Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Identificação
D. D., 23 anos, sexo masculino, leucodérmico, solteiro, no 4º ano de Direito na Faculdade Nova.
Natural de Lisboa, residente num apartamento em Rio de Mouro onde vive com pais e irmã
gémea. História colhida no dia 2 de Setembro de 2015 e elaborada com base no relato da doente e
processo clínico – historia apresentada em reunião de serviço no serviço PE e numa supervisão em
2015 parece-me.
2. Motivo de Internamento
Doente internado voluntariamente no dia 11/08/2015 através do serviço de urgência por
ideias de que era perseguido e “ouvia vozes sozinho” (sic).
Adolescência e Puberdade
Por volta dos seus 10 anos de idade, refere que os seus colegas de turma começaram a gozar
com ele, porque tinha os dentes de cima muito para a frente e o queixo para trás (retrognatismo)
“chamavam-me de dentolas e outras coisas mais feias” (sic). “Nunca confrontava os meus colegas
porque a minha mãe dizia-me que era feio provocar desacatos ou gozar com os outros” (sic). Aos 12
anos colocou aparelho nos dentes com alguma melhoria dos problemas referidos. Ainda assim,
tapava frequentemente a cara e fazia movimentos constantes de protusão da mandíbula pensando
que poderiam melhorar o retrognatismo, que lhe causavam dor nas regiões da articulação
têmporo-maxilar, músculos da face e da nuca, mas que mantinha apesar disso.
Concomitantemente, quando falava destas preocupações em casa, refere que o pai não
compreendia, o que levava a conflitos frequentes, que se mantiveram até aos 17 anos. Aos 17,
decide parar de fazer protusão da mandibula “cansava muito e além disso gozavam comigo de
outras coisas que já não me afectavam” (sic).
No secundário, optou pela área de economia e tinha notas médias “14s e 15s” (sic). As
disciplinas que mais gostava eram Inglês, Português e Economia. Entretanto, diz que começou a
nutrir interesse pela área de Direito por “abrir muitas portas” (sic). Aplicou-se e diz que só não
entrou na Faculdade pública de Direito por 3 décimas. Assim, foi para a Universidade da Lusíada.
Refere que na escola secundária já era mais ou menos como é agora “calado, com poucos
amigos mas até participava nas aulas” (sic).
Maturidade/Idade Adulta
Em 2010 ingressou no curso de Direito da Universidade da Lusíada. Refere que no 1º ano
estudou o suficiente para passar às disciplinas mas que se foi aplicando mais ao longo do curso com
melhores notas nos anos posteriores. Interrompeu a faculdade no 2º semestre do 3º ano (2013) no
contexto de seu 1º episódio psicótico. Voltou à faculdade a Setembro de 2013 após um mês de
Hospital de Dia com relativo bom aproveitamento. Em Setembro de 2014 é transferido para
Faculdade pública de Direito na Universidade Nova de Lisboa com boa adaptação. Vai agora para 4º
ano da faculdade mas ainda tem cadeiras do 1º, 2º e 3ºs, visto que com transferência algumas
cadeiras não tinham equivalência. Refere que tem várias pessoas que conhece na faculdade mas
nenhuma que possa chamar amigo.
Abandonou equipa de futebol após primeiro episódio psicótico mas por vezes joga com
conhecidos.
Durante este período viveu quase sempre na casa dos pais com as suas irmãs, tendo passado 1
ano fora de casa entre Fevereiro de 2012 e Fevereiro de 2013, primeiro numa casa dos avós e
posteriormente num apartamento alugado.
Volta à casa dos pais após primeiro internamento, onde vive actualmente.
História Afectivo-sexual
No que se refere à vida relacional, nunca estabeleceu relações afectivo-sexuais, “nunca surgiu
oportunidade” (sic). Aparentemente de orientação heterossexual.
Hábitos
Refere já ter experimentado bebidas alcoólicas mas muito raramente, sendo que nunca ficou
embriagado.
Nega hábitos tabágicos ou toxicológicos.
Antecedentes Psiquiátricos
1 Internamento no Hospital Egas Moniz e 1 no HDia do CHPL, descritos na HDA.
História Médica
Refere cirurgia ao septo nasal na adolescência.
Nega acidentes ou traumatismos. Nega episódio de perda de consciência, cefaleias ou
confusão.
Nega outra patologia médica com eventual repercussão no estado mental, nomeadamente
tumores do SNC, doença neurológica ou doenças infecciosas.
Nega alergias medicamentosas.
Nega medicação habitual além da psiquiátrica.
5. Antecedentes Familiares
Natural de Lisboa, proveniente de uma família de estatuto médio socioeconómico e cultural.
