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PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O RESGATE DE VALORES MORAIS

E CÍVICOS NA DISCIPLINA DE EMC: UMA CONTRIBUIÇÃO À MELHORIA


DO PROGRAMA DE ENSINO DA 9ª CLASSE NO COMPLEXO ESCOLAR
Nº116-EMACULADA CONCEIÇÃO-LUBANGO

1.1. Conceito

Todas as culturas e as sociedades desenvolvem valores. Valores são conceitos


ou ideias (verdade, justiça), objetos (ouro, dinheiro) ou relações (igualdade,
fraternidade) que servem como baliza para nossas ações. Deles dependem
nossos comportamentos na medida em que são incentivados ou reprimidos.
Por exemplo: quando faço do dinheiro um valor, todas as minhas decisões
giram em torno dele. Ele se torna, assim, o critério de minhas decisões. Ao
invés do dinheiro, eu posso escolher a justiça como valor fundamental. Nesse
caso, eu posso até perder dinheiro, desde que não seja injusto (Oliveira, 2012:
420). (CECHINEL, 2018)

Segundo Vázquez (1999) o surgimento da Moral ocorre devido a necessidade


de se conviver em grupo, o homem precisa de regras que digam o que é bom
ou mal para a coletividade. Nesta trilha de pensamento, o autor salienta que a
Moral é um fato histórico, mutável com o tempo, tendo sua origem situada fora
da história, partindo de três direções fundamentais: A primeira teria o divino
como referência. Seria Deus que com o poder sobre o homem estaria não
sujeito a Moral, mas acima dela. A segunda explicação apresentada pelo autor
dá conta de que a Moral vem da natureza do homem, faz parte da sua biologia
natural. Na terceira concepção Vázquez (1999) indica que o homem é um ser
abstrato, irreal, sendo a origem e fonte da Moral, que permanece e dura
através das mudanças históricas e sociais. Nota- se de acordo com a fala do
autor que a Moral se modifica e transforma as sociedades, desde as idades
primitivas até hoje (CECHINEL, 2018).

De acordo com Cunha (2015) a palavra “Moral” deriva do Latim Mores, que
significa “costume”. Aquilo que se consolidou ou se cristalizou como sendo
verdadeiro do ponto de vista 12
da ação. A Moral é fruto do padrão cultural vigente e incorpora as regras eleitas
como necessárias ao convívio entre os membros dessa sociedade, regras
estas determinadas pela própria sociedade. Para o autor, Moral define o modo
de ser das pessoas, transmite regras, conceitos, valores a serem seguidos ou
não. Esses conceitos são adquiridos por meio da convivência com os outros
nas relações diárias. (CECHINEL, 2018)

Para Cunha (2015) a Moral é constituída pelos valores previamente


estabelecidos e comportamentos socialmente aceitos e passíveis de serem
questionados pela Ética em busca de uma condição mais justa. É possível uma
ação Moral ou imoral sem qualquer reflexão Ética, assim como é possível uma
reflexão Ética acompanhada de uma ação imoral ou amoral. Basicamente, nas
palavras do autor, quando se trata de Moral, o que é certo e errado depende do
lugar e do tempo onde se está (CECHINEL, 2018).

Na tentativa de entender a organização social do mundo contemporâneo e o


papel das instituições sociais, particularmente a instituição escola,
inevitavelmente deparamos com o conflito dos valores humanos. De uma forma
geral, dizemos que valor é tudo aquilo que uma ou mais pessoas, grupos ou
culturas acham digno de ser perseguido, alcançado e desenvolvido. O valor
não é simplesmente uma preferência, mas uma preferência que se crê e/ou se
considera justificada — quer seja moralmente como fruto de um raciocínio,
quer como consequência de juízo estético, se bem que em geral se componha
de dois ou três desses critérios ou da combinação de todos eles (PAIS, 1999).
A discussão em torno do conceito de valor e da sua problemática é
denominada de Axiologia, derivado do grego axia, que significa “valor”. Essa
discussão é histórica, já vem de muito tempo e podemos esclarecer que não há
um só, mas muitos sentidos para o termo valor (GOERGEN, 2005). A questão
da definição do termo valor, apresentado em Pais (1999), implica uma
inevitável circularidade: “(...) Valores são crenças que se traduzem por
preferências em relação a determinados sistemas ou dispositivos
comportamentais, mas essas preferências são, por sua vez, tradução empírica
de valores” (p. 18). (Almeida, 2013).
O termo ‘valor’, de acordo com o autor acima, sofre, ao longo da sua trajetória
histórica, várias formatações interpretativas, pois, como está ligado a costumes
e preferências, é natural que as suas definições sofram essas mesmas
influências e mantenham essa circularidade que ele expressa. Buscando
encontrar uma posição mais coerente em torno do ‘valor’, o autor apresenta a
forma como se deve perceber este termo: (Almeida, 2013).

Finalmente, os valores não devem ser tomados apenas enquanto valores


valendo, mas também enquanto valores sendo — pois só assim percebemos o
que valem e para quem, isto é, só desse modo entendemos em que medida os
valores aparecem como produto de divisões objetivas de classe social, de sexo
(gênero), de grupo etário, etc. São estes “valores sendo” que se podem
sedimentar em “verdadeiros valores”, próprios de determinados universos
culturais, dentre os quais se destacam os geracionais e cujas descontinuidades
terão que ver com diferentes níveis de adesão substantiva, por parte de
distintas gerações, quer em relação a valores societais (religiosos, políticos,
etc.), quer no que respeita a valores de quotidianeidade (hábitos de consumo,
convivialidade, intimidade, etc.) (PAIS, 1999, p. 20). (Almeida, 2013).

Como referenda Cabanas (1996), para algumas posições filosóficas, valores


são os critérios últimos de definição de metas ou fins para as ações humanas e
não necessitam de Betânia Virães - O Papel da Escola na Educação de
Valores. 19 explicações maiores além deles mesmos para assim existirem. A
partir dessa perspectiva, projetamos em nosso universo particular que
devemos ser bons porque a bondade é um valor, honestos porque a
honestidade é um valor, e assim por diante com outros valores como a
solidariedade, a tolerância, a piedade, que têm um caráter natural, universal e
obrigatório em nossa existência. (Almeida, 2013).

Prosseguindo com o embate, entendemos que os valores são a expressão de


princípios gerais, de orientações fundamentais e primeiramente de preferências
e crenças coletivas. Em toda a sociedade, a determinação dos objetivos efetua-
se a partir de uma representação do desejável e manifesta-se em ideais
coletivos. Tais valores, que, sistematicamente ordenados, se organizam numa
visão do mundo, aparecem muitas vezes como um dado irredutível, um núcleo
estável, um conjunto de variáveis independentes (BOUDON et. al., 1990, p.
249). (Almeida, 2013).

Parsons (1951) distinguiu quatro modelos de organização, caracterizados, cada


um deles, pela preponderância de certos tipos de valores; a sociedade
americana, por exemplo, privilegia menos os valores associados à manutenção
dos modelos culturais que aqueles ligados à realização (achievement). Mais
empiricamente, F. R. Kluckhohn e F. L. Strodtbeck propuseram, por seu turno,
que se distribuíssem os sistemas de valores por meio de critérios gerais de
diferenciação, como a relação ao tempo, à natureza, etc. Definem eles a
especificação dos valores em dominantes, desviantes e variantes —
manifestando estes últimos, entre as duas primeiras categorias, ao mesmo
tempo a latitude de que o indivíduo dispõe na escala em questão e a
plasticidade do sistema em cujo seio eles se encontram distribuídos. (Almeida,
2013).

Tratando-se dos valores dominantes, eles foram sucessivamente — no


Ocidente medieval, moderno e contemporâneo — religiosos, políticos e
econômicos. Coube, portanto à Igreja, depois ao Estado e finalmente à
empresa encarregar-se deles, controlá-los, impô-los. Esta última confere-lhes
um poder que arrasta à convicção, suscita a adesão e assegura a integração.
Seria errado exagerar o papel dos valores na realização da coesão social: é
verdade que eles congregam o grupo, mas também o separam. Por fim, a
sensibilidade ao que eles representam não é idêntica no conjunto do corpo
social; os intelectuais, nomeadamente, caracterizam-se por uma maior atenção
em relação a eles, particularmente vigilantes em certas ocasiões (GOERGEN,
2005). (Almeida, 2013).

Na verdade desde a Antiguidade, o termo ‘valor’ foi usado para designar a


utilidade ou o preço de bens materiais ou o mérito de pessoas. Esse
significado, porém, por não ter gerado problemas filosóficos, não tem valor
filosófico. Só é atribuído o uso filosófico quando o seu significado é
generalizado para qualquer objeto de preferência ou de escolha. O que
aconteceu Betânia Virães - O Papel da Escola na Educação de Valores. 20
(Almeida, 2013).

pela primeira vez com os estoicos, os quais introduziram o termo no domínio da


ética e chamaram ‘valor’ os objetos de escolhas morais. Os estoicos
entenderam o bem como algo subjetivo, como um objeto de escolha particular
(preferência). Para eles havia dois tipos de valores: os valores obrigatórios e os
valores preferenciais, que foram mais tarde designados como valores
intrínsecos ou finais e valores extrínsecos ou instrumentais (cf. ABBAGNANO,
1970, verbete ‘valor’). (Almeida, 2013).

Thomas Hobbes (1588-1679) retoma, no mundo moderno, a noção subjetiva de


valor ao afirmar que o valor não é absoluto, mas depende da necessidade de
um juízo. Valor, portanto, é aquilo que é estimado como tal através de um juízo.
Atribuindo uma origem teológica à expressão “juízo de valor”, a Alemanha foi a
primeira a difundir essa expressão que logo se propagou para todo o domínio
filosófico. Nesse campo há uma importante distinção a ser feita entre o ponto
de vista do conhecimento ou explicação e o ponto de vista da avaliação. A
confusão entre esses dois âmbitos reinou durante muito tempo e foi
criticamente distinguida por Immanuel Kant (1724-1804) e David Hume (1711-
1776), ao atribuírem à religião o ponto de vista avaliativo e à filosofia o ponto
de vista intelectual, explicativo, do conhecimento ‘noético’ (GOERGEN, 2005,
p. 987). (Almeida, 2013).

Nessa discussão, temos a visão do filósofo Immanuel Kant (1724-1804), que


consta no artigo de Goergen (2005, p. 987): “Para Kant o valor é o dever ser de
uma norma (portanto, um a priori) que pode não ter realização prática, mas que
atribui verdade, bondade e beleza às coisas julgáveis. Nesse sentido, os
valores não têm realidade ou ser, mas são o dever ser (sollen)”. (Almeida,
2013).

Em uma interpretação desse conceito kantiano sobre valor, Heinrich Rickert


(1863-1936) apresenta seis domínios de valor: a lógica, a estética, a mística, a
ética, a erótica e a filosofia religiosa. A cada um desses domínios corresponde
um bem: a ciência, a arte, o uno/todo, a comunidade livre, a comunidade do
amor, o mundo divino. Por sua vez, a relação do sujeito com esses objetos se
dá por meio de: juízo, intuição, adoração, ação autônoma, unificação, devoção.
O sentido das coisas é a sua referência ao mundo dos valores que assim se
inserem na história e são realizados pelos homens. Essa posição, seguida por
muitos filósofos, reconhece, de um lado, que o valor está presente ao homem e
suas atividades na forma de um ‘dever ser’ e, por outro, supõe que seja
independente e indiferente ao mundo humano. Nesse sentido, o valor é uno,
universal e eterno, em contraposição à multiplicidade, particularidade e
mutabilidade das manifestações concretas das quais deveriam ser a regra
(GOERGEN, 2005). Betânia Virães - O Papel da Escola na Educação de
Valores. 21(Almeida, 2013).

Max Scheler (1874-1928) apregoa o intuicionismo, em que os valores são


objetos completamente inacessíveis ao intelecto, que é cego como o ouvido,
para as cores. O valor é o objeto intencional do sentimento como a realidade é
o objeto intencional do conhecimento. Nicolai Hartmann (1882-1950) afirma
que os valores só são tais com relação ao homem. São, portanto, relacionais (e
não relativos), mas, por outro lado, afirma que os valores têm um ser em si,
independente da opinião do sujeito, sendo, portanto, imutáveis e absolutos
(GOERGEN, 2005). (Almeida, 2013).

O termo ‘valor’ aparece no mundo moderno em boa parte através da obra de


Nietzsche que provocou um escândalo com a sua proposta de inverter os
valores tradicionais. Foi em Nietzsche, especialmente em suas obras Jenseits
von Gut und Böse (1886) e Zur Genealogie der Moral (1887) que ‘valor’ se
tornou um dos conceitos centrais da filosofia em torno do qual girou, na sua
quase totalidade, a discussão moral. É também desde essa época que se
estabeleceu a distinção entre um conceito metafísico ou absoluto e um
conceito empirista ou subjetivista de valor. Na primeira acepção, valor assume
um status metafísico, independente de sua relação com o homem. No segundo
sentido, valor inclui sua relação com o mundo humano, ou seja, com o homem
e sua historicidade (GOERGEN, 2005). (Almeida, 2013).
Niestzsche ironizava os valores tradicionais apontando-os como valores
eternos e fez objeto da sua filosofia a inversão desses valores. Ele não
aceitava a tese dos valores sob o ponto de vista da moral cristã, pois afirmava
que essa era baseada sobre o ressentimento, portanto, sobre a renúncia e o
ascetismo. Propôs, então, a substituição de tese cristã dos valores pela sua
tese, que preconizava nascerem os valores vitais da afirmação da vida e da
aceitação dionisíaca. Com essa posição relativista, Nietzsche passou a ser o
alvo da crítica dos absolutistas. A polêmica em torno de sua obra nasce da
dificuldade em se comprovar um relativismo de valores. Mas o que ele queria
de fato era substituir os valores tradicionais por novos valores que favoreciam a
vida. Na relação intrínseca entre valor e ser humano, segundo Nietzsche, não
há valor independente do modo de ser do homem. (Almeida, 2013).

A tese de Nietzsche em torno do termo ‘valor’ é empiricista ou subjetivista, mas


não relativista quanto ao valor. O relativismo do termo só se apresenta em
posições como a de Christian Ehrenfels (1859-1932) que, ao definir valor como
a desejabilidade, introduz ao conceito a noção de possibilidade. Para Christian
Ehrenfels, o valor não é a coisa desejada, mas o objeto desejável e o interesse
efetivo é apenas uma possibilidade. No bojo dessa discussão, vincula-se o
entendimento de que os valores têm relação com a história, dando Betânia
Virães - O Papel da Escola na Educação de Valores. 22 margens ao
surgimento do “relativismo dos valores no coração do historicismo”
(GOERGEN, 2005, p. 999). O filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911)
afirma que é a própria história que institui e determina os valores, os ideais, a
finalidade conforme se estabelecem os significados dos homens e dos
acontecimentos. E que, também, se deve entender que os valores e as normas
nascem e morrem na história, sem serem mais nem menos que a própria
história. É da correlação entre sujeito e objeto que nasce a objetividade. Os
valores absolutos não existem, portanto, não constituem uma realidade
ontológica à parte, mas são uma qualificação categorial que pode referir-se a
qualquer objeto. (Almeida, 2013).
A partir dessa perspectiva, o valor incorpora de forma antagônica dois vieses, o
absoluto e o relativo: o primeiro constitui o modo de ser do valor em si e o
segundo, o seu modo de ser na história. A história é aqui entendida como
relativa, como uma criação humana. No mundo moderno, o sociólogo Max
Weber (1864-1920) atribuiu uma importância considerável aos valores, tanto na
constituição de uma organização econômica e social como na evolução social
e política. Ele também compartilha desta posição historicista de Wilhelm Dilthey
que entende a história como uma fonte de criação de valores, cada qual
relativo à mutação permanente das transformações sofridas na luta com
valores diferentes que se oferecem ao arbítrio do homem no seu percurso de
vida. (Almeida, 2013).

