A Vida de Jodie - Valores

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A Vida de Jodie

Henrique Monteiro

Os nomes, como se sabe, são falsos mas a história é terrivelmente verdadeira.


Mary morreu para que a sua gémea siamesa, Jodie, tivesse uma hipótese de sobreviver.
A decisão tomada por um tribunal britânico teve a oposição dos pais das gémeas
(católicos, naturais da ilha de Malta), da Igreja e de alguns especialistas. A favor da
separação das siamesas estava, naturalmente, o hospital de Manchester onde a operação
foi realizada. Jodie sobreviveu a Mary, mas a sua vida está por um fio. Diversas
complicações resultantes da separação já existem, outras serão esperadas e sabe-se que
não terá nunca uma vida saudável. Este argumento tem sido esgrimido pelos opositores
da operação que acham como o especialista português Gentil Martins que Jodie
acabará por falecer em breve. Questionam, por isso mesmo, a legitimidade do Tribunal.
Mas os juízes, aparentemente, só intervieram porque acreditaram que o acto de
separação se destinava a defender uma vida em detrimento da morte certa das duas
irmãs. Ou seja, o Tribunal actuou em nome da vida, mesmo contra a opinião dos pais. O
que, em si mesmo, tem de ser legítimo, já que o poder dos pais sobre os filhos não pode
ser, obviamente, ilimitado.

Porém, se nos pusermos do ponto de vista dos pais, e se, de facto, Jodie acabar
por morrer, compreende-se o seu desespero. Para quê, afinal, tudo isto? Não teria sido
melhor deixar ambas morrer, naturalmente "em paz" como afirmava Gentil Martins?
E, no caso de Jodie sobreviver, mas ficar eternamente dependente de complicados
tratamentos hospitalares, não terão os pais, também eles, um sofrimento acrescido
àquele que resultaria da morte de ambas? Quem os apoiará nessa peregrinação diária?
Se a decisão judicial é legítima, se a posição dos pais é compreensível e se aos médicos
cabe salvar aqueles que podem ser salvos, estamos perante um conflito de valores
complicado, apenas tornado possível pelos incríveis avanços da medicina. Não está em
causa a legitimidade de um tribunal que não pode permitir que um pai impeça um
médico de salvar a vida ao filho; nem as convicções profundamente católicas dos pais
de Jodie e Mary; nem o desejo da equipa médica em dar tudo por tudo para salvar uma
vida. Verdadeiramente assustadores são estes problemas inteiramente novos colocados
pela ciência e para os quais ninguém parece ter uma resposta consistente. Um pai
colocado perante a decisão de perder um filho para que não perca os dois... Há algo aqui
de terrivelmente bíblico que recorda a sentença de Salomão ou a exigência que Deus fez
a Abraão para que sacrificasse o seu filho Isaac...

Expresso de 11/11/2000

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Formador: Ricardo Vale


Para reflectir…

O autor analisa um caso controverso que acabou por mobilizar a opinião


pública mundial. A situação real começou por ser um conflito para os pais das gémeas
Mary e Jodie que os levou a oporem-se à separação cirúrgica de suas filhas. A polémica
ultrapassou o âmbito familiar e a sua resolução acabou por ser confiada ao tribunal, que
decidiu a favor da intervenção operatória com o fim de separar as crianças. O tribunal
actuou em nome da vida.

Que argumentos poderão justificar a posição assumida pelo tribunal?

1. A possibilidade de salvar uma criança, em vez de deixar morrer as duas.

2. O dever inerente à medicina de salvar as pessoas que têm hipóteses de sobrevivência.

3. O facto de nenhum progenitor poder interferir na possibilidade de um filho ser salvo.

4. O facto de, nestes casos, não ser tida em conta a confissão religiosa dos pais.

E que argumentos se poderão contrapor à decisão tomada pelo tribunal?

1. A opinião de vários especialistas segundo a qual Jodie não sobreviveria muito tempo
à sua irmã.

2. A convicção de que Jodie, no caso de sobreviver, nunca viria a ser uma criança
saudável.

3. Os pais virem a sofrer mais com uma filha toda a vida doente e incapacitada do que
se deixassem morrer naturalmente as duas.

O que pensa sobre este assunto?

Consegue ficar indiferente perante casos como este?

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Formador: Ricardo Vale

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