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REGIME DE INFORMAÇÃO:

memórica científica original


construção de um conceito1

Maria Nélida González de Gómez*

RESUMO: O conceito de regime de informação poderia formar parte


de uma família de palavras que tematizam as configurações
contemporâneas de práticas, meios e recursos de informação,
onde as tecnologias da linguagem, caracterizadas por sua
transversalidade e expansão indefinida, encontram seu espaço
de operacionalização. O regime de informação, como conceito
analítico, remete as figuras contemporâneas do poder, mas
colocando em questão os critérios prévios de definição e *Doutora em Comunicação e Cultura
pela Universidade Federal do Rio de
reconhecimento do que seja juntamente da ordem da política e Janeiro, Brasil. Professora do Programa
da informação. de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – Instituto Brasileiro
Palavras-chave: Regime de informação. Informação – Cadeia de produção. de Informação em Ciência e Tecnologia,
Brasil. Bolsista de Produtividade 1A do
Informação – Infra-estrutura. Modo de informação – CNPq.
Padrões. E-mail: marianelidagomez@gmail.com

1 INTRODUÇÃO1 as complexas circunstancias em que estes

D
enunciados foram emitidos, mesmo com algumas
o ponto de vista histórico, uma das aparentes semelhanças, eles se inscrevem em
mais consistentes narrativas da política diferentes regimes de informação.
epistemológica ocidental, poderia ter Em trabalhos anteriores, temos considera-
como ponto de partida a projeção humanista de do que um regime de informação seria o modo in-
Paul Otlet e Henri La Fontaine, que idealizam formacional dominante em uma formação social,
uma rede universal dos conhecimentos, e hoje o qual define quem são os sujeitos, as organiza-
teria como expressão a eficiência enciclopédica ções, as regras e as autoridades informacionais
da máquina Google. A proposição dos pacifistas e quais os meios e os recursos preferenciais de
de Bruxelas, “Fazer do mundo inteiro uma única informação, os padrões de excelência e os mode-
cidade e de todos os povos uma única família” (citado los de sua organização, interação e distribuição,
por MATTELART, 2002, p.49), não deixa de enquanto vigentes em certo tempo, lugar e cir-
lembrar a expressão de Al Gore (1994), exaltando cunstância. Como um plexo de relações e agên-
as possibilidades de uma Global Information cias, um regime de informação está exposto a cer-
Infraestructure (GII), que permitiria “uma espécie tas possibilidades e condições culturais, políticas
de conversação global” de todas as mensagens, e econômicas, que nele se expressam e nele se
assim como “ligar todas as escolas, bibliotecas, constituem (ver GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003,
hospitais, negócios e domicílios”.2 Longe de esquecer p. 3, entre outros). A partir dessas premissas, po-
demos afirmar que “cada nova configuração de um
regime de informação resulta de e condiciona diferen-
1 O trabalho é parte da pesquisa desenvolvida através dos projetos “Os
caminhos da Informação”, já concluído, e “Da validade da informação à tes modos de configuração de uma ordem sociocultural
validade dos conhecimentos. Inventariando recursos, normas e critérios”, em e política” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012, p. 31).
andamento, os dois desenvolvidos com apoio do CNPq.
2 Apresentação de Al Gore na reunião da International Telecommunication
O conceito de regime de informação pareceria
Union, ITU, em 1994, em Buenos Aires; texto citado por Gonzalez de ser uma ferramenta interessante para situar e anali-
Gómez, 1997.

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sar as relações de uma pluralidade de atores, práticas engagement (THEVENOT, 2001, 2007); regime
e recursos, à luz da transversalidade específica das of living (LAKOFF; COLLIER, 2004; COLLIER;
ações, meios e efeitos de informação; transversalidade LAKOFF, 2005), regime de temporalidade ou
que se estabelece na medida em que tais relações e regime de historicidade (HARTOG, 2006). Em
interações perpassam uma ou mais esferas da cul- nosso campo de pesquisa, encontramos modo de
tura, da economia, da educação, da comunicação, informação (POSTER, 1985) e regime de informação
da pesquisa científica e da vida cotidiana, e especifi- (FRHOMANN, 1995 et al). Caberia perguntar-nos
cidade que se constitui na medida em que o envio e como essas incidências de afinidades conceituais,
a direção dessa transversalidade pertencem as con- que acontecem entre diversos autores e
figurações contemporâneas da informação, e são re- abordagens, podem contribuir a esclarecer alguns
conhecidas como tais (e não como sendo da esfera da dos rumos atuais da pesquisa nas ciências sociais
saúde, do transporte ou da mídia). e especificamente, em Ciência da Informação.
Como uma de suas atribuições mais
frequentes, o regime de informação remete às 2 REGIME DE INFORMAÇÃO: a
relações informação-poder, relações que hoje
estariam alavancadas pela pressuposição de que
leitura transversal
a informação, como algo imerso nas tecnologias A primeira agregação de significados,
digitais e ubíquas, seria aquilo que nelas que permitiria reconstruir o domínio histórico e
circula e as dinamiza. É nessa abordagem que discursivo do conceito de regime de informação,
o entendimento do termo de “informação” vai poderia organizar-se e distribuir-se em torno
qualificar processos de transformação de longo de dois eixos principais: um, referente às
alcance, sendo incluído na composição de vários tecnologias de informação e comunicação; outro,
novos sintagmas, tal como economia da informação, referente ao estabelecimento, vigência e vigor de
modo de informação, infraestrutura de informação. determinados critérios de valor.
Nosso esforço de reconstrução do contexto Como operação de leitura de uma
histórico-discursivo do termo “regime de informa- transversalidade específica, em princípio, o
ção” seguirá dois caminhos. Num primeiro cami- regime de informação daria visibilidade à questão
nho, propomos situá-lo numa família de palavras dos critérios de valor associados à informação e
que, por suas vizinhanças semânticas e tempo- de modo geral, à dimensão simbólica da cultura.
rais, dariam visibilidade as redes conceituais Nessa direção, teríamos as abordagens que
que estimularam e deram ancoragem a sua for- associam a informação à estruturas semânticas,
mulação. Para reconstruir a família de palavras, à produção cultural de sentido e à comunicação
partimos dos conceitos de cadeia de produção científica, o que daria vigor as indagações acerca
de informação (information production chain), infra- da unicidade ou pluralidade dos critérios de
estruturas de informação, modos de informação, para verdade e credibilidade que pudessem aferir
chegar as construções do conceito de regime de a validade da informação. Do ponto de vista
informação, considerando em cada caso seus con- da especificidade dessa transversalidade, num
textos de uso e os principais domínios de referen- período que vai do século XX a este início do
cia, a saber, as esferas da política, da administra- século XXI, o regime de informação ficaria
ção e da economia, a partir da segunda década associado a uma ordem de acontecimentos que
do século XX (quadro 1). poderíamos caracterizar-se pelo fenômeno da
Um segundo caminho, que neste texto informacionalização (CARNEIRO LEÃO, 2003),
será brevemente apontado (e deixado em aberto que estaria ligado as lógicas produtivas de
para futuras análises), tem como foco o próprio tecnologias de informação, cujos efeitos de
conceito de “regime”, que junto ao de “modo”, transformação abrangem desde a produção do
compõem sintagmas nominais muito presentes conhecimento e da riqueza às manifestações
na literatura atual das ciências humanas e sociais: da vida e da palavra. Nesse sentido, ao mesmo
Latour, em seus últimos trabalhos, fala de regime tempo que aumentam as zonas de convergência,
de enunciação, apropriando-se logo do conceito de acreditamos que caberia diferenciar as leituras
modo de existência, com referências a Simondon dos regimes de informação de outras análises, que
e Sourieu (LATOUR, 2000, 2012); encontramos colocam maior ênfases em processos culturais
também as expressões regime of worth, regime of reprodutivos e de representação.