Encontra-se também presente no pensamento do filósofo norte-americano


John Dewey (1859-1952), a pluralidade de valores. Segundo Jonh Dewey, a
filosofia encarna em si a própria crítica dos valores porque faz um juízo a
respeito da coisa que tem valor imediato. Nesse sentido, ele afirma que toda
teoria do valor é necessariamente um ingresso ao campo da crítica, que se
torna assim a disciplina inteligente das escolhas humanas. Estando os valores
presentes de forma universal, em todos os espaços sociais, então o ensino dos
valores não se pode evitar. Entendendo-se por espaço social a visão explícita
na obra de Bourdieu (2003, p. 51): (Almeida, 2013).

O espaço social pode ser compreendido como sistema de posições sociais que
se definem uma em relação às outras, que se faz em determinado espaço e
tempo físicos, e que tendencialmente se reproduz pela conformação
consensual, em geral inconsciente, de seus agentes. (Almeida, 2013).

Assim, percebe-se que o espaço social é o local onde as posições sociais


ocupadas pelos indivíduos são definidas de acordo com os valores que
permeiam e formam esse espaço social. Valores estes determinados pelos
ocupantes principais desse espaço social e reproduzidos pelos seus tentáculos
de sustentação, entre eles a escola. O que Bourdieu apresenta é que o
“espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de Betânia
Virães - O Papel da Escola na Educação de Valores. (Almeida, 2013).23

posição pela intermediação do espaço de disposições (ou do habitus)”


(BOURDIEU, 1996, p. 21). O conceito de habitus em Bourdieu apresenta a
noção de princípios geradores de práticas distintas e distintivas, ou seja, ele é o
que permite a distinção entre as características assumidas pelos indivíduos na
ocupação do seu espaço social: (Almeida, 2013).

Assim como as posições das quais são o produto, o habitus são diferenciados;
mas são também diferenciadores. Distintos, distinguidos, eles são também
operadores de distinções: põem em prática princípios de diferenciação
diferentes ou utilizam diferenciadamente os princípios de diferenciação comuns
(BOURDIEU, 1996, p. 22). Porém, ao estabelecer essa diferenciação e ser ele
próprio diferenciador o habitus estabelece, segundo Bourdieu (1996), a noção
de diferença entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal, mas acrescenta
que essas diferenças dependem de quem está na posição de julgador. O que
pode ser bom para um, pode não ser para outro e assim por diante. O que
influencia esse julgamento são os valores que estão presentes na formação do
julgador. Essa formação se dá nos espaços sociais em que foi formado e boa
parte dela se dá na escola(Almeida, 2013).

De uma forma geral, dizemos que valor é tudo aquilo que uma ou mais
pessoas, grupos ou culturas acham digno de ser perseguido, alcançado e
desenvolvido. O valor não é simplesmente uma preferência, mas uma
preferência que se crê e/ou se considera justificada — quer seja moralmente
como fruto de um raciocínio, quer como consequência de juízo estético, se bem
que em geral se componha de dois ou três desses critérios ou da combinação
de todos eles (PAIS, 1999 citado por Almeida, 2013: 18).

A discussão em torno do conceito de valor e da sua problemática é


denominada de Axiologia, derivado do grego axia, que significa “valor”. Essa
discussão é histórica, já vem de muito tempo e podemos esclarecer que não há
um só, mas muitos sentidos para o termo valor (GOERGEN, 2005). (Almeida,
2013: 18).

A questão da definição do termo valor, apresentado em Pais (1999), implica


uma inevitável circularidade: “(...) Valores são crenças que se traduzem por
preferências em relação a determinados sistemas ou dispositivos
comportamentais, mas essas preferências são, por sua vez, tradução empírica
de valores” (p. 18). (Almeida, 2013: 18).

O termo ‘valor’, de acordo com o autor acima, sofre, ao longo da sua trajetória
histórica, várias formatações interpretativas, pois, como está ligado a costumes
e preferências, é natural que as suas definições sofram essas mesmas
influências e mantenham essa circularidade que ele expressa. Buscando
encontrar uma posição mais coerente em torno do ‘valor’, o autor apresenta a
forma como se deve perceber este termo:( Almeida, 2013: 18).

Finalmente, os valores não devem ser tomados apenas enquanto valores


valendo, mas também enquanto valores sendo — pois só assim percebemos o
que valem e para quem, isto é, só desse modo entendemos em que medida os
valores aparecem como produto de divisões objetivas de classe social, de sexo
(gênero), de grupo etário, etc. São estes “valores sendo” que se podem
sedimentar em “verdadeiros valores”, próprios de determinados universos
culturais, dentre os quais se destacam os geracionais e cujas descontinuidades
terão que ver com diferentes níveis de adesão substantiva, por parte de
distintas gerações, quer em relação a valores societais (religiosos, políticos,
etc.), quer no que respeita a valores de quotidianeidade (hábitos de consumo,
convivialidade, intimidade, etc.) (PAIS, 1999, p. 20). :( Almeida, 2013: 18).

Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e


internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e
no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de
penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha
injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e
vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade,
participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas
acções exprimem nosso senso moral . Quantas vezes, levados por algum
impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição,
vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha,
remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente.
Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral. Em muitas
ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas
palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça,
altruísmo, mesmo quando tudo isso lhe custa sacrifícios. Sentimos que há
grandeza e dignidade nessa pessoa. Temos admiração por ela e desejamos
imitála. Tais sentimentos e admiração também exprimem nosso senso moral
(Chaui, 2000: 429)
.
Todos os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência
moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade,
generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha,
culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e a decisões que
conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os
conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão referidos a um valor
mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem. Os
sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre
o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido:
nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja
por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação
dos outros. O senso e a consciência moral dizem respeito a valores,
sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao
desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros
e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva. (Chaui,
2000: 429).

Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que
são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os
juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor -
avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas
artes, na política, na religião. Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações,
experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e
decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. (Chaui, 2000: 429).
Tudo aquilo que desperta nas pessoas repúdio ou interesse, impedindo-as de
ficar indiferentes (Siqueira, 2010: 5).

A coisa mais comum é ouvir de algumas pessoas desabafos, passíveis de


serem reunidos na expressão “crise de valores morais”. Sem querer minimizar
os efeitos desse diagnóstico, é preciso refletir sobre a transitoriedade dos
valores. Eles não são eternos, são históricos e culturais. Mudam com o tempo,
porque as pessoas mudam, na medida em que mudam seus interesses. “Os
valores que orientam a conduta dos indivíduos enquanto membros de uma
determinada categoria profissional também seguem esse mesmo tipo de
relação, uma vez que não estão descolados do «ethos» da sociedade”
(PASSOS, 2004, p. 107). (Siqueira, 2010: 10).

Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes.
Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em
sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo
cotidiano. Já a palavra Ética, Motta (1984) define como :“um conjunto de
valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros
homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”,
ou seja, Ética é a forma como o homem deve se comportar no seu meio social.

1.2. Diferentes abordagens sobre os valores morais e cívicos;


1.2.1. Valores morais e cívicos

Nas sociedades capitalistas, como é o caso da nossa sociedade, os bens


materiais tendem a se tornar valores supremos em torno dos quais orbitam
todas as nossas escolhas e decisões. Crianças passando fome e o
crescimento do número de moradores de rua, nas grandes cidades, são fatos
que causam menos preocupação do que a bolsa de valores em queda. Porque
o valor está no capital e no acúmulo de riquezas, não nas pessoas e na vida
humana. Se fosse a vida e as pessoas o centro das preocupações, primeiro
nós resolveríamos o problema da fome para depois discutir estratégias de
lucratividade (Oliveira, 2012: 420).
Num outro tipo de sociedade, as relações humanas podem ter maior peso do
que o dinheiro. Nesse caso, a igualdade e a solidariedade tornam-se, por
exemplo, os valores que orientam as decisões. Numa sociedade assim, criança
nenhuma pode morrer de fome e ninguém pode ser condenado a viver na rua
enquanto outros acumulam riqueza e vivem em busca do luxo e da ostentação.

Assim funcionam os valores: orientam nossas ações. Servem como bússolas


que indicam o caminho para escolhas mais sustentáveis ou menos
sustentáveis. Percebe-se, assim, que a sustentabilidade é uma questão ética3,
ou seja, uma questão de opção por valores que sejam realmente
comprometidos com a defesa da vida em todos os seus aspectos (Oliveira,
2012: 420).

Mas, em nosso tempo, muitos deixaram as bússolas de lado e preferiram


adotar relógios para calcular o índice de produtividade e de aproveitamento do
tempo. Querem andar muito, mesmo que não saibam ao certo para onde estão
caminhando. E o caminho escolhido poderá estar conduzindo a todos para um
futuro comprometedor. Sob o ponto de vista da sustentabilidade, o caminho
poderá nos conduzir ao paraíso na terra ou ao abismo. A escolha é nossa!
(Oliveira, 2012: 421).

Formação cívica toda a acção educativa que se destina a propor e desenvolver


em alguém um conjunto de crenças, valores e práticas sociais tendo como
finalidade principal:
a) O desenvolvimento integral do sujeito nos diversos níveis: enquanto
pessoa, membro de uma comunidade (ou grupos de pertença) e cidadão
responsável;
b) A adequada integrarão ético-política do indivíduo na comunidade onde
se insere, clarificando os seus direitos e deveres no quadro das várias
redes sociais, jurídicas e políticas, gozando de plena autonomia, ou seja,
munido de uma capacidade de reflexão crítica/filosófica que lhe permita
o conhecimento da situação (representação) e a intervenção
(participação) na ordem política;
c) Assegurar a reprodução de modelos sociais e políticos de cariz
democrático onde se garantam os principais direitos do homem,
contribuindo assim para uma cidadania assumida no âmbito nacional,
comunitário e mundial (Silva, 1999: 25).

1.2.2. Do ponto de vista filosófico

1.2.3. Do ponto de vista ético

A maioria dos dicionários define Ética como ciência da Moral e como arte de
dirigir a conduta humana tanto no âmbito individual quanto no coletivo, contudo,
ainda se questiona bastante em qual dessas dimensões estaria mais centrada
a eticidade. Primeiramente para Campos et all. (2002) a ética é um conjunto de
regras, princípios e maneiras de agir e de pensar que guiam um grupo de
pessoas, uma sociedade, um ser humano(Almeida, 2013).

Segundo Cunha (2015) a palavra “Ética” vem do grego ethos.


Etimologicamente, ethos significa morada, habitat, refúgio. O lugar onde as
pessoas habitam e neste sentido, a Ética é um tipo de postura e se refere a um
modo de ser, à natureza da ação humana, ou seja, como lidar diante das
situações da vida e ao modo como convivemos e estabelecemos relações uns
com os outros. Percebemos que a Ética é o princípio que diz como se deve agir
nas situações, fazendo o bem ou o mal ou seja, a Ética é a decisão que se
pode fazer através da razão. (CECHINEL, 2018)

Para Silva (2016) a Ética é uma parte da Filosofia prática também conhecida
por Filosofia Moral. Os problemas principais da Ética estão relacionados com
os fundamentos do dever e com a natureza do bem e do mal, ou seja, tudo
aquilo que está relacionado com o modo como devemos viver. Não por acaso,
a palavra “Ética” vem do grego éthikos e significa “modos de ser”. Em outras
palavras, esse termo pode ser entendido como a reflexão sobre o
comportamento Moral ou sobre os costumes. (CECHINEL, 2018)

Nesse sentido, podemos considerar a Ética como um tipo de postura que se


refere a um modo de ser, à natureza da ação humana. Trata-se de uma
maneira de lidar com as situações da vida e do modo como estabelecemos
relações com outras pessoas. Quais são as nossas responsabilidades pessoais
em uma relação com o outro? Como lidamos com as outras pessoas em
sociedade? Uma conduta Ética pode ser um tipo de comportamento mediado
por princípios e valores morais (SILVA, 2016). Ainda segundo Silva (2016) a
palavra “Ética” também pode ser definida como um conjunto de conhecimentos
extraídos da investigação do comportamento humano na tentativa de explicar
as regras morais de forma racional e fundamentada. (CECHINEL, 2018)

Segundo Carneiro (2016) a Ética é o conjunto de valores e costumes


difundidos por uma determinada sociedade, enquanto a Moral é a prática
individual influenciada por esse conjunto de valores éticos. Então, Ética e Moral
se complementam, uma vez que nossas decisões morais são também
influenciadas pelos valores que recebemos de nossa família, da sociedade, da
15 comunidade ou do grupo que fazemos parte. Percebemos que a Ética e a
Moral são diferentes em seus significados, porém, na prática são interligadas,
uma depende da outra. (CECHINEL, 2018)

Os valores se modificam com o tempo. Se as novas gerações discordam dos


valores de seu povo, pode ser o momento com isso de questiona-los. Foi o
caso da escravidão no Brasil, que apesar de sabermos atualmente que é algo
execrável, naquela época era tida como uma prática normal e até mesmo
justificada, contudo, passou a ser questionada pelas novas gerações,
culminando na abolição da escravatura (CARNEIRO A., 2016). (CECHINEL,
2018)

Segundo Vázquez (1999) as palavras ethos e mores indicam um tipo de


comportamento não natural do ser humano ao nascer, mas que é adquirido ou
conquistado por hábito. Percebemos com base nessa afirmação do autor que o
conceito de Moral e Ética são construídos por meio das relações e convívio
com outros. Ainda de acordo com o autor, a Moral e a Ética estão relacionadas,
porém são distintas, tendo a Moral um caráter de princípios, normas e regras
de comportamento, do que é bom ou mal. Já a Ética tem a missão de explicar
as práticas de morais já existentes na sociedade e suas mudanças podendo
influencia-la, mas não cria a moral, sendo uma ciência que estuda
especificamente uma forma de comportamento humano. (CECHINEL, 2018)
Nesta trilha, pode-se considerar que a Ética engloba os princípios que regem
determinados tipos de comportamentos, sejam eles considerados corretos ou
incorretos; já a Moral estabelece as regras que permitem determinar se o
comportamento é correto ou não. Se considerarmos o sentido prático, a
finalidade da Ética e da Moral são bastante semelhantes, pois ambas são
responsáveis por construir as bases que guiarão a conduta do homem,
determinando a forma de se comportar em determinada sociedade (SILVA,
2016). (CECHINEL, 2018)

Diante do exposto digo, pois, que a Ética trata de hábitos (virtudes), atitudes
(caráter) e ações, sendo que para identificarmos um comportamento ético em
um indivíduo, seria necessário também que identificássemos qualidades morais
indispensáveis para a presença do mesmo, entre as quais: Prudência,
temperança, coragem, fortaleza, justiça, generosidade, compaixão, humildade,
tolerância, misericórdia, fidelidade, solicitude e entusiasmo. (Almeida, 2013).

