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EDUCAR

EM TEMPOS
DIFÍCEIS
Proposta
Sócio-educativa
da Instituição
Teresiana
na América Latina
2ª edicão

Tradução
xxxxxxxxxxxxx

Instituição Teresiana
América Latina
2009

S U M Á R I O

APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO

APRESENTAÇÃO

UMA VOZ PLURAL

O PROCESSO VIVIDO

I CONSTATAÇÕES E REFERENCIAIS
1.1 Contexto e perspectivas latino-americanas
1.2 Correntes pedagógicas transformadoras
1.3 Desafios educacionais atuais à luz da
pedagogia povedana

II LINHAS ESTRATÉGICAS
2.1 Ênfases Comuns
2.1.1 Evangelização – Compromisso social –
Projeto educacional
2.1.2 Dimensão global – Regional – Local
2.1.3 Memória – Identidade – Projeto
2.1.4 Diálogo intercultural – Inter-religioso –
Pluridimensional
2.1.5 Pedagogia situada – Participativa –
Interdisciplinar
2.1.6 Educadores lúcidos – Comprometidos –
Agentes culturais
2.1.7 Processos educacionais – Novas tecnologias
– Redes de solidariedade

2.1.8 Construtores de saberes – Práticas sociais –
Articulados com outros
2.1.9 Resistência – Celebração – Esperança

2.2 Destaques Específicos


2.2.1 Centros educacionais
2.2.1.1 Processo educacional e novas subjetividades
2.2.1.2 Compromisso evangelizador
2.2.1.3 Formação continuada de educadores
2.2.1.4 Currículos contextualizados e renovados
2.2.1.5 Gestão pedagógica e gestão institucional
2.2.2 Projetos sociais
2.2.2.1 Ação social e compromisso evangelizador
2.2.2.2 Sentido educacional de nossas práticas
2.2.2.3 Agentes sociais multiplicadores
2.2.2.4 Construção de um pensamento alternativo
2.2.2.5 Gestão institucional

III ANEXO
Seleção de textos de Pedro Poveda


APRESENTAÇÃO Da
segunda edição

A Proposta Sócio-Educativa Educar em Tem-


pos Difíceis foi lançada em 2002 em todos
os países do continente em que a Institui-
ção Teresiana está presente. A partir deste
momento foram muitas as iniciativas
e atividades realizadas enm cada país,
orientadas a rever e atualizar os projetos
político-pedagógicos, assim como a criar
novos programas e ações tendo presente
as linhas estratégicas propostas para os
centros educativos e os projetos sociais
que a Instituição Teresiana promove no
continente. As presenças individuais
também participaram deste processo,
adaptando as orientações da PSE ao seu
contexto específico.

Até 2008, no âmbito continental, reali-


zamos doze seminários, uns abarcando
todos os países e outros de caráter regio-
nal. Uns dirigidos aos centros educati-
vos, outros aos projetos sociais. Neles
aprofundamos nas diferentes triadas
configuradoras das linhas estratégicas
e oferecemos espaços de intercâmbio e

diálogo sobre os desafios que a realização Esta nova edição do documento base
da Proposta exige enfrentar. Para apoiar da Proposta Sócio-Educativa Educar em
este processo foram editados cds com os Tempos Difíceis quer ser um apoio a este
materiais trabalhados nos seminários, convite. O documento é o mesmo da sua
publicados livros para estimular a refle- versão original. Fizemos somente uma
xão e a ação sobre distintas dimensões revisão de redação e reforçamos, assu-
da PSE, realizados estágios e foi criado o mindo algumas sugestões que recebemos,
Foro IT de Educadores, espaço virtual de os temas relativos às questões do meio-
diálogo e intercâmbio. ambiente, da perspectiva de gênero e das
relações entre as famílias e as escolas.
A partir de 2008 queremos reforçar a
construção do Movimento de Educado- Assumimos, uma vez mais, o desafio que
res/as que a PSE está suscitando. Con- nos lança Pedro Poveda:
vidamos a todos/as que já participam
de seu dinamismo a dá-lo a conhecer a As obras, sim, são elas que dão testemunho
outros educadores e educadoras. Nosso de nós e dizem com eloqüência incomparável
compromisso é com uma educação de o que somos. (1919)
qualidade, humanizadora e transforma-
dora, para todos e todas, inspirada no Vera Maria Candau
pensamento pedagógico povedano. Comissão da Proposta Sócio-Educariva

Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 2009


APRESENTAÇÃO

Q uando Pedro Poveda, um jovem sacer-


dote, cheio de sonhos e de entusiasmo,
começou sua ação evangelizadora nas
grutas de Guadix, nos inícios do século
passado, não podia imaginar o futuro
desenvolvimento de suas intuições e
buscas.
Ao longo de sua vida, estas primeiras
idéias, estes primeiros projetos orienta-
dos a articular evangelização, educação e
promoção social, foram amadurecendo,
adquirindo diferentes concretizações e
desenvolvimentos. Seus sonhos, projetos
e ações, semente lançada em terra boa,
deu muitos frutos. Porque quando a se-
mente cai em cada pedaço de terra que a
acolhe, se faz uma com ela e, sem perder
sua identidade mais profunda, adquire
ao germinar a riqueza da terra na qual
foi semeada.
A intuição profética de Pedro Poveda que
nasce da realidade de Guadix, e do olhar
amplo e profundo à sociedade de seu
tempo das montanhas de Covadonga,
é semente e ponto de referência funda-
mental para a elaboração do que hoje
chamamos a proposta sócio-educativa da
Instituição Teresiana.

Esta é uma proposta aberta e flexível. “Até que Cristo se forme em vocês...”
Atenta às correntes educativas de cada mo-
mento histórico. Sensível aos diferentes Convido cada um, cada uma, cada edu-
contextos sociais e culturais. Consciente cador que realiza sua tarefa educativa,
de que procura oferecer referenciais para disperso como o sal ao estilo dos pri-
tempos difíceis. Que olha com esperança meiros cristãos, às equipes que, em con-
nosso tempo presente e crê no educador. textos diversos, empenham suas energias
Que aposta no dinamismo transformador para criar ambientes educativos onde as
da educação e em sua capacidade de gerar pessoas cresçam, a que continuem esta
caminhos de humanização. Que abre ho- enumeração. A pôr-se de novo, neste
rizontes de sentido e ao encontro com o momento de encruzilhada, na escola de
Deus que se encarna em nossa história e Poveda, deixando que nos fale ao coração,
que nos revela a profunda dignidade de e possamos escutar as palavras capazes
cada pessoa e cada povo. Que confia na de fazer brotar cada dia, nas situações
ciência e em seu potencial de servir a uma alegres e difíceis, a luz e a força que nos
sociedade mais humana e justa. sustenta na tarefa cotidiana de atrever-se
a educar.
Algumas expressões de Pedro Poveda pa-
recem condensar de modo especial enfo­ Cem anos se passaram ... Entramos em
ques, desejos e sentimentos chamados a um novo milênio. A semente lançada em
gerar iniciativas e criatividade. São frases Guadix hoje está presente em diferentes
incisivas, que se fazem especialmente partes do mundo. Na Europa, América,
interpelantes para qualquer proposta edu- África e Ásia. Em diferentes países, povos
cativa que busque horizontes e inspiração e culturas. Em cada uma destas realida-
na escola de Poveda: des é geradora de vida, de muita vida,
“Eu que tenho a mente e o coração no mo- de muito dinamismo e generosidade na
mento presente contínua busca de projetos e ações que
“Eu quero, sim, vidas humanas” articulem evangelização, educação e pro-
“Humanismo verdade” moção social.
“Estima a justiça tanto quanto a vida”
“Dá-me uma vocação e eu lhe devolverei uma Há praticamente 75 anos, em 1928, esta
escola, um método e uma pedagogia” semente foi semeada na América. Primei-
“Com o espírito ponho eu a ciência e considero ro no Chile, e pouco a pouco germinou
que espírito e ciência é a forma substancial e cresceu em diferentes países. Hoje está
da Instituição” também presente na Argentina, Bolívia,

Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Gua- generosa colaboração do Centro Poveda
temala, México, Peru, República Domini- da República Dominicana.
cana, Uruguai e Venezuela. Em cada país
foram aparecendo e se desenvolvendo Hoje a América Latina quer oferecer a
diferentes projetos sócio-educativos por Pedro Poveda, no ano em que celebramos
ela inspirados. No âmbito da América o centenário de sua ação evangelizadora
Latina se vai tecendo uma verdadeira nas grutas de Guadix, este fruto de seus
rede de experiências e projetos, animados sonhos, atrevemo-nos a afirmar.
durante anos pelo Conselho de Cultura
da Instituição Teresiana e se constroem Esta proposta Educar em Tempos Difíceis,
espaços de intercâmbio, aprofundamento expressão de profunda inspiração pove-
e apoio mútuo. A consciência de que a dana, quer ser uma referência para todos
unidade e diversidade se exigem mutua- os projetos sócio-educativos, para cada
mente se vai fazendo cada vez mais forte educador, para cada educadora que, na
e comprometida. América Latina, se compromete com a
ação educativa e evan­gelizadora promo-
É tempo de colheita. De deixar que a vida pela Instituição Teresiana ou nela
semente volte a penetrar com sua força busca inspiração. Quer ser também uma
transfor­madora e mobilizadora nossas contribuição ao diálogo e intercâmbio
melhores energias de vida. As diferentes com centros e projetos de outros países
equipes se deixam interpelar. Em Co- e continentes.
chabamba (Bolívia), em umas jornadas
promovidas, em 1998, pelo Conselho Que Pedro Poveda faça fecunda a tarefa
de Cultura, surge a idéia: caminhamos educativa de cada um dos centros e pro-
muito, os projetos trabalharam a fundo jetos sociais do continente e nos ajude a
sua identidade e especificidade. É hora fazer vida suas palavras:
de construir conjuntamente a Proposta
Sócio-educativa da Instituição Teresiana “As obras, sim; elas são as que dão testemu-
na América Latina. As equipes se põem em nho de nós e as que dizem com eloqüência
marcha. Foram três anos de intenso traba- incomparável o que somos” (1919)
lho coletivo, em âmbito local e de todo
o continente, assessoradas por pessoas Loreto Ballester Reventós
especializadas em educação, estimuladas Diretora da Instituição Teresiana
por Seminários e Congressos Educativos
em diferentes países. Com a eficiente e Los Negrales, 28 de julho de 2002

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UMA VOZ PLURAL

N ossa palavra é uma voz plural. Por trás de


cada palavra dita, há um coro de vozes.
São múltiplas vozes, reconhecíveis, au-
díveis. Não estamos sós. Caminhamos
com outros e outras. Embora o plural
seja dissonante, as outras vozes não são
excluídas nem caladas, marginalizadas ou
mutiladas. A questão é fazer da dissonân-
cia um acorde possível e necessário: uma
palavra plural, para um mundo plural,
para caminhar no plural.