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Regime de Informação

Quadro 1- Regime de informação: família de palavras e contextos de uso.

Fonte: Gonzalez de Gomez, 2012.3

a) “Information production chain” funcional de tratamento e recuperação da


informação.
O conceito de “cadeia de produção de
Os modelos da “information production
informação”, assimilando os fluxos e distribuição
chain”, anteriores aos modelos de rede, possuem
da informação aos modelos das “cadeias
uma extensão e uma heterogeneidade de com-
produtivas”, outorga visibilidade ao desenho
ponentes que os diferenciam já de outras abor-
relacional dos seus componentes, atores, ações,
dagens e pressuposições até então dominantes.
meios e recursos, e disponibiliza uma cartografia
Diferenciavam-se, assim, dos modelos da recu-
minimalista, mas abrangente, para a projeção de
peração de informação, que apontavam como
ações administrativas e políticas.
finalização ao contato direto fonte-usuário, e
Conceito tradicional dos estudos da
idealizavam um sistema capaz de controlar sua
informação, a “cadeia de informação” referia-
ambiência, agindo seletivamente sobre as fontes
se a um processo seqüencial, no qual a
e a as demandas. Diferenciavam-se também dos
informação circularia entre diferentes atores,
modelos elaborados pelos estudos de usuários,
organizações e finalidades. A modelização da
os quais vão a estabelecer uma relação gnosio-
“cadeia” de informação, em que pese a sua
lógica ou interpretativa de sujeitos individuais
linearidade formal, implica já uma ruptura com
com as fontes de informação, relação que os ha-
as abordagens centradas no modelo sistêmico-
bilitaria para fazer julgamentos de valor sobre os
conteúdos acessados, associados aos processos de
3 Na figura 1, os traços cheios (preto) indicam relações textuais estabelecidas
por diferentes autores; as linhas tracejadas vinculam as palavras aos contextos interpretação e produção de sentido.
preferenciais de uso (azul), e mantivemos uma linha tracejada (preta) para A “cadeia de informação”, ainda em suas
indicar uma relação somente estabelecida pela autora deste trabalho.
Agradecemos a Luisa Rocha a formatação final do quadro.
versões mais tradicionais, transcende o sistema

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de tratamento e recuperação da informação, Feyerabend), não alcançariam com facilidade


assim como os atos gnosiológicos pontuais de nem os estudos sociológicos da ciência nem o
seus usuários, ainda quando poderia ou deveria desenho e função dos sistemas de recuperação da
incluí-los. informação.
Entre os autores que se ocupam da O conceito de “information production
descrição da cadeia de informação, nessa chain”, utilizado por Weinberg (1963), ao
magnitude, teríamos Meadows (1991) que se estabelecer elos entre a informação e a
ocupa das variações da “information chain”, administração das atividades científicas, de fato,
conforme o tipo de informação, os meios de será usado como pano de fundo para a associação
comunicação, o contexto, e Duff (1997, p. 179) das políticas de informação às políticas em
que define a information chain como a estrutura ciência e tecnologia.
institucional e documental da comunicação humana. Weinberg, físico nuclear, afirmaria (em
Existiriam assim certas homologias entre os 1995) que sua contribuição principal para o
termos de information chain e distribuição da desenvolvimento científico norte-americano
informação científica (utilizado pela Royal Society seria ter desenvolvido uma Filosofia da
Scientific Information Conference, em 1948); Administração Científica, cuja finalidade seria
disseminação de informação científica e técnica; esclarecer critérios seletivos para decisões trans-
estrutura da literatura científica; fluxo da informação. científicas em matéria de ciência e tecnologia.
Com um sentido equivalente, Mikailov (1973) Uma das principais teses dessa “Filosofia da
utiliza a expressão “ciclo social da informação”, Administração” (WEINBERG, 1995) seria assim
conforme citado por Rendón Rojas, que por a sua a diferenciação dos critérios de validade científica,
vez prefere falar do “ciclo social do documento” que são aplicados pelos cientistas no decurso
(RENDON ROJAS, 2011, p.84). das atividades de pesquisa, e os critérios de valor
Aqueles modelos de “information conforme os quais são definidas prioridades
production chain” pretendiam oferecer na tomada de decisão política e organizacional
instrumentos heurísticos para reconstrução de acerca de ciência e tecnologia. Num “relatório de
processos informacionais em grande escala. Se o 1963, chamado também “Relatório Weinberg”,
conceito de “cadeia” estabelece um alinhamento um dos itens intitula-se, justamente, Good
sequencial de seus componentes, o faz do Scientific Communication Is No Substitute for Good
ponto de vista de um observador estratégico ou Management.
administrador, e não poderia ser equiparado No cenário da guerra fria e da inclusão
com um ato singular de informar-se ou adquirir da ciência nos programas de segurança e
conhecimento pelo buscador de informações ou desenvolvimento, a “Big Science” demandava
por um sujeito epistêmico, plausível de descrição novas figuras organizacionais e novas estruturas
em termos psicológicos ou cognitivistas. O de gestão. Os grandes projetos de pesquisa
objetivo seria construir instrumentos analíticos “orientados à missão”, junto a mudança
úteis para os novos planos decisórios da política de escala do empreendimento científico,
e gestão da informação, associados às ações de requeriam programas coordenados de ação
planejamento e monitoramento das atividades com uma pluralidade de atores e comunidades
de produção de conhecimento e da comunicação participantes, com diferentes áreas de atuação e
formal. Seriam assim modelos mais próximos vinculações institucionais: pesquisa, industria,
das redes exteriorizadas da tecnociência, que das governo.
descrições sistêmicas de unidades de recuperação Nesse cenário, a “cadeia de transferência
de informação ou das descrições psicossociais de informação” — Information Transfer Chain
das representações de usuários. A modelização — funcionaria como um sistema de comutação
sequencial poderia atribuir-se, ainda, a (switching system) entre os diferentes atores,
permanência de uma concepção idealizada da recursos e produtos da pesquisa, otimizando
ciência, sujeita a uma serie linear de operações o intercâmbio de informações através de
lógicas, empíricas e aplicativas. Numa época, de operações seletivas, de compactação, de browsing
reformulações estratégicas do desenvolvimento e de revisão. O profissional da documentação
científico, intensificadas pela guerra fria, as seria responsável pela exposição do usuário a
críticas dos pós-empiricistas (Kuhn, Lakatos, aquelas informações apropriadas e específicas:

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informações, e não os documentos (WEINBERG, oferecer numa versão estadocêntrica um primeiro