Neste sentido, idéia da Ética como uma ciência tem sido aceita por diversos
autores, muitos dos quais tomam o conceito de Vasquez (1992), o qual
considera a Ética como sendo a teoria ou ciência do comportamento humano,
tanto do indivíduo como da sociedade (Almeida, 2013).

O mesmo autor nos diz que a Moral, enquanto objeto da Ética, representa as
normas e recomendações quanto à conduta humana assimiladas pelo hábito
ou pela prática, as quais serão estudadas pela Ética. Portanto, a Ética, quando
no status de ciência, não pode ser confundida com as normas e
recomendações, mas, deve estudá-las, a fim de que possa incidir nas ações
morais, isto é, avaliar quando a conduta ou comportamento social de indivíduos
ou grupos de indivíduos é moral ou não. Desse modo, apesar dos conceitos
etimológicos tão próximos e do trato conjunto que quase sempre a Ética e
Moral têm, seus conceitos e funções são diferentes no que diz respeito à
conduta humana (VASQUEZ, 1992) (Almeida, 2013)..

Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes
ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para
todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e
com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo
possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de
uma classe social (Chaui, 2000: 436).

No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de


uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta,
problematize e interprete o significado dos valores morais. Podemos dizer, a
partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou
filosofia moral inicia-se com Sócrates (Chaui, 2000: 436).

A simplificação de conceitos pode produzir alguns equívocos. Sem querer


esgotar as semelhanças e as diferenças entre os conceitos de ética e de moral,
pretende-se, aqui, oferecer alguns elementos que favoreçam sua compreensão
mínima. É natural que as pessoas confundam “ética” como sinônimo de
“moral”. Isso porque, na origem, as expressões ética e moral significavam
quase a mesma coisa. Tanto moral – do latim, mos, moris – quanto ética – do
grego, éthos – queriam dizer hábitos e costumes (Siqueira, 2010: 20).

Ética- É uma ciência prática e normativa que estuda a moral, e determina o que
é bom e, a partir deste ponto de vista, como se deve agir. Ou seja, é a teoria ou
a ciência do comportamento moral. Na prática, agir eticamente, é agir de
acordo com os preceitos da moral instituída (Brasil, s/d).

Moral- Conjunto de costumes, crenças, valores e normas de uma pessoa ou


grupo social, que funciona como um guia para o trabalho, ou seja, que orienta
sobre o bem ou mal - certo ou errado - de uma ação. (Brasil, s/d).

Valores- Os valores são características morais que todas as pessoas possuem.


Servem ao indivíduo para orientar seus comportamentos e ações, na satisfação
de determinadas necessidades (Brasil, s/d)..

“A Moral ordena; a Ética aconselha. A Moral responde à pergunta: “o que devo


fazer?”; a Ética, à pergunta: “como devo viver?”.”  (Comte-Sponville/1998)
(Brasil, s/d)..~

Virtude associada à ética: GENEROSIDADE A virtude questiona normas e


regras guiadas pela generosidade. A generosidade procura dar ao outro mais
do que ele tem direito, isto é, dar a ele o que ele não teria direito pelas regras
da pura justiça, mas que a generosidade permite. 

Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como a cultura


e a sociedade definem para si mesmas o que julgam ser a violência e o crime,
o mal e o vício e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude.
Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou
indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e culturais da ação
moral. Conseqüentemente, embora toda ética seja universal do ponto de vista
da sociedade que a institui (universal porque seus valores são obrigatórios para
todos os seus membros), está em relação com o tempo e a História,

transformando-se para responder a exigências novas da sociedade e da


Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no
tempo. Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo
ético é ainda constituído por um outro elemento: os meios para que o sujeito
realize os fins. Costuma-se dizer que os fins justificam os meios, de modo que,
para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso
da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia (Chaui, 2000: 435).
.
Suponhamos uma sociedade que considere um valor e um fim moral a lealdade
entre seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso significa que a
mentira, a inveja, a adulação, a má-fé, a crueldade e o medo deverão estar
excluídos da vida moral e ações que os empreguem como meios para alcançar
o fim serão imorais (Chaui, 2000: 435).

No entanto, poderia acontecer que para forçar alguém à lealdade seria preciso
fazê-lo sentir medo da punição pela deslealdade, ou seria preciso mentir-lhe
para que não perdesse a confiança em certas pessoas e continuasse leal a
elas. Nesses casos, o fim – a lealdade – não justificaria os meios – medo e
mentira? A resposta ética é: não. Por quê? Porque esses meios desrespeitam
a consciência e a liberdade da pessoa moral, que agiria por coação externa e
não por reconhecimento interior e verdadeiro do fim ético. (Chaui, 2000: 435).
No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas
aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras,
fins éticos exigem meios éticos. A relação entre meios e fins pressupõe que a
pessoa moral não existe como um fato dado, mas é instaurada pela vida
intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para
as virtudes (Chaui, 2000: 435).

Ocorre que a língua grega, idioma mais rico em matizes que o latim e que o
português, oferece também outra grafia – êthos – significando caráter. Há uma
nuance histórica que deve ser considerada na diferenciação de uma expressão
da outra. Trata-se da influência da filosofia analítica em princípios do século
passado, induzindo a compreensão da “ética” como sinônimo de “filosofia
moral”. (Siqueira, 2010: 20).

Essa concepção vigora até os dias de hoje, sobretudo nos meios acadêmicos.
Ética seria o mesmo que filosofia moral, significando a parte da filosofia que
estuda o comportamento humano, do ponto de vista do bem e do mal (moral).
E a moral, por sua vez, significando o conjunto de normas, princípios e valores
que norteiam o comportamento das pessoas e da comunidade ou sociedade na
qual elas vivem. Segundo o filósofo espanhol, José Luís Lopez Aranguren
(1909 – 1996), a ética 21 corresponde à “moral pensada”. Enquanto a moral
propriamente dita corresponde à “moral vivida” (Siqueira, 2010: 20).

A ética apresenta pelo menos duas grandes divisões. Uma, voltada para os fins
que o ser humano busca alcançar com suas ações. Outra, que focaliza os
meios utilizados para alcançar os mesmos fins. No primeiro caso, tem-se a
teleologia (do grego, télos = fim). E, no segundo, a deontologia (do grego,
deontos = dever-ser). Os valores integram o conjunto dos fins buscados por
qualquer pessoa em sua ânsia de ser feliz, conforme já observado
anteriormente (dinheiro, poder, prazer, etc.). Haverá diferenças significativas
entre esses valores, dependendo da singularidade da história tanto pessoal
quanto social de cada indivíduo, contribuindo para a defesa de certo relativismo
moral. (Siqueira, 2010: 20).
Na mesma linha, diz Cortella: A ética é o conjunto dos seus princípios e
valores. Portanto, é muito mais do campo teórico. A moral é a prática, é o
exercício das suas condutas. Eu tenho uma conduta no dia-a-dia, chama-se
conduta moral. A ética são os princípios que orientam a minha conduta. Do
ponto de vista teórico, ética e moral não são a mesma coisa. Estão conexas.
Eu posso dizer que algo é imoral, mas não posso dizer que é aético. É imoral
quando colide com determinados princípios que uma sociedade tem.
(CORTELLA, 2003, p. 110). (Siqueira, 2010: 21).

Valor é aquilo que pode ser adjectivado como bom, desejável, digno de
imitação, verdadeiro, justo, responsável etc. Digo, por exemplo, que ser
honesto é bom. Portanto, a honestidade é, para mim, um valor. Ao contrário, a
desonestidade eu qualifico como um mal. Isso quer dizer, um contravalor. Digo
também que pensar nas gerações futuras, preservando o meio ambiente, é
uma atitude louvável, responsável, eticamente correta, e assim por diante. Ao
contrário, destruir o meio ambiente ou adoptar um estilo de vida que não leve
em conta o futuro da humanidade é agir de forma irresponsável e, portanto,
contrária à ética (Oliveira, 2012: 409).

A palavra ética vem do grego, éthiké, derivada de ta ethé, e a palavra moral


vem do latim, mores. Ta ethé e mores significam os costumes e os modos de
agir de uma sociedade. Na língua grega, ethos, e na latina, ingenium, é o
caráter, a índole ou o temperamento individual que deve ser educado para
conformar-se aos costumes definidos pela sociedade como corretos (Chaui,
2011: 379).

A ética é uma parte da filosofia que se dedica às coisas referentes ao caráter e


à conduta dos indivíduos e por isso volta-se para a análise de um conjunto de
ideias que são valores propostos por uma sociedade e para a compreensão
das condutas humanas individuais e coletivas, indagando sobre suas causas
ou motivos, seus sentidos, seus fundamentos e finalidades (Chaui, 2011: 379).

Para tanto, a ética se ocupa com a figura do agente ético e de suas ações e
atitudes, tendo como referência seus motivos e os valores conforme aos quais
uma ação ou uma atitude são consideradas eticamente corretas (Chaui, 2011:
379).
Toda moral é normativa, pois cabe-lhe a tarefa de inculcar nos indivíduos os
padrões de conduta, os costumes e valores da sociedade em que vivem, mas
nem toda ética precisa ser normativa. Uma ética normativa é uma ética dos
deveres e obrigações e se assemelha à moral; uma ética não-normativa é uma
ética que estuda as ações e as paixões humanas em vista da felicidade, e que
toma como critério as relações entre a razão e a vontade no exercício da
liberdade como expressão da natureza singular do indivíduo ético que aspira
pela felicidade. No entanto, quer a ética seja ou não normativa, não há ética
enquanto investigação filosófica se não houver uma teoria que fundamente as
ideias de agente ético, ação ética e valores éticos( Chaui, 2011: 379).

Sob essa perspectiva geral, podemos dizer que uma ética procura definir, antes
de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o conjunto de noções
(ou valores) que balizam o campo de uma ação que se considere ética (Chaui,
2011: 379).

O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e
consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que
faz, e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é
balizada pelas ideias de bom e mau, justo e injusto, virtude e vício, isto é, por
valores cujo conteúdo pode variar de uma sociedade para outra ou na história
de uma mesma sociedade, mas que propõem sempre uma diferença intríseca
entre condutas, segundo o bem, o justo e o virtuoso. Assim, uma ação só será
ética se for consciente, livre e responsável e só será virtuosa se for realizada
em conformidade com o bom e o justo (Chaui, 2011: 379).

A ação ética só é virtuosa se for livre e só será livre se for autônoma, isto é, se
resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a
uma ordem, a um comando ou a uma pressão externos. Como a palavra
autonomia indica, é autônomo aquele que é capaz de dar a si mesmo as regras
e normas de sua ação. Evidentemente, isso leva a perceber que há um conflito
entre ética e moral, ou seja, entre a autonomia do agente ético e a heteronomia
dos valores morais de sua sociedade: com efeito, esses valores constituem
uma tábua de deveres e fins que, do exterior, obrigam o agente a agir de uma
determinada maneira e por isso operam como uma força extrema que o
pressiona a agir segundo algo que não foi ditado por ele mesmo. Em outras
palavras, o agente não age em conformidade consigo mesmo e sim em
conformidade com algo que lhe é exterior e que constitui a moral de sua
sociedade. Enfim, a ação só é ética se a realização for de natureza racional, li-
vre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade
e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é
uma intersubjetividade e a intersubjetividades éticas são ações e a ética existe
pela e na ação dos sujeitos individuais e sociais, definidos por laços e formas
de sociabilidade criados também pela acção humana em condições históricas
determinadas (Chaui, 2011: 379).

Há a necessidade que a escola actue na formação ética e de personalidade


dos adolescentes, incentivando-os a manterem projectos solidários que tenham
como principal perspectiva o trato com respeito, responsável e solidário nas
suas relações interpessoais, o que significa valorizar e compreender a opinião
e escolhas de outrem, aceitando, sintonizando e dialogando com os demais. O
processo educativo deve priorizar a formação de valores através do
desenvolvimento da capacidade de escutar e da solidariedade os membros dos
grupos; através do comprometimento com o bem comum de todos e de cada
um, todos sendo responsáveis por todos. São necessárias reformas estruturais
que alterem a cultura do ter para uma cultura do ser a fim de que efectivamente
seja elevado o nível moral da sociedade (Monteiro, 2013: 84).
Para a ética, os fins buscados não justificarão os meios utilizados. Fins éticos exigirão a
adoção de meios também éticos, isto é, justos, válidos, coerentes com os valores que
pretendem alcançar. (siqueira, 2010:18).
Nenhum ser humano está programado para fazer o bem ou o mal. O ambiente em que
vive e a educação – tanto formal quanto informal – que recebe são 19
elementos que influenciam e condicionam a formação do seu caráter, mas não serão
determinantes. Será sempre possível identificar casos que comprovam essa tese.
Inúmeras pessoas que vivem em situações de extrema pobreza e marginalidade não
necessariamente terão que desenvolver um comportamento violento em seus
relacionamentos. Porém não se deve esperar ou exigir tanto da moralidade espontânea,
baseando-se apenas no caráter das pessoas, especialmente daquelas que integram o
serviço público (siqueira, 2010:18)..
Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os
valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de
nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada
e manipulada por outros. A ética é normativa exatamente por isso, suas normas visando
impor limites e controles ao risco permanente da violência (Chaui, 2000: 433).
.
Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que
determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos
comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e
ações segundo o critério do correto e do incorreto. Os juízos éticos de valor nos dizem o
que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que
sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o
bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e
comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral (Chaui, 2000:
431).

Segundo Goldim (2003) é importante saber diferenciar Ética e Moral. Estas áreas de
conhecimento se distinguem, porém têm grandes vínculos e até mesmo sobreposições
de conceitos. A Moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa ou conjunto de
pessoas, como uma forma de garantir a felicidade. A Moral independe das fronteiras
geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas
utilizam este mesmo referencial comum. Ainda para Goldim (2003) a Ética é o estudo
geral do que é bom ou mau e um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para
as regras propostas pela Moral. A ética é diferente da Moral, pois, não estabelece regras.
Esta reflexão sobre a ação humana é que a caracteriza. (CECHINEL, 2018: 11)-

Nota-se que os conceitos de Ética e Moral são dialéticos, construídos e desconstruídos a


todo instante, se transformando historicamente. Uma Moral que é considerada boa em
uma região e em determinado tempo, em outra pode ser considerada ruim, ou seja, é
fruto da cultura onde a pessoa está inserida. Não estamos aqui fazendo uma defesa do
relativismo Moral, apenas apontado questões que consideramos pertinentes para a
presente discussão.
De acordo com Carneiro A. (2016) na interação entre Ética e Moral não existe rigidez.
Os valores éticos são uma referência sobre o que devemos fazer, e não uma lei absoluta.
O binômio Moral e Ética é alvo de especulações sobre seus sentidos. Cotidianamente,
ambas são tratadas como sinônimos. Na presente seção procuraremos abordar dois
conceitos focando o que representam essas duas palavras, uma que herdamos do latim
(Moral) e outra do grego (Ética), “duas culturas antigas que assim nomeavam o campo
de reflexões sobre os costumes” (LA TAILLE, 2006a, p. 25). (CECHINEL, 2018: 11)-

1.2.4. Do ponto de vista sociológico

Do ponto de vista social, os valores podem ser considerados uma conquista


histórica que os seres humanos foram deduzindo no decorrer de sua própria
história, de suas experiências e das relações interpessoais, para depois
formulá-los de maneira categórica e com caráter de universalidade, indicando-
nos aquilo que deve ser, de acordo com Saviani (2002, p. 39): “Os valores nos
colocam diante do problema dos objetivos. Com efeito, um objetivo é
exatamente aquilo que ainda não foi alcançado, mas que deve ser alcançado.
A partir da valoração, é possível definir objetivos para a educação” (Almeida,
2013).

