimento. Essa idéia de
confissão positiva, não é só idéia da ​"Teologia da Prosperidade"​, mas também do movimento de
“Batalha Espiritual”​.
3. As ênfases do movimento comprometem o conceito da suficiência de Cristo no Evangelho. Todos
precisam saber que essa teologia de “​Batalha Espiritual​” nasceu em solo arminiano; Peter Wagner é
arminiano, Neusa Itioka é arminiana e Valnice é arminiana. Uma teologia dessa jamais poderia
florescer em solo Reformado. Isso porque a Teologia Reformada coloca a sua ênfase na soberania de
Deus, no senhorio de Jesus Cristo, e na suficiência de Cristo e sua Palavra. Assim, esse movimento
acaba atacando a suficiência de Cristo. Não é suficiente o que o nosso Salvador fez por nós na cruz e
na ressurreição, temos que completar isso quebrando as maldições hereditárias, dizem eles. As
afirmações da Escritura sobre a vitória de Cristo na cruz do calvário e a sua ação de anular as obras
do maligno não são suficientes, temos que completar isso amarrando o que Ele deixou de amarrar,
dizem eles.
4. O movimento tende a isentar os crentes da sua responsabilidade moral, e de todo o processo de
santificação, como demonstramos naquele exemplo da pessoa que procura o conselheiro, porque
tem pensamentos impuros. O que acontece é que pessoas que abraçam esse movimento e que
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começam a ver os demônios como responsáveis, inclusive pelos seus próprios pecados individuais,
acabam finalmente a se sentir isentos de qualquer responsabilidade. Não é difícil encontrar pessoas
que dizem: ​“Meu casamento deu errado, o Diabo entrou ali, fez a maior bagunça; o Diabo tomou
conta de mim, eu não sabia o que estava fazendo, bati na minha esposa, mandei meus filhos embora,
etc​.” O Diabo acaba sempre sendo o responsável e os homens ficam isentos de culpa, pois agiram
debaixo da influência do Diabo. Isso pode ser visto nos grandes tele-evangelistas dos Estados Unidos.
Um deles, depois de um grande e comprovado escândalo moral, foi à televisão e disse: “​Irmãos, eu sei
o que fiz, mas foi o Diabo que me levou a fazer, eu não sabia o que estava fazendo, o Diabo fez isso”​.
Esse é o resultado, quanto à responsabilidade individual. O caminho do quebrantamento, do
arrependimento, da mortificação fica cada vez mais distante à medida que a ênfase recai nesse tipo
de coisa. Alguns meses atrás recebemos um convite que dizia o seguinte: ​“Achamos que o Brasil está
vivendo um momento de grande avivamento espiritual, e há uma mudança na liturgia e um retorno
dos dons espirituais, mas notamos que está faltando uma coisa essencial e queremos convidar o
irmão a participar como preletor de uma série de conferências sobre santidade​”. É a primeira
conferência sobre santidade, por achar que está faltando santidade no avivamento. Há o
avivamento, mas está faltando santidade, então vamos promover um simpósio sobre santidade.
5. O movimento tende a criar uma obsessão doentia por Satanás, demônios e as coisas do ocultismo.
A cosmovisão da Escritura é a seguinte: a Bíblia não nos manda olhar o mundo pela ótica da atuação
dos demônios, embora nos ensine a reconhecer a presença deles. O problema do pessoal que
abraçou o movimento de ​“Batalha Espiritual” é que eles olham o mundo dessa perspectiva, filtrada
pela atuação dos demônios. Portanto, eles vêem demônios atuando em todas as coisas. Essa não é a
cosmovisão da Bíblia. Essa é a maneira do mundo ver as coisas, dos povos pagãos do passado e das
religiões gregas do passado, em que para cada árvore, cada casa, cada pedra, havia uma fada, um
duende ou coisa dessa natureza; era uma visão pagã do mundo e não uma visão bíblica. A Bíblia
reconhece a presença e atuação do inimigo, mas não nos ensina a viver como se em cada esquina
houvesse um demônio esperando para nos devorar.