Actualmente mora com os pais e a irmã gémea em Rio de Mouro em apartamento da família. A
irmã mais velha foi recentemente trabalhar para a Holanda. Refere boa relação com todos os
membros da família mas principalmente com a sua mãe e irmã gémea. No passado, a sua relação
com o pai era problemática com conflitos frequentes que incidiam normalmente sobre
preocupações de imagem do doente que entretanto se terão resolvido. Relativamente à mãe,
considera-se mais próximo “ela ensinou-me os valores morais que ainda tenho” (sic), diz que é a
“típica mãe galinha” (sic) mas que isso não o incomoda. No que se refere às irmãs, tem boa relação
com as 2 se bem que é muito mais próximo da irmã gémea “somos confidentes, quando estava a
ficar doente, a única pessoa com quem me abria era ela, é a minha melhor amiga” (sic). Tem
contacto superficial com avós do lado materno e paterno.
Pai trabalha num cargo de chefia na Staples. Saudável
Mãe, dona de casa, natural da Terceira. Aparentemente saudável.
Irmã mais velha de 26 anos, trabalha como Engenheira Aeroespacial na Phillips na
Holanda. Saudável.
Irmã gémea (23 anos), a acabar curso de Arquitectura. Saudável.
Avô materno com Doença de Parkinson
2 primos do lado materno com doença mental que não sabe especificar, desconhece
existência de internamentos ou se existe seguimento em consulta.
Nega história de suicídios, outras doenças neurológicas ou psiquiátricas na família.
6. Personalidade Pré-mórbida
Refere que desde a infância que, apesar de bem-disposto, nunca teve muitos amigos, não
porque tivesse dificuldades em fazer amizade mas porque não tinha vontade. Descreve-se como
educado, reservado e introspectivo, mas, no geral, optimista. Nega comportamentos excêntricos,
impulsivos ou de desconfiança.
Refere interesse em futebol seguindo com atenção jogos do Sporting. Já jogou como defesa
central em 3 clubes dos 9 aos 19 anos.
É católico praticante indo à missa quando pode aos domingos. Foi crismado e sente que a
religião foi muito importante para moldar os seus valores morais.
No 1º e 2º ciclo, refere boas notas com 4s e 5s nas disciplinas. No secundário refere notas um
pouco mais baixas 14/15s mas no geral sem dificuldades de aprendizagem.
No que se refere à vida relacional, nunca terá estabelecido relações afectivo-sexuais com o
sexo oposto e, apesar de ter interesse por algumas raparigas, nunca teve amigas além das irmãs.
Aparentemente de orientação heterossexual.
10. Resumo
Doente do sexo masculino, 23 anos, no 4º ano de Direito, residente em Rio de Mouro com pais
e irmã gémea. Durante a adolescência, terá sofrido bullying dos seus colegas por retrognatismo
ligeiro, com grande impacto na vida do doente. É descrita história familiar de doença mental mal
esclarecida em primos maternos e destacam-se também traços esquizoides da personalidade.
Inicia seguimento em Psiquiatria em 2013, com internamentos no Hospital Egas Moniz e no
Hospital de Dia do CHPL e posterior acompanhamento em consulta pela Dra. Filipa Moutinho. Ao
longo do seguimento em consulta, o doente manteve-se sem sintomatologia psicótica aguda, no
entanto, nunca aceitou a sua doença psiquiátrica, e todas as terapêuticas tentadas em ambulatório
– Risperidona, Paliperidona e Zotepina – tiveram efeitos adversos marcados, nomeadamente,
rigidez muscular cervical, crises oculogiras e disfunção eréctil. É neste contexto que o doente
abandona a terapêutica cerca de 2 meses antes do último internamento. Dirige-se voluntariamente
à urgência por retorno de ideias delirantes persecutórias e alucinações acústico-verbais.
Ao exame do estado mental, destaca-se humor eutímico com ligeiro aplanamento dos afectos;
apurou-se ideação delirante persecutória de colorido pseudocientífico e de autorrelacionação,
alucinações auditivo-verbais na 2ª pessoa de carácter interpelativo, e crítica mantida para a
doença, aceitando terapêutica desde que sem efeitos adversos.
Sem alterações de relevo no controlo analítico. TC-CE e EEG realizados em 2013 sem
alterações. Resultados de avaliações neuropsicológicas, personalidade e inteligência não
realizados.
13. Plano
Propõe-se associação de farmacoterapia e tratamento não farmacológico. Assim,
No âmbito farmacológico sugere-se:
Monoterapia com antipsicótico de 2ª geração com pouca sintomatologia
extrapiramidal.
Ao escolher a terapêutica anti-psicótica, é preciso ter em conta efeitos adversos mais
proeminentes de cada fármaco e importância destes para cada doente, além disso, é importante
também uma posologia que possibilite uma melhor adesão terapêutica.