1963, p.12). Esses usuários, porém, agora são exemplo do modelo do centro de cálculo de Latour,
tanto os cientistas como os gestores. A otimização em seu duplo papel de observatório e de centro
da cadeia de informação agregaria os critérios de estratégico de orientação da ação.
valor trans-científicos aos valores epistêmicos, Weinberg, ao mesmo tempo que estabelece
definidos pelos pesquisadores. um domínio de julgamento administrativo e po-
Cabe lembrar que, na década de 60, já es- lítico do valor do conhecimento e da informação,
tavam disponíveis os primeiros recursos eletrôni- a trans-ciência preserva um domínio de exercício
cos de informação referencial, as bases de dados da autoridade epistêmica do cientista. Ao desta-
bibliográficas e cadastrais, permitindo a buscas car os marcos regulatórios da atividade científica,
de informação com ajuda do computador. O “two Weinberg diferenciava os critérios de avaliação
step retrieval” trabalhava com as representações epistêmicos (acerca daquilo que pode ser pergun-
sumarizadas da produção científica, seus agentes tado à ciência), onde seriam mantidos critérios
e seus produtos (literatura científica, instituições aléticos de julgamento da informação, e os cri-
de pesquisa, cientistas), permitindo duas saídas térios de valor não- epistêmicos (acerca daquilo
(output) principais dos sistemas especializados: que a ciência não pode responder), demarcando
recuperação da informação para retroalimentar suas jurisdições e condições de exercício (WEIN-
a pesquisa; mapeamento da informação sobre a BERG, 1985; JASANOFF, 1987, 2003) de cada “au-
ciência, para monitorar e gerir seu desenvolvi- toridade” avaliativa. E a informação tinha um pa-
mento. A operacionalização da meta-informação pel importante e diferenciado em relação a cada
(referencias, resumos, índices) nas bases de da- modo de julgamento e aferimento dos plurais cri-
dos, nova figura dos interdocumentos de Briet, térios de valor.
manifestava então seu potencial heurístico, de Braman (2004, 2006), numa conjuntura com
publicização de memórias, de instrumentos de redistribuição de papeis e do poder regulatório
diagnóstico e previsão. entre o Estado, as organizações e os mercados,
Como racionalização distributiva da retoma o conceito de “information production
produção social dos conhecimentos, a abordagem chain”, agora como pano de fundo para visualizar
de Weinberg, da “cadeia de informação” novos espaços e condições para elaboração e
pressupõe um ponto de apoio trans-científico, implementação de políticas de informação.
um centro observador e gerenciador dos fluxos Weinberg (1963) e Braman (2004, 2006)
organizados: trata-se de um momento de forte utilizam assim o conceito de “information
aliança entre o Estado e a pesquisa induzida. production chain”, com acepções semelhantes e
Nesse sentido, a “Big-Science” nos parece com diferentes finalidades (Quadro 2).

Quadro 2 - O modelo da information chain: Weinberg e Braman.

“steps”/”units of operations” WEINBERG (1963) BRAMAN (2006)


(WEINBERG)
Geração
Geração Registro Criação
Exposição
Processamento Catalogação; Algorítmico (computação)
Seleção, compactação, revisão Intelectual
Distribuição Disseminação Transporte
Fluxos
Armazenagem, preservação Armazenamento Armazenagem e preservação

Destruição
Acesso, busca e uso Recuperação Acesso à infraestrutura
Uso (exploitation by the user) Acesso Intelectual
Fonte: GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012.

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O conceito de “information production dispositivos operadores de semioses, em cuja


chain” complementaria o conceito de “regime de modelização intervém a muitas das novas
informação”, delimitando o domínio específico ciências da concepção, como a computação, a
de sua operacionalização. Se bem a exposição inteligência artificial e a robótica, a biotecnologia
de Braman da cadeia de informação varia, e a telemática.
conforme a finalidade com que é incluída Na década de 1980, Paul Zurkowski
em seus trabalhos, porém certos momentos e apresentou o conceito de infoestructure, visando
componentes seriam constantes: a) criação de a entender e superar os problemas e conflitos
informação, entendendo como tal a criação do resultantes do desenvolvimento segmentado e
novo, ou a geração de valores informacionais a concorrencial dos empreendimentos e tecnologias
partir de fontes pré-existentes, textuais, factuais de comunicação e informação (ver ZURKOWSKI,
ou de dados – como as séries estatísticas; b) 1984). A visão transversal da “infoestructure”
procedimentos de processamento de informação, se propõe como uma crítica as abordagens que
diferenciando aqueles que se realizam através tratam as indústrias de informação como um
de algoritmos, usando linguagens matemáticas quarto setor da economia. Seriam três principais
e computacionais e os processos cognitivos, que linhas de desenvolvimento: a) conteúdos;
usam linguagem natural e códigos especializados; b) serviços facilitadores e c) dispositivos de
d) mobilização da informação, diferenciando o integração e de transmissão, as quais manteriam
transporte (mobilização de mensagens em entre si fortes relações de convergência e
ações pontuais, incluem uma mensagem), da interdependência. Para Zurkowski, as múltiplas
distribuição através de canais regulares (fluxos interseções tecnológicas, epistêmicas e sociais
de informação); d) armazenagem e preservação já visíveis, ou mais simplesmente, o fenômeno
da informação; formação e consolidação de da convergência dos empreendimentos e das
memórias sociais e culturais; e) A destruição tecnologias, seriam incompatíveis com uma
de informações, o que inclui informações sem economia estruturada por setores - logo, com
inscrição, inscrições sem tratamento, documentos a inclusão das novas atividades tecnológico-
sem disseminação; inclui também a destruição informacionais em um único setor.
de registros organizacionais ou do patrimônio A transversalidade econômica, social e
natural e cultural das populações nativas e locais; cultural das ações de informação e comunicação,
f) A busca de informações, devendo diferenciar-se prevista por Zurkowski, teria uma importante
o acesso à infraestrutura de informação (acesso à manifestação nas esferas públicas, na década dos
Internet de Banda Larga, por exemplo), do acesso 90, no discurso de Al Gore, vice-presidente dos
intelectual e pleno às próprias fontes e conteúdos. Estados Unidos, que usa a expressão “General
A mesma Braman reconhece que a Information Infraestructure”, na reunião da
aparente simplicidade do modelo implica, International Telecommunication Union (ITU), em
porém, numerosos pontos de crítica e dissenso. Buenos Aires. Nesse discurso, a infraestrutura
geral de informação é explicitamente associada
aos conceitos de rede e de globalização,
b) Infraestrutura de informação
destacando-se os efeitos de des-territorialização
A mudança de escala dos fenômenos ditos das redes telemáticas, e favorecendo as imagens
de informação, que Braman enfatiza em sua analógicas que associavam os dispositivos
argumentação, tem expressão clara num outro computacionais de “processamento paralelo”
conceito: infraestrutura de informação. Nas últimas com a figura social da “inteligência distribuída” 4.
décadas, a noção de “infraestrutura” é deslocada
da descrição dos grandes sistemas tecnológicos, 4 O conceito de inteligência social distribuída se relacionava ao conceito de
caracterizados por complexas estruturações de “processamento paralelo”: ele permitia que uma pluralidade de micro-
processadores resolvessem, cada um, uma pequena parte do problema, mas
componentes físicos e energéticos modelizados ao finalizar os processos parciais, todas as peças se encaixam e o problema
por diferentes engenharias (como aconteceu fica resolvido. Por analogia, a GII seria uma “assemblage” de processos
paralelos de inteligência individual. O novo paradigma da democracia teria a
com os sistemas rodoviários, ferroviários, de seu favor o fato de que a comunicação de informação seria um jogo social
distribuição das águas, etc.), para designar agora de soma não zero, já que quando duas pessoas se comunicam, as duas ficam
as bases tecnológicas de processos simbólicos mais ricas em termos de informação. A informação, aliás, seria um tipo de
bem que deve ser partilhado por muitos para que seja socialmente valioso,
objetivados, que incorporam múltiplos assim como a educação ou as linhas telefônicas.

