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Sinopse do filme “GATTACA”

"Gattaca" é mais do que apenas um filme de ficção científica; é uma reflexão profunda sobre
a natureza humana, a ética da ciência e da tecnologia, e o papel da sociedade na
determinação do destino individual. Ao desafiar noções de identidade, livre-arbítrio e justiça,
o filme convida-nos a considerar as implicações das nossas escolhas, num mundo cada vez
mais influenciado pela genética e pela tecnologia. Lembra-nos da importância de valorizar a
diversidade, promover a igualdade e defender os direitos humanos, face ao avanço da ciência
nas áreas da engenharia genética e da biotecnologia.

O título do filme faz referência às quatro bases nitrogenadas que constituem o DNA: guanina,
adenina, timina e citosina. Todos os seres humanos têm em comum na estrutura molecular
do DNA a presença destas quatro bases que compõem o genoma humano. O que diferencia
os seres humanos uns dos outros é a sequência das quatro substâncias: G, A, T e C.

A história passa-se num futuro próximo, tendo como protagonistas dois irmãos, um concebido
de maneira natural e o outro manipulado geneticamente.

Vincent foi gerado sem manipulação, e logo ao nascimento foi diagnosticada uma série de
doenças e propensões a problemas, perspetivando-se até o seu tempo de vida.

Sendo que os bebés não têm capacidade de dar o consentimento para a realização de testes
genéticos, são os pais que tomam essa decisão que será muito significativa sobre a vida do
filho. Na medida em que um diagnóstico precoce de propensão para doenças graves pode
desempenhar um papel crucial na medicina preventiva, pois ao saber de certa propensão, o
indivíduo deverá ir a consultas preventivas de tempos a tempos, e, desta forma, é possível o
diagnóstico da doença no estado inicial e iniciar um tratamento rapidamente, aumentando
assim as chances de sucesso e cura. Também poderá fazer mudanças no estilo de vida de
forma a prevenir ou retroceder o desenvolvimento da doença. Apesar disso, esta informação
pode ter um grande impacto na saúde mental do indivíduo e na sua família. Muitas vezes,
causa ansiedade, depressão e stresse psicológico, mesmo que a doença não se desenvolva.
Tal como vimos, os pais de Vincent estão sempre preocupados com ele, e à mínima situação,
por exemplo, um joelho esfolado, vão logo ao médico.

Deste modo, é importante garantir que as informações genéticas dos indivíduos são
protegidas contra uso indevido ou divulgação não autorizada. Uma das situações que é
importante que seja discutida, é que o uso de dados genéticos pelas seguradoras poderá
limitar a prestação de seguros em função desses dados. Por outro lado, o conhecimento por
parte de um possível cliente de um teste genético desfavorável pode permitir a celebração de
contratos vantajosos com prejuízo para as seguradoras.

Além disso, prever o tempo de vida de um indivíduo pode levar a uma visão reducionista do
valor da vida humana com base em fatores genéticos.

Por outro lado, Anton, (nome do pai e que representaria, portanto, o desejo de constituir-se
uma linhagem familiar mais “apurada”) o irmão mais novo de Vincet, foi concebido através da
ciência, e por isso, era o orgulho do pai, já que saiu “perfeito”.

A forma habitual de conceção na realidade retratada é a fertilização in vitro. Mas com o


avanço da ciência genética é possível manipular geneticamente o embrião de forma a gerar
filhos com a melhor combinação de qualidades genéticas possível, e em que se pode escolher
praticamente tudo (desde a cor dos olhos e da pele à ausência de doenças físicas e
tendências ao vício).
Perante esta situação, surgem tópicos muito delicados. Primeiramente, a autonomia
reprodutiva dos pais é posta em causa, ou seja, até que ponto os pais têm o direito de interferir
nas características genéticas dos seus filhos antes mesmo de eles nascerem?
A reprodução manipulada tem igualmente subjacente a questão da impossibilidade do
consentimento por parte do principal afetado, o embrião. São os progenitores que decidem,
e como não se conhecem todos os possíveis resultados que a decisão poderá ter e, caso
venham a existir resultados não desejados, não serão os pais a terem de lidar pessoalmente
com os mesmos.