Estivemos, há alguns dias, em uma certa cidade. Ficamos hospedados na casa de um pastor que
abraçou o movimento de “​Batalha Espiritual​”. Ele nos contou que o menino dele, de seis anos de
idade, não conseguia dormir mais sozinho no quarto e vinha sempre para o quarto dele. Perguntamos
como isso aconteceu, e ele contou que quando chegaram à cidade, a Igreja alugou um apartamento
para a sua família; depois, com o crescimento da Igreja, o Conselho resolveu comprar uma casa que
havia na região. Ele e sua família mudaram-se para a nova casa. Na primeira e também na segunda
noite que passaram na casa, eles foram acordados pelos gritos da empregada “​urrando​” e se
batendo pelos corredores; e o menino presenciou tudo. O pessoal da região dizia que a razão estava
no fato da casa ser mal assombrada. A Igreja a havia comprado porque era uma casa barata, que
ninguém quis comprar. Então, uma senhora da Igreja, que tem o ministério de quebrar maldições, foi
levada à casa para exorcizá-la, e o menino presenciou tudo. A mulher foi de quarto em quarto
amarrando e desfazendo toda a obra maligna, etc. Daquele dia em diante o problema não se repetiu
mais. Depois de ouvir o pastor, fizemos com que ele visse que estava enganado, o problema
continuava. O filho dele não estava conseguindo dormir. O problema era que o menino viu tudo o que
fizeram e ficou com a convicção de que mesmo no recinto de um lar, debaixo da graça e proteção do
Cordeiro, a qualquer momento ele poderia ser atacado por entidades malignas. Mas o fato não é
apenas que esse menino vai crescer traumatizado; o pai dele já estava obcecado e centenas de
crentes no Brasil, em nossas Igrejas, vivem obcecados e com medo disso. Essa não é a maneira
bíblica de ver o mundo. Essa é a visão pagã do mundo. Satanás, e não Cristo, tem se tornado o centro
do ministério de muitos. Cristo deixou de ser o centro do ministério de muita gente, e o seu lugar de
primazia foi ocupado pelo Diabo e sua atuação.
6. O movimento trouxe de volta uma heresia que a Igreja já havia descartado há muito tempo, o
dualismo. O maniqueísmo, para ser mais exato. Como todos sabem, essa corrente de pensamento
ensina que o mundo é controlado por duas forças iguais, o bem e o mal. A Igreja já condenou isso
como heresia. O que acontece no mundo não é determinado pelo conflito de duas forças opostas,
uma boa e outra má, como se Deus e o Diabo fossem iguais e estivessem lutando pelo controle do
mundo. Pelo contrário, ​o ensino das Escrituras é que Deus é o Senhor; Ele tem todas as coisas
debaixo do Seu controle e o Diabo não mexe um dedo sem a permissão de Deus. Ele só vai aonde
Deus permite​. O Diabo é apenas uma criatura, mas do jeito que ele é pintado nesse movimento
parece que ele é um poder, senão igual, mas pelo menos independente de Deus. Ele faz o que quer e
Deus é que tem que vir atrás para consertar. ​O Diabo não é um poder independente de Deus; ele só
faz o que Deus permite, e Deus o usa inclusive nos Seus propósitos​; é por isso que dissemos que essa
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teologia não brotaria no solo calvinista, reformado. Isso só poderia brotar na teologia arminiana,
segundo a qual praticamente Deus não tem controle nenhum; o Diabo faz o que lhe apraz e os
homens também.
7. O movimento faz uma confusão entre mal moral e mal situacional. Mal moral é o pecado, nossa
atividade pecaminosa, nossa culpa, nossos erros, nossa quebra da lei; o mal situacional é a miséria
do homem, o fato dele adoecer, sofrer desastres, acidentes, opressão econômica; enfim, tudo aquilo
que oprime o ser humano. Quando Jesus estava aqui nesse mundo, Ele agiu de duas maneiras diante
do mal: quando Ele encontrava o mal moral, ele não expulsava. Ele dizia à pessoa: arrependa-se e me
siga; quando Ele encontrou uma prostituta, um Zaqueu, não expeliu nenhum demônio da ganância de
Zaqueu, nem expeliu nenhum demônio de prostituição; quando se diz lá que Maria Madalena tinha
sete demônios, não quer dizer que algum deles era de prostituição ou que causava prostituição.