Esses objetivos são determinados pelas necessidades humanas, se levarmos


em consideração que, segundo o autor acima, a educação visa à promoção do
homem. Porém, é preciso cuidar para que o aprendizado significativo não seja
uma introjeção da ideologia dominante. Considerando que o discernimento dos
valores é um processo individual e que só quando a pessoa vivencia um valor é
que este de fato existe para ela, a atenção ao processo de valorização será
fundamental dentro de um enfoque abrangente da educação em valores. Não é
possível a valorização pessoal sem uma consciência de escolha livre e
comprometida, motivo pelo qual será tarefa básica e prioritária favorecer os
dinamismos da personalidade os quais levam à autonomia, à experiência de
ser pessoa (Almeida, 2013)

Ao dizermos que os valores refletem a personalidade dos indivíduos e são a


expressão do legado cultural, moral, afetivo, social e espiritual conferido pela
família, pela escola, pelos pares, pelas instituições e pela sociedade em que
vivem, devemos pensar numa educação voltada para atender às necessidades
impostas por essas instâncias. Uma educação que forneça subsídios para que
o cidadão saiba ter respostas plausíveis para os problemas que irá enfrentar no
seu dia a dia (SAVIANI, 2002). (Almeida, 2013).

Cabe ressaltar, contudo, que a escola não pode arcar sozinha com essa tarefa,
a família e a sociedade não se podem omitir, deixando a responsabilidade só
para a escola, nem a escola deve aceitar a tarefa da formação moral à margem
da realidade familiar e social. A educação, então, necessita ser baseada em
responsabilidades partilhadas, que exigem alta dose de compreensão,
interação, discernimento e colaboração (SAVIANI, 2002). (Almeida, 2013).

1.3. Evolução histórica sobre os valores morais e cívicos

A Moral sempre existiu, pois todo ser humano possui a consciência moral que o
leva a distinguir o bem do mal no contexto em que vive. A ética investiga e
explica as normas morais, pois leva o homem a agir não só por tradição,
educação ou hábito, mas principalmente por convicção e inteligência. Vásquez
(1998) diz que a Ética é teórica e reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente
prática. Uma completa a outra, havendo um inter-relacionamento entre ambas,
pois na ação humana, o conhecer e o agir são indissociáveis (Mehanna, s/d).

A educação moral não é uma ideia nova. É tão antiga quanto a própria
educação. Com efeito, a educação tem tido, e continua a ter, dois grandes
objectivos: (1) desenvolver a inteligência e os conhecimentos, e (2)
desenvolver a moral, dos alunos. São muitos os autores (Sócrates, Platão,
Dewey, Piaget, Kohlberg, Lickona, Kamii, entre outros) que consideram que a
autonomia moral e a autonomia intelectual constituem os objectivos
educacionais prioritários. Defendem que não só se devem formar cidadãos que
usem a sua inteligência em benefício dos outros, e de si próprios, mas,
também, que contribuam para a construção de um mundo mais justo
(Lickona,1991 citado por Marchand, s/d: 1).

Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no


Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. Percorrendo
praças e ruas de Atenas – contam Platão e Aristóteles -, Sócrates
perguntava aos atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os
valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. ?(Chaui, 2000:
438)

Que perguntas Sócrates lhes fazia? Indagava: O que é a coragem? O


que é a justiça? O que é a piedade? O que é a amizade? A elas, os
atenienses respondiam dizendo serem virtudes. Sócrates voltava a
indagar: O que é a virtude? Retrucavam os atenienses: É agir em
conformidade com o bem. E Sócrates questionava: Que é o bem? ?
(Chaui, 2000: 438)

Segundo Vázquez (1999) os valores são criações humanas e só existem


e se realizam para, no homem e pelo homem. Segundo o autor, os
valores também possuem uma objetividade, não sendo nem ideias
platônicas e nem a de objetos físicos. Trata-se de uma objetividade que
transcende o limite de um indivíduo ou de um grupo social. Nessa trilha o
autor relata que os objetos úteis não encarnam valores morais. Tais
valores existem unicamente em atos ou produtos humanos. Os atos
realizados consciente e livremente e pelo quais se lhes pode atribuir uma
responsabilidade moral. Um objeto não é intrinsecamente bom ou mau
(VÁSZQUEZ, 1999). (Cechenel, 2018).

As perguntas socráticas terminavam sempre por revelar que os


atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes
fora ensinado desde a infância. Como cada um havia interpretado à sua
maneira o que aprendera, era comum, no diálogo com o filósofo, uma
pergunta receber respostas diferentes e contraditórias. Após um certo
tempo de conversa com Sócrates, um ateniense via-se diante de duas
alternativas: ou zangar-se e ir embora irritado, ou reconhecer que não
sabia o que imaginava saber, dispondo-se a começar, na companhia
socrática, a busca filosófica da virtude e do bem. ?(Chaui, 2000: 438) Por
que os atenienses sentiam-se embaraçados (e mesmo irritados) com as
perguntas socráticas? Por dois motivos principais: em primeiro lugar, por
perceberem que confundiam valores morais com os fatos constatáveis
em sua vida cotidiana (diziam, por exemplo, “Coragem é o que fez fulano
na guerra contra os persas ”); em segundo l ugar, porque, inversamente,
tomavam os fatos da?(Chaui, 2000: 437).

vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes (diziam, por


exemplo, “É certo fazer tal ação, porque meus antepassados a fizeram e
meus parentes a fazem”). Em resumo, confundiam fatos e valores, pois
ignoravam as causas ou razões por que valorizavam certas coisas,
certas pessoas ou certas ações e desprezavam outras, embaraçando-se
ou irritando-se quando Sócrates lhes mostrava que estavam confusos.
Tais confusões, porém, não eram (e não são) inexplicáve is. (Chaui,
2000: 438).

Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos


comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos
(família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias
políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade,
que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos
por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Dessa
maneira, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos,
parecem ser naturais e intemporais, fatos ou dados com os quais nos
relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando
os seguimos, punidos quando os transgredimos? (Chaui, 2000: 438).

Sócrates embaraçava os atenienses porque os forçava a indagar qual a


origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam
praticar ao seguir os costumes de Atenas. Como e por que sabiam que
uma conduta era boa ou má, virtuosa ou viciosa? Por que, por exemplo,
a coragem era considerada virtude e a covardia, vício? Por que
valorizavam positivamente a justiça e desvalorizavam a injustiça,
combatendo-a? Numa palavra: o que eram e o que valiam realmente os
costumes que lhes haviam sido ensinados? (Chaui, 2000: 438)

Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos


costumes estabelecidos (ethos com eta: os valores éticos ou morais da
coletividade, transmitidos de geração a geração), mas também indagava quais
as disposições de caráter (ethos com epsilon: características pessoais,
sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou
a transgredir os valores da cidade, e por quê (Chauí,2000: 439).

Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas


interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela
costuma (ethos com eta) considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente
à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao
agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas
ações, se seu caráter ou sua índole (ethos com epsilon) são realmente
virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e
ao indivíduo (Chauí,2000: 439).

As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral, porque definem o


campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao
encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral . É sujeito
ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins
de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência
dos valores morais. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou
incapaz de virtude, pois quem sabe o que é o bem não poderá deixar de agir
virtuosamente (Chauí,2000: 439).

Se devemos a Sócrates o início da filosofia moral, devemos a Aristóteles a


distinção entre saber teorético e saber prático. O saber teorético é o
conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós
e sem nossa intervenção ou interferência. Temos conhecimento teorético da
Natureza. (Chauí,2000: 439).

O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de


nossa acção e, portanto, depende de nós. A ética é um saber prático. O saber
prático, por seu turno, distingue-se de acordo com a prática, considerada como
práxis ou como técnica. A ética refere-se à práxis (Chauí,2000: 439).

Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir são inseparáveis. Assim, por


exemplo, dizer a verdade é uma virtude do agente, inseparável de sua fala
verdadeira e de sua finalidade, que é proferir uma verdade. Na práxis ética
somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa. Ao
contrário, na técnica, diz Aristóteles, o agente, a ação e a finalidade da ação
estão separados, sendo independentes uns dos outros. Um carpinteiro, por
exemplo, ao fazer uma mesa, realiza uma ação técnica, mas ele próprio não é
essa ação nem é a mesa produzida pela ação. A técnica tem como finalidade a
fabricação de alguma coisa diferente do agente e da ação fabricadora. Dessa
maneira, Aristóteles distingue a ética e a técnica como práticas que diferem
pelo modo de relação do agente com a ação e com a finalidade da ação.
(Chauí,2000: 439).

Também devemos a Aristóteles a definição do campo das ações éticas. Estas


não só são definidas pela virtude, pelo bem e pela obrigação, mas também
pertencem (Chauí,2000: 439) àquela esfera da realidade na qual cabem a
deliberação e a decisão ou escolha (Chaui, 2000: 440).
.
Em outras palavras, quando o curso de uma realidade segue leis necessárias e
universais, não há como nem por que deliberar e escolher, pois as coisas
acontecerão necessariamente tais como as leis que as regem determinam que
devam acontecer (Chaui, 2000: 440).

Não deliberamos sobre as estações do ano, o movimento dos astros, a forma


dos minerais ou dos vegetais. Não deliberamos e nem decidimos sobre aquilo
que é regido pela Natureza, isto é, pela necessidade. Mas deliberamos e
decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e acontecer, depende de nossa
vontade e de nossa ação. Não deliberamos e não decidimos sobre o
necessário, pois o necessário é o que é e o que será sempre,
independentemente de nós. Deliberamos e decidimos sobre o possível , isto é,
sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser, porque para ser e acontecer
depende de nós, de nossa vontade e de nossa ação. Aristóteles acrescenta à
consciência moral, trazida por Sócrates, a vontade guiada pela razão como o
outro elemento fundamental da vida ética (Chaui, 2000: 441).

A importância dada por Aristóteles à vontade racional, à deliberação e à


escolha o levou a considerar uma virtude como condição de todas as outras e
presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. O prudente é
aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual a atitude e
qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias
escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e
realize o que é bom para si e para os outros. Se examinarmos o pensamento
filosófico dos antigos, veremos que nele a ética afirma três grandes princípios
da vida moral:
1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só
podem ser alcançados pela conduta virtuosa;
2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem
e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o
controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na
natureza de todo ser humano;
3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está
em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável
para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa,
principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos
instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e
nossa capacidade de autodeterminação (Chaui, 2000: 441).

O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos
desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua
consciência – que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional –
que conhece os (Chaui, 2000: 440). meios adequados para chegar aos fins
morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética (Chaui,
2000: 441).

A importância de contemplar na educação dos jovens uma dimensão política


que os preparem especificamente para a plena assumpção das suas
responsabilidades sociais e cívicas não é propriamente uma novidade das
actuais políticas educativas e constitui uma constante na matriz greco-latina do
pensamento educativo do Ocidente, de Platão e Aristóteles, aos nossos dias,
sempre presente, mas visibilizada principalmente em todos os momentos de
viragem histórica em que surgiram propostas políticas e pedagógicas
inovadoras (Silva,1999: 25).

Pedro d'Orey da Cunha, por exemplo, a propósito da formação do carácter e da


educação moral e política afirma que "a preocupação de saber como preparar
a juventude para a democracia é tão velha como a própria democracia.
Aristóteles e grande parte da tradição (...) pensavam que a melhor preparação
para a vida democrática adulta era a prática das virtudes; e as virtudes
aprendiam-se com homens virtuosos (Silva,1999: 25).

Seria no fim de uma longa aprendizagem, numa relação ideal mestre-discípulo,


que os jovens estariam então preparados para assumir as responsabilidades
do auto-governo. Em contraste, a moderna ideologia educativa tem vindo a
propor como evidência que a única maneira de preparar para a democracia é
transformar a vida de família e a vida escolar em democracias participativas. E
participando democraticamente nas comunidades em que se encontram,
pensa-se, que os jovens se preparam para assumir esse papel mais tarde
como adultos» (Silva,1999: 25).

Será de referir, como factores com directa implicação na pertinência da


«formação cívica», por um lado, a generalização da escolaridade obrigatória a
todas as camadas sociais e, por outro, as dificuldades que todos sistemas
educativos revelam em acompanhar as grandes transformações científico-
tecnológicas, sociais e políticas, com as necessários mudanças na escola,
conduziram a novas formulações acerca da importância de reintroduzir ou
acentuar a formação no domínio moral e cívico (Silva,1999: 27).

Na teoria conhecida como Psicologia Genética do psicólogo suíço Jean Piaget,


a inteligência não é inata, entretanto a gênese da razão, da afetividade e da
moral é feita progressivamente através de estágios sucessivos, onde a criança
organiza o pensamento e o julgamento. O saber é construído e não imposto de
fora. Nessa perspectiva, o desenvolvimento moral é concomitante ao
desenvolvimento lógico, com aspectos paralelos de um mesmo processo geral
de adaptação. Piaget escreveu o texto “Os procedimentos de Educação Moral”
em 1930, em que apresenta os resultados de suas pesquisas acerca da
construção da moralidade. Nesse texto, o autor defende a necessidade de se
educar moralmente e discorre sobre a importância do papel das relações
sociais (interação) nessa educação. Piaget diz que tanto as relações de
coacção como as de cooperação são importantes. 4 Num primeiro momento, a
coacção se faz necessária para que a criança conheça as regras e tenha
noções sobre o bem e o mal, o certo e o errado (Mahenna,s/d).

Estudando a construção da moralidade infantil, descobriu que o


desenvolvimento das crianças mostra duas tendências basicamente opostas de
moral: “ a moral do dever ”, ou heteronomia, onde uma criança segue as regras
fixadas pelas autoridades que a rodeiam (pais, irmãos mais velhos, etc) e as
obedece por temor à perda de afeto ou ao castigo; é uma moral fruto de um
tipo de relação social em que predomina o respeito unilateral e que Piaget
chamou de coação; e a “moral do bem”, ou autonomia, resultado da formação
na qual a criança pode se ver cada vez mais livre de autoridades e capaz de
construir normas entre iguais. É necessário e inevitável que a criança passe
pela fase da heteronomia, de obediência à autoridade, para que, depois, o
espírito de cooperação possa ser construído, através do respeito mútuo e da
reciprocidade. O objetivo da educação moral, portanto, é a de auxiliar a criança
em construir sua autonomia (Mahenna,s/d).

