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História Clínica

1. Identificação
D. D., 23 anos, sexo masculino, leucodérmico, solteiro, no 4º ano de Direito na Faculdade Nova.
Natural de Lisboa, residente num apartamento em Rio de Mouro onde vive com pais e irmã
gémea. História colhida no dia 2 de Setembro de 2015 e elaborada com base no relato da doente e
processo clínico – historia apresentada em reunião de serviço no serviço PE e numa supervisão em
2015 parece-me.

2. Motivo de Internamento
Doente internado voluntariamente no dia 11/08/2015 através do serviço de urgência por
ideias de que era perseguido e “ouvia vozes sozinho” (sic).

3. História da Doença Atual


Doente sem antecedentes psiquiátricos até aos seus 20 anos (2012). A Fevereiro desse ano,
após discussão com o pai, decide abandonar a casa de família e ir viver para um apartamento dos
avós que se encontrava desocupado. Descreve um isolamento cada vez maior, interrompido
apenas por idas aos treinos de futebol e aulas na faculdade de Direito. Em Julho do mesmo ano,
aluga apartamento na Ajuda, para onde se muda. Refere que por essa altura sente que “tudo
estava diferente mas não sei explicar exactamente o quê” (sic). Com o início do Euro 2012 fala de
fenómenos estranhos “a selecção fazia o que eu queria que fizesse (…) achava que eles conseguiam
aceder ao que eu pensava e por isso jogavam bem” (sic) e relata episódio na eliminação de Portugal
do Europeu em que “o Paulo Bento e o Miguel Veloso falaram à televisão e disseram que
agradeciam as pessoas lá em casa, que sabem quem são (…) estavam a falar de mim” (sic). Ainda
assim, o doente refere que estas ideias não tinham muito impacto no seu funcionamento do dia-a-
dia. Continuava a ir à faculdade e aos treinos de futebol, e relata situações em que “os colegas da
faculdade olhavam para mim como se soubessem o que se passava na minha casa” ou “que lá no
futebol as pessoas desmarcavam-se para onde queria através do meu pensamento” (sic).
No final de Dezembro, início de Janeiro de 2013, começa a época de exames na faculdade e
mais precisamente, “a 3 de Janeiro de 2013 tudo começou a fazer sentido” (sic); nessa altura,
“tenho memória de uma conversa que tive com a minha mãe em que ela me falou de um chip que
tinha na cabeça e que estava a ser vigiado com câmaras de filmar em casa” (sic). “Sentia-me
especial, com poderes (…) achava que era capaz de comunicar telepaticamente (…) uma vez estava
a olhar para uma rapariga e pensei, é a rapariga mais bonita que já vi, o problema são as narinas, e
ela tapou a cara porque me tinha ouvido” (sic), além disso, “achava-me com força sobrenatural, a
jogar futebol rematei a bola e furou a rede que rodeava o campo (…) e mais, achava que era a 2ª
pessoa mais inteligente do mundo” (sic).
Terá conseguido concluir exames do 1º semestre sem reprovações “passei com 10s e 11s, era o
suficiente” (sic).
Com o passar do tempo começa a sistematizar estas ideias, referindo que “tinha sido o meu
avô a contratar um neurocientista para me implantar um chip através do nariz e me conseguir
controlar” (sic). Quando perguntado sobre o porquê de o quererem controlar responde “porque
era o Messias (…) uma vez comecei a falar como se tivesse a ser controlado por Deus e disse que
dentro de 2 semanas a grande conclusão do programa de televisão que era a minha vida iria
acontecer na missa” (sic). Passadas 2 semanas, interrompeu a missa e falou no púlpito porque
precisava que as pessoas o ouvissem. Duas senhoras que estavam a assistir à missa chamaram a
ambulância e foi encaminhado para o SU de Psiquiatria do Hospital Egas Moniz. Foi internado
