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O PLANO NACIONAL DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA:

um artifício da lógica neoliberal

1
Barbara Karoline de Holanda Azevedo Silva
2
Raiana Marjorie Amaral de Oliveira
3
Tayane Vieira Barros
4
Ana Carolina Galvão

Resumo: O presente trabalho analisa o Plano Nacional de


Convivência Familiar e Comunitária sob a ótica da doutrina
neoliberal, como um mecanismo de retração da ação estatal e
responsabilização da sociedade civil. Apresentando as críticas e
desafios contidos no Plano, bem como a marca da Pós Modernidade,
contextualizando a situação das políticas públicas na sociedade
atual, influenciados pelos ideais neoliberais. Assim como perpassa
por alguns temas como liberalismo, keynesianismo e Estado de Bem-
Estar social.
Palavras-chave: Neoliberalismo, desresponsabilização, pós-
modernidade, Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.

Abstract: The following project analyzes the National plan of the


family and comunity living from a neoliberalist perspective, as a
mechanism that retracts the action of the state and the responsability
of civil society. Presenting the critics and challenges that the plan
contains and the mark of post-modernity, contextualizing the situation
of the public politics in the present society, influenced by neoliberal
ideas. explaining some themes like: LIiberalism, Keynesianism and
the Well-fare state.
Key words: National plan of the family and comunity living,
neoliberalism, Disclaimer.

1
Graduanda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: barbarakaroline@hotmail.com
2
Graduanda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: barbarakaroline@hotmail.com
3
Graduanda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: tayanebarros@hotmail.com
4
Graduanda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: anacarolgalvao@hotmail.com
1 – INTRODUÇÃO

Com a dissolução do liberalismo, no contexto da crise de 1929, emergem o


Keynesianismo e as políticas de Bem Estar-Social. Na década de 1970, em uma nova crise
do capital, inicia-se intervenções de caráter neoliberais, com o intuito de contestar as ações
intervencionistas propostas por Keynes. A lógica neoliberal almeja alcançar mais mercado
livre e menos Estado Social.
Nessa perspectiva, as políticas sociais se organizam em um tripé: privatização,
focalização e a descentralização, marcadas profundamente pela desresponsabilização
estatal e participação da sociedade civil com a organização do terceiro setor, através das
Organizações Não-Governamentais, ações filantrópicas, incentivo ao voluntariado.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC nasce nesse contexto,

trazendo fortes traços neoliberais. O objetivo central do Plano é a valorização da família,

reordenamento dos abrigos, implementação de programas de famílias acolhedoras e a

adoção centrada no interesse da criança e do adolescente. A partir de uma leitura crítica do

PNCFC podem-se perceber alguns apontamentos de orientação neoliberal, bem como

marcas da pós-modernidade.

2- CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1 Do Liberalismo ao Neoliberalismo

