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História Clínica
História recolhida em dois momentos nos dias 22 de março e 7 de abril de 2016 no
internamento, com o doente.

Identificação
Nuno, doente do sexo masculino, 39 anos, leucodérmico, reformado por invalidez, com
o 11º ano de escolaridade completo, solteiro, reside com a mãe.

Data de Internamento
Internado a 10 de Março 2016

Motivo de Internamento
 Internado voluntariamente a partir do SU do HSJ onde foi conduzido por
agentes de autoridade com mandado de condução, por quadro de alterações do
comportamento com inquietação psico-motora e heteroagressividade física
dirigida à mãe.

História da Doença Atual


Doente aparentemente assintomático até aos 19 anos, altura em que inicia seguimento
em consultas de psiquiatria porque “tinha muitos medos e sentia-me com muitas
fobias...sentia-me mal em espaços com muita gente, dentro de elevadores com outras
pessoas e tinha muito medo de ser operado”. Refere ainda que o médico psiquiatra
escreveu uma carta a dizer que “eu era um bocado anti-social e tinha muitos medos”. Na
altura manteve o seguimento em consulta de psiquiatria, cumprindo terapêutica que não
sabe especificar, acrescentando que foi também referenciado a consultas de psicologia.
Durante este período nega remissão completa dos sintomas acima descritos.
Por volta dos 29 anos de idade, o doente percebe que está a ser vigiado pela polícia “o
meu pai tinha um pacemaker no coração e nessa altura eu já andava desconfiado que a
polícia pudesse ter uma escuta no pacemaker para ouvir o que eu dizia...e uns dias
depois quando eles mandaram parar o carro eu percebi que andavam mesmo atrás de
mim”. Acrescenta ainda que “quando estava em casa por causa da baixa, ouvi uma voz
a dizer: vai trabalhar! Se não fores trabalhar morres!”, referindo que era uma voz
masculina, desconhecida e que, após olhar em seu redor, não viu ninguém, garantindo
que em casa estava apenas ele, o pai e a mãe. Nessa altura, recorda ainda pensar que a
sua vida era importante para a sobrevivência do mundo “A Luísa Albuquerque estava a
falar na TV com o homólogo alemão e eu recordo-me de estar a cair para trás (na
cadeira) e sentir uma força a empurrar-me para a frente...percebi nessa altura que se eu
morresse o mundo podia acabar” e que muitas das previsões que ele fazia, acabavam
por acontecer “Um dia estava a falar com um amigo acerca das torres gémeas e passado
uns tempos elas são destruídas”. Neste episódio nega pensar que alguém lhe
conseguisse ler ou influenciar o pensamento de qualquer forma.
É internado pela primeira vez em 2007 (30 anos de idade), no CHPL e re-internado em
2010 (33 anos de idade), não sabendo referir o motivo dos mesmos, tendo tido alta para
o domicílio com indicação para fazer medicação oral, cujo nome não sabe referir, e
referenciado para consulta de Psiquiatria.
Durante este tempo, o doente passava a maior parte do tempo em casa de baixa porque
“queria um aumento de ordenado, mas toda a gente dizia que eu não tinha
capacidades...e eu ficava chateado”.
Em 2014, com 37 anos, conta que “andava muito de carro, gastava o dinheiro todo em
gasolina e nas prostitutas”. O doente refere nessa altura começou a despender grande
parte do seu tempo com prostitutas dado gostar muito de “sexo”, negando sentir-se,
contudo, mais desinibido socialmente. Quando questionado acerca do uso de
preservativo, o doente refere que “na maioria das vezes usava, mas houve vezes que não
usei”. Quanto ao facto de andar muito de carro, o doente explica que “como eu vivo no