compulsivamente durante 1 mês. Realizou TC-CE e EEG sem alterações. Iniciou terapêutica com
Olanzapina, sem efeito, com troca posterior para Risperidona, com melhoria. Após alta, em
Fevereiro de 2013, voltou para a casa dos pais. Não aceitava doença ou necessidade de
tratamento, com uma atitude muito desconfiada para com os médicos. Refere que não lhe
quiseram mostrar a TC-CE porque estariam a ocultar o chip que tinha no cérebro. Interrompe a
faculdade no 2º semestre “tinham-me dito no Egas Moniz que nunca mais seria capaz de terminar
o curso” (sic).
Em Julho de 2013, volta a descompensar. Foi visto no SU do HSJ onde lhe foi proposto HDia do
HJM para estabilização, início de rotinas e reintegração social. Apurou-se no HDia que o doente
demonstrava alguns efeitos adversos da Risperidona, nomeadamente, rigidez dos músculos
cervicais e disfunção eréctil. Após um mês de seguimento volta para casa e volta à Faculdade de
Direito na Universidade Lusíada com seguimento na consulta da Dra. Filipa Moutinho. Ao longo das
consultas, doente continuou com queixas de rigidez dos músculos cervicais e dificuldade em aceitar
a doença “achava que estava curado, eu associava o atrofio que tive na cabeça aos movimentos
que fazia com o maxilar na minha adolescência” (sic) – melhor explicado nos antecedentes
pessoais. Terá começado concomitantemente com o Risperdal Consta quinzenal a Zotepina e na
altura sentiu-se mais calmo, apesar de um pouco lentificado. Devido à manutenção de
sintomatologia extra-piramidal fez-se o switch do Risperdal Consta para o Xeplion 150 mg mensal a
Maio de 2014. Ao início descreve melhoria relativamente aos efeitos de lentificação motora e no
convívio com outras pessoas mas por volta de Julho desse ano inicia crises oculogiras frequentes.
Acrescentou-se Biperideno em SOS à medicação e reduziu-se a dose de Xeplion sem diminuição de
crises. Doente começou a usar óculos escuros e a evitar transportes públicos e a faculdade. Em
Junho de 2015, a sua médica assistente faz ajuste da terapêutica ficando a fazer 200 mg/dia de
Zotepina com indicação de ir ao SU reaparecimento de sintomatologia psicótica. Como a
sintomatologia extra-piramidal persistia, o doente decidiu parar medicação.
Após o abandono terapêutico o doente começou a sentir-se inquieto, verbalizando que tinha
medo que o estivessem a perseguir “achava que os vizinhos do apartamento tinham sido pagos
pelo meu avô e o neurocientista para me espiarem” (sic) e que “às vezes ouvia a voz da minha irmã
ou da minha mãe a chamarem-me quando estava sozinho (…) outras vezes ouvia o som de
ambulâncias ou de tiros como se viessem do meu quarto” (sic). Este retorno das ideias de
perseguição provocaram uma angústia marcada que fizeram com que o doente se dirigisse ao SU
do HSJ, no dia 11 de Agosto de 2015, onde foi internado voluntariamente para o serviço de
Psicoses Esquizofrénicas do CHPL.
Nega à altura do internamento alterações do peso ou do padrão do sono, falta de interesse ou
prazer nas actividades diárias, sentimentos de desesperança ou tristeza marcada. Nega que em
qualquer altura da sua vida tenha tido episódios de tempo variável caracterizados por energia
excessiva, aumento da autoestima, realização de múltiplas tarefas em simultâneo, diminuição da
necessidade de dormir, distractibilidade excessiva, gastos excessivos em desacordo com as suas
possibilidades económicas ou desorientação. Nega, neste episódio, ter ouvido o seu pensamento
em voz alta, que este tenha desaparecido em virtude de alguém se ter apoderado dele, ou que o
mesmo não lhe pertença.