O Liberalismo é um conjunto de princípios que servem de base a um sistema


religioso, político ou filosófico. Tem sua origem e afirmação na Idade Média, apresentando-
se em duas fases, a primeira no Século XVIII e a segunda no século XIX (ABBAGNANO,
2000).
O Liberalismo Clássico tem como principal representante Adam Smith. Essa
doutrina é marcada pelo individualismo, acredita-se que cada indivíduo deveria buscar a sua
própria felicidade, acarretando assim, a felicidade de todos. (ABBAGNANO, 2000) De
acordo com Behring e Boschetti (2008) o liberalismo é marcado pelo “princípio do trabalho
como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado” (p. 56).
A partir do Século XX, a lógica liberal inicia o seu processo de decadência. O
enfraquecimento dos argumentos liberais é oriundo de processos político-econômicos, dos
quais podem ser citados, o crescimento dos movimentos operários, incentivados pela
Revolução Russa de 1917 e, a concentração e monopolização do capital com o advento
financeiro. A crise do capitalismo de 1929 favorece a desconfiança dos ideais liberais
através do reconhecimento dos limites do mercado pelas elites políticas.
Nesse momento as políticas sociais surgem como medidas públicas anti-crise, pois a
mão invisível do mercado já não é suficiente, sendo assim nasce à política Keynesiana,
criada por John Maynard Keynes, utilizando-se do New Deal1 com o objetivo de restabelecer
o equilíbrio social e econômico. O Keynesianismo rompe parcialmente com os princípios
liberais. Influenciado por Keynes surge o “Estado de Bem-Estar Social”, onde cabia ao
Estado prover as condições de vida do cidadão, através de ações que visassem à regulação
da economia de mercado, prestação de serviços básicos, acesso universal aos serviços
sociais e o estabelecimento de uma “rede de segurança” de serviços de assistência social
(BEHRING e BOSCHETTI, 2008).
No contexto da crise do capital - 1973 - surge a doutrina neoliberal, contestando a
ação intervencionista, do já citado “Estado de Bem-Estar Social” e culpabilizando-o pela
referida crise. Para os neoliberais investir dinheiro público no âmbito social é pernicioso para
o desenvolvimento econômico. Os ideais que os norteavam, defendiam a completa
liberdade do mercado e a minimização das ações estatais na economia, além disso,
sustentam a estabilidade monetária como meta suprema, sendo possível assegurá-la
através da contenção de gastos sociais e da conservação da taxa de desemprego
(ANDERSON, 1995). Em suma, o grande objetivo era alcançar mais mercado livre e menos
Estado Social.
No tocante as políticas sociais no âmbito da lógica neoliberal, elas passam a ser
desenvolvidas a partir de um tripé: privatização, focalização e a descentralização (BEHRING
e BOSCHETTI, 2008). O Estado se coloca desresponsabilizado e imputa essa
responsabilidade a sociedade civil, resultando em iniciativas a nível de terceiro setor, como
a criação das Organizações Não-Governamentais e filantrópicas, o incentivo ao
voluntariado. Assim como explica Behring (2003):
__________
¹ Nome dado aos programas implementados nos Estados Unidos, com o objetivo de saída da crise, foi aplicado nos anos 1933
e 1937, suas principais medidas foram: o controle sobre bancos e instituições financeiras; a construção de obras de infra-
estrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor; a concessão de subsídios e crédito agrícola a
pequenos produtores familiares; a criação de Previdência Social, que estipulou um salário mínimo, além de garantias a idosos,
desempregados e inválidos; o controle da corrupção no governo; o incentivo á criação de sindicatos para aumentar o poder de
negociação dos trabalhadores e facilitar a defesa dos novos direitos instituídos.
“As políticas sociais entram neste cenário caracterizadas por meio de um discurso
nitidamente ideológico. Elas são: paternalistas, geradoras de desequilíbrio, custo
excessivo do trabalho, e devem ser acessadas via mercado. Evidentemente, nessa
perspectiva, deixam de ser direito social. Daí as tendências de
desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que,
aos poucos – já que há resistências e sujeitos em conflito nesse processo
eminentemente político – vai configurando um Estado mínimo para os
trabalhadores e um Estado máximo para o capital.” (p. 64).

Costuma-se pensar o Estado neoliberal como sendo completamente isento das


responsabilidades referentes às respostas às refrações da questão social. Sobre isso,
Montaño (2002) coloca:

“[...] desresponsabilização estatal não pode significar que o Estado não faça parte
desse movimento de transformação da modalidade de intervenção na ´questão
social´. O Estado, dirigido pelos governos neoliberais se afastam parcialmente da
intervenção social, porém é subsidiador e promotor do processo ideológico, legal e
financeiro de ´tranferência´ da ação social para o ´terceiro setor´. É um ator
destacado nesse processo. É o Estado que nos inunda de propagando sobre o
´Amigo da Escola´, que promove o Ano Internacional do Voluntariado, que
desenvolve a lesgislação para facilitar a expansão dessas ações, que estabelece
´parcerias´ repassando recursos públicos para estas entidades privadas [...]”
(p.235).

Para um sistema tão desigual, em que não se atende às necessidades sociais da

maioria das pessoas e pensa-se apenas no acúmulo de capital, algumas estratégias

ideológicas e culturais de dominação foram traçadas, elas têm surtido efeito, no sentido de

conter as massas e evitar uma radicalização da luta de classes. As políticas sociais se

consolidam nessa perspectiva como mecanismos de controle social, implementando-se

como medidas de caráter emergencial, compensatórias e assistencialistas, permanecendo

na superficialidade e não atingindo as raízes geradoras da problemática. O Plano Nacional

de Convivência Familiar e Comunitária se estabelece nesta perspectiva.