A educação moral, para Piaget, não constitui uma matéria especial de ensino,
mas um aspecto particular da totalidade do sistema, dessa maneira, as
crianças e os jovens não devem ter “aulas” de educação moral, mas vivenciar a
moralidade em todos os aspectos e ambientes presentes na escola. Nesse
sentido, os trabalhos em grupo são uma atividade facilitadora para a
construção da autonomia, pois as crianças, ao trabalharem juntas, podem
trocar pontos de vista, discutir, ganhar em algumas idéias e perder em outras,
enfim, podem exercer a democracia. Do ponto de vista de Piaget, educar
moralmente, é proporcionar à criança situações onde ela possa vivenciar a
cooperação, a reciprocidade e o respeito mútuo e assim, construir a sua
moralidade (Mahenna,s/d).

1.1.1. Teoria sociomoral de Kolberg

Lawrence Kohlberg é um pesquisador norte-americano que desde cedo


interessou-se pelo estudo do desenvolvimento moral. Esse interesse surgiu
ainda durante o seu curso de graduação, ao estudar a teoria psicanalítica
quanto à formação do super ego, em comparação com o trabalho de Piaget.

Não satisfeito com o enfoque de teoria psicanalítica e das teorias de


aprendizagem social para explicar a socialização Kohlberg dedicou-se ao
estudo do desenvolvimento moral, tendo redefinido os estágios de julgamento
moral propostos por Piaget (Fini, 1991: 59).

Kohlberg (1992) sugere que há três níveis de raciocínio moral, em que cada
nível pode ser subdividido em dois, perfazendo um total de seis estágios.
Baseando – se em Fini (1991) em linhas que se seguem analisam – se
sumáriamente:

1 - Nível pré-convencional

De acordo com esta teoria este nível é característico da maioria das crianças
até por volta dos 9 anos de idade, baseado em necessidades individuais. Neste
nível a criança responde à regras culturais e rótulos de bom e mau, certo ou
errado, mas interpreta estes rótulos em termos das conseqüências físicas ou
hedonistas da acção (punição, prêmio) ou em termos do poder físico daqueles
que mandam. Este nívem compreende os seguintes os estágios:

Estágio 1 – Orientação para a punição e a obediência:


Ainda de acordo com Fini (1999), neste estágio entende – se o sujeito
moralmente correcto é aquele que não é punido; as conseqüências físicas da
acção determinam o julgamento moral dessas ações. Por exemplo: se um acto
recebeu castigo, então foi um acto moralmente mau. Se recebeu prêmio, foi
moralmente bom.

Estágio 2 – Hedonismo Instrumental Relativista

Conforme o autor acima referido, neste estágio a acção moralmente correcta é


baseada em termos do prazer ou da satisfação das necessidades da pessoa.
Aqui, as acções moralmente correctas consistem naquelas que satisfazem
instrumentalmente as necessidades da própria pessoa e ocasionalmente de
outras. A reciprocidade é vista em termos de «uma mão lava a outra» e não em
termos de lealdade, gratidão ou justiça. Essencialmente, se uma ação me dá
prazer, ou satisfaz uma necessidade minha, então ela é moralmente correcta.

II) Nível convencional:

Em harmonia com o autor que vem sendo citado, este nível é baseado no
desempenho correcto de papéis e no atendimento de expectativas. Assim,
manter as expectativas da família, do grupo, ou da nação é considerado valioso
em si mesmo, sem se levar em conta outras consequências óbvias e imediatas.
A atitude não apenas revela conformismo à ordem social, mas envolve também
um engajamento activo em manter essa ordem social e justificá-la. Este nível
subdividem – se em:

Estágio 3 – Moralidade do bom garoto, de aprovação social e relações


interpessoais:

De acordo com Kolberg referido Fini (1999), entende – se que o


comportamento moralmente certo é pautado na aprovação do outro;
moralidade do bom-garoto, de manter boas relações.

Ainda conforme o citado autor, o bom comportamento é aquilo que agrada aos
outros ou ajuda aos outros e recebe aprovação. Há muito conformismo a
noções estereotipadas do que é «natural» ou «de se esperar». Assim, o
comportamento é frequentemente julgado de acordo com a intenção. A idéia de
«a intenção foi boa» pela primeira vez se torna importante na avaliação de um
comportamento. Ganha-se aprovação por «ser bonzinho»

Estágio 4 – Orientação para lei e ordem:

Este estágio refere – se ao grande respeito que existe pela autoridade, por
regras fixas e pela manutenção da ordem social. Entende – se que se deve
cumprir o dever. Esta é a orientação para «a lei e a ordem». Apela – se que
haja um grande respeito à autoridade, a regras fixas e à manutenção da ordem
social. O comportamento moralmente correcto consiste em cumprir o dever,
mostrar respeito pela autoridade e manter a ordem social vigente.

III) Nível pós-convencional

Fini (1999) destaca que neste nível relaciona – se a moralidade por princípios
universalizantes. Consequentemente, há um esforço nítido para definir valores
morais e princípios que tenham validade e aplicação independente da
autoridade. Os estágios subjacentes a este nível são os que abaixo se seguem:

Estágio 5 – Orientação para o contrato social:

Para este estágios, ao contrário da anterior, as leis não são consideradas


válidas pelo mero facto de serem leis, mas admite - se que elas podem ser
injustas e, consequentemente, devem ser mudadas. Moralidade do contracto
social e de lei democraticamente aceite.

Conforme o autor que tem vindo a ser referenciado, neste estágio, os


comportamentos correctos são definidos em termos de direitos individuais
gerais e de padrões que foram criticamente examinados e aprovados pela
sociedade como um todo. Há uma consciência de relativismo de valores
pessoais e opiniões e uma ênfase correspondente nos métodos para atingir
esse consenso.

Estágio 6 – Princípios universais de consciência:

Trata – se do último estágio em que, de acordo com Kadooka, Lepre e


Evangelista (2015), o indivíduo reconhece os princípios morais universais da
consciência individual e age de acordo com eles. Note – se que, neste estágio,
se as leis injustas não puderem ser modificadas o indivíduo resiste ao invés de
se conformar com o poder estabelecido e com a autoridade.

Como se pode verificar, neste estágio o «certo» é definido por uma decisão de
consciência individual, isto é, de acordo com princípios éticos escolhidos pela
própria pessoa, princípios esses que apelam para a lógica, a universalidade e a
consistência (Braghirolli et al. 1995: 157).

Lawrence Kohlberg dominou os estudos sobre desenvolvimento moral nas


últimos tempos. Estudou a moralidade do ponto de vista cognitivista, assim
como Piaget. Esse autor iniciou publicamente seus trabalhos sobre julgamento
moral com sua defesa de tese de doutorado em 1958, na Universidade de
Chicago, intitulada "O desenvolvimento dos modos de pensamento e opção
moral entre dez e 5 dezesseis anos", tendo alguns anos depois se fixado na
Universidade de Harvard, até sua morte em 1987, aos 59 anos de idade. Criou
a teoria dos estágios morais, pois acreditava que o nível mais alto da
moralidade exige estruturas lógicas novas e mais complexas do que as
apresentadas por Piaget. Assim, segundo o autor, existem três níveis de
moralidade. (Mahenna,s/d).

O primeiro chamou de nível pré-convencional que se caracteriza pela


moralidade heterônoma, onde “as regras morais derivam da autoridade, são
aceitas de forma incondicional e a criança obedece a fim de evitar castigo ou
para merecer recompensa“ (Aranha e Martins, 2003, p.311). O indivíduo deste
estágio, define a justiça em função de diferenças de poder e status, sendo
incapaz de diferenciar perspectivas nos dilemas morais. Há neste nível um
segundo estágio, o qual Kohlberg, chamou de moralidade de intercâmbio, pois
inicia-se o processo de descentração, possibilitando ao indivíduo perceber que
outras pessoas também tem seus próprios interesses, porém a moral ainda
permanece individualista, fazendo com que estabeleça trocas e acordos
(Mahenna,s/d).

O segundo nível, foi chamado de nível convencional, o qual valoriza-se o


reconhecimento do outro e inclui dois estágios: o da moralidade da normativa
interpessoal e o da moralidade do sistema social. No primeiro começa-se a
seguir as regras para assim garantir um bom desempenho do papel de "bom
menino" e de "boa menina", percebe-se uma preocupação com as outras
pessoas e seus sentimentos. Já no segundo estágio, o indivíduo "adota a
perspectiva de um membro da sociedade baseada em uma concepção do
sistema social como um conjunto consistente de códigos e procedimentos que
se aplicam imparcialmente a todos os seus membros" (Diáz-Aguado e
Medrano, 1999, p. 31). (Mahenna,s/d).

O terceiro nível foi chamado de nível pós-convencional, considerado por


Kohlberg, como o mais alto da moralidade, pois o indivíduo começa a perceber
os conflitos entre as regras e o sistema, o qual foi dividido entre o estágio da
moralidade dos direitos humanos e o estágio dos princípios éticos universais.
Neste nível, os comportamentos morais passam a ser regulados por
princípios,"os valores independem dos grupos ou das pessoas que os
sustentam, porque são princípios universais de justiça: igualdade dos direitos
humanos, respeito à dignidade das pessoas, reconhecimento de que elas são
fins em si e precisam ser tratadas como 6 tal. Não se trata de recusar leis ou
contratos, mas de reconhecer que eles são válidos porque se apoiam em
princípios" (Aranha e Martins, 2003, p. 312). (Mahenna,s/d).

Os alunos podem entender um nível mais alto de julgamento moral desde que
alguém os explique.Todo indivíduo é potencialmente capaz de transcender os
valores da cultura em que ele foi socializado, ao invés de incorporá-las
passivamente. Este é o ponto central na teoria de Kohlberg e que representa a
possibilidade de um terreno comum com teorias sociológicas cujo objetivo é a
transformação da sociedade. O pensamento pós convencional, enfatizando a
democracia e os princípios individuais de consciência, parece essencial à
formação da cidadania (Mahenna,s/d).

Piaget (1932/1994) considera que os seres humanos se tornam morais por um


processo de construção, isto é, não nascem sabendo avaliar o que é certo ou
errado, o que é o bem ou o mal: a capacidade de avaliar se desenvolve ao
longo do processo de socialização. Nesse processo, os indivíduos passam da
anomia para a heteronomia, podendo alcançar a autonomia. Na anomia, a
criança ainda não adentrou o universo moral, isto é, ela apresenta apenas
hábitos de conduta. Por sua vez, na heteronomia, a moral começa a fazer parte
dos valores dos sujeitos, predominando o respeito unilateral e as relações de
coação. Por fim, na autonomia, a criança não mais julga o correto com base
nas prescrições dos adultos, mas em acordos mútuos e princípios universais.
Em outras palavras, Piaget (1932/1994) afirma a existência de duas morais - a
heteronomia e a autonomia -, as quais se caracterizam como tendências pelas
quais o sujeito pensa a moral (Alencar, 2014).

Durante o desenvolvimento moral os dois tipos de respeito, o unilateral e o


mútuo, são sentimentos importantes para a aquisição das noções morais
(Piaget, 1932/1994). Assim, ambos são relevantes para esse desenvolvimento,
257 isto é, para que o indivíduo chegue à prática do respeito mútuo, é
importante a vivência do respeito unilateral. (Alencar, 2014).

Posto isso, podemos perguntar: o que é uma EVM? Conforme Piaget


(1930/1996), não se pode falar em moral sem falar em educação, que significa,
no sentido geral do termo, tudo aquilo “[...] que se sobrepõe à constituição inata
do indivíduo” (p. 3). De acordo com Müller e Alencar (2012), a EVM é “o
processo pelo qual os valores deixam de ser leis impostas por agentes
externos e convertem-se em diretrizes internas, legitimadas pela própria
pessoa” (p. 56). Assim, entendemos a EVM como o processo de
desenvolvimento que consiste na construção da moralidade por parte dos
indivíduos. (Alencar, 2014).

No que diz respeito aos objetivos desse tipo de formação, Piaget (1930/1996)
considera que sejam os que levam a constituir personalidades autônomas. Por
sua vez, Araújo (2000) aponta que devem ser os que propiciem aos sujeitos as
ferramentas necessárias à construção de sua competência cognitiva, afetiva,
cultural e orgânica, de forma a torná-los capazes de agir moralmente (Alencar,
2014).

Ainda no que tange aos objetivos da EVM, Puig (2007) defende que a
formação moral deve proporcionar aprendizagens éticas, ou seja, deve
possibilitar ao sujeito aprender a viver: aprender a ser, aprender a conviver,
aprender a participar e aprender a habitar o mundo. Aprender a ser (autoética)
significa construir uma ética pessoal, uma ética de si mesmo, que inclui a
formação de um pensamento autônomo e crítico que torne o indivíduo capaz
de construir os próprios critérios de conduta. Aprender a conviver (alterética)
equivale à tarefa formativa para superar a tendência à separação e contribuir
para que os indivíduos estabeleçam vínculos pessoais baseados na
compreensão do outro. Por sua vez, aprender a participar (socioética) é
aprendizagem da vida em comum, é trabalhar por uma ética que torne os
indivíduos cidadãos ativos, participativos. Finalmente, aprender a habitar o
mundo (ecoética) é a proposta de um trabalho educativo reflexivo sobre a
responsabilidade pelo planeta, pela humanidade (Alencar, 2014).

Vistos os objetivos da EVM, passemos agora aos ambientes onde ela pode
ocorrer. Diversos espaços sociais são apontados, como a escola, a família e
outros. No tocante à escola, alguns autores (Araújo, 2000, 2001, 2007; Delors,
1996; Dias, 2005; Goergen, 2007; Kohlberg, 1992; La Taille, 2009; Menin,
1996; Piaget, 1930/1996; Puig, 2007) ressaltam a importância desse contexto
para a formação em EVM. Por outro lado, a família também é um importante
espaço. Dessen e Polonia (2007) destacam a relevância da família e da escola
como contextos de desenvolvimento humano em que todos trabalham em
conjunto para facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento dos indivíduos.
(Alencar, 2014).

Além de acontecer em diferentes espaços sociais, a EVM pode abordar


distintos graus de consideração: a si mesmo, ao outro e à sociedade. Tais
aspectos estão diretamente relacionados aos conceitos de moral e ética
discutidos anteriormente, pois, conforme ensina Ricoeur (1990), a ética pode
ser concebida como vida boa para si ou vida boa com e para o outro em
instituições alicerçadas na justiça. Análises das considerações sobre os
referidos níveis podem ser encontradas nos trabalhos de Miranda (2007) e
Andrade (2012). (Alencar, 2014).

Como nossa pesquisa enfocou o ambiente escolar, passemos, então, para as


possibilidades de procedimentos propostas para a EVM no que tange ao
contexto em questão. Piaget (1930/1996) aponta dois caminhos fundamentais
para a educação que vise à autonomia moral: 1- não impor à criança aquilo que
ela tem a capacidade de descobrir por si; e 2- criar situações que permitam a
ela compreender a necessidade e as razões das regras. Ora, essas situações
de descoberta das razões e necessidade das regras podem ser as mais
variadas na escola. De acordo com Piaget (1930/1996), as atividades escolares
em grupo são as mais indicadas para a construção moral, pois é nelas que a
cooperação é mais provocada. (Alencar, 2014).