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Regime de Informação

Desde a década de 1990 ao momento atual, exemplo, The Mos Beautiful Google Servers Center5
autores como Hanseth e Monteiro (1997, 2002), e o Google data center water treatment plant6).
Bowker (2000), Bowker (2006, et al), Hanseth e Qual é o melhor entendimento da questão?
Ciborra (2002), Lyytinen (2010), desenvolverão Será assim que a expansão ilimitada de associa-
numerosos estudos e pesquisas em torno dessas ções heterogêneas, que dariam lugar a dispositi-
infraestruturas que operam códigos e linguagens. vos como o Google, o Facebook ou mesmo a Web
Hanseth e Monteiro (2002) destacam 2.0, nos levam a construir “palavras-coletoras”
como traços das infraestruturas: a) perpassarem que operam como convenções, e remetem meta-
mais de uma comunidade de geração e uso; fóricamente a alguma medida de grandeza, sen-
b) envolverem componentes heterogêneos do esse o caso dos termos regime de informação ou
(sistemas, serviços, ferramentas, fluxos); infraestruturas de informação? Ou são os regimes
c) articularem-se por interfaces abertas ou de informação estabelecidos, num novo processo
padronizadas. de mundialização, os que provocam a mudança
Bowker et al. (2006) lembram os de escala, plurificam e encorpam os data centers,
diferentes tipos de infraestruturas: a) compostas lançam e controlam conectores e autorizam as me-
pela pluralidade de equipamentos coletivos trologias ?
necessários aos desenvolvimentos das atividades
humanas, incluídas as redes de transporte e
c) Modo de Informação
comunicação; b) configuradas por entidades
abstratas, como escolas, hospitais, corpos A diferença da base tecnológico-gerencial
de bombeiros, estruturas organizacionais e do conceito de infraestrutura, Poster desenvolve
institucionais; c) quando qualificadas pelo outro conceito, “modo de informação”, que ocu-
termo ‘informação’, são integradas por serviços paria o lugar discursivo prévio dos “modos de
computacionais, repositórios e dispositivos que produção”, para indicar as intrínsecas e inverti-
processam e transportam dados dentro e fora de das relações entre economia e cultura, à luz dos
fronteiras nacionais. avanços neocibernéticos. Para Poster, “modo de in-
Em sua definição atual, infraestrutura formação”, designava, “as novas experiências da lin-
seria uma categoria abrangente para referir-se à guagem do século XX, originadas em sua maior parte
dispositivos caracterizados por sua capilaridade pelos avanços na eletrônica e as tecnologias que lhe são
e penetração em diferentes ambientes e sistemas relacionadas” (POSTER, 1991, p.10).
(“pervasive enabling resources”), destacando O termo “modo de informação” é constru-
seu caráter relacional e sua capacidade de ído por analogia e à diferença do conceito mar-
reformular as infraestruturas epistêmicas prévias, xista de “modo de produção”. A principal ana-
especialmente em suas expressões modernas: “... logia estaria em que as duas abordagens visam
funding agencies, professional societies, libraries and analisar e dar visibilidade aos modos sociais de
databases, scientific publishing houses, review systems dominação. Seriam quatro as diferenças princi-
...” e as que caracterizariam a constituição de uma pais do “modo de informação”, em relação a te-
“big science”, “... orbiting telescopes, supercomputer oria marxista. A primeira, a perda da prioridade
centers, polar research stations, national laboratories, do trabalho como esfera principal da dominação,
and other research instruments of ‘big’ science” ... ainda que siga tendo um papel fundamental nas
(BOWKER et al., 2006, p.3-4). sociedades contemporâneas. A segunda, a elimi-
De fato, o conceito de infraestrutura nação de uma concepção teleológica da história
carrega certas ambiguedades: parece pesado ou de um “progressivismo”. A terceira diferença,
demais para as morfologias fluidas e mutantes diz respeito a substituição da centralidade dos
das redes digitais. Os “data center” das grandes sistemas de produção e de troca dos objetos que
empressas privadas do setor, como o Google ou satisfazem as necessidades humanas, pelo modo
o Facebook, porém, ocupam espaços territoriais como os signos são usados na produção e com-
bastante concretos, onde é possível ver como os
conectores abstratos ou semióticos se apoiam em
5 Youtube, <http://www.youtube.com/watch?v=L2et65sDny8&feature=relm
redes de tubos de aparencia muito consistente, e fu>. 10-10-2012.
os intercambios de energia requerem um alto e 6 Youtube, <http://www.youtube.com/watch?v=nPjZvFuUKN8&feature=
relmfu> e <http://www.google.com/corporate/green/datacenters/summit.
eficiente consumo de água (ver no Youtube, por html>).

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partilhamento de significados e para constituir especificamente de Bernd Frohmann (1984),


objetos, que caracterizaria o modo de informação. Sandra Braman (2004) e Hamid Ekbia (2009)
Em quarto lugar, as sociedades contemporâneas, Bernd Frohmann é quem propõe primeiro
de uso intensivo de informação, caracterizam-se e de maneira explícita, o conceito de regime de
por diferentes modos de informação, os quais se- informação (1984), como uma genealogia das
riam contingentes e temporais. políticas de informação. Para o autor, o conceito
Com essas premissas, Poster resgata de regime de informação surge assim como uma
a concepção das tecnologias do poder de alternativa aos estudos de política da informação,
Foucault, mas critica a falta de ancoragem dessas e como crítica ao reducionismo das abordagens
tecnologias de poder no contexto em que elas da política, praticadas na Ciência da Informação
surgem e se aplicam: isso aconteceria com o e da Biblioteconomia (LIS). Nessa direção, geraria
“panóptico”, por exemplo, modelo generalizado uma distância crítica em relação às abordagens
e metafórico de uma figura do poder. reducionistas, as quais consideraram as políticas
Mantendo a concepção da transitoriedade de informação como uma das classes das políticas
e caráter histórico das formações sociais, governamentais e, muitas vezes, como uma
Poster vai enfatizar o papel prioritário das política governamental acerca dos documentos
mudanças que acontecem hoje no plano dos governamentais.
usos da linguagem, destacando seus efeitos na A essa primeira redução disciplinar
constituição da subjetividade e nos modos de e institucional do escopo e abrangência das
formação de identidades. A ênfase se desloca políticas deverá agregar-se outras. Tal seria o
sobre a nova figura das relações entre cultura, caso da abordagem das políticas de informação
linguagem e economia, relações que serão objeto como referentes e restritas aos problemas de
das abordagens da economia da informação, tal produção, organização e disseminação de
como nas concepções de capital semiótico ou de informação científico-tecnológica. Desse modo,
capitalismo cognitivo. produtores e afetados pelas políticas seriam
Em seus textos, Poster (1984, 1995) principalmente as agências governamentais,
considera as bases de dados como um dos ministérios, departamentos aos quais competem
produtos em que ficaria em evidência esse “modo promover e regular ações em ciência e tecnologia.
de informação”, já que geram mecanismos Numa outra direção, também redutora, os
que intervém tanto no plano dos usos da agentes e afetados pelas políticas de informação
linguagem como no plano da ação: Como forma seriam as elites estatais envolvidas com serviços,
da linguagem, as Bases de Dados têm efeitos sociais sistemas e tecnologias de informação no contexto
apropriados à linguagem, ainda que também tenham, das agências do Estado.
certamente, relações diversas como formas de ação” A partir de meados de 1970, conforme
(POSTER,1995, p. 94; apud FIDALGO, 2001, p.7 ). Frohmann, surgiram algumas evidências que
Poster busca assim superar as estratégias ajudariam a explicar, senão a justificar, a ausência
conceituais que dissociam linguagem e ação ou ou ineficiência das concepções e abordagens das
privilegiam o plano discursivo, quando justa- políticas de informação, tal como a crescente
mente o principal domínio investigativo seria equiparação da informação aos bens de consumo
para ele o das convergências entre o plano sim- (commodities). Dado o progressivo deslocamento
bólico e o plano da ação. Para Poster, as relações das questões informacionais às esferas da
entre linguagem e sociedade, idéia e ação, iden- economia e do mercado, as informações que
tidade e alteridade, variam, e essas variações se- estariam entre as mais relevantes, ficariam
ria o objeto da pesquisa e de reconstrução pelo fora do alcance e jurisdição direta do Estado
“modo de informação” (POSTER, 2001). e suas agencias. Nesse quadro, mesmo os
grandes sistemas de informação não poderiam
ser objeto e competência do planejamento
d) Regime de informação
estatal, se estivessem regidos pelos mercados,
Diferentes autores têm utilizado o termo sujeitos a condições privadas de produção e
regime de informação, como um dos recursos acesso. Nesse caso, só caberia ao Estado o papel
interpretativos para abordar as relações entre de facilitador dos processos de acumulação
política, informação e poder. Nos ocuparemos capitalista. Frohmann enfatiza em sua análise o