A prática de selecionar características específicas do embrião pode ser vista como uma forma
de eugenia, onde se procura aprimorar a raça humana, através da seleção genética. Criar
seres humanos “ideais” através do controlo genético levanta preocupações sobre a
discriminação com base em características genéticas e a criação de uma sociedade ainda
mais estratificada. Por outro lado, se todas as pessoas começarem a selecionar as mesmas
características para os seus filhos, haverá uma perda de diversidade e riqueza cultural na
sociedade.

Seguidamente, se por um lado a seleção de embriões pode ajudar na prevenção de doenças


hereditárias e genéticas, e a eliminação de doenças complexas, diminuindo assim o
sofrimento psicológico e financeiro das famílias afetadas e a sobrecarga no sistema de saúde
e recursos hospitalares necessários ao tratamento dessas mesmas doenças. Por outro lado,
levanta questões sobre a perceção da deficiência e da diferença na sociedade, o que poderá
levar à marginalização ainda maior das pessoas com deficiência e ao paradigma de que
certas condições são indesejáveis, como acontece com Vincent. Também o facto de serem
procedimentos dispendiosos, e como vimos a manipulação genética não é suportada pelas
seguradoras, apenas os que estão em melhor condição económica têm acesso a essas
tecnologias, o que poderá exacerbar as disparidades sociais existentes e criar ainda mais
desigualdades na sociedade.

Este procedimento criou duas categorias diferentes de pessoas: os Válidos, frutos desta
combinação genética planeada; e os Inválidos, frutos de reprodução natural. Os Válidos terão
um futuro assegurado pela conversão das suas qualidades genéticas em grandes produções
laborais, artísticas, desportivas, entre outras, e, por isso, são-lhes oferecidos os melhores
empregos e as melhores oportunidades, enquanto que os Inválidos chegam a ser impedidos
de frequentar determinados lugares e estão destinados às profissões de menor importância.

A sociedade acostumou-se à perfeição e começou a excluir aqueles que eram imperfeitos


geneticamente. Mas quais são os critérios de “perfeição”? ”Imperfeito” é aquele que é
diferente dos restantes? No filme aparece um pianista com seis dedos em cada mão
(polidictia), capaz de tocar uma peça na perfeição, especialmente criada para ele, e que mais
ninguém consegue fazê-lo. Então os seis dedos representam uma “imperfeição”? Ou serão
uma mais-valia que o torna especial?

A genética é usada como critério principal para determinar a trajetória das pessoas na
sociedade. Aqueles com predisposições genéticas favoráveis têm acesso privilegiado a
oportunidades e recursos, enquanto os considerados "inferiores" são marginalizados e
discriminados. Isso levanta questões sobre até que ponto a genética realmente determina o
nosso destino e se devemos permitir que ela dite o curso das nossas vidas. Como sabemos,
é verdade que a genética determina algumas propensões, mas o ambiente, a cultura e a
sociedade em que se vive exercem em maior grau outras tantas propensões.

Numa brincadeira de infância, os dois irmãos nadam no mar para ver quem aguenta mais
tempo, e Vincent perde sempre, mas um dia, ele supera-se, e vai além do seu irmão, que se
afoga, e é Vincent que o salva.
Nesse momento vence as suas barreiras psicológicas e decide fugir de casa, para tentar a
vida sozinho. O episódio permitiu-lhe perceber que também ele consegue fazer o mesmo ou
melhor que o irmão geneticamente perfeito, ganhando confiança em si e nas suas
capacidades
Mesmo sendo inteligente e esforçado, não conseguia ser astronauta (profissão que tanto
desejava) devido à sua genética “defeituosa”, já que as entrevistas de emprego nem sequer
pedem que o entrevistado fale, apenas pedem um fio de cabelo para a identificação do
genoma. Por isso, ele decide burlar o sistema e através de um intermediário, alia-se a um
jovem geneticamente perfeito, mas paraplégico (devido a um acidente) chamado Jerome
Morrow. Vincent passa a carregar consigo materiais biológicos do seu cúmplice (urina, fios
de cabelo, peles mortas, pequenas quantidades de sangue acopladas aos dedos sob falsas
digitais feitas em laboratório etc.) para escapar ao controle tecnológico, que lhe confirma
diariamente a identidade. Toda a estrutura social passa a ser construída por técnicas
projetadas pelo conhecimento genético: uma picada no dedo é o cartão de acesso ao trabalho
ou à identificação numa rusga policial.