Estoril, passava muitas vezes pela casa do Simões de Almeida, que é irmão do Espírito
Santo pois queria que ele me arranjasse um emprego bom onde se ganhasse muito
dinheiro como arranjou ao meu pai”. Refere ainda diminuição da necessidade de sono
“nessa altura fazia muitas diretas a andar de carro”, negando sonolência diurna ou
mesmo cansaço. Nesse mesmo ano começou a achar que os colegas de trabalho o
queriam prejudicar “fui apanhado a conduzir alcoolizado e tive de ir a tribunal..e como a
juíza que lá estava era uma antiga namorada minha e eu comecei a achar que os meu
colegas a conheciam e estavam feitos com ela”. Quanto à medicação declara que não
cumpria a medicação por achar que não precisava. Neste episódio nega elação do
humor, aumento da auto-estima, sensação de pensamento acelerado, envolvimento em
atividades com alto potencial de risco, ouvir vozes, ter poderes especiais ou alguma
missão, que lhe conseguissem ler o pensamento ou influenciá-lo de qualquer forma.
Teve alta para o domicílio com indicação para fazer medicação oral e injetável, cujo
nome não sabe referir, e com consulta de Psiquiatria para o Dr. Mário David.
É internado novamente em 2015, “provavelmente por bater na minha mãe”, tendo
pedido alta contra o parecer médico pouco tempo depois.
Relativamente ao episódio atual, refere que após ter tido alta do último internamento,
“uma das meninas de quem eu frequentava a casa disse-me para não tomar medicação
nenhuma e eu deixei de a tomar” e em relação a essa menina adianta que “eu namorava
com ela e às vezes pagava-lhe e outras vezes não”. Quanto à razão que motivou o
presente internamento, o doente receia ser uma punição por todos os crimes que
cometeu “eu acho que sou o Hitler..porque causei muitas mortes..e acho que estou aqui
para me matarem”. Quando questionado acerca da natureza desses crimes, o doente
relata que “tive relações com mulheres grávidas que abortaram...e a culpa foi minha
porque os meus espermatozoides destruíram o óvulo e mataram o bebé”, além disso,
“quando eu nasci a minha mãe teve uma infeção no útero...e eu acho que isso foi por
minha causa..porque sou o diabo”. Conclui ainda que “existe o dia de todos os santos, e
eu nasci um génio mau...agora penso que todos são santos menos eu”.
Além disso o doente acredita que tem a capacidade de influenciar acontecimentos
importantes “recordo-me de ter dito a uma colega que gostava de ter um Papa alemão,
um Presidente norte-americano negro e uma mulher a governar os destinos da
Alemanha e aconteceu”. Quando questionado acerca da possibilidade de ser uma pessoa
importante ou relacionado com entidades superiores, declara que “penso que Deus ou o
Diabo contactam comigo porque a minha mãe disse que eu aos 5 anos tive a bênção do
João Paulo II” e além disso “eu acho que sou filho do Cavaco Silva (clonado pelo
falecido pai) porque o vi na televisão a chorar por eu não ser doutor...que era o que o
meu pai gostava que eu fosse” e “a minha mãe é a Nossa Senhora de Fátima”.
Acrescenta ainda que “uma vez, quando estava deitado na cama pensei que era santo e
nesse momento os pássaros começaram todos a cantar”. Quando confrontado com a
possibilidade destes pensamentos serem consequência da sua doença, o doente admite
essa possibilidade mas continua bastante angustiado e receoso relativamente à ideia de
estar ali para ser castigado pelo mal que tem feito.
No presente internamento nega sintomas maniformes acima descritos e sensação de que
alguém lhe controla o corpo ou o pensamento. Nega alterações da vida instintiva,
nomeadamente do sono ou do apetite.