4. História Pessoal e Social


História Pré-natal/Perinatal
O doente é o terceiro filho de uma fratria de 3 (uma irmã mais velha 3 anos e irmã gémea). A
gravidez foi gemelar, planeada e desejada, sem intercorrências. Nasceu no Hospital São Francisco
Xavier e teve um parto distócico através de cesariana, às 40 semanas, sem complicações. É o irmão
mais novo e nasceu com 4,2 kg. Foi amamentado mas não sabe especificar durante quanto tempo.
Nega abortos anteriores ao seu nascimento.

Primeira Infância/Idade Pré-escolar


O doente desconhece dados relativos ao desenvolvimento psicomotor, nomeadamente
marcha, fala ou controlo de esfíncteres.
Nega manifestações de psicopatologia infantil, nomeadamente enurese, encoprese, terrores
nocturnos, sonambulismo, problemas com a alimentação, gaguez, bruxismo, onicofagia, tiques,
hiperactividade ou outras alterações do comportamento.
Descrevia-se como uma criança “alegre, muito chegado à minha mãe e irmã [gémea]”. (sic).
A primeira recordação da infância que tem é por volta dos 3/4 anos, em que a irmã gémea
esteve internada no hospital por apendicite “fiquei muito preocupado, deixei de comer” (sic).

Segunda Infância/Idade Escolar


Refere que nesta altura “era uma criança bem-disposta, tinha alguns amigos, costumávamos
jogar futebol e até era convidado para festas de aniversário” (sic).
Entrou numa equipa de futebol com 9 anos, onde jogava a defesa central. É na Escola Primária
e no futebol que conhece o seu melhor amigo, o único que ainda mantem contacto dessa altura.
Do ponto de vista escolar, era “bom aluno, tinha 4s e 5s (…) o que gostava mais era de
Português e Matemática” (sic).

Adolescência e Puberdade
Por volta dos seus 10 anos de idade, refere que os seus colegas de turma começaram a gozar
com ele, porque tinha os dentes de cima muito para a frente e o queixo para trás (retrognatismo)
“chamavam-me de dentolas e outras coisas mais feias” (sic). “Nunca confrontava os meus colegas
porque a minha mãe dizia-me que era feio provocar desacatos ou gozar com os outros” (sic). Aos 12
anos colocou aparelho nos dentes com alguma melhoria dos problemas referidos. Ainda assim,
tapava frequentemente a cara e fazia movimentos constantes de protusão da mandíbula pensando
que poderiam melhorar o retrognatismo, que lhe causavam dor nas regiões da articulação
têmporo-maxilar, músculos da face e da nuca, mas que mantinha apesar disso.
Concomitantemente, quando falava destas preocupações em casa, refere que o pai não
compreendia, o que levava a conflitos frequentes, que se mantiveram até aos 17 anos. Aos 17,
decide parar de fazer protusão da mandibula “cansava muito e além disso gozavam comigo de
outras coisas que já não me afectavam” (sic).
No secundário, optou pela área de economia e tinha notas médias “14s e 15s” (sic). As
disciplinas que mais gostava eram Inglês, Português e Economia. Entretanto, diz que começou a
nutrir interesse pela área de Direito por “abrir muitas portas” (sic). Aplicou-se e diz que só não
entrou na Faculdade pública de Direito por 3 décimas. Assim, foi para a Universidade da Lusíada.
Refere que na escola secundária já era mais ou menos como é agora “calado, com poucos
amigos mas até participava nas aulas” (sic).

Maturidade/Idade Adulta
Em 2010 ingressou no curso de Direito da Universidade da Lusíada. Refere que no 1º ano
estudou o suficiente para passar às disciplinas mas que se foi aplicando mais ao longo do curso com
melhores notas nos anos posteriores. Interrompeu a faculdade no 2º semestre do 3º ano (2013) no
contexto de seu 1º episódio psicótico. Voltou à faculdade a Setembro de 2013 após um mês de
Hospital de Dia com relativo bom aproveitamento. Em Setembro de 2014 é transferido para
Faculdade pública de Direito na Universidade Nova de Lisboa com boa adaptação. Vai agora para 4º
ano da faculdade mas ainda tem cadeiras do 1º, 2º e 3ºs, visto que com transferência algumas
cadeiras não tinham equivalência. Refere que tem várias pessoas que conhece na faculdade mas
nenhuma que possa chamar amigo.
Abandonou equipa de futebol após primeiro episódio psicótico mas por vezes joga com
conhecidos.
Durante este período viveu quase sempre na casa dos pais com as suas irmãs, tendo passado 1
ano fora de casa entre Fevereiro de 2012 e Fevereiro de 2013, primeiro numa casa dos avós e
posteriormente num apartamento alugado.
Volta à casa dos pais após primeiro internamento, onde vive actualmente.

História Afectivo-sexual
No que se refere à vida relacional, nunca estabeleceu relações afectivo-sexuais, “nunca surgiu
oportunidade” (sic). Aparentemente de orientação heterossexual.

Hábitos
Refere já ter experimentado bebidas alcoólicas mas muito raramente, sendo que nunca ficou
embriagado.
Nega hábitos tabágicos ou toxicológicos.