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Regime de Informação

caráter contingencial do Estado na circulação das política em todas as atividades sociais, podendo
informações enquanto commodities, o que a seu melhor considerar-se como uma mudança de
ver converteria em ilusória a pretensão de uma figura da mesma relação.
disciplina acadêmica que tivera como assunto A dupla referência e acoplamento de uma
questões informacionais e políticas. De fato, se a das mais divulgadas teorias das mediações (a
política de informação era de preferência política teoria ator-rede), e uma concepção do poder sem
de Estado e de Governo, se o Estado deixa de ter mediações, de Foucault, requer certo esforço
um papel decisório no domínio dos fenômenos, crítico. Em primeiro lugar, efetuada a dissolução
recursos e serviços de informação, deixaria de crítica das possibilidades de construção de um
existir o campo de manifestação das políticas de objeto para os estudos das políticas, o autor faz
informação, e ficaria esvaziada a possibilidade a contraproposta de um objeto possível, denso
de um conhecimento que tivesse a figura dos e consistente, como domínio de exercício do
saberes do Estado. que denominará praticas informacionais: ele lhe
A própria proliferação de estudos de será oferecido pela noção de artefato híbrido ou
caráter técnico e instrumental priorizando quase-objeto, ao mesmo tempo natural, social e
a otimização do acesso a documentos discursivo, conforme elaborado pela teoria ator-
governamentais e a implementação de rede. No texto de 1995, para Frohmann, esses
tecnologias de informação nas esferas do híbridos ou quase-objetos tem como exemplares a
governo, gerariam um repertório de questões radio aberta ou a info-bahn; em textos posteriores,
mais próximas da gestão que da política. Uma seus híbridos ganham a formulação unificada
restrição, ainda mais significativa, pode inferir-se de “documentos”, agora objeto exemplar de um
das anteriores: que é a elisão das relações entre paradigma neo-documentalista. Nesse sentido
informação e poder: Frohmann propõe-se fazer uma releitura das
práticas documentárias análoga as reformulações
O foco em problemas instrumentais e
em questões epistemológicas envolvidas
que a teoria ator-rede fez com os estudos da
com a demarcação e policiamento das ciência.
fronteiras entre as disciplinas, desvia a O domínio do poder informacional deixa
atenção das questões de como o poder de ser o estado, o governo, as editoras ou as
é exercido em e através das relações bibliotecas, para ser a escrita e o discurso, os
sociais mediadas pela informação,
como o domínio sobre a informação
dispositivos complexos como os sistemas de
é alcançado e mantido por grupos rádio aberta ou a Internet, ou qualquer das
específicos, e como formas específicas constelações institucionais que intervenham
de dominação – especialmente de na construção categorial-documentária de
raça, classe, sexo e gênero – estão identidades oficiais, individuais e coletivas
implicadas no exercício do poder sobre
a informação. (FROHMANN, 1995, p.5,
(pensamos em categorias cartoriais tal como as
tradução nossa.) denominações de estrangeiro, aposentado, união
homoafetiva, entre outras).
Algumas das objeções apresentadas pelo Vemos assim que, em Frohmann, a
autor admitiriam algumas ponderações. No informação é substituída pelo documento depois
mesmo horizonte temporal e cultural no qual que o documentar fora alargado pela escrita,
as políticas da informação caracterizaram- a telemática, a estruturação jurídico-estatal de
se como estadocentricas,em todas as ciências categorias identitárias e positivadas em registros,
sociais predominaram premissas estadocentricas, muito além das instituições previamente
implícitas e encobertas sob o modelo funcional de autorizadas para sua definição, tratamento e
sociedade (INFORME GULBENKIAN, 1995), ou formatação. Esse Neo-documentalismo, proposto
explicitas e fortalecidas pela vigência de regimes por Frohmann se caracterizaria mais pela re-
estatais centralizadores (BOURDIEU,1996). significação foucalteana do documentar do que
O deslocamento das questões pela substituição da informação pelo documento.
informacionais da esfera político-estatal em Sandra Braman, estudiosa das políticas
direção as esferas da economia e do mercado, de comunicação e informação, no cenário atual,
não significaria, por outro lado, a anulação da propõe o conceito associado de regime global
relação intrínseca e permanente da economia e da emergente de informação.

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.22, n.3, p. 43-60, set./dez. 2012 51
Maria Nélida González de Gómez

Em sua construção conceitual, Sandra destaca sua plasticidade e distanciamento das


Braman importa o conceito de regime da esfera categorizações das políticas de informação
discursiva da política internacional, onde seriam já estabelecidas, o que permite a reflexão e a
amplamente utilizadas as teorias do regime análise do caráter transversal da informação e
internacional, do qual ela se apropria focando a das tecnologias de informação, sua capilaridade
mudança de escala das questões de informação. É e facilidade de imersão em todas as dimensões
interessante anotar a definição de Krasner (2012) e tipos de atividade social, sem ter que ficar
dos regimes internacionais: restritos às jurisdições midiáticas (rádio, TV,
jornais, bibliotecas etc.), nem às jurisdições
Os regimes podem ser definidos como administrativo-funcionais prévias (publico/
princípios, normas e regras implícitos ou
privado; sub-sistemas administrativos do
explícitos e procedimentos de tomada
de decisões de determinada área das Estado).
relações internacionais em torno dos Para Braman, a teoria do regime não
quais convergem as expectativas dos substitui, mas realimenta os estudos da política
atores. Os princípios são crenças em de informação: a) permite identificar tendências
fatos, causas e questões morais. As
comuns em fenômenos e processos dispersos
normas são padrões de comportamento
definidos em termos de direitos e através de arenas historicamente dissociadas;
obrigações. As regras são prescrições ou c) contribui para pensar instituições, ações
proscrições especificas para a ação. Os e instrumentos político novos, sem que isso
procedimentos para tomada de decisões signifique necessariamente a desativação dos
são práticas predominantes para fazer e
“sistemas” já existentes; c) unifica um domínio de
executar a decisão coletiva (KRASNER,
2012, p.94). tomada de decisão, evitando a dispersão gerada
pela pluralidade de canais, de meios e de fluxos
Para Braman, hoje teríamos um único de informação; d) oferece novos parâmetros para
regime de informação, global (por envolver atores estimar o impacto das tecnologias de informação
estatais e não estatais) e emergente (por estar sobre as relações internacionais.
em formação). Estabelece, nesse quadro, dois Conforme Braman (2009), o Estado
importantes processos de convergência de informacional seria aquele que se caracteriza
políticas (“policy transfer”, “legal convergence”, or por sua interdependência em relação a outros
“legal globalization”): a) entre esferas de políticas atores estatais e não estatais, de modo tal que
que previamente agiam como jurisdições precisa de uma infraestrutura global para a criação,
relativamente autônomas, a saber, informação, processamento, fluxo e uso de informação;
cultura e comunicação; b) entre Estados nacionais, seria p por meio do controle da informação
que passariam por processos analógicos de re- (poder informacional) que poderia reconstituir
estruturação jurídico-regulatória. e reformular sua esfera de poder, buscando
definir novas figuras e áreas de autonomia, num
A formação do Regime, então, é o ambiente de rede.
processo pelo qual novas formas De maneira geral e no contexto do
políticas emergem fora do campo da “Estado Informacional”, o regime de informação
política. Ela ocorre quando um fator
interno ou externo da área de questões designaria as dinâmicas que vinculam o governo
[issue areas] requer transformações (as instituições formais, as regras e práticas
jurídicas ou regulamentares; no de entidades geopolíticas historicamente
caso da política de informação ... constituídas), a rede ampliada de organizações
inovação tecnológica e os processos e atores estatais e não estatais cujas decisões e
conseqüências da globalização têm sido
fatores particularmente importantes comportamentos têm efeito sobre a sociedade e
para estimular a transformação do requer a formulação de programas de governança,
regime global de política de informação. e o contexto cultural e social, onde se estabelecem
(BRAMAN, 2004, p.20, tradução nossa). as condições de governabilidade e a partir do
qual surgem e são sustentados os modos de
Entre as vantagens analíticas do conceito governança (BRAMAN, 2004, p.13).
de regime global emergente de informação (que Como características explícitas do regime
será objeto de tratamento específico), Braman de informação global emergente, as quais