Antecedentes Pessoais
Refere ter tido 3 internamentos prévios no CHPL (2007; 2010; 2015) não sabendo
especificar os motivos em concreto ou a duração dos mesmos, conforme descrito na
história da doença atual. Refere história de traumatismo crânio-encefálico aos 5 anos de
idade, sem sequelas. Nega antecedentes médicos. Nega história de cirurgias.
Atualmente seguido em consulta de Psiquiatria pelo Dr. Mário David. Não se
encontrava a realizar qualquer medicação.
Nega alergias medicamentosas.

Hábitos
Fuma 40 cigarros por dia, com início há 5 anos.
Refere consumo moderado de álcool, inferior a uma vez por semana.
Aos 17 anos, refere ter consumido haxixe com frequência diária. O consumo ter-se-á
mantido durante esse ano. Atualmente estará sem consumos toxicofílicos.

História Pessoal
Natural de Lisboa. Fruto de uma gravidez planeada e vigiada. Nasceu dentro do tempo
normal, sendo o parto eutócico e sem complicações.
Foi amamentado por leite artificial uma vez que “o leite da minha mãe não era bom”.
É o mais novo de uma fratria de 2. Quanto ao desenvolvimento psicomotor refere que
“Comecei a falar aos 9 meses e interpretei isso como uma consequência de ter
provocado a infeção à minha mãe”. Desconhece outros parâmetros referentes ao
desenvolvimento psicomotor.
Aos 5 anos sofreu um traumatismo crâneo-encefálico embatendo com a cabeça numa
pedra após queda da mesma altura. Foi medicamente assistido, tendo posteriormente
alta sem sequelas. Não se apura história de enurese ou encoprese. Nega ter tido doenças
durante a infância.
Viveu sempre com os pais e com a irmã mais velha, descrevendo a sua infância como
normal e feliz. Nega história de violência doméstica, apesar de referir que “havia
discussões em casa..discussões por causa do dinheiro..mas nunca se passou dificuldades
financeiras lá em casa”.
Entrou para a escola com 5 anos, referindo que nunca gostou muito de estudar. Tinha
notas razoáveis mas detestava inglês e português. Reprovou no 2º ano e mudou para
uma escola de ensino especial. Do 5º ao 10º ano “correu bem porque tive um explicador
que me ajudava”. Ficou retido no 11º ano por três vezes, atribuindo esse acontecimento
ao facto de ter deixado de ter o apoio do explicador e não conseguir aprender. Gostava
de jogar futebol com os colegas e “andar atrás das meninas”. Não gostava de estudar.
Aos 24 anos saiu da escola e começou a trabalhar numa empresa no Porto –
IMEDIATA, onde tinha de programar as caixas de multibanco. Após um ano decidiu
procurar outro trabalho pois “nunca aprendi a fazer bem aquilo...não conseguia mais”.
Trabalhou durante os 2 meses que se seguiram como segurança. Aos 26 anos começou a
trabalhar na empresa da irmã, onde esteve empregado durante 10 anos. Nessa empresa
exercia a função de auxiliar de impressão, sentindo-se insatisfeito com esse cargo e com
o ordenado que recebia. (“eu queria um aumento de ordenado, mas toda a gente dizia
que eu não tinha capacidade e eu ficava chateado”). No início refere ter tido um bom
relacionamento com os colegas de trabalhos, relação essa que se foi deteriorando com o
tempo, chegando mesmo a achar que os colegas o queriam prejudicar de alguma forma
e falavam mal dele.
Reformado por invalidez desde 2015.
Atualmente reside em casa da mãe em Sintra. Refere que passa os dias em casa a ver
televisão, vai ao café ter com os amigos da terra e anda de carro. Não tem muitos
amigos.

Sexualidade
Heterossexual. Aos 17 anos teve a primeira namorada, cujo relacionamento durou 5
meses, não tendo havido relações sexuais entre os dois. Iniciou a atividade sexual por
volta dos 20 anos, com uma rapariga com quem namorou 3 meses, tendo usado
preservativo. Aos 22 anos o doente refere que “comecei a ir às prostitutas...era mais
fácil e não haviam tantas chatices”. Quando questionado acerca do uso ou não de
métodos anti-concepcionais, refere que “umas vezes usava e outras vezes não”.
Antecedentes familiares
A mãe tem 79 anos, é reformada e terá diabetes e hipertensão arterial. Tem uma boa
relação com a mãe, admitindo que “eu sou um bocado nervoso e por vezes
descompenso na minha mãe”. Descreve a mãe como sendo uma boa pessoa, sincera e
hospitaleira.
O pai faleceu com 73 anos, aparentemente devido a “um ataque cardíaco”. Aceita que o
pai morreu mas refere que “Eu acho que o meu pai pode ser o Cavaco Silva porque
agora existe a clonagem, e assim o meu pai não morreu”. Refere ter tido uma boa
relação com o pai, apesar de por vezes ser um bocado conflituosa “Ele era boa pessoa,
mas era por vezes agressivo comigo porque queria que eu trabalhasse”.
Nega antecedentes na família de patologia psiquiátrica ou neurológica, de história de
suicídio ou problemas com substâncias psicoativas ou toxicofílicas.

Personalidade Prévia
Antes do início da doença descreve-se como uma “pessoa nervosa e com muitos
medos”. À medida que foi crescendo, foi-se tornando uma pessoa mais introvertida e
com menor auto-estima devido ao facto de nunca ter conseguido ser bem sucedido no
trabalho e nas relações amorosas que foi tendo.
Refere que quando está bem é uma pessoa calma e tenta ser o mais sincero possível.
“Quando o meu cunhado e a minha mãe me repreendem e eu me sinto incompreendido
fico mais nervoso”.
Como atividades que lhe dão prazer, gosta de estar com alguns amigos no café da terra e
passear de carro. Refere ter sido educado na fé católica mas não costuma ir à missa aos
domingos nem participar nas atividades da religião.
Não se apuram características relevantes que configurem traços/perturbações de
personalidade.