Antecedentes Psiquiátricos
1 Internamento no Hospital Egas Moniz e 1 no HDia do CHPL, descritos na HDA.

História Médica
Refere cirurgia ao septo nasal na adolescência.
Nega acidentes ou traumatismos. Nega episódio de perda de consciência, cefaleias ou
confusão.
Nega outra patologia médica com eventual repercussão no estado mental, nomeadamente
tumores do SNC, doença neurológica ou doenças infecciosas.
Nega alergias medicamentosas.
Nega medicação habitual além da psiquiátrica.
5. Antecedentes Familiares
Natural de Lisboa, proveniente de uma família de estatuto médio socioeconómico e cultural.
Actualmente mora com os pais e a irmã gémea em Rio de Mouro em apartamento da família. A
irmã mais velha foi recentemente trabalhar para a Holanda. Refere boa relação com todos os
membros da família mas principalmente com a sua mãe e irmã gémea. No passado, a sua relação
com o pai era problemática com conflitos frequentes que incidiam normalmente sobre
preocupações de imagem do doente que entretanto se terão resolvido. Relativamente à mãe,
considera-se mais próximo “ela ensinou-me os valores morais que ainda tenho” (sic), diz que é a
“típica mãe galinha” (sic) mas que isso não o incomoda. No que se refere às irmãs, tem boa relação
com as 2 se bem que é muito mais próximo da irmã gémea “somos confidentes, quando estava a
ficar doente, a única pessoa com quem me abria era ela, é a minha melhor amiga” (sic). Tem
contacto superficial com avós do lado materno e paterno.
 Pai trabalha num cargo de chefia na Staples. Saudável
 Mãe, dona de casa, natural da Terceira. Aparentemente saudável.
 Irmã mais velha de 26 anos, trabalha como Engenheira Aeroespacial na Phillips na
Holanda. Saudável.
 Irmã gémea (23 anos), a acabar curso de Arquitectura. Saudável.
 Avô materno com Doença de Parkinson
 2 primos do lado materno com doença mental que não sabe especificar, desconhece
existência de internamentos ou se existe seguimento em consulta.
Nega história de suicídios, outras doenças neurológicas ou psiquiátricas na família.

6. Personalidade Pré-mórbida
Refere que desde a infância que, apesar de bem-disposto, nunca teve muitos amigos, não
porque tivesse dificuldades em fazer amizade mas porque não tinha vontade. Descreve-se como
educado, reservado e introspectivo, mas, no geral, optimista. Nega comportamentos excêntricos,
impulsivos ou de desconfiança.
Refere interesse em futebol seguindo com atenção jogos do Sporting. Já jogou como defesa
central em 3 clubes dos 9 aos 19 anos.
É católico praticante indo à missa quando pode aos domingos. Foi crismado e sente que a
religião foi muito importante para moldar os seus valores morais.
No 1º e 2º ciclo, refere boas notas com 4s e 5s nas disciplinas. No secundário refere notas um
pouco mais baixas 14/15s mas no geral sem dificuldades de aprendizagem.
No que se refere à vida relacional, nunca terá estabelecido relações afectivo-sexuais com o
sexo oposto e, apesar de ter interesse por algumas raparigas, nunca teve amigas além das irmãs.
Aparentemente de orientação heterossexual.