Prostituição, nas Escrituras, sempre em última análise é responsabilidade do ser humano e é por isso
que Deus vem tratar com o ser humano. De nada valeu a desculpa de Eva e nem a de Adão,
colocando a culpa no Diabo. Deus não Se deixou enganar, eles foram considerados responsáveis e
estavam debaixo da ira de Deus. Quando Jesus encontra o mal moral, a atitude dele é de repreender,
exortar ao arrependimento e mandar que as pessoas O sigam; Jesus só usa o modo ekbalístico de
ministério quando encontrava pessoas aprisionadas pelo Diabo em termos de doença, pessoas
epilépticas, pessoas possuídas pelo maligno. Mas quando via um mal moral Ele nunca expulsava
demônios. O problema do movimento de ​“Batalha Espiritual” é que eles misturam as duas coisas e
dizem que o ministério de expelir demônios se aplica a todas as circunstâncias. Isso não pode ser
sustentado biblicamente, pois pecado não se resolve amarrando demônio; pecado não se resolve
expulsando demônio. É verdade que a Bíblia diz que o Diabo nos tenta, não estamos negando esse
fato; isso seria negar o que a Bíblia diz com clareza. Mas se pecamos, em última análise, a
responsabilidade é nossa, somos nós que pecamos e o Diabo não vai levar a culpa disso.
Que fazer, então? - Essas são algumas críticas e preocupações. Como então a Igreja deve resistir e
enfrentar esse problema? Como deve estar pronta para a batalha? Qual o ensino bíblico sobre o
assunto? Começaremos dizendo que as Escrituras verdadeiramente afirmam a existência e a
realidade das forças espirituais do mal. No texto que lemos, Efésios 6, Paulo fala sobre essas forças
espirituais numerosas, organizadas e lideradas por Satanás. Elas são poderosas, perversas, más,
astutas, inteligentes e estão em franca oposição a Deus, a Cristo e à Sua Igreja. Esse quadro é muito
claro nas Escrituras e não podemos negar e nem mesmo questionar essa realidade. Nós estamos
num combate, e essas forças espirituais estão presentes, continuamente nos atacando. Mas cremos
que o movimento “​Batalha Espiritual​” deixa de ensinar o que é mais importante: Essas forças
malignas já estão derrotadas. O modo como o movimento leva seus adeptos a brigar com o Diabo, a
confrontar essas forças malignas, sugere que Satanás é o senhor do mundo. Assim, o ensino bíblico
da vitória de Cristo tem sido colocado de lado. A Bíblia nos fala sobre isso usando uma linguagem
bastante diferente, usando figura de campo semântico diferente. O ponto central é que, na cruz,
Cristo ganhou a batalha contra as hostes espirituais do mal, contra Satanás. Como é que as
Escrituras nos descrevem isso? Em Gênesis 3:15, está dito que viria um descendente da mulher,
semente da mulher, que esmagaria a cabeça da serpente; e a Escritura não deixa dúvida que isso
aconteceu na cruz do calvário. A figura de “​esmagar a cabeça​” não poderia ser mais apropriada ou
seja: foi dado um golpe final, não há retorno, foi dado um golpe mortal. Falando uma vez sobre esse
assunto, um gaúcho chegou a mim e disse: ​“Pastor, se o senhor quiser enriquecer esse ponto, o
senhor pode acrescentar a minha experiência. Eu sou gaúcho lá dos pampas e lido com gado e a
nossa experiência lá é que quando a gente esmaga a cabeça da cobra de manhã ou à tarde, ela vai
ficar tremendo, se retorcendo até à noite. Mas passa o dia todo se mexendo, apesar da cabeça já ter
sido definitivamente esmagada​.” Essa figura ilustra bem o ensino da Escritura de que Cristo já
desfechou o golpe final, não há retorno para Satanás. Em Colossenses 2: 14-15 Paulo diz: ​“tendo
cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era
prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e​, despojando os principados e as
potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz​”. Essa linguagem vem do
campo militar, essa idéia de despojar, de expor ao desprezo, triunfar é uma linguagem que vem das
batalhas do mundo antigo. Quando um adversário era vencido ele sabia que ia ser despojado, o
vencedor lhe tirava os bens, as mulheres, os filhos, o gado e ainda levava as armas do guerreiro
vencido; ele era completamente despojado, ao ponto de algumas traduções modernas, em vez de
dizer “​despojando​” dizem “​desarmando​”, porque esse era o sentido de despojamento. Todas as
armas da cidade vencida eram levadas. A cidade era desarmada para que não houvesse outra
rebelião. Várias traduções modernas dão preferência a “​desarmar​”, transmitindo a idéia de que Cristo
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desarmou, na cruz, os principados e potestades, expondo-os publicamente ao desprezo e triunfando
deles na cruz. Essa figura é bastante conhecida - “​o triunfo romano​”; um general, voltando vitorioso
para sua cidade, entrava em triunfo com os prisioneiros amarrados atrás dele. E aí as mulheres, as
crianças e os velhos jogavam terra, tomate, nos derrotados. Eles eram expostos ao desprezo. O
apóstolo Paulo deliberadamente está dizendo que, na cruz, Cristo desarmou os principados e
potestades; é a mesma expressão de “​principados e potestades​” que aparece em Efésios 6.