Jerome tinha uma “personalidade fraca”, pois por numa prova não ter alcançado o primeiro
lugar (ficando em segundo) não aguentou a frustração de não ter conseguido o seu objetivo,
e perdeu a vontade de viver. Ele tenta suicidar-se, mas a tentativa falhada leva a que fique
paraplégico e alcoólatra. Reencontra motivação ao ajudar Vincent a perseguir o seu sonho,
mas nunca se esquece do seu falhanço no passado, e por isso quando Vincent consegue o
seu objetivo de ir para o espaço, Jerome comete suicídio envergando a sua medalha de prata
ao pescoço.

Nesta personagem é ilustrado a pressão que sentem em ser geneticamente perfeitos.


Jerome foi gerado para ser perfeito e tinha tudo para ser um excelente atleta, pelo que não
podia falhar. Mas acabou por perder para outro atleta perfeito e sofreu todo o peso da deceção
consigo mesmo e da sua família. Já que se escolheu todas as características sobre ele, era
considerado culpado por tudo o que acontecia de errado. O único problema torna-se ele
próprio, uma vez que estes indivíduos têm a “obrigação de fazer algo importante”. Esta
pressão pode ter um impacto significativo na saúde mental tanto dos indivíduos como dos
progenitores, assim como sentimentos de inadequação e culpa se nascer ou desenvolver
alguma condição indesejada ou até mesmo se não fizer algo grandioso.

Esta troca de identidades, destaca a importância do livre-arbítrio e da determinação pessoal


na formação da identidade. Isso sugere que, apesar das circunstâncias genéticas
desfavoráveis, ainda temos o poder de moldar o nosso próprio destino por meio das nossas
escolhas e ações.

Vincent passou-se por alguém perfeito, mas era sempre ele que executava os testes
intelectuais e físicos. Ele, que tinha uma lista de defeitos que o impediram de entrar, sendo
ele mesmo em GATTACA, mostrou que era capaz. Quando pararam de ser preconceituosos,
ele pôde provar que era tão bom quanto qualquer outro.
Próximo do lançamento do foguete que o levaria ao espaço, ocorre um assassinato no prédio.
A polícia é chamada e começam a investigar até descobrirem DNA de um Inválido (Vincent)
perto do local do crime, que se torna o principal suspeito. De novo, observamos injustiças e
a discriminação enfrentada por aqueles que não se enquadram nos padrões genéticos
estabelecidos pela sociedade. A história revela como as pessoas são rotuladas e
marginalizadas com base nas suas predisposições genéticas.

O filme destaca o facto de a genética atravessar inclusive as relações afetivas e amorosas.


Após se conhecerem, além de carícias corporais, Vincent e Irene trocam também fios de
cabelo, que funcionam como uma espécie de confissão de quem são eles, ou seja, eles são
reduzidos à sua identidade genética.

Ademais de todas as questões éticas e sociais já referidos, também a segurança e riscos


associados são temáticas relevantes a refletir.

Irene, mulher criada artificialmente, apesar de ter sido concebida desta maneira, um erro no
processo da modificação de genes acabou por lhe dar altas probabilidades de contrair um
ataque cardíaco, mostrando assim que mexer com o nosso ADN e alterar a nossa
composição genética é um procedimento muito delicado.

A manipulação genética em embriões é realizada através da técnica de edição genómica com