Desta forma, os fármacos com menor incidência de sintomas extra-piramidais são, por ordem,
Clozapina, (Sertindole), Olanzapina, Quetiapina e Aripiprazol - segundo meta-análise de Leucht et al
de 2013 no Lancet. Assim, parece-me haver 2 linhas de tratamento. Em 1ª linha existem 2 fármacos
que se poderiam escolher por razões diferentes: a Olanzapina e o Aripiprazol.
Apesar de estar descrito que a Olanzapina já teria sido tentada em internamento anterior sem
melhoria da sintomatologia psicótica, poder-se-ia voltar a tentar esta medicação visto que é 3º
fármaco com menos SEP e o 3º mais eficaz na redução de sintomatologia (Leucht et al, 2013). Além
disso não se sabe ao certo a forma como foi usada no internamento do Hospital Egas Moniz. Parece
também uma melhor opção que a Quetiapina visto a titulação para níveis anti-psicóticos é mais
vagarosa e com menos eficácia na redução de sintomatologia. Olanzapina deve ser titulada até
níveis terapêuticos (p.e. 15-30 mg/d).
O Aripiprazol também seria uma boa opção tendo em conta um bom perfil de sintomatologia
extra-piramidal (5º AP com menos SEP), um menor risco cardio-vascular, uma menor incidência de
disfunção eréctil e o facto de haver formulação com posologia mensal que levaria a uma melhor
adesão terapêutica. A dose de Aripiprazol deveria ser titulada até 15-30 mg/d podendo depois
introduzir o injectável IM de Abilify Maintena 400mg mensais.
Em 2ª linha, surge a Clozapina que sendo o fármaco com menor incidência de sintomas extra-
piramidais e com maior eficácia, poder-se-á considerar como boa opção. No entanto, segundo as
guidelines internacionais o doente deveria realizar controlos analíticos muito frequentes –
semanalmente nas primeiras 18 semanas, posteriormente de 2 em 2 semanas no resto do 1º ano e
depois mensalmente. Existe também o risco de Sindrome Metabolico, tal como com a Olanzapina,
que deve ser monitorizado em consulta. A dose de Clozapina deverá ser titulada até uma boa
resposta anti-psicótica (p.e. 200-500 mg/d).
No âmbito não farmacológico:
Consulta de seguimento – para reavaliação da situação clínica com monitorização de
vários parâmetros (nomeadamente peso, hemograma, perfil lipídico); eventual
optimização da terapêutica; e trabalho da crítica para a doença, visando o melhor
cumprimento terapêutico.
Terapia Ocupacional – para promoção da autonomia do doente e funcionamento
social e interpessoal.
Psicoeducação – visando a diminuição da emoção expressa; a educação sobre a
doença e suas consequências, fornecendo conselhos práticos na sua abordagem e
participação da família na adesão à terapêutica por parte doente; visa ainda o ajuste
de expectativas. Poder-se-á ponderar também uma abordagem familiar mais
estruturada em que o foco principal é a família com objectivos de psicoeducação sobre
a esquizofrenia e a possibilidade de intervenção nos problemas actuais da família
(auxiliá-la a negociar soluções ou adotar novas formas para lidar com os problemas).
14. Evolução
Durante o presente internamento o quadro evoluiu favoravelmente: comportamento
gradualmente mais adequado, desaparecimento progressivo dos sintomas positivos, que cederam
com terapêutica anti-psicótica – Clozapina 200 mg ao deitar. Ao longo do internamento, doente foi
ganhando crítica progressiva do ocorrido e à necessidade de medicação. A referir ainda, o interesse
desenvolvido pelo doente relativamente à Terapia Ocupacional (TO), enquanto local que
possibilitou o desenvolvimento de projectos e actividades, particularmente dançoterapia e tai-chi,
além de ter possibilitado socialização com outros doentes. Foi proposto também ao doente
integração no Hospital de Dia que recusou por não ter gostado da experiência anterior.
No final do internamento, revelou projectos para o futuro possivelmente irrealistas - acabar o
curso de Direito e trabalhar como juiz - mas que poderão ser adaptados e trabalhados em consulta.
15. Prognóstico
O prognóstico é difícil de avaliar dado o equilíbrio entre factores de bom e mau prognóstico.
Ainda assim, o prognóstico parece relativamente favorável sendo que o presente internamento
decorreu sem intercorrências com boa aceitação da doença e da necessidade de tratamento;
outros factores de bom prognóstico são o subtipo paranoide da doença, o bom funcionamento pré-
morbido, não haver consumo de substâncias, o predomínio de sintomas positivos e um bom
sistema de suporte familiar. Em relação aos factores de mau prognóstico, destacam-se uma idade
de início precoce, o sexo masculino, ser solteiro, algum isolamento social, aparente história de
doença mental na família e adesão precária ao tratamento no passado.