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Regime de Informação

seriam “consensualmente aceitas”, Braman cidade, e que, através do preço, dissociavam


enumera: a transparência, como uma meta as pessoas de diferentes classes sociais, o que
política; a inclusão das redes, dos mercados e gera uma intervenção estatal para forçar sua
das organizações, como estruturas sociais que interconexão. A interconectividade das redes
necessitam de regulamentação, e a aceitação de privadas de telefonia teria sido resultado de uma
responsabilidades compartilhadas entre os medida de política de informação a serviço de
setores público e privado, como formas de uma questão do poder instrumental.
governança; o poder informacional como forma Em segundo lugar, poder estrutural seria
dominante de poder (BRAMAN, 2004, p.32). aquele que é exercido pela manipulação do
Ao mesmo tempo, Braman enumera outras mundo social através de regras e instituições.
áreas-tema que carecem ainda de consenso, Para Braman, regras e instituições limitam a
de modo que ainda quando numa delas, uma extensão das escolhas disponíveis e determinam
das posições em confronto seja dominante, como certas atividades devem ser realizadas,
encontrará forte resistência. Entre esses pares gerando convergência de expectativas. O Estado
de alternativas em confronto, caberia destacar: exerce esse poder estrutural através de leis,
a. informação como mercadoria vs. informações tratados, definição de agências e estruturas
como forças constitutivas; b. informações como governamentais. Exemplos de políticas de
bem final vs. informações como bem secundário; informação aplicadas ao exercício do poder
c. informação como agente vs. informações estrutural seriam: a aplicação de leis que regulam
como sujeito à agência, da informação como a competição entre corporações (leis anti-trust);
propriedade vs. informação como bens comuns leis trabalhistas que regulam a comunicação
(commons); e informações como privadas vs. entre os atores representantes dos sindicatos e
informações como públicas ( BRAMAN, 2004, p. das empresas, nas negociações salariais.
35-37). Como principio de valor, a informação O poder estrutural pode operar
oscilaria entre ser considerada como commodity, também através da produção de informações
sujeita aos jogos concorrenciais ou monopólicos estatísticas, ao criar ou suprimir determinadas
dos mercados, ou como força constitutiva, sendo categorias como critério para produção de
da ordem das políticas e das estratégias dos informações, e essas categorias vão a intervir na
Estados. institucionalização de identidades, individuais
Braman lembra que, em qualquer de suas e coletivas, reforçando direta ou indiretamente
formulações, uma política de informação tem a distribuição social de oportunidades e
a ver com o poder, seja orientado ao bem estar exclusões. Quando se estabelecem indicadores
social, seja conduzido por outros motivos e populacionais com base a renda (a partir de quais
intenções. A autora diferencia quatro grandes critérios alguém pertence a classe A, B ou C, ou
formas de manifestação do poder, no mundo está baixo da linha da miséria), as pessoas das
contemporâneo. quais podem predicar-se essas qualificações terão
Em primeiro lugar, o poder instrumental ou não direito a obter crediários imobiliários
seria aquele que é exercido pelo homem na com subvenção do Estado, subsídios familiares,
manipulação das dimensões materiais do serviços de saúde pública, entre outros.
mundo, por meio de forças físicas. Esse sentido Em terceiro lugar, o poder simbólico seria
instrumental do poder estaria presente na exercido através da manipulação do mundo
concepção de Estado de Max Weber, como material, social e simbólico por meio de ideias,
entidade política que exerce o controle físico sobre palavras e imagens. O poder simbólico teria
um espaço geográfico específico. Um exemplo suas raízes mais arcaicas na realização de rituais
contemporâneo dessa forma de poder seriam os e uso de símbolos. O Estado exerce esse poder
sistemas de vigilância que dão apoio a operações no exterior pela propaganda e a diplomacia
militares e policiais. O desenvolvimento da pública; internamente, por exemplo, através de
infraestrutura de telefonia dos Estados Unidos campanhas mediáticas e do sistema educacional.
oferece outro caso interessante. Após a guerra, Aos poderes instrumentais, estruturais
foram instaladas varias redes privadas de e simbólicos, Braman agregará o poder
telefonia, mas que não falavam entre si, nem informacional. Este poder informacional
entre diferentes cidades nem sequer na mesma permitiria o controle do comportamento

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.22, n.3, p. 43-60, set./dez. 2012 53
Maria Nélida González de Gómez