recurso ao sistema de CRISPR-Cas9. É constituído por uma enzima (endonuclease Cas9)
que corda a dupla cadeia de DNA num local específico e por um RNA guia (CRISPR)
complementar da sequência de DNA que se pretende cortar. Deste modo, é possível
substituir o gene-alvo por uma sequência pretendida.
É um método que se destaca pelo seu baixo custo de aquisição e utilização, pela sua precisão
e pelo reduzido número de mutações, em termos comparativos.
No entanto, existem riscos associados a este procedimento. Destacando-se, em primeiro
lugar, a possibilidade de mutações, ou seja, alterações não previstas e não pretendidas. A
existência destas alterações põe em risco a segurança que é necessária em terapias, que
lidam com algo tão sensível quanto é a saúde e a vida humana. Foi provado que, embora em
raras situações, a inserção de genes, em determinados locais do genoma, pode ativar
oncogenes. Os oncogenes resultam da mutação de proto-oncogenes que são responsáveis
pela regulação do crescimento e divisão celular. A inserção de genes poderá levar à
transformação dos proto-oncogenes em oncogenes, sendo que a expressão dos oncogenes
promove o desenvolvimento do cancro.
A engenharia genética possui um potencial significativo para ser explorada em atividades
terroristas e no fabrico de armas biológicas. As tecnologias de engenharia genética estão a
tornar-se cada vez mais acessíveis e menos dispendiosas, o que permite a indivíduos ou
grupos com conhecimento básico em biologia molecular poderem adquirir as ferramentas
necessárias para manipular geneticamente microrganismos. Deste modo, é possível que
microrganismos patogênicos sejam modificados para aumentar sua virulência, resistência a
tratamentos, capacidade de se espalhar rapidamente e a possibilidade de criar novas vias de
transmissão. Estes agentes biológicos criados podem ser dispersos de forma discreta e de
difícil deteção. Eles podem ser libertados numa população sem deixar rastros óbvios,
tornando mais desafiador para as autoridades identificar a fonte do ataque. E há a
possibilidade de que agentes biológicos sejam direcionados a populações específicas com
base em características genéticas, tornando possível a criação de armas biológicas que
afetam apenas certos grupos étnicos ou populacionais. O uso destas armas biológicas tem
grande potencial de causar pânico generalizado, desestabilizar sociedades e economias e
minar a confiança nas instituições governamentais e sistemas de saúde pública.

Devido a essas preocupações, é crucial que haja vigilância rigorosa e regulamentação


adequada no campo da engenharia genética, tanto para garantir que as pesquisas legítimas
sejam conduzidas de forma responsável, quanto para evitar o uso indevido da tecnologia para
fins terroristas ou criminosos. Além disso, o desenvolvimento de medidas de segurança e
deteção eficazes é essencial para mitigar os riscos associados à fabricação e uso de armas
biológicas.

Para que haja avanços na ciência, como a manipulação genética, é necessário que se façam
experiências que normalmente são realizadas em animais, e em termos morais e éticos surge
a questão: faz sentido experiências em outros seres vivos em benefício do ser humano? Deve
haver um equilíbrio entre os avanços da ciência e o bem-estar animal.
O uso de animais em pesquisas genéticas pode envolver procedimentos invasivos, dor e
sofrimento para os animais. Neste contexto, há um debate contínuo sobre se os benefícios
potenciais da pesquisa genética em animais justificam o uso e o sofrimento dos mesmos.
Alguns argumentam que é moralmente aceitável usar animais em pesquisa quando há um
claro benefício para a saúde humana, enquanto outros questionam se os fins justificam os
meios, em que os animais são meros instrumentos para benefício humano e é necessário
considerar o bem-estar dos animais como um valor moral em si mesmo.
No entanto, com os avanços das tecnologias alternativas, como modelos computacionais,
culturas de células e órgãos em chip, há um interesse crescente em reduzir ou substituir o
uso de animais em pesquisa. O que levanta questões sobre a validade e a eficácia dessas
alternativas em comparação com modelos animais tradicionais.
Concluo que deve haver um compromisso entre o bem-estar animal e o progresso da ciência,
que é tão significativo para o ser humano.

Em suma, diante da capacidade de manipulação do genoma humano devemos ver aí uma


oportunidade para curar doenças genéticas, prevenir condições hereditárias e melhorar a
saúde e o bem-estar das pessoas. Sendo muito importante estabelecer os limites entre a
cura e prevenção de doenças e a melhoria genética. Pois, como já referido, isso poderá ter
consequências muito negativas tal como assistimos no filme. Já que é um tema complexo
deverá acontecer um debate crítico que pode envolver a participação de especialistas,
cientistas, legisladores, líderes religiosos, grupos de defesa dos direitos humanos e dos
animais e do público em geral para explorar as implicações éticas, sociais, legais e
científicas da manipulação genética. Sendo importante que estas discussões ocorram de
maneira aberta, transparente e inclusiva para que as decisões tomadas reflitam os
interesses e valores de toda a sociedade.

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