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próprio corpo, como também sobre o impacto da religião na vida das pessoas,
principalmente, no que atine à doutrinação religiosa e a capacidade dos menores
decidirem os seus futuros.
Dentre os protagonistas, temos Fiona Maye (interpretada por Emma Thompson), uma
juíza da Alta Corte Britânica que se dedica completamente ao seu extenuante trabalho,
inclusive aos finais de semana. As poucas horas que lhe sobram são preenchidas com
música - piano- instrumento que ganhou do seu marido, que a ama, mas que reclama
de sua negligência à vida afetiva do casal.
Além de ter que lidar com o colapso de seu casamento, é submetido a seu julgamento,
um caso de grande repercussão midiática: o pedido de um hospital para realizar
transfusão de sangue forçada em um adolescente de 17 anos e 9 meses, diagnosticado
com leucemia, cuja devoção religiosa o faz recusar esse tratamento que poderia salvar
sua vida.
Após escutar a todos atentamente, antes de prolatar seu veredito, Fiona Maye decide
quebrar os protocolos e fazer uma visita à Adam Henry no hospital para saber se ele
entende sua situação e o que ele enfrentará se não for deferida a autorização judicial
de transfusão de sangue. Nessa ocasião, a juíza ouve com respeito suas opiniões
religiosas e acaba por se envolver emocionalmente a ponto de começar a opinar sobre
o que seria melhor para o menor. Além disso, em determinado momento de sua
visita, quando Adam Henry começa a dedilhar o violão que ele mantém perto de si, a
juíza começa a cantarolar um poema a respeito de como somos tolos quando jovens.
Adam Henry, durante a transfusão de sangue autorizada por Fiona Maye, percebe a
alegria de seus pais com o procedimento que lhe garantiria viver e começa a
questionar as suas convicções religiosas impostas por eles. A clivagem com seus
valores torna-se o fator direcionador da trama: o ainda menor não consegue enxergar
uma vida sem a existência desses e, desse modo, encontra-se perdido, sem
direcionamentos externos, previamente impostos por seu culto, e internos para se
autodeterminar. Em um conflito emocional, encontra na juíza uma fonte de auxílio que
lhe garantiria um novo sentido para viver, em virtude de que fora ela que havia
salvado sua vida.
Sob o entendimento de que Fiona Maye teria iluminado com razão à sua vida,
apresentando-lhe um novo mundo, desenvolve admiração e fixação por ela,
procurando-a para exteriorizar seus novos anseios, questionamentos e frustrações.
Todavia, sob a percepção de que seria antiprofissional a permanência de
relacionamento com um de seus jurisdicionados, a juíza lhe impõe um afastamento,
sob a justificativa que seu processo já teria sido julgado. Desesperado, diante de tal
recusa, implora à juíza que receba seus escritos pelos quais externava suas divagações,
aflições e conflitos internos gerados pela transfusão de sangue. Sensibilizada pela
situação, Fiona Maye, atende seu pedido.
Fiona Maye, em razão de seu trabalho, viaja de trem para Newcastle onde proferirá
julgamentos de forma itinerante. No caminho, inicia a leitura dos escritos de Adam,
todavia não os termina.
Não satisfeito com a postura da juíza, Adam persegue-a até Newcastle em busca de
acolhimento. Nesse local, em meio a uma confraternização, Fiona Maye é
interrompida com a comunicação de que seu assistente, Nigel Pauling (interpretado
por Jason Watkins), insiste em vê-la. Quando vai ao seu encontro, a juíza é
surpreendida com a notícia de que o “o garoto do processo das Testemunhas de
Jeová” teria a seguido e, em virtude disso, Nigel o realocara na instalação em que
estavam presentes. Ao ser confrontado, Adam se desculpa, inicialmente, por tê-la
seguido, informa que teria brigado com seu pais e saído de casa. Em seguida, ele a
agradece por ter-lhe salvado e afirma ser uma nova pessoa, livre de suas tolas
convicções e anseios de ser martirizado por seu sacrifício em prol de sua fé. Ao mesmo
tempo confessa se sentir amedrontado ao pensar em perder sua fé, pois ao se afastar
dela poderia acabar rejeitando tudo. Prossegue relacionando as tentativas que tem
feito para fazer jus a um excerto da sentença que justifica a transfusão de sangue por
toda vida e amor que teria pela frente. Ao final, faz o pedido de morar com ela.