Exame do estado mental


Trata-se de um doente com peso adequado para a altura, com idade aparente coincidente
com a real, que se veste com roupa do hospital, com uma camisola laranja, limpa e com
um pequeno rasgão na gola. Aparenta bons cuidados de higiene.
Vigil. Encontra-se orientado em todas as referências. A atenção é facilmente captável e
fixável. Não se apuram alterações grosseiras da memória a curto prazo ou biográfica.
É colaborante ao longo da entrevista, mas apresenta-se inquieto e tenso, mudando
frequentemente de posição na cadeira e balançando as pernas ritmicamente, chegando a
levar as mãos à testa em vários momentos da entrevista. A mímica facial está
ligeiramente diminuída, apresentando pouca reatividade emocional. A marcha é
incaracterística, sem alterações motoras observáveis, nomeadamente estereotipias ou
maneirismos.
O humor é eutímico, denotando embotamento afetivo.
O discurso é espontâneo, fluente e coerente, não se apurando alterações sintáticas ou
semânticas.
O doente apresenta alterações da forma do pensamento, nomeadamente dificuldade de
abstração, inferida através da dificuldade na interpretação de provérbios. Apresenta
ideias delirantes de conteúdo, de grandeza (“o meu pai é o Cavaco Silva...e a minha
mãe a Nossa Senhora de Fátima”), de prejuízo (“eu estou aqui para me matarem pelos
crimes que cometi”), auto-referente (“As torres gémeas caíram porque eu tinha falado
delas...temos um Papa alemão porque eu queria..temos uma mulher a governar os
destinos da Alemanha porque eu quis”), com algum grau de sistematização e impacto
comportamental e afectivo. Além disso apresenta ainda interpretações delirantes
(“num dos internamentos vi uma vez uma bola de luz e não percebi do que se tratava.
Uns anos mais tarde fui à caixa geral de depósitos e no momento em que vi uma luz
luminosa percebi que foi Deus que meteu a bola de luz no internamento para me dar
paz”) e síndrome de Fregoli (“Eu acho que o meu pai pode ser o Cavaco Silva”). Não
se apuram fenómenos de alienação do pensamento ou passividade somática.
Não se apuram alterações sensório-perceptivas no presente internamento embora
descreva atividade alucinatória no passado.
Relativamente à vida instintiva não foram apuradas alterações do sono, apetite ou vida
sexual.
Nega ideação suicida.
O doente não tem crítica para a doença, nem para a necessidade de tratamento,
mostrando-se relutante em fazer a medicação injetável devido à possível letalidade da
mesma.

Exame objectivo
O exame objectivo e o ENS não foram realizados.

Resumo
Doente do sexo masculino, 39 anos, leucodérmico, reformado por invalidez, com o 11º
ano de escolaridade completo, tendo reprovado uma vez no 2º ano e três vezes no 11º
ano, solteiro, a residir com a mãe.
Inicia seguimento em consulta de psiquiatria aos 19 anos por quadro de fobia
inespecífica e isolamento social. Iniciou terapêutica que não sabe especificar, tendo sido
referenciado também a consultas de psicologia.
É internado a primeira vez em 2007, aos 30 anos, por quadro de alteração do
comportamento em contexto de ideias delirantes persecutórias, de grandeza e auto-
referentes e alucinações auditivo-verbais tendo tido alta para o domicílio com indicação
para fazer medicação oral, cujo nome não sabe referir, e referenciado para consulta de
Psiquiatria. É re-internado em 2010, aos 33 anos, não sabendo referir os motivos do
mesmo.
Cerca de 5 anos depois (38 anos) é novamente internado, apresentando quadro de
aumento de energia e diminuição da necessidade de sono, com alguns meses de
duração, tendo pedido alta contra o parecer médico pouco tempo depois.
Manteve seguimento em consulta de Psiquiatria, com fraca adesão à terapêutica
prescrita.
O internamento atual ocorre na sequência de heteroagressividade dirigida à mãe no
contexto de ideação delirante de prejuízo, grandeza e auto-referente, tendo abandonado
a terapêutica prescrita.
Ao EEM o doente apresenta-se inquieto e tenso. O humor é eutímico, denotando-se
embotamento afetivo. Apuram-se alterações da forma do pensamento, nomeadamente
dificuldade de abstração. Apresenta ideias delirantes de conteúdo de prejuízo, de
grandeza e auto-referente, com algum grau de sistematização e impacto comportamental
e afectivo. Apresenta ainda interpretações delirantes e síndrome de Fregoli.
O doente não tem crítica para a doença, nem para a necessidade de tratamento,
mostrando-se relutante em fazer a medicação injetável devido à possível letalidade da
mesma.