7. Exame do Estado Mental


Idade aparente coincidente à idade real. Biótipo normolínio e constituição muscular
normoplásica. Aparência geral razoavelmente cuidada, com bom estado de higiene e nutrição, e
forma de vestir adequada ao sexo e idade.
Postura calma e adequada. Atitude colaborante. Contacto reservado, mas sintónico e cordial.
Mímica facial e gesticulação expressivas com ressonância afectiva adequada, mantendo
contacto ocular com entrevistador. Alguma diminuição do pestanejo. Marcha incaracterística e sem
alterações. Discreto tremor fino dos membros superiores desvalorizado pelo doente
Vígil, sem alterações quantitativas e qualitativas da consciência.
Orientado no tempo e no espaço, auto e alopsiquicamente.
Atenção captável e fixável. Sem dificuldades de concentração.
Inteligência com níveis aparentemente adequados
Humor eutímico com ligeiro aplanamento dos afectos. Reactividade emocional mantida.
Discurso organizado, espontâneo, fluente, coerente e lógico, sem alterações semânticas,
sintáticas, de articulação ou de débito.
Apresenta alterações do pensamento inferidas a partir do discurso. No momento da entrevista,
apuraram-se alterações do conteúdo do pensamento, nomeadamente ideação delirante
persecutória de colorido pseudo-científico e delírios de autorrelacionação. No passado, estavam
presentes também delírios de grandeza/messiânicos, memórias delirantes, atmosfera delirante e
provável percepção delirante. No momento da entrevista, sem aparentes alterações do curso ou
forma do pensamento; não ponho de parte a sua existência no passado. Em relação à posse, são
descritos fenómenos compatíveis com difusão de pensamento no passado.
Em relação à vivência do eu, destacam-se desrealização numa fase inicial da doença e episódio
compatível com passividade somática.
Sem distorções sensoriais, porém, no momento da entrevista, apuravam-se alucinações
auditivas elementares. No passado, são descritas alucinações auditivas organizadas na 2ª pessoa de
conteúdo interpelativo.
Não se detectam alterações da vida instintiva, como alterações do sono, comportamento
alimentar ou comportamento sexual; ou da volição.
Não se apura ideação suicida nem de heteroagressividade.
Aparentemente com juízo crítico mantido para a sua doença psiquiátrica, necessidade de
internamento e tratamento a longo prazo, desde que este tenha poucos efeitos secundários.

8. Exame objetivo sumário


Eupneico em ar ambiente, acianótico, anictérico.
Apirético e hemodinamicamente estável. Pele e mucosas coradas e hidratadas.
TA 140/80 mmHg e FC de 86 bpm.
Auscultação cardíaca com S1 e S2 presentes, rítmicos e regulares; sem extra-sons ou sopros.
Auscultação pulmonar com MV mantido, sem ruídos adventícios.
Abdómen mole, depressível, sem massas ou organomegálias; sem dor à palpação.
MIs sem edema ou sinais de TVP.
Sem sinais focais. Sem sinais meníngeos. Ligeiro tremor fino dos membros superiores. Marcha
sem alterações.

9. Exames Complementares de Diagnóstico


Deveria realizar hemograma com plaquetas, função renal, função tiroideia, perfil lipídico, provas
de coagulação, glicose, doseamentos vitamínicos, serologias, análise sumária da urina com despiste
toxicológico e ECG.
Poder-se-ia realizar uma avaliação neuropsicológica de forma a caracterizar o compromisso
cognitivo do caso em estudo, de preferência, num período pós-agudo de forma a não contaminar
resultados. Dada a suspeita de PP esquizóide também poderia ser importante realizar avaliação da
personalidade e inteligência, num 2º tempo.
Visto o doente ter TC-CE e EEG recentes sem alterações, não parecem pertinentes novas
avaliações neste curto espaço de tempo.

10. Resumo
Doente do sexo masculino, 23 anos, no 4º ano de Direito, residente em Rio de Mouro com pais
e irmã gémea. Durante a adolescência, terá sofrido bullying dos seus colegas por retrognatismo
ligeiro, com grande impacto na vida do doente. É descrita história familiar de doença mental mal
esclarecida em primos maternos e destacam-se também traços esquizoides da personalidade.
Inicia seguimento em Psiquiatria em 2013, com internamentos no Hospital Egas Moniz e no
Hospital de Dia do CHPL e posterior acompanhamento em consulta pela Dra. Filipa Moutinho. Ao
longo do seguimento em consulta, o doente manteve-se sem sintomatologia psicótica aguda, no
entanto, nunca aceitou a sua doença psiquiátrica, e todas as terapêuticas tentadas em ambulatório
– Risperidona, Paliperidona e Zotepina – tiveram efeitos adversos marcados, nomeadamente,
rigidez muscular cervical, crises oculogiras e disfunção eréctil. É neste contexto que o doente
abandona a terapêutica cerca de 2 meses antes do último internamento. Dirige-se voluntariamente
à urgência por retorno de ideias delirantes persecutórias e alucinações acústico-verbais.
Ao exame do estado mental, destaca-se humor eutímico com ligeiro aplanamento dos afectos;
apurou-se ideação delirante persecutória de colorido pseudocientífico e de autorrelacionação,
alucinações auditivo-verbais na 2ª pessoa de carácter interpelativo, e crítica mantida para a
doença, aceitando terapêutica desde que sem efeitos adversos.
Sem alterações de relevo no controlo analítico. TC-CE e EEG realizados em 2013 sem
alterações. Resultados de avaliações neuropsicológicas, personalidade e inteligência não
realizados.