Transtornada com esse pedido, a juíza solicita ao seu assistente que providencie o
retorno de Adam Henry à casa de seus pais, o qual reluta em partir, bradando que ela
não teria o direito de sair de sua vida sem justificativa, ao questionar o procedimento
adotado pela juíza de se aproximar dele para tomar a sua decisão, quando a regra seria
o deferimento da transfusão sanguínea em razão de sua menoridade. Ademais, busca,
ainda, obter de Fiona Maye, uma resposta do porquê de seus pais serem coniventes
com seu sacrifício pela fé, embora não quisessem que morresse.
Informado pelo assistente de que o táxi que o deixaria na estação havia chegado, antes
de partir, Adam Henry surpreende Fiona Maye com um beijo na boca.
Após esse episódio, Adam Henry recusa acompanhar seus pais ao culto religioso e
dirige-se à Corte aguardando, em vão, a chegada da juíza.
Aos prantos, retorna ao seu apartamento e termina de ler os escritos do jovem, o qual
afirmava que iria se libertar de suas aflições caso sua doença voltasse. Nesse momento
é consolada por seu marido, que posteriormente a acompanha no funeral de Adam
Henry.
Uma questão que paira ao se debruçar sobre o filme, já havia sido destacada por J.
M. Thomas, citado por Tereza Rodriguês Vieira ( 2003, p. 229): “Quem será
beneficiado, se a doença física do paciente dor curada mas sua vida espiritual com
Deus, no conceito dele, ficar comprometida, levando a uma vida sem sentido e talvez
pior do que a própria morte?
não há diferença entre a decisão de uma pessoa com 17 anos e 09 meses, daquela
que acaba de atingir maioridade. Sob o prisma legal, segundo o nosso ordenamento,
aquele que ainda não atingiu a maioridade está sob o pátrio poder, cabendo,
consquentemente, a decisão sobre a transfusão aos pais da criança.
Por isso que um tratamento não pode ser imposto à força. A proteção da integridade
física como direito da personalidade do art. 15 do Código Civil não possui outro
fundamento senão este. A questão não se reduz à escolha na autorização para a
intervenção sobre o corpo, porquanto a pessoa constitui-se não só dele (matéria), mas
de alma, sentimento, ideologias, etc.
Como salienta Cármen Lúcia Antunes Rocha (2004, p. 70), a dignidade humana é
fundamento para os demais direitos e estrutura para o Estado Democrático, ela vem
antes, é pressuposto, de tal modo que, na ponderação, a balança deverá sempre
pender em favor do direito fundamental que realize a dignidade humana em maior
medida.
(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência IN ROCHA, Cármen
Lúcia Antunes(coord.). O direito à vida digna, Belo Horizonte: Fórum, 2004)
Desse modo, a dignidade humana deve ser entendida como um valor espiritual e
moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação
consciente e responsável da própria vida. Nesse sentido, Álvaro Villaça pondera que “a
autonomia e a liberdade integram a dignidade”, de modo que, para ele, a vida
assegurada na Constituição “é a vida com autonomia e liberdade” (AZEVEDO, 2012, p.
272).
AZEVEDO. Álvaro Villaça. Autonomia do paciente e direito de escolha de tratamento
médico sem transfusão de sangue IN AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo
(coords.). Direitos do paciente, São Paulo: Saraiva, 2012.
Manoel Jorge Silva e Neto, ao tratar do tema: “ o problema não é de fácil solução, visto
que o adepto deste segmento religioso poderá se sentir tão vulnerado em porção
importantíssima de sua existência, como é o domínio religioso, que muito
provavelmente possa se converter num dos mais infelizes seres após a transfusão sem
seu consentimento”.
(SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.p. 115)