Em seu texto Procedimentos da Educação Moral, Piaget (1930/1996) destaca


que os métodos podem ser classificados de diferentes formas, uma das quais é
a classificação quanto à técnica. Nesse domínio, Piaget (1930/1996) ressalta
que podemos considerar três aspectos: “[...] conforme sejam fundamentados
sobre tal e qual tipo de respeito ou relações interindividuais, conforme se
utilizem de diferentes maneiras de ensino oral e conforme eles recorram ou não
à própria ação da criança” (p.10). (Alencar, 2014).

1.4. Importância da observância dos valores morais e cívicos numa


determinada sociedade

É preciso, também, entender que a educação em valores é um processo que


mantém relação direta com os aspectos especificamente humanos do
indivíduo. Educar é ajudar o desenvolvimento e a afirmação do caráter próprio
da humanidade e de cada indivíduo. A pessoa educa-se à medida que se torna
consciente de si mesma e responsável por si mesma.(Almeida, 2013).

Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é,
aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e
proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças,
mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das
condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso
responsável por suas ações e seus sentimentos e pelas conseqüências do que
faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da
vida ética (Chaui, 2000: 433)..

A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar


diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de
lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações
pessoais,as exigências feitas pela situação, as conseqüências para si e para os
outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para
alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou
de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto). (Chaui, 2000: 433).

A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que


exerça tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não
pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos
instintos e às paixões, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas
(Chaui, 2000: 433).

O campo ético é, assim, constituído pelos valores e pelas obrigações que


formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes. Estas são
realizadas pelo sujeito moral , principal constituinte da existência ética. O
sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as
seguintes condições (Chaui, 2000: 434):

? ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de


reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;

? ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar


desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em
conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir
entre várias alternativas possíveis;

? Ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos


e consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas
consequências, respondendo por elas;

? ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus
sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que
o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade
não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para
autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta .

Quando éramos pequenos, nossos pais sabiam muito bem quais valores
deveriam nos ensinar: ser honestos, verdadeiros, procurar fazer sempre o bem
etc. O que era o bem ou o mal pareciam estar bem definidos e ninguém tinha
dúvida sobre os valores morais. Hoje, contudo, nós que crescemos e somos
pais e mães, nos sentimos por vezes perdidos. Vivemos, sem dúvida, um
momento de crise ética. O que significa dizer que vivemos um momento de
crise de valores? Em primeiro lugar, refere-se a uma mudança cultural que está
redefinindo os valores de nossa sociedade. (Chaui, 2000: 434):

Para a autora, está ocorrendo mudanças evidentes nos valores morais, pela
falta de qualidade na mídia televisiva efetivamente integrada aos lares e
relações familiares, pela ausência de valores a serem perpetuados pela família,
pelas alterações culturais e econômicas resultando em ‘valores em crise’ que
precisam ser trabalhados (Monteiro, 2013: 86).

A crise de valores se expressa na confusão entre o bem e o mal, o certo e o


errado, o justo e injusto. Em outras palavras, é a confusão entre valor e contra-
valor. Os valores são produtos culturais, sujeitos às variações do tempo e do
espaço. Sempre que uma determinada cultura decide eleger alguma atitude
(porque o campo da ética é o campo das atitudes) como valor, estabelece-se o
contra-ponto com a atitude oposta. Assim, à atitude positiva de respeito à vida,
por exemplo, contrapõem-se a morte e a violência. Quanto mais clara fica a
oposição entre os dois pontos, mais força tem o valor ético estabelecido. Onde
reside, então, a confusão de valores? Parece-nos que ela nasce da
aproximação dos pólos antagónicos: em nosso tempo, por exemplo, vida e
morte convivem numa quase perfeita harmonia. (Oliveira, 2012: 422).

A família, a escola, a religião e o Estado, na opinião de Marx, são as principais


instituições que cuidam de nos dizer o que devemos e o que não devemos
fazer. As leis, os princípios religiosos, os códigos morais e as lições escolares
formam o caráter das pessoas de modo a fazerem corresponder ao padrão
moral adotado, ou seja, à ideologia dominante (Oliveira, 2012: 421).

Para muitos, essa redefinição pode parecer um fato comum e, talvez, sem
grandes consequências. Porém, creio que se trata de algo muito grave a que
devemos dar atenção. Em nossa opinião, trata-se de uma crise profunda, ou
seja, de uma crise que muda o nosso modo de ser e de se posicionar diante da
vida. Em termos gerais, pode-se dizer que a crise ética de nosso tempo
corresponde a uma inversão de valores e não a uma ausência de valores
(Oliveira, 2012: 421).

Pensemos um pouco: se antes os interesses comuns e coletivos eram mais


importantes do que os interesses privados, a sociedade mostra que hoje o que
realmente importa é a vida de cada um. Houve não a eliminação de um valor,
mas sua substituição por outro: o interesse público deu lugar aos interesses
pessoais que, não raras vezes, se deixam levar pelo egoísmo. Houve, portanto,
uma inversão de valores (Oliveira, 2012: 421).

Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência


essencial, qual seja, a diferença entre passividade e atividade. Passivo é
aquele que se deixa governar e arrastar por seus impulsos, inclinações e
paixões, pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo
medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo sua própria
consciência, vontade, liberdade e responsabilidade (Chaui, 2000: 434).

Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus


impulsos, suas inclinações e suas paixões, discute consigo mesmo e com os
outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como
devem ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores
aos existentes, avalia sua capacidade para dar a si mesmo as regras de
conduta, consulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração
pelos outros sem subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde
pelo que faz, julga suas próprias intenções e recusa a violência contra si e
contra os outros. Numa palavra, é autônomo (Chaui, 2000: 434).

1.5. Acerca dos valores morais e cívicos em angola

a) A violência passou a ser vista como algo normal e aceitável. De fato, se


pensarmos bem, convivemos, diariamente, com índices cada vez mais
elevados de violência. No cinema e na televisão, as cenas de violência são
cada vez mais explícitas. Convivemos tanto com essas imagens que nos
tornamos, aos poucos, indiferentes. Quem de nós se assusta ao ver um corpo
humano destruído por uma bomba? Quem fica chocado com cenas de
violência urbana, assaltos, assassinatos, crimes passionais? Quem deixa de
dormir por causa dos frequentes sequestros que ocorrem todos dias nas
grandes cidades? Nós nos acostumamos com a violência: ela parece normal.
Até mesmo os desenhos animados (aparentemente inofensivos e inocentes)
trazem uma carga elevada de mensagem em favor da violência. Também os
jogos eletrônicos trazem diversas opções para brincar de matar, brincar de
fazer guerra etc.

b) Outro exemplo da inversão de valores: a corrupção parece ter virado moda


em nosso país. A injustiça tornou-se regra comum em muitos setores da
sociedade. O cenário político do país, os escândalos que derrubam deputados
e ministros, a generalização da corrupção mostram que as pessoas passaram
a dar mais valor aos seus interesses pessoais do que à honra, à dignidade e ao
respeito pela população. O individualismo e o egoísmo parecem imprimir
profundamente suas marcas em cada um de nós: cada um por si e Deus por
todos parece ser a regra de ouro, o princípio moral que orienta, nesses tempos
de crise, as nossas escolhas (Oliveira, 2012: 424).

c) Ainda outro exemplo concreto desse quadro de inversão de valores é a


busca do prazer. Isso parece ser a única coisa que de fato interessa. Assim, os
relacionamentos tornaram-se descartáveis: ficar passou a ser uma forma de
relação na qual se tem direito a tudo e não se tem dever de nada. Interessa
apenas curtir. Não há respeito nem responsabilidade. E quem fala desses
valores é taxado de antiquado e careta. Vivemos na cultura do hedonismo10,
isto é, do culto do prazer e da satisfação imediata de nossos desejos. Nada
mais interessa senão o conforto (temos controle remoto para tudo) e o que
exige menos esforço (tudo o que é dever ou obrigação passou a ser visto com
maus olhos). Para alguns, jogar o lixo na rua é mais fácil do que procurar o
lugar adequado! Isso é um exemplo típico de atitude hedonista (Oliveira, 2012:
424).

d) Quanto à questão da sustentabilidade, veja-se também que ocorrem muitas


situações de inversão de valores: no que diz respeito à sustentabilidade
social11, por exemplo, percebe-se que a acumulação de renda e de patrimônio
nas mãos de poucos é um 424 falso valor, que vai na contramão da equidade
na distribuição de renda e no esforço de diminuição das diferenças sociais.

e) Há muitos outros exemplos a serem analisados: a impunidade prevalece em


quase todos os âmbitos da vida social; ser esperto passou a ser mais
importante do que ser honesto; a palavra dada pouco significa; ser uma pessoa
de bem é coisa do passado; pensar nos outros é coisa antiquada; o bem
individual está acima do bem comum; matamos crianças inocentes antes de
nascerem; matamos de fome milhões de pessoas por ano enquanto fortunas
são gastas na indústria da guerra e da corrupção política (Oliveira, 2012: 425).

Garantir a "formação cívica e moral dos jovens" é contribuir para o seu


desenvolvimento cognitivo e moral, levando à interiorização de valores morais
e espirituais, mas é também uma aquisição de competências de vida nas áreas
da saúde, da ecologia, do consumo, etc, o que exige a concretização desses
valores e competências em comportamentos apropriados (Cunha, 1993).

A conclusão dos autores foi de que não há uma falência nos valores morais; há uma
mudança na forma como estão sendo vivenciados, inclusive como estão se dando as
relações interpessoais. Justamente por entender a contemporaneidade deste tema que os
interlocutores percebem que os valores devem ser objeto permanente de reflexão e
trabalho da escola como um todo, visando uma educação para a autonomia e moral nas
escolas, priorizando os aspectos como dignidade, solidariedade, respeito mútuo, justiça,
de modo que as aprendizagens sejam vivenciadas, exploradas, discutidas e reflectidas
(Monteiro, 2013).

1.6. A constituição e os valores morais e cívicos


1.7. A prática social angolana

Ryan propõe que a escola deverá proclamar sem receio os valores adultos
consensuais da comunidade, tais como: a honestidade, a justiça, a
solidariedade com os mais fracos, a responsabilidade pelo ambiente, etc.,
assim como deve claramente transmitir o repúdio radical da violência, dos
comportamentos destrutivos, da promiscuidade sexual, etc., assumindo--se
como referência da própria comunidade e como espaço de cidadania activa
(Silva,1999).
Considere-se o seguinte elenco de valores: cortesia, respeito, boa-fé, gratidão,
honestidade, integridade, generosidade, solidariedade, justiça e fraternidade.
Pouca gente declararia publicamente sua discordância quanto à sua validade e
importância. No entanto, e na prática, é possível verificar o descaso social com
relação à sua aplicação. Tomemos como exemplo o comportamento das
pessoas no trânsito, o maior e mais sistemático exemplo de desrespeito à vida
e às pessoas. Portanto, da chamada “crise de valores”. O discurso ético de
muitos nem sempre coincidirá com sua atitude como condutores. Seu veículo
termina sendo uma arma. Adeus à cortesia, com relação aos demais
motoristas, e ao respeito, com relação aos pedestres, que dificilmente
conseguem atravessar a rua, sequer na faixa que lhes é reservada (Siqueira,
2010: 11).

A frequência com que se reclama da ausência de ética, ou – o que dá no


mesmo – da presença de uma sistemática crise dos valores morais, passa, na
verdade, outra mensagem: a de que há, ainda, um número significativo de
pessoas que traz dentro de si uma profunda indignação moral diante das
injustiças, como prova de sua sensibilidade ética e moral. Enquanto a
sociedade for capaz de se indignar diante das sucessivas injustiças com as
quais se depara, não estará totalmente desorientada do ponto de vista de sua
moralidade. “As manifestações de inconformidade, de insatisfação, de 12 não-
aceitação explícita, de impossibilidade de participar, tudo isso são mudanças”
(SANTOS, p. 168). (Siqueira, 2010: 11).

Numa situação de opressão, o indivíduo impreparado e habituado apenas a


obedecer a ordens, não possui, na transição para a democracia, os recursos
cognitivos, emocionais e axiológicos que o capacitem para a promoção da sua
própria autodisciplina. É incapaz de decidir livremente, com convicção moral e
cívica, pois faltalhe conhecimentos e competências para agir de forma
responsável. (Zau, 2015).

Numa sociedade em transição para a democracia, estando os cidadãos isentos


de uma Educação par o Desenvolvimento, carente de valores, passa a reinar,
contrariamente ao “comos”, a tendência para a anomia, a desordem e o “caos”.
Para além da instrução e formação, falta-lhes trabalho educacional (em sentido
restrito) e as instituições escolares e académicas, se tornam incapazes de
cumprir integramente com o seu papel social para a qual foram criadas (Zau,
2015).

1.8. A disciplina de EMC como forma de contribuir para o


desenvolvimento integral da pessoa humana

A situação atual lança uma reflexão sobre nossas concepções a respeito dos
valores; sobre o lugar que a educação em valores ocupa em nossas propostas
e em nossos projetos educativos e familiares; sobre os enfoques da educação
moral que adotamos e influenciam a orientação escolar e familiar. Podemos
afirmar até que a preocupação com a educação em valores e com a educação
voltada para a formação ética tornou-se universal e está presente em todos os
âmbitos da vida humana (Almeida, 2013)

Numa sociedade em transformação, como esta que se apresenta no século 21,


a educação em valores é decisiva para a formação do sujeito futuro e do
próprio futuro. E, como o que se presencia nos dias atuais é uma profunda
crise de valores, educar em valores surge como uma exigência permanente,
provocada pela cultura da modernidade que apresenta uma necessidade
urgente de uma educação voltada para o ensinamento dos valores morais.
(Almeida, 2013)

A importância da educação no momento atual é cada vez maior e mais


urgente, sua influência se faz sentir cada dia com mais intensidade no
desenvolvimento do ser humano. Esta necessidade provém da conscientização
do ser humano quanto a sua responsabilidade e dignidade; por outro lado, o
progresso da técnica e os meios de comunicação social oferecem às pessoas a
oportunidade de se dedicarem a cultivar os valores da inteligência, da vontade,
da cultura, além daqueles valores éticos e morais. Acredita-se que a educação
em valores é um processo que mantém relação direta com os aspectos
especificamente humanos do indivíduo. Educar é ajudar o desenvolvimento e a
afirmação do caráter próprio da humanidade e de cada indivíduo. A pessoa
educa-se à medida que se torna consciente de si mesma e responsável por si
mesma. Mas essa tarefa, que só ela pode realizar, não pode ser efetivada sem
a assistência alheia. (Almeida, 2013)

Por sua vez Saviani (2002, p. 35) destaca que toda e qualquer “reflexão sobre
os problemas educacionais inevitavelmente nos levará à questão dos valores”.
A vinculação dos valores com a educação é um tema bastante referendado nas
ciências da educação, já que os valores estão efetivamente incluídos na
problemática relacionada aos fins da ação educativa. Pelo lugar que ocupam
na realização da pessoa e no desenvolvimento da personalidade humana, os
valores são considerados de maneira central e sistemática na ação educativa
(Almeida, 2013).