humano por duas vias: manipulando as (2009a, 2009b), em estudos que relacionam
bases informacionais do poder instrumental, informação e ação. Ekbia parte do conceito de
estrutural e simbólico, ou gerando novos meios regimes de valor [worth, grandeur], de Boltanski
de exercício do poder. O poder informacional e Thevenot (2006)7, para usar e reformular o
seria exercido sobre os outros poderes: sobre conceito de regime de informação. Ekbia, em
o poder instrumental, por exemplo, mediante trabalhos individuais ou em co-autoria, utiliza
o uso de inteligência artificial e robótica para o termo regime de informação associado ao
direcionar mísseis; sobre o poder estrutural, por conceito de regimes de valor, que conforme
exemplo, mediante o controle de direitos autorais Boltanski e Thevenot (2006) designaria diferentes
na Internet; e sobre o poder simbólico, tal como maneiras de avaliar pessoas e objetos. Numa
aconteceria com a Web-formatação das possíveis de suas pesquisas, de caráter empírico, associa
mensagens trocadas através do Twitter ou pelo diferentes regimes de informação às diferentes
Facebook. modalidades de gestão do uso da terra.
Cabe considerar que a taxonomia dos me- Na acepção de Ekbia, o regime de
canismos de poder proposta por Braman, é par- informação daria visibilidade a efeitos
te de uma proposta que visa a iuridificação e, informacionais resultantes das variações
portanto, ao controle normativo das ações de in- de experiência de quem agência ações de
formação, em suas novas escalas e condições de informação, em diferentes atividades e situações.
produção. Nessa taxonomia, a informação seria É nessas práticas situadas que a informação
incluída como variável dependente, como um se constitui, atendendo a diversos critérios de
dos meios do poder instrumental ou como domí- valor: o que é considerado medida de valor
nio de intervenção do poder estrutural (através nas atividades econômicas ou administrativas
de sua sujeição às regras in institucionais ou sistê- (eficácia, por exemplo), pode não ter prioridade
micas) e do poder simbólico (enquanto efeito ou no mundo de vida e nas relações familiares.
acontecimento da produção de sentido). Numa Ekbia, atualmente, encaminha sua
categoria específica, como poder informacional, pesquisa em duas direções. Numa delas, outorga
agiria como atrator e operador de convergências prioridade às práticas e a vida cotidiana, sem
seletivas, capaz de sobredeterminar e redistribuir remeter-las a macro contextos institucional nem a
meios, regras e significados. outras estruturas e figuras impessoais, de cunho
Nesse quadro, para Braman, ciência e administrativo e tecnológico, que formam plexos
tecnologia pareceriam ser issues de políticas, de relações de saber-poder. Nessa direção, Ekbia
como provavelmente o seriam a saúde ou a estabelece algumas semelhanças e diferenças
educação; num regime global emergente de de seu uso do termo regimes de informação e o
informação as áreas-tema da política estariam conceito de regimes de verdade, de Foucault.
sujeitas as mesmas demandas e condições
Foucault usa regimes de verdade
que afetam em geral a todas as formas de para discutir as grandes questões da
representação e de coordenação de programas circulação de conhecimento-poder,
de ação, tal como o crescente peso decisório de através dos comportamentos técnico-
agentes econômicos e corporativos, ênfase na científicos da sociedade contemporânea.
forma contratual dos vínculos, novos papeis das Regimes de informação, por outro
lado, lidariam com as práticas situadas
organizações sociais. Nesse quadro, para Braman na vida diária, envolvidas na criação e
o Estado plausível seria aquele que se constitui intercambio de informação. Além disso,
num plexo de relações triplicadas pelo governo, a as duas noções dissecariam a sociedade
governabilidade e a governança. em junções diferentes: a primeira
A ênfase de Braman na iuridificação das dentro das fronteiras institucionais (cf.
Ekbia & Kling, 2003), e esta última no
novas zonas de práticas e interações tecno- que Boltanski e Thevenot chamariam
informacionais, manifesta sua preocupação com “mundos” ou “Políticas.” Em suma, as
as possibilidades de controle dos poderes da duas noções diferem tanto na estrutura
informação, seja no Estado de direito, seja em como no escopo (EKBIA, 2009,
novas estruturas inter e trans-governamentais. tradução nossa).
O conceito de regime de informação será
7 Boltanski-Thevenot (2006) utilizam de modo preferencial de regime de
retomado, em outra direção, por Hamid Ekbia engagement, ao qual estaria associado um regime of worth ou de grandeur,

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Regime de Informação

Numa segunda linha de análise, da qual 3 REGIMES, REGRAS E PADRÕES


conhecemos só um primeiro esboço (EKBIA,
KALLINIKOS e NARDI, 2012), destaca-se uma O conceito de regime de informação,
tensão que se manifesta nas atuais configurações além dos esforços teóricos de sua construção,
sociais da informação: convivemos com o atrito tem sido objeto de muitas aplicações, que
estabelecido entre os modos de interação, plurais serão analisadas em outro estudo. Sua maior
e situados (no tempo, no espaço, num domínio relevância, como a de alguns dos termos com
de atividade), e os arranjos estruturais em que os quais mantém relações de família, seria
está imersa essa interação. outorgar visibilidade a transversalidade específica
A própria ordem social da modernidade de ações, meios e recursos de informação (ver
teria se caracterizado por demandar BRAMAN, 2004, entre outros). É possível,
sistemas complexos, padronizados e por exemplo, afirmar que mais de um regime
descontextualizados, nos que se sustenta o de informação podem constituir-se a partir
intercambio e as mobilizações reguladas de de iguais ou semelhantes montagens8 de
populações e recursos, incentivados pela tecnologia, serviços e conteúdos informacionais.
própria ordem estabelecida. A padronização Por exemplo, um mesmo processo, que alguns
e descontextualização dos fluxos e estruturas denominam redocumentarização9 (SALAUN, 2009,
de informação, que se iniciara com a escrita, apud THIESSEN, 2011), pode desenvolver-se
alcançam agora seu aperfeiçoamento com o advir conforme diferentes regimes. Projetos como
das tecnologias digitais e o desenvolvimento a Biblioteca Digital do Google, que colocaria
e implementação de dispositivos genéricos e um vasto patrimônio cultural internacional
globais, conforme padrões e regras que visam a sob o controle de uma única empresa privada,
permitir a ação em grande escala e à distancia. podem corresponder a um regime monopólico
Tal processo vai gerar uma tensão, em todos de informação, ou sendo a redocumentarização
os campos de atividade social, incluídas as promovida em arranjos públicos e colaborativos
práticas da vida cotidiana, entre a estruturação de preservação e acessibilidade as memórias
e formalização da comunicação e da informação, coletivas, pode dar lugar a regimes abertos de
e o caráter intersubjetivo e situado das práticas informação, o que parece ser o caso da Biblioteca
de informação, e seus diferenciais pragmáticos Digital Universal da UNESCO, o Projeto Gutenberg,
de produção de sentido. De fato, essa tensão fundado por Michel Hardt, ou o Projeto Memórias
seria percebida em domínios como a saúde e a Reveladas, do Arquivo Nacional, no Brasil (ver
educação, onde a implementação de dispositivos THIESSEN, 2011).
e redes eletrônicas e digitais, que favorecem O uso dos termos regime ou modo, neles
estruturações genéricas de conteúdos e de mesmos, merece nossa atenção. Presentes em
práticas, defronta-se com os plurais paradigmas mais de uma das ciências humanas e sociais,
e demandas das culturas locais e profissionais, citamos antes o uso de regime of engagament,
que tratam de manter sua singularidade regime of worth (BOLTANSKI; THEVENOT);
ou difundir concepções de bem estar ou de regime de vida (COLLIER) e regime de enunciação
eficiência conforme outros critérios de valor. e modo de existência, apropriados por Latour,
A informação seria constituída numa ação que usa os termos para destacar um plano de
local, onde obtêm significado e valor, e não só consistência de sua rica biografia intelectual.
localmente interpretada. A diferença que faz Nos perguntamos se os numerosos sintagmas
a diferença requer o reconhecimento de um nominais, onde “regime” e “modo” direcionam
julgamento seletivo de relevância, pelos agentes semanticamente a composição de palavras,
envolvidos. E isso acontece em contextos e
situações específicas. Esse atrito entre o que 8 Latour usa em inglés o termo assemblage (2005), traduzido ao espanhol
agora se apresenta como dupla constituição como ensamble (2008); equivalente ao termo agenciament de Deleuze
(LATOUR, FROHMANN, 2007) e todos eles remetemde algum modo ao
das ações e conteúdos informacionais - ser termo gestell de Heidegger, traduzido também como composição e armazom.
vinculada a domínio e admitir atributos livres 9“[...] L’objectif de la documentarisation est d’optimiser l’usage du document en
permettant un meilleur accès à son contenu et une meilleure mise en contexte.
de contextos- deveria ser, para Ekbia, Kallinicos [...]Le numérique, par nature, implique une re-documentarisation. Dans un
e Nardi (2012), o objeto principal da pesquisa premier temps, il s’agit de traiter à nouveau des documents traditionnels qui ont
été transposés sur un support numérique en utilisant les fonctionnalités de ce
epistemológica. dernier.» SALAUN, 2009, p.15.