2.2. Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e


Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC, foi aprovado em 2006 por
resolução conjunta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –
CONANDA e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, o qual repercutirá em
ações municipais e estaduais – através da elaboração dos Planos Estaduais de Convivência
Familiar e Comunitária.
O Plano reconhece a família como um ambiente de excelência para o
desenvolvimento da criança e do adolescente. Assim busca fortalecer e/ou resgatar os
vínculos familiares e comunitários de origem. Procura valorizar a família através da
articulação e reformulação de políticas que visem estabelecer a convivência familiar e
comunitária.
O PNCFC trata temas como valorização da família através de políticas de apoio
sócio-familiar, reordenamento dos abrigos, implementação de famílias acolhedoras e
adoção centrada nos interesses das crianças e dos adolescentes.
A inovação trazida pelo Plano é a questão da implementação do Programa de
Famílias Acolhedoras. Segundo o mesmo, a família acolhedora se caracteriza como uma
família de caráter provisório, onde as crianças e adolescentes que não possam permanecer
em suas famílias de origem, por motivos de abandono, maus tratos, violência doméstica,
abuso e exploração sexual, entre outros, devem ser encaminhados a essas famílias, que
passarão por um processo de cadastramento, seleção e capacitação, além do
acompanhamento e supervisão. As famílias acolhedoras receberão um recurso financeiro
que devem ser destinados exclusivamente aos gastos com a criança ou adolescente. Mas
de que forma será garantido e fiscalizando a alocação desse recurso? Havendo êxito ou não
nesse processo de adaptação da criança ou adolescente na família acolhedora, como se
constituirá o processo de desvinculação destes com a família, partindo do pressuposto que
durante o período de convivência existirá o provável estabelecimento de vínculos afetivos?
Levando em consideração que podem partir dessas famílias interesse de receber essas
crianças para utilizá-las com a finalidade de trabalho infantil e exploração e ainda passarem
por situações de violação de direitos, percebe-se então que inseri-las em famílias
acolhedoras nem sempre será melhor do que mantê-las em abrigos. Outra questão
pertinente, seria o não desmembramento de grupos de irmãos, colocado no Art. 92, inciso V
do ECA, no caso de grupos numerosos de irmãos como adequá-los em uma mesma
família?
No atual contexto neoliberal, sobretudo, neste momento de crise, onde há a redução
de investimentos em políticas sociais, os direitos básicos não são efetivados. Como será
garantido a efetivação das políticas de apoio sócio-familiar voltadas para as famílias de
origem, no período em que os filhos foram afastados?
Segundo MONTAÑO (2002), a lógica neoliberal desresponsabiliza o Estado em
relação ao enfrentamento da “questão social”, bem como culpabiliza o indivíduo pela sua
situação de carência. Pode-se observar esta perspectiva presente no Plano, quando este
coloca que as famílias devem ser reconhecidas como competentes para superar as suas
próprias dificuldades internamente, repassando para a sociedade civil a responsabilidade
perante as crianças e adolescentes que se encontram em estado de vulnerabilidade.
Referenciando NETTO (2002), o pós-modernismo, em muitos momentos, faz a

releitura de concepções já existentes, apresentando-as como novas. Questões colocadas no

Plano como a excepcionalidade e provisoriedade dos abrigos, a manutenção dos vínculos

familiares, o direito a convivência familiar e comunitária, a defesa da adoção centrada no

interesse das crianças e adolescentes, e a formulação de políticas de apoio sócio-familiar,

se enquadram neste contexto pós-moderno, pois já estavam presentes em legislações como

a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos pontos levantados, nota-se a consolidação da perspectiva neoliberal


nas políticas sociais brasileiras. Essa lógica utiliza-se de instrumentos como a justificação e
legitimação do processo de desestruturação da seguridade social e desresponsabilização do
Estado frente à intervenção social, utiliza-se também da prática do transformismo, categoria
Gramsciana que transforma as lutas contra a reforma do Estado em parceira com o mesmo.
O Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária se apresenta como mais
um mecanismo dessa perspectiva que busca conter e docilizar as massas, através da
criação de consenso. Fazendo leituras abstratas e a-históricas sobre a realidade social sem
responsabilidades definidas. O direito à convivência familiar e comunitária deve ser
assegurado, assim como todos os outros direitos previstos na Constituição e demais
estatutos, porém, o que se deixa transparecer é que o Plano é mais um artifício da
perspectiva neoliberal de desresponsabilização do Estado. O grande enfoque do Plano é
minimizar a ação dos “abrigos” e “casas de passagens” direcionando essas crianças e
adolescentes a famílias acolhedoras, ausentando o Estado das suas obrigações. Na
verdade, a falta de políticas públicas e sociais de qualidade e de forma universal, é a grande
causadora da retirada de inúmeras crianças do seu seio familiar. Políticas públicas e sociais
deveriam ser garantidas para que essa família, muitas vezes desestruturadas, se
reorganizem e possam de maneira saudável receber seus filhos. Mais uma vez o Estado
encontra estratégias para se ausentar e se desresponsabilizar das suas obrigações
passando essa responsabilidade à sociedade civil.
REFERÊNCIAS:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia; tradução da 1º edição e coordenada e


revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho
Benedetti - 4º ed – São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ANDERSON, Perry. (1995), “Balanço do neoliberalismo”, in E. SADER & P. GENTILI


(org.), Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático, Paz e Terra, RJ.

BEHRING, Elaine Rosseti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e


perda de direitos. 2. ed. – São Paulo: Cortez, 2008.

BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 4 ed.


São Paulo: Cortez, 2008.

BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; POSQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política;


tradução Carmem C. Varriale [et al.]; coordenação da tradução João Ferreira; revisão geral
João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cascais. 4ª – ed – Brasília, DF: Ed. Universidade de
Brasília, 1998).

BRASIL. Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. 2006.


MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: Crítica ao padrão emergente de
intervenção social. 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2005.

NETTO, José Paulo. Pós-Modernidade: Gênese, significado histórico e traços


constitutivos. (TRANSCRIÇÃO DE UMA AULA DO PROGRMA DE ESTUDOS PÓS-
GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL ATIVIDADE INAUGURAL DO ANO LETIVO DE 2002)

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