Hipóteses de diagnóstico
 Psicose Orgânica e secundaria a substâncias psicoativas
 Esquizofrenia
 Perturbação Afectiva com sintomas Psicóticos (Esquizoafectiva, Perturbação
Bipolar)
 Perturbação Delirante

Métodos complementares de diagnóstico


 Hemograma
 PCR, VS
 Ureia, Creatinina, Ionograma
 PT, aPTT, AST, ALT, GGT, Proteínas totais, Albumina
 Glicémia, Triglicéridos, Colesterol total, LDL, HDL
 Urina II
 Rastreio de tóxicos (n. canabinóides, cocaína)
 VDRL, Anti-HIV, Anti-HCV, Serologia Hepatite B
 TSH, FT3, FT4
 VitB12, Ácido Fólico
 ECG
 TC-CE ou RMN-CE
 EEG
 Avaliação neuropsicológica
 Avaliação da personalidade

Discussão de diagnóstico
Em relação à primeira hipótese diagnóstica, dado que a Psicose orgânica tem de ser
sempre descartada previamente e o doente relata história de consumos de canabinóides
bem como comportamentos sexuais de risco, esta hipótese deverá ser investigada. Uma
vez que o doente não apresenta alterações analíticas revelantes (incluindo pesquisa de
tóxicos e serologias negativas) nem alterações na TC-CE ou no EEG, esta hipótese é
muito improvável.
A hipótese de esquizofrenia é apoiada pela presença de ideias delirantes com algum
grau de sistematização e impacto funcional e afectivo, alteração comportamental, com
episódios de heteroagressividade, presença de sintomatologia negativa nomeadamente
embotamento afectivo e isolamento social, associados a uma longa evolução da doença
(cerca de 10 anos). Apesar de o doente não apresentar atividade alucinatória no presente
internamento, há referência a ela no passado. A ausência de história de episódios
depressivos major ou maníacos sustenta esta hipótese.
O quadro de aumento de energia e diminuição da necessidade de sono pode fazer-nos
equacionar a hipótese de Psicose Esquizoafetiva / Perturbação bipolar. Contra esta
hipótese está o facto de esta sintomatologia não se acompanhar de humor elacionado,
aumento da auto-estima, sensação de pensamento acelerado, envolvimento em
atividades com alto potencial de risco, podendo ser explicada no contexto das ideias
delirantes e da desorganização comportamental do doente.
A hipótese de Perturbação Delirante poderá ser colocada tendo em conta as ideias
delirantes manifestadas pelo doente. Contudo, o conteúdo destas ideias não é
monotemático, mas antes de grandeza, de prejuízo e auto-referente. Além disso, o início
precoce e a presença de alucinações auditivo-verbais tornam pouco provável este
diagnóstico, bem como o facto de o delírio não ser encapsulado e ter um grande impacto
comportamental e funcional.

Hipótese de diagnóstico mais provável


Esquizofrenia

Proposta de tratamento
Os antipsicóticos atípicos são geralmente a terapêutica de primeira linha a instituir
nestes casos para controlo da sintomatologia positiva e negativa, dado os resultados
terapêuticos mostrados e o perfil mais benéfico em termos de efeitos laterais,
nomeadamente sintomatologia extrapiramidal. Neste sentido teríamos como opções a
olanzapina (15-30mg/d), paliperidona (6-12 mg/d) e o aripiprazol (15-30 mg/d), sendo
que os últimos 2 têm a vantagem de se poder fazer a transição para depot mensal
(xeplion 50-150mg e maintena 400mg).
Tendo em conta o historial de múltiplos internamentos em contexto de fraca adesão à
terapêutica prescrita, e o perfil económico do doente, será apropriado iniciar a
paliperidona PO, fazendo posteriormente o switch para a formulação depot (Palmitato
de Paliperidona IM).
Deverá ter alta com consulta agendada para o médico assistente para reavaliação clínica,
eventual ajuste terapêutico e psicoeducação no sentido de melhorar o insight do doente
relativamente à doença e à necessidade de cumprir a medicação.

Prognóstico
O presente internamento correu de forma positiva com remissão parcial do episódio
psicótico agudo e com melhorias no grau de aceitação da doença e da necessidade de
cumprimento do plano terapêutico, ainda que a toma da injeção seja motivo de grande
ansiedade para o doente. Como fatores de bom prognóstico existem o suporte familiar e
financeiro. Como fatores de mau prognóstico surgem o facto de ser homem, os
antecedentes de má adesão à terapêutica, insight parcial para a doença e para a
necessidade de tomar a medicação prescrita e o início relativamente precoce da doença.
Tendo em conta os fatores positivos e os negativos, o prognóstico poderá ser reservado
pela maior quantidade de factores de mau prognóstico.

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