No campo das ciências da educação, hoje em dia não se questiona mais se


existe relação entre educação e valores ou se é preciso educar em valores,
pois ninguém pode viver sem valores, e tampouco é possível educar sem eles.
Pode-se dizer, então, que nenhuma educação é possível sem que a noção de
valores seja central nela e nenhum projeto educativo pode ser realizado sem
que um plano de educação em valores ocupe um lugar central. Trata-se, pois,
de uma tarefa que deve ser realizada, de acordo com o autor acima (Almeida,
2013).

Porém, se a questão girar em torno de ‘Em que valores educar?’


inevitavelmente remete-nos à questão: ‘que tipo de ser humano se deseja
formar?’, sim, pois a escolha de um ou de outro valor determinará
personalidades diferentes. A resposta a essa pergunta representaria uma
opção ideológica entre as diversas teorias antropológicas, que oferecem um
mundo extremamente complexo de idéias, impossível de sintetizar. (Almeida,
2013)..

Há, desde as duas últimas décadas, um certo consenso - nos cidadãos, nas
famílias, nos partidos da maior parte dos países - quanto à necessidade de que
a escola desempenhe um papel mais activo no desenvolvimento dos valores
nos alunos. Esta tendência está claramente manifesta nas conclusões da Iª
Conferência Este-Oeste de Educação Moral, que se realizou no Verão de 1987,
no Japão. Oradores de 15 países, depois de descreverem os problemas morais
com que se confrontavam, e de que modo tentavam combatê-los, chegaram à
conclusão de que as causas para tais problemas eram comuns, a saber: a crise
na família; o impacto negativo da televisão nas crianças; o aumento do
egocentrimo, do materialismo e da delinquência, nos jovens. Face a esta
situação, apelaram a que o sistema educativo interviesse mais activamente na
educação moral dos educandos (Marchand, s/d).

Existem, ainda, (cf. Lickona, 1991), importantes razões para que a escola
eduque para os valores: (1) a transmissão de valores é, e sempre tem sido,
uma tarefa da civilização; (2) as grandes questões com que se confrontam as
pessoas individuais e a raça humana são questões morais ( a grande questão
individual é: "de que modo devo viver a minha vida?"; duas grandes questões
da humanidade são: "de que modo viver com os outros?", "de que modo viver
com a natureza?"); (3) as democracias, na medida em que são regimes
políticos em que as pessoas exercem um papel determinante, sentem especial
necessidade de desenvolverem os valores dos cidadãos; e (4) o papel da
escola na promoção dos valores torna-se particularmente importante numa
época em que milhões de crianças recebem muito pouca educação moral na
família, e em que a Igreja perde gradualmente influencia. A estas razões, é
importante acrescentar uma outra que, embora apresentada em último lugar, é,
porventura, uma das mais importantes, a saber, nenhuma forma de educação
é neutra ou independente de valores (Beltrão & Nascimento, 2000).
(Marchand, s/d).

Têm sido várias as metodologias utilizadas para desenvolver os valores. A


mais antiga, e talvez a mais persistente, foi (é?) a doutrinação. Através da
disciplina, do bom exemplo dos professores, do curriculum, as escolas
tentaram (tentam?) ensinar - focalizando-se mais nas condutas do que nos
raciocínios - as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do
altruísmo e da coragem e, assim, "educar o carácter" dos alunos (Marchand,
s/d).
A doutrinação e a educação do carácter foram, desde cedo (nos Estados
Unidos, desde a década de 20) postas em questão. Diversos factores
contribuíram para que tal acontecesse (cf. Lickona, 1991). De entre eles,
destacamos três: (1) a transposição para o domínio da moralidade da
concepção de relatividade de Einstein, o que deu origem ao relativismo moral,
em que "tudo é relativo ao diferentes pontos de vista", (2) os estudos
desenvolvidos por Hartshorne e May (1920), com uma amostra de 10.000
crianças, que mostraram que os seus comportamentos variavam com a
especificidade das situações 6 (tais como o grau de risco que envolviam), o
que levou a que se questionasse sobre a existência de uma dimensão interna
consistente a que se poderia chamar carácter ( "se o carácter não existe, como
pode ser educado?"), e (3) o desenvolvimento do positivismo lógico, que
encara os juízos de valor enquanto "opiniões pessoais" e não enquanto juízos
objectivos e racionais referentes ao bem e ao mal. Neste contexto, a
moralidade "privatiza-se", i.é., torna-se um assunto pessoal e privado, e não
um assunto a ser debatido publicamente e muito menos a ser transmitido nas
escolas. A escola pública retrai-se quanto ao papel a desempenhar na
educação dos valores. Esta mudança ocorre, nos E.U., nos anos 50.
(Marchand, s/d).

Evidentemente que, embora deixe de educar moralmente de maneira explícita,


a escola fá-lo implicitamente. A escola continua a regular o comportamento
moral dos alunos - por ex. exige obediência aos professores, proíbe a violência,
o vandalismo, pune os delitos. Através de exemplos dos professores e de
colegas tenta desenvolver comportamentos de respeito, de cuidado, entre
outros. A educação dos valores passa a fazer parte do currículum escondido.
(Marchand, s/d).

Nos anos 60, com a emergência do personalismo e do relativismo, surge uma


perspectiva alternativa de educação moral - a clarificação dos valores, ( Raths,
Harmin, & Simon, 1966). A clarificação dos valores rejeita, explicitamente, a
doutrinação e a educação do carácter e propõe que os professores, num clima
de não-directividade e de total neutralidade, ajudem os alunos a clarificar os
seus próprios valores, a assumi-los e a pô-los em prática. Este movimento teve
um enorme impacto, que se deve, sobretudo, à simplicidade da sua aplicação.
Com efeito, não só oferece aos professores dúzias de actividades, como não
exige nenhuma formação específica (Marchand, s/d).

Embora a clarificação dos valores tenha alguns aspectos positivos, o principal


consistindo em ajudar os alunos a pensar sobre valores e a fazer a ligação
entre os valores que defendem (e.g., "A poluição é má") e a acção
desenvolvida, ou a desenvolver ("O que têm feito quanto a isso?"), desde logo
sofreu diversas criticas: (1) confunde frequentemente, como se pôde verificar
pelo exemplo anterior, questões triviais com questões éticas importantes, (2)
não diferencia o gostar de fazer (e.g. roubar) do dever fazer (e.g. respeitar a
propriedade dos outros),e (3) baseia-se no relativismo moral, não
hierarquizando os valores e, portanto, não sugerindo que alguns valores podem
ser melhores, ou piores, do que outros (Marchand, s/d).

A este propósito Lickona conta-nos a seguinte história: um professor pergunta


aos seus alunos durante o exercício de votação de valores: "Quantos já
roubaram numa loja?" Muitos alunos levantam a mão. O professor (quebrando
a neutralidade!) pergunta: "Não acham que roubar lojas é errado?" Um aluno
responde: "Não, porque temos direito a possuir bens materiais". Vários alunos
concordam com ele. Frente a tal situação o professor pensa: "O que fazer?
Graças a Deus, a campainha está a tocar para sair".(Marchand, s/d).

Nos anos 70, surge uma nova abordagem de desenvolvimento moral e de


educação moral - a abordagem cognitivo desenvolvimentista (ou estrutural -
construtivista) de Lawrence Kohlberg - que não só rejeita o relativismo ético da
clarificação dos valores, como acentua a componente cognitiva da moralidade
(Marchand, s/d).

Esta abordagem defende: (1) que existem princípios universais (sendo o mais
forte a justiça), que constituem os critérios por excelência de avaliação moral (é
de salientar que este universalismo se situa no domínio do dever ser e não do
ser) , (2) que as pessoas constróem tais princípios activamente, e regulam a
sua acção de acordo com esses princípios, (2) que existem diversos níveis de
moralidade, sendo os mais elevados mais diferenciados, mais integrados e
mais universais. Propõe, ainda, que a educação moral se centre na discussão
de dilemas morais - hipotéticos e reais - em contexto da sala de aula,
chamando, porém, a atenção de que as pessoas só evoluem moralmente se
estiverem inseridas numa "atmosfera moral" (Kohlberg, 1976, p.50), ou numa
"comunidade justa" (Power, Higgins e Kohlberg, 1989). Os efeitos da
estimulação do desenvolvimento moral serão necessariamente 8 limitados se
as pessoas viverem em ambientes em que prevalece uma moral de obediência
e de respeito unilateral (moral heterónoma) (Marchand, s/d).

A abordagem de Kohlberg embora tenha sido, e continue a ser, uma valiosa


alternativa às restantes abordagens de desenvolvimento e de educação moral,
recebeu diversas críticas, de que salientamos duas : (1) o modelo cognitivo
desenvolvimentista não tem suficientemente em conta a natureza
multidimensional da moralidade - i.e., além da dimensão cognitiva, a dimensão
afectiva e motivacional, (2) o modelo cognitivo desenvolvimentista subvaloriza
a importância de factores, tais como diferenças de sexo, de raça, de classes
sociais e de cultura, no modo como as pessoas atribuem significado às suas
experiências morais (Day & Tappan, 1996). (Marchand, s/d).

Com o objectivo de superar tais críticas surgiu, nos últimos anos, uma
abordagem do desenvolvimento e educação moral, que se baseia nas
teorizações de Bruner, Day e Tappan, entre outros, designada "abordagem
pela narrativa" ( the narrative approach). A abordagem pela narrativa centra-se
nas histórias pessoais, ou colectivas, nas quais se colocam - e se vivem -
conflitos e escolhas morais. Esta abordagem advoga que a vivência de tais
situações implica as três dimensões de moralidade, assim como os factores
acima descritos (Marchand, s/d).

Desde sempre, e nas mais diversas culturas, se contam histórias com o


objectivo de entreter as crianças e, também, de transmitir valores de gerações
mais velhas para as mais novas. No entanto, só recentemente se tem
analisado o papel das histórias (storytelling) e das narrativas (narratives) -
nomeadamente das narrativas orais – no desenvolvimento dos valores. Quais
as razões do recente interesse pela utilização das histórias e narrativas no
desenvolvimento e educação moral? De acordo com Day, Tappan e
colaboradores (cf. Day & Tappan, 1996), autores que apresentam uma das
mais desenvolvidas concepções de desenvolvimento moral e de educação
moral através da narrativa, existem diversas razões para que tal aconteça.
Razões ligadas ao facto das diversas conceptualizações de desenvolvimento e
de educação moral até então dominantes, nomeadamente a de Kohlberg,
serem objecto de diversas críticas, e razões ligadas ao papel que a narrativa
desempenha na vida das pessoas, em geral, e na dimensão moral das
pessoas, em particular. Nas palavras de Lapsley (1996, p.103) "a narrativa é
uma forma de discurso especialmente interessante porque contar histórias é
uma actividade central da vida humana. Os nossos pensamentos e acções
estão 9 estruturados em práticas discursivas (...) Quando me pergunta ' O que
aconteceu?', eu conto uma história". De acordo com Tappan & Brown (1989,
pp.183-184), "as pessoas atribuem significado às suas experiências de vida
representando-as sob a forma de narrativa", e " as pessoas desenvolvem-se
moralmente tornando-se 'autores' das suas histórias morais e aprendendo as
lições morais das histórias em que contam as suas experiências." (Marchand,
s/d).

A abordagem pela narrativa - contrariamente à abordagem que utiliza um


conjunto de dilemas hipotéticos estandartizados para elícitar o raciocínio moral
(ver Kohlberg, 1981, 1984; Rest, 1983, entre outros)- centra-se nas
experiências reais das pessoas, nos seus conflitos e escolhas pessoais. Os
proponentes desta perspectiva defendem que a vivência de experiências
morais implica as três dimensões da moralidade - a cognição, a emoção e a
acção - e tem em consideração os factores contextuais - i.e., diferenças de
género, de raça, de classe social e de cultura. De acordo com Tappan & Brown
(1989), a representação de experiências morais pressupõe uma interacção
complexa da cognição ("o que ele/ela pensou"), da afectividade ("o que ele/ela
sentiu") e da acção ("o que ela/ela fez"), dependendo estas dimensões de
factores contextuais (Marchand, s/d).
.
A vida moral não é apenas contada, as narrativas morais são dramatizadas , no
sentido em que se repetem as opções e intenções perante uma audiência
internalizada, ou real. Contar uma história pressupõe, ainda, reflectir sobre a
experiência narrada. Tendo em consideração estas características, diversos
autores (cf. Day & Tappan, 1996; Tappan & Brown, 1989), levantam a hipótese
de que as pessoas se desenvolvem moralmente através das narrativas que
ouvem e das suas próprias narrativas (Marchand, s/d).
.
A perspectiva de educação moral pela narrativa propõe que os professores
convidem os seus alunos a contar as suas próprias histórias morais (Tappan &
Brown, 1989) ou a ouvir, ler e discutir histórias, novelas ou outras peças da
literatura (Coles, 1989). Para que seja bem sucedida esta abordagem
pressupõe, de acordo com os seus proponentes (ver Tappan & Brown, 1989):
(1) uma relação com um professor sensível e empático quanto a diferentes
perspectivas, vozes e linguagens (nomeadamente de género, de cultura e de
classes sociais) (2) a utilização, pelos professores, de uma metodologia
interpretativa.
10
Embora passível de críticas de natureza teórica, de que se destaca o perigo de
se cair no relativismo (cf. Lourenço, 1996) e, se se tiver em consideração
alguns proponentes mais radicais desta abordagem (e.g. Brown et al. (1991),
numa neutralidade excessiva (com efeito, a empatia e neutralidade que o
professor deve manifestar em relação às diferentes vozes, linguagens, histórias
e acções - "those stories should be told, not judge", afirmam Brown et al.,
(1991) - pode conduzir à situação extrema de todas as vozes, linguagens,
histórias e acções serem moralmente equivalentes), e embora ainda haja
poucos trabalhos empíricos com o objectivo de avaliar os seus efeitos no
desenvolvimento moral (estamos a iniciar um estudo neste âmbito), esta
perspectiva é considerada uma metodologia de educação dos valores
promissora, nomeadamente em crianças pequenas, em crianças e jovens
provenientes de culturas não europeias, e pertencendo a meios sócio-culturais
desfavorecidos (cf. Cunha, 1996; Tappan & Brown, 1989). (Marchand, s/d).
Numa altura em que se propõe "a integração, com carácter transversal, da
educação para a cidadania em todas as áreas curriculares", pensamos que a
utilização de narrativas, dos seus heróis e heroinas (por ex. de grandes
cientistas, grandes estadistas, grandes defensores de causas justas,
personagens de romances) pode constituir uma boa metodologia de
desenvolvimento dos valores, na condição de não se limitar a proporcionar uma
identificação acrítica com modelos. Para contrariar o perigo do relativismo
interessa que a identificação com os modelos seja acompanhada de reflexão
crítica, isto é, baseada em princípios éticos universais (sendo o mais forte a
justiça), constituindo tais princípios os critérios por excelência de avaliação
moral (Marchand, s/d).
.