11. Hipóteses Diagnósticas e Discussão


A hipótese diagnóstica mais provável neste doente é a Esquizofrenia (F20 do CID10). A título
meramente académico coloco como outras hipóteses diagnósticas:
 Perturbações afectivas com sintomas psicóticos (F25 ou F31);
 Psicose secundária a condição médica;
 Perturbação mental causada por substâncias psicoactivas.

Considera-se a hipótese de Esquizofrenia como a mais provável, com base em vários


pressupostos:
 Funcionamento prévio caracterizado por global desadaptação psicossocial que remonta à
infância e à adolescência, relacionamentos afectivo-sexuais com o sexo oposto ausentes e
presença de alguns traços esquizoides da personalidade;
 Presença de sintomas de 1ª ordem de Kurt Schneider – provável perceção delirante,
difusão do pensamento, passividade somática e alucinações auditivas (apesar de não
serem na 3ª pessoa nem em comentário), que não sendo naturalmente patognomónicos
ou específicos são muito caracteristicos;
 É descrito no início da doença o que é entendido como atmosfera/humor delirante
sugestiva de uma fase de trema de Conrad;
 Delírios de conteúdo multitemático;
 Idade de início da doença aos 20 anos – a incidência máxima no sexo masculino é entre os
20-25 anos;
 História familiar de doença mental (2 primos maternos);
 Ausência de história conhecida de episódios depressivos major ou maníacos;
 A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância, nomeadamente
droga de abuso ou medicamento.

Dado o bom funcionamento do doente, aparentemente com poucos défices cognitivos, e


delírios descritos de temática grandiosa, poder-se-ia considerar uma Pertubação afectiva com
sintomas psicóticos (seja Psicose Esquizoafectiva ou Doença Bipolar), no entanto, dada a ausência
de história conhecida de episódios depressivos ou maníacos, esta hipótese diagnostica parece ser
de rejeitar. Além disso, os delírios de grandiosidade pareciam ser incongruentes com o humor na
altura.
Em relação à Psicose secundária a condição médica, visto que estas psicoses podem de facto
ter sintomatologia associada semelhante à descrita coloca-se como hipótese diagnóstica, no
entanto, dado não haver história de crises convulsivas, traumatismos crânio-encefálicos, infecções
do SNC e o controlo analítico com função tiroideia, a TC-CE e EEG de 2013 encontrarem-se sem
alterações, a hipótese diagnostica torna-se menos provável.
Por fim, considera-se a hipótese diagnóstica de Perturbação mental causada por substâncias
psicoactivas, visto que apesar de o despiste toxicológico ser negativo no Serviço de Urgência
poderia haver consumo de outras substâncias psicoactivas não rastreáveis no controlo analítico,
ainda assim visto que não existe história de consumos de substâncias psicoactivas, esta hipótese
diagnóstica torna-se pouco provável.

12. Hipótese Diagnóstica mais provável


Esquizofrenia (F20 do CID10).