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.22, n.3, p. 43-60, set./dez. 2012 55
Maria Nélida González de Gómez

indicam um novo “reajuste” paradigmático nas Fincando pé no perspectivismo


ciências humanas e sociais. antropológico, Latour iguala regimes de enunciação
Após a suspeita ou negação de qualquer a plurais regimes de verdade, expressão de plurais
principio estrutural, que de modo geral e a priori, modos de existência (2000, 2012). Cada modo de
condicionara o arranjo e fluxo das relações sociais existência teria uma tonalidade de experiência,
(tal como o campo de Bordieu ou as instituições certas condições de felicidade ou infelicidade
disciplinadoras de Foucault), muitos estudos particulares, e uma ontologia específica; as redes
optaram por dar ênfases ao conceito de prática e sociotécnicas do conhecimento seria um desses
aos aportes procedimentais da etnometodologia, modos de existência.
eliminando a referência a um quadro prévio Em sínteses, fala-se de regimes e
e organizador. A palavra de ordem da modalizações, ao mesmo tempo em que são
fenomenologia “ir às coisas mesmas” ganhará enfatizadas ações e interações de coletivos
nova formulação na expressão de Latour, seguir engajados em situações e circunstâncias,
e não preceder aquilo que pretendemos descrever. ancorados no tempo, no espaço e nas condições
Latour e Knorr-Cettina seguem assim os cientistas de produção e reprodução social da vida. Tendo
nos laboratórios, como antropólogos silentes as orientações pragmáticas uma expressão
observaram interações selvagens, construindo significativa nas ciências humanas e sociais,
narrações simétricas de relações intersubjetivas e a partir dos anos 80, também nos estudos da
interobjetivas. Nesse cenário, não somente teriam informação surgem abordagens que tem como
ficado esfumadas as fronteiras entre a sociologia menor unidade de análise as ações de informação
e a filosofia da ciência, mas também entre a e suas estruturações relacionais, com autores
antropologia, a sociologia e por vezes, a política. como Wersig (1985), Savolainem (2009), Ekbia
E isso parecia ser louvável. (2009) e, no Brasil, Gracioso (2011), Freire (2012),
Tratemos de entender, logo, por que ou entre outros.
para que recorrer aos termos de modo e de regime. Com ênfases nas dinâmicas antes que nas
Desde o ponto de vista etimológico, regime e estruturas, o regime de informação permitiria
regra provem da mesma origem latina10. Krasner associar a ancoragem espaço-temporal e
(2012), ao definir regime internacional menciona cultural das ações de informação aos contextos
como suas características ser definidos por regulatórios e tecnológicos que intervém e
princípios, normas e regras, mais procedimentos perpassam diferentes domínios de atividade,
de implementação (KRASNER, 2012, p.94, op. agências e organizações.
cit.). Entre atribuições dos regimes de
Lakoff e Collier (2004), ao definir regimes informação, uma das principais seria colocar
de vida, consideram que a palavra regime sugere em evidência essa tensão entre as configurações
“maneira, método ou sistema de regras ou de socioculturais das interações em que se
governamento”. manifestam e constituem os diferenciais
pragmáticos de informação, e as estruturações
Substantively, regimes of living jurídico-normativas, técnico-instrumentais e
describe ethical configurations formed
econômico-mercadológicas, que visam a sobre-
in relationship to technology and
biopolitics. Thus, the word regime determinar essa configuração, com alguma
suggests a ‘manner, method, or system imposição de direção ou valor. As regras,
of rule or government’, characteristic as normas, os padrões, os códigos, seriam
of political regimes, systems of justamente o domínio onde acontecem essas
administration, or modes of techno-
tensões e essa imposição.
scientific intervention. To say that such
regimes relate to questions of living É nesse contexto que ganham novo espaço
indicates that they concern the social as perguntas pela validade e valor da informação.
and biological life of individuals and Alguns autores questionam a relação biunívoca
collectivities. (LAKOFF; COLLIER, 2004, da informação com os fatos ou a verdade, seja
p.42)
deixando em suspenso o caráter epistêmico da
informação, seja para correlacionar os valores da
informação com plurais regimes de verdade.
10 Oxford Dictionary: < http://www.oed.com>.

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Regime de Informação

A ética e a política, ao colocar o comum como cada vez mais atenção, fora daqueles que ficam
horizonte de reflexão, abrem outras questões so- invisibilizados pela frequencia e a duração de
bre as tendências generalizantes dos planos regu- seu uso, do “reloj internacional, el ohm, el metro,
latórios de dispositivos e regimes de informação. la contabilidad de doble entrada a la diseminacion de
Hope Olsson (apud LARA, 2012) reafirma a estandares ISO-9000” (LATOUR, 2008, p.324).
frustração de todo esforço de totalização pela repre- Indagar qual o papel desses marcos
sentação, lembrando que todo universo classificatório regulatórios e dos novos fóruns deliberativos e
encerra um território finito: não poderia incluir-se decisórios que compõem o entorno institucional
nele todos os casos já acontecidos, os atuais e os por da informação, qual o entendimento e o impacto
vir de qualquer assunto, agencia ou saber acerca do dessa crescente relevância dos códigos, dos
qual quiséramos reconstruir seu domínio universal. padrões, das normas e das metrologias, são sem
Kallinicos (2010), afirma que os objetos dúvida assuntos relevantes para a pesquisa,
digitais não tem bordas ou fronteiras (Digital objects associados a mais de uma linha investigativa
are borderless). Se comparamos um livro com o dos estudos da informação e da documentação:
prontuário eletrônico de um paciente, pareceria que organização do conhecimento, busca e
é bem mais fácil pensar um livro como entidade, apropriação de informação, avaliação científica,
produto dissociado de seu processo de produção, que políticas do conhecimento e da informação.
demarcar a unidade lógico-digital de um prontuário Estamos cientes que muitas questões e
eletrônico, traçada sobre uma rede híbrida cujos nós abordagens ficaram fora destas reflexões. De
e elos não só estão dispersos em consultórios médicos, fato, abordar os regime de informação tem
hospitais, laboratórios, mas também em bases de dados sido para nós um instrumento para fazer novas
estatísticas, imagéticas e textuais, e que alem de estar perguntas, mais que um recurso de provisão de
sendo produzido em muitos lugares, com diferentes respostas.
pontos de vistas e linguagens, pode mudar, em
qualquer momento e ponto de suas teias tecnológicas
de maneira sincrônica ou asincrônica, e em tempo real. AGRADECIMENTO
Não temos dúvidas que estamos frente a
uma questão importante que, conforme Latour,
só agora apareceria em todas sua magnitude e Agradecemos a Marcia Cavalcanti e a
relevância. Novos padrões (standards) demandam Luisa Rocha a revisão do texto.

INFORMATION REGIME:
construction of a concept

ABSTRACT: The concept of information regime could form part of a family of words that thematize the
settings of contemporary practices, media and information resources, where language
technologies, characterized by its pervasive and indefinite expansion, find its area of ​​operation.
The information regime, as an analytical concept, refers to contemporary figures of power, but
calls into question the previous criteria of definition and recognition of what is along the order of
policy and information.

Key words: Information regime. Information – Chain of production. Information – Infrastructure. Mode information
– Patterns.

Artigo recebido em 09/11/2012 e aceito para publicação em 01/12/2012

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