Segundo Fonseca (2011), os valores são fundamentais para a formação do ser


humano, por serem encarados como “fios que compõe a teia de sentidos que
suporta a vida” (p. 69), mostrando que é através destes que os indivíduos
avaliam o seu quotidiano.

Vimos o valor que tem a educação no desenvolvimento de qualquer projeto


humano. Mas ele será insuficiente caso não seja, também, humanizador. Um
projeto técnico construído dentro dos parâmetros científicos e tecnológicos
mais arrojados será sempre um projeto humano. Contudo, se não responder a
um “para quê”, não revelará a substância diferenciadora de sua qualidade,
oferecendo-lhe sentido e razão de ser. Em se tratando de um projeto
excludente, em nada contribuirá para tornar mais harmônica a convivência
humana. (Siqueira, 2010).

Segundo o autor, a inclusão da Educação Moral e Cívica no currículo do ensino


fundamental, “apoiada numa metodologia voltada para a conscientização
espontânea, tem por objetivo amplo o resgate dos valores permanentes e
imutáveis de uma sociedade e de uma nação, tais como a família, a cidadania,
o comportamento ético, o amor à Pátria”. Conforme preconiza, “os conflitos e
as tensões crescem a cada dia no seio das famílias e preceitos como honrarás
pai e mãe estão se tornando obsoletos”. Afirma ainda que ...a violência, as
drogas e o vandalismo são triste reflexo da desestruturação familiar, da
vulgaridade dos meios de comunicação de massa e o ter tornou-se mais
importante que o ser (...) a falta de referenciais éticos e a consagração da
impunidade concorrem para o desajuste das famílias e a marginalização das
crianças, adolescentes e jovens (Limam 2000 citado por Amaral, 2007: 356).

a inclusão da disciplina Educação Moral e Cívica permitirá resgatar os valores


perdidos para as drogas e a violência. No entanto, para o deputado, para uma
sociedade e uma nação valores como família, cidadania e ética são
permanentes e imutáveis. É necessário refletir sobre quais princípios se
baseiam seus argumentos. A família é um valor imutável e permanente? Em
que concepção de família se baseia? O que se configura como uma família
desestruturada? E a ética pode ser considerada um valor imutável e
permanente? Para finalizar, o que seria uma metodologia voltada para a
conscientização espontânea? O deputado conclui que “urge fortalecer,
repensar e reorganizar os valores da família e da sociedade e que somente por
meio da educação é que se obtém a paz social e a verdadeira democracia”.
Será a educação a única responsável pela paz e pela democracia (Limam 2000
citado por Amara, 2007: 356)?

Segundo o autor, a implantação das disciplinas mencionadas pode parecer


insignificante, mas Nader acredita que provocará alterações na vida de muitos
jovens e poderá futuramente surtir efeitos mais abrangentes, uma vez que,
freqüentemente, a imprensa divulga o aumento da violência nas escolas e o
envolvimento de jovens em assaltos, assassinatos e tráfico de drogas. No que
se refere à disciplina Educação Moral e Cívica, acredita que ...ajudará a
conscientizar os jovens de sentimentos como o amor à pátria e aos seus
símbolos, tradições, instituições e respeito aos vultos de sua história, bem
como o amor à família, preservação do espírito religioso, da dignidade, da
liberdade com responsabilidade, dos valores éticos e morais, de solidariedade
humana e aprimoramento do carácter (Nader, 2005 citado por amaral, 2007).

Diante do tempo cada vez mais exíguo que muitos pais dispõem para conviver
com seus filhos, educando-os adequadamente, e também diante do papel por
vezes deletério que os meios de comunicação de massa, particularmente a
televisão, assumem na formação das personalidades das crianças e
adolescentes, a criação de um componente curricular para a abordagem de
questões éticas e cívicas se reveste de inequívoca importância (Simon, 1997
citado por Amaral, 2007).

O desenvolvimento moral do homem é condição essencial no processo de


socialização. Assim, a educação moral deve acontecer em todos os espaços
em que as pessoas estão em relação e, em decorrência dessa convivência,
possam experimentar as vantagens da cooperação, da solidariedade, da
igualdade, da justiça. Entendemos que, de acordo com a perspectiva de Puig
(1998) precisamos desenvolver uma educação moral para ser capaz de
detectar e criticar injustiças, estar comprometido com a construção de uma vida
mais justa para todos, comportar-se de acordo com princípios auto-escolhidos,
adquirir as normas e valores considerados justos em sociedade, pois a
educação moral pode se dar em momentos distintos que vão da adaptação às
normas da sociedade ao conhecimento e reconstrução dos próprios valores
(Mahenna s/d).

Uma escola quase exclusivamente orientada para o saber não pode garantir
que os sujeitos dessa escolarização sejam simultaneamente competentes no
desempenho de tarefas profissionais e socialmente aptos para gerirem o
espaço de direitos e deveres que a sociedade lhes proporciona. Daí a lacuna
sentida por todos quanto a outras competências que urge desenvolver nos
jovens ao nível moral, de uma educação do carácter, ao nível socio-politico, em
suma, de uma educação para os valores nos quais se integra a formação para
a cidadania (Silva,1999: 27).

A formação para a cidadania, ou educação cívica, vem assim colmatar uma


lacuna no currículo da educação formal, quer a sua inserção se faça por via da
criação de uma nova disciplina assim designada, quer pela integrarão desta
área na disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, quer ainda, do modo
como neste momento o sistema educativo a contempla, ou seja, através de
variadas estratégias formativas que a própria escola desenvolve ou virá a
desenvolver adentro na dinâmica dos seus projectos educativos próprios
(Silva,1999: 27).

No entanto, a realidade do nosso ensino diz-nos que só uma reestruturação


das escolas e dos serviços e um investimento na formação dos professores
poderá criar o ambiente propício a uma real e efectiva formação pessoal e
social do educando, para uma educação cívica e moral, para que, através da
vivência prática, a criança, o adolescente, o jovem possam assumir livremente
os valores de uma sociedade justa, democrática e solidária, sentindo-se
preparados para actuar, civicamente, nas instituições e capacitados para a
resolução dos problemas da vida (Martins, 1998).

É, pois, necessário um projecto educativo que se apoie em valores. Há valores


universais, valores herdados e valores novos, que teremos de construir a partir
de valores mais antigos. Torna-se necessário criar sempre novos valores a
partir dos valores herdados. A educação terá de ser isso. Não há educação
sem valores como não há educação sem liberdade. A educação tem de ser
livre mas terá, também, de ser uma ligação do passado ao futuro, a mediação
entre a cultura do passado que se projecta no presente mas que pretende criar
o futuro. Ε que sem futuro não há educação. Educar é sempre pensar no
futuro. Ε relacionar os valores do passado, assumidos porque válidos, e os
valores criados (Martins, 1998).

Neste momento, é importante esclarecer que o entendimento relativo à


educação em valores incorporada por esse trabalho não se assemelha com a
ideia de instruir os educandos quanto aos procedimentos e atitudes
supostamente adequadas a serem seguidas. Não se trata de transmissão de
valores com base em ideais prédefinidos, mas sim da possibilidade de inserir
no ambiente escolar um procedimento dialógico capaz de levar os alunos a agir
conforme e refletir acerca de seu papel de cidadão (Lopes, 2011).

A transmissão de virtudes, nos moldes de uma cartilha prédefinida como


instrumento de domesticação, não atende a uma dimensão de cidadania
cosmopolita, na qual o respeito à pluralidade é fundamental. Assim, educar em
valores, no atual contexto, implica necessariamente em “abandonar a versão
tradicional do caráter instrumental, centralizada na transmissão de
comportamentos virtuosos com base em ideais préestabelecidos” (GOERGEN,
2001, p. 148). Desse modo, compartilha-se do seguinte entendimento (Lopes,
2011):

O correto agir é o resultado de um projeto de aprendizagem, uma tarefa


educativa. O correto agir não preexiste na forma de prescrições que a
educação teria como que em carteira para transferir aos alunos. A educação,
portanto, não pode gerar nos alunos um conjunto acabado de disposições
(virtudes) voltadas para a justiça, para o respeito ou a solidariedade. Em outros
termos, não é pela educação que alguém se torna justo. O que a educação
pode fazer é abrir aos alunos o mundo do agir moral por meio de um processo
pedagógico/reflexivo/comunicativo a respeito das proposições morais que
integram o ambiente cultural (GOERGEN, 2001, p. 152-153). (Lopes, 2011).

Os “valores cívicos”, assim definidos por Cortina (2005, p. 180) são os


elemento que integram os mínimos considerados por todos como
irrenunciáveis, mesmo em meio à diversidade. Ou seja, em meio aos diversos
“códigos morais” que transitam nos âmbitos familiares, religiosos e
profissionais, a ética cívica faz parte de diferentes grupos pertencentes a todos
esses setores da vida e a muitos outros.

Certamente, o objetivo da educação em valores consiste em indicar os


caminhos que devem ser trilhados, “mas em explicitar os mínimos morais que
uma sociedade democrática deve transmitir”, valores esses irrenunciáveis
(CORTINA, 2009) que “[...] os membros de uma sociedade pluralista
compartilham,44 sejam quais forem suas concepções de vida boa, seus
projetos de vida feliz” (CORTINA, 2005, p. 149).

Nessa perspectiva, os valores cívicos constituem um vínculo capaz de unir


membros pertencentes aos mais variados núcleos sociais; seja como membros
de uma determinada família, profissão, religião ou vizinhança. Por esse motivo,
a ética cívica é considerada pluralista e própria dos membros de uma
comunidade civil e não do Estado. Isso significa afirmar que, apesar de ser
essa ética pública, própria do cidadão, que “legitima as instituições políticas”,
ao Estado cumpre o papel de respeitá-la e observá-la (CORTINA, 2008). De
mais a mais, a ética cívica brota da realidade social, como um conjunto de
valores e princípios compartilhados em meio ao pluralismo. Vale sempre
recordar: ninguém nasce ético. Educa-se em valores, estimulando e
fortalecendo uma cultura e um modo de ser pessoal e coletivo que seja
inclusivo. Que faça com que mais e mais seres humanos sejam aceitos em 52
função de sua humanidade e não em decorrência de sua “animalidade”, aqui
considerada como expressão de mais ou menos poder, mais ou menos força
bruta. Isso não se fará sem o fortalecimento da cidadania, que considera, em
seu processo educativo, o valor das pessoas como fins em si mesmas e não
como coisas. Um imperativo ético que se faz pela aplicação do direito e pela
educação em valores. Materialização de um sonho de humanidade e de
cidadania que vá além da racionalidade instrumental da educação. Nesse
sentido, “se buscamos a formação de pessoas autônomas com desejo de auto-
realização, então é necessária uma educação moral, no mais amplo sentido da
palavra „moral‟” (CORTINA e MARTÍNEZ, 2005, p. 170). (Siqueira, 2010).

A educação em valores supõe algo mais que a mera afinidade com um tipo de
literatura que estimule esse tipo de reflexão. Implica a tentativa de adequação
das expectativas da organização e de seus respectivos servidores. Um esforço
de ambas as partes a fim de demonstrar permanente abertura para o alcance
de objetivos práticos, associados à excelência. O que significa chamar a
atenção para a reeducação de procedimentos operacionais e atitudinais,
priorizando a qualificação de “relações interpessoais pautadas em valores
vinculados à democracia, à cidadania e aos direitos humanos” (ARAÚJO, 2007,
p. 35). (Siqueira, 2010).

Uma forma privilegiada de caracterizar o compromisso com alguns princípios e


valores morais será a de dar-lhe a maior concretude possível. Só assim o valor
“respeito à dignidade da pessoa humana”, por exemplo, deixará de ser um
compromisso meramente discursivo, incorporando-se ao cotidiano das
organizações. Ao assumir o compromisso com a educação em valores, haverá
exigências impostas a seus interessados. Ainda que não possam eliminar,
deverão combater, reduzindo ao máximo alguns fatores de incompatibilidade.
53 Faz-se necessário, então, envidar esforços para realizar a transição de
relações fundadas em comando e controle, para outras, baseadas em liderança
e motivação. Isso requer o incremento dos níveis de autonomia, consciência,
liberdade e responsabilidade dos atores envolvidos (Siqueira, 2010).
.
Na prática, será preciso estimular o estabelecimento de relações que valorizem
o diálogo e a construção coletiva de soluções para os problemas que sejam
comuns, integrando as partes interessadas e influenciando sua mudança: de
agentes passivos a cada vez mais ativos e comprometidos com a organização.
(Siqueira, 2010).

1.9. Considerações gerais acerca do programa de EMC da 9ª classe

A assimilação desses valores leva a pensar nos conteúdos (que valores?) e


nos métodos. Fala-se da "clarificação de valores", e do método da narração, do
exemplo histórico, no método da discussão de dilemas ou da problematização
ou ainda do ensino directo, depende da filosofia adoptada. Todos os métodos
têm merecido críticas diversas. Não podemos, no entanto, adoptar atitudes
reducionistas e apontar apenas defeitos a uns e qualidades a outros.
Naturalmente não pode ser adoptada uma teoria no seu estado puro. É preciso
aproveitar as virtualidades de cada método e não esquecer que há valores
universais que devem ser assimilados, mas numa atitude reflexiva e
consciente. O aluno deve assimilar um valor depois de o ter discutido,
compreendido e, em liberdade, o ter adoptado como seu (Martins, 1998).

Daí que a posição do professor deva ser a de criar e gerir conflitos, estimular o
aluno à reflexão, criar um ambiente democrático, para que, em plena liberdade,
ele adquira uma capacidade de reflexão e de crítica perante os problemas da
vida que o levem a adoptar atitudes, a tomar decisões. "A perspectiva
pedagógica é a perspectiva própria ao professor reflexivo, que pondera as
achegas das várias disciplinas, dos vários métodos e das várias didácticas e as
aplica criteriosamente aos seus alunos, de acordo com a sua situação,
necessidades e contextos" (Cunha, 1993).
A Escola contribui então para a construção da identidade do adolescente, quer
através de toda a área curricular, quer através do chamado currículo oculto. Ε
na participação, na acção reflectida que o educando desenvolve as suas
capacidades e competências, na educação cívica e no raciocínio (e no juízo)
moral (Martins, 1998).

Bibliografia

SILVA, I. (1999). Cidadania e valores morais: contributo para uma


possível inserção curricular destas áreas. GEPOLIS: Revista de filosofia
e cidadania. Lisboa. ISSN 0873-7193.6(1999)24-38.

OLIVEIRA, P. E. de, (2012). Crise de valores: desafio à sustentabilidade.


Disponível em agrinho.com.br/materialdoprofessor/crise-de-valores-
desafios-a-sustentabilidade.

Pedro dOrey da Cunha, "Objectivos, conteúdos e métodos da disciplina


de desenvolvimento pessoal e social", Inovação, 6 (1993) 287-308.

MARTINS, I. (1998). Educação e ensino a perenidade dos valores. In


HVMANITAS- Vol. L (1998).

Mehanna, A. (s/d). Desenvolvimento de valores morais, éticos e


científicos na educação

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