13. Plano
Propõe-se associação de farmacoterapia e tratamento não farmacológico. Assim,
No âmbito farmacológico sugere-se:
 Monoterapia com antipsicótico de 2ª geração com pouca sintomatologia
extrapiramidal.
Ao escolher a terapêutica anti-psicótica, é preciso ter em conta efeitos adversos mais
proeminentes de cada fármaco e importância destes para cada doente, além disso, é importante
também uma posologia que possibilite uma melhor adesão terapêutica.
Desta forma, os fármacos com menor incidência de sintomas extra-piramidais são, por ordem,
Clozapina, (Sertindole), Olanzapina, Quetiapina e Aripiprazol - segundo meta-análise de Leucht et al
de 2013 no Lancet. Assim, parece-me haver 2 linhas de tratamento. Em 1ª linha existem 2 fármacos
que se poderiam escolher por razões diferentes: a Olanzapina e o Aripiprazol.
Apesar de estar descrito que a Olanzapina já teria sido tentada em internamento anterior sem
melhoria da sintomatologia psicótica, poder-se-ia voltar a tentar esta medicação visto que é 3º
fármaco com menos SEP e o 3º mais eficaz na redução de sintomatologia (Leucht et al, 2013). Além
disso não se sabe ao certo a forma como foi usada no internamento do Hospital Egas Moniz. Parece
também uma melhor opção que a Quetiapina visto a titulação para níveis anti-psicóticos é mais
vagarosa e com menos eficácia na redução de sintomatologia. Olanzapina deve ser titulada até
níveis terapêuticos (p.e. 15-30 mg/d).
O Aripiprazol também seria uma boa opção tendo em conta um bom perfil de sintomatologia
extra-piramidal (5º AP com menos SEP), um menor risco cardio-vascular, uma menor incidência de
disfunção eréctil e o facto de haver formulação com posologia mensal que levaria a uma melhor
adesão terapêutica. A dose de Aripiprazol deveria ser titulada até 15-30 mg/d podendo depois
introduzir o injectável IM de Abilify Maintena 400mg mensais.
Em 2ª linha, surge a Clozapina que sendo o fármaco com menor incidência de sintomas extra-
piramidais e com maior eficácia, poder-se-á considerar como boa opção. No entanto, segundo as
guidelines internacionais o doente deveria realizar controlos analíticos muito frequentes –
semanalmente nas primeiras 18 semanas, posteriormente de 2 em 2 semanas no resto do 1º ano e
depois mensalmente. Existe também o risco de Sindrome Metabolico, tal como com a Olanzapina,
que deve ser monitorizado em consulta. A dose de Clozapina deverá ser titulada até uma boa
resposta anti-psicótica (p.e. 200-500 mg/d).
No âmbito não farmacológico:
 Consulta de seguimento – para reavaliação da situação clínica com monitorização de
vários parâmetros (nomeadamente peso, hemograma, perfil lipídico); eventual
optimização da terapêutica; e trabalho da crítica para a doença, visando o melhor
cumprimento terapêutico.
 Terapia Ocupacional – para promoção da autonomia do doente e funcionamento
social e interpessoal.
 Psicoeducação – visando a diminuição da emoção expressa; a educação sobre a
doença e suas consequências, fornecendo conselhos práticos na sua abordagem e
participação da família na adesão à terapêutica por parte doente; visa ainda o ajuste
de expectativas. Poder-se-á ponderar também uma abordagem familiar mais
estruturada em que o foco principal é a família com objectivos de psicoeducação sobre
a esquizofrenia e a possibilidade de intervenção nos problemas actuais da família
(auxiliá-la a negociar soluções ou adotar novas formas para lidar com os problemas).

14. Evolução
Durante o presente internamento o quadro evoluiu favoravelmente: comportamento
gradualmente mais adequado, desaparecimento progressivo dos sintomas positivos, que cederam
com terapêutica anti-psicótica – Clozapina 200 mg ao deitar. Ao longo do internamento, doente foi
ganhando crítica progressiva do ocorrido e à necessidade de medicação. A referir ainda, o interesse
desenvolvido pelo doente relativamente à Terapia Ocupacional (TO), enquanto local que
possibilitou o desenvolvimento de projectos e actividades, particularmente dançoterapia e tai-chi,
além de ter possibilitado socialização com outros doentes. Foi proposto também ao doente
integração no Hospital de Dia que recusou por não ter gostado da experiência anterior.
No final do internamento, revelou projectos para o futuro possivelmente irrealistas - acabar o
curso de Direito e trabalhar como juiz - mas que poderão ser adaptados e trabalhados em consulta.

15. Prognóstico
O prognóstico é difícil de avaliar dado o equilíbrio entre factores de bom e mau prognóstico.
Ainda assim, o prognóstico parece relativamente favorável sendo que o presente internamento
decorreu sem intercorrências com boa aceitação da doença e da necessidade de tratamento;
outros factores de bom prognóstico são o subtipo paranoide da doença, o bom funcionamento pré-
morbido, não haver consumo de substâncias, o predomínio de sintomas positivos e um bom
sistema de suporte familiar. Em relação aos factores de mau prognóstico, destacam-se uma idade
de início precoce, o sexo masculino, ser solteiro, algum isolamento social, aparente história de
doença mental na família e adesão precária ao tratamento no passado.

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