Desarmou, despojou, tirou tudo em que eles confiavam. O inimigo foi deixado despido, nu, sem nada e
exposto ao desprezo. Na cruz do Calvário Cristo triunfou deles. A Escritura afirma isso de forma
indiscutível. Em João 12: 31-33 Jesus diz aos discípulos: ​“Chegou o momento de ser julgado este
mundo, e ​agora o seu príncipe será expulso​. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim
mesmo. Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer​”. Nessa passagem, o
Senhor Jesus Cristo está dizendo que na Sua morte o príncipe desse mundo seria expulso. Em
resumo, Ele está dizendo a mesma coisa que Paulo, em Colossenses 2:14,15; e que Moisés escreveu
em Gênesis 3:15. As expressões “​esmagar a cabeça​”, “​desarmar​”, e “​expulsar o príncipe desse
mundo​” referem-se, todas elas, a Satanás. Não há qualquer referência no Evangelho de João à
expulsão de demônios que Jesus tenha feito. Os relatos de expulsão de demônios estão apenas nos
Evangelhos sinópticos: Mateus, Marcos e Lucas. Por que João não narra nenhuma expulsão de
demônios? A resposta é a seguinte: João estava preocupado com a maior de todas as expulsões, a
expulsão central. Na Sua morte, Jesus expulsou definitivamente a Satanás, o príncipe desse mundo.
João, assim, não narra outras expulsões de demônios.
Voltando a Efésios 6, considerando as peças da armadura, veremos que cada uma delas nada mais é
do que tudo aquilo que pertence, naturalmente, ao crente, a qualquer um: “verdade de Deus”, “justiça
de Cristo”, “fé”, “evangelho” e “palavra de oração”. Não há na passagem nenhuma arma secreta.
Todos os crentes em Cristo Jesus possuem essas armas. Para muitos, a armadura é o próprio Cristo.
Revestir-se da armadura de Deus é a mesma coisa que revestir de Cristo, em quem estão todos os
tesouros da sabedoria e da ciência. Não há nada no texto que dê margem às técnicas especiais de
caça ao Diabo ensinadas pelo movimento de ​“Batalha Espiritual”.
A título de uma aplicação final, devemos dizer que a Igreja deve tomar duas linhas: Em primeiro lugar,
precisamos estar conscientes de que estamos envolvidos numa guerra espiritual. Na realidade,
conscientes da atuação dos demônios. ​As pessoas que estão lá fora, no mundo, estão debaixo do
poder deles e a Igreja tem que ter consciência disso. Em segundo lugar, mais do que em qualquer
outro momento da sua história, a Igreja deve fincar os pés na Escritura e fazer da Escritura o seu
manual prático​. Aquilo que não puder ser provado pela Escritura, ou deduzido de uma forma legítima
da Escritura, deve ser rejeitado e colocado fora da nossa vida, da nossa Igreja e da nossa prática de
ministério​. A chamada da Igreja, a essa altura, é para a suficiência da Escritura, e todas as nossas
práticas devem passar por esse crivo. A nossa oração a Deus, o nosso desejo é que nos Seminários,
na Igreja evangélica brasileira, tomemos uma posição de firmeza sem negar a realidade dessas
coisas, combatendo-as biblicamente, tomando toda a armadura de Deus que nos é concedida em
Cristo. Que Ele nos abençoe!

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