Então, vai cada um para um lado? Não


será mais uma falácia, esta palavra no
singular que diz ser plural? Mas, quem
fala? Por que fala? Para que fala? Esta
voz tem de ser plural porque interpela
sujeitos a partir de seus diferentes contex-
tos e situações. Somos nós que falamos
e buscamos sentido para nossas vidas e
práticas particulares. O que torna patente
nossa unidade é a diversidade com que
vivenciamos e expressamos o que nos une
- “Acreditei, por isto falei” (Sl 116,10) -, que
pertence a cada um e uma de nós. Falar
assim, a partir desta afirmação de fé, con-
11
tinua sendo uma voz plural centrada em e promotores em qualquer lugar em que
valores fundamentais e irrenunciáveis. nos encontremos. E, é claro, trata-se
igualmente de correr o risco de reivindi-
Esta proposta constitui um convite a ca- car e construir uma sociedade latino-ame-
minharmos juntos e juntas com “a mente ricana mais igualitária, mais democrática,
e o coração no momento presente” da mais humana e, por isto, esperançosa. É,
realidade latino-americana que procura- portanto, uma aposta de futuro em uma
mos transformar. Também é uma opor- cultura de paz, cujos alicerces só podem
tunidade para convidar outros a sonhar ser a justiça e a solidariedade.
e realizar este sonho compartilhado de
uma educação que nos forme como ci- É palavra plural, para caminhar no plu-
dadãos e cidadãs respeitosos dos direitos ral, com um mesmo Sentido. Ânimo na
humanos, tornando-nos seus defensores caminhada!

12
O PROCESSO VIVIDO

1 No início do século XXI, os centros edu-


cacionais e projetos sociais que a Insti-
tuição Teresiana impulsiona na América
Latina assumiram a proposta feita no
IV Encontro do Conselho de Cultura da
América Latina (Cochabamba, 1998):
sistematizar suas práticas e propostas
com vistas a construir coletivamente
uma Proposta Sócio-educativa da Instituição
Teresiana na América Latina.

2 Desde o final de 1999, a responsabilidade


de acompanhar este trabalho coube ao
Centro Poveda da República Dominicana
– juntamente com Vera Maria Candau
como assessora -, ao mesmo tempo em
que este Centro era uma das instituições
que participavam do processo.

3 Após vários ajustes na proposta de siste-


matização, o ponto de partida para tomar
o pulso das práticas e concepções que
desenvolvemos foi a análise institucional
realizada em cada um dos nossos centros
e projetos com a maior participação pos-
13
sível, para que expressasse o sentir de de sintetizar os diversos esforços de
todos os sujeitos que dela fazem parte análise. Além disto, o pensar uma “Pe-
e a desenvolvem diariamente. dagogia para tempos difíceis” impôs-se
como tema articulador do Seminário,
4 Essas análises institucionais basearam- retomando as reflexões de Vera Maria
se em um esquema simples e manejável Candau no ano 2000, e que têm imenso
por todos os centros e projetos. Cons- sentido no final de 2001.
tavam de quatro eixos que nos permi-
tiam tomar o pulso não só de nossas 6 Deixamo-nos interpelar, uma vez mais,
práticas, com seus pontos fortes e fracos, pela reflexão e testemunho de Pedro
mas também da visão que a partir dali Poveda, por seu compromisso com as
formamos a respeito das perspectivas circunstâncias de seu tempo, assumin-
imediatas dos nossos trabalhos, através do as dificuldades de construir com as
da identificação de oportunidades e ame- mulheres e homens de cada tempo uma
aças. Este diagnóstico serviria para cons- Vida Nova. Como Instituição Teresiana,
truir um olhar coletivo sobre nossas sentimos a urgência de novas respostas:
práticas através do crivo institucional. “construindo em tempos difíceis”....”Este
é o momento oportuno, a época crítica, a
5 A articulação dessas expressões levou ocasião precisa.. Hoje é o dia, depois, quem
à recomposição dos elementos desses sabe?” (Pedro Poveda)
diagnósticos em categorias e subcatego-
rias, até sua recolocação em três gran- 7 Chegamos assim a 2002 com a reali-
des planos ou linhas de trabalho que zação do Seminário Latino-americano
fazem parte de nossas práticas. Assim, proposta sócio-educativa da Instituição
escolheram-se três áreas pertinentes: Teresiana: CONSTRUINDO EM TEM-
Contexto e perspectivas latino-ameri- POS DIFÍCEIS, que se reuniu em Santo
canas, Correntes pedagógicas transfor- Domingo, de 9 a 14 de janeiro de 2002,
madoras na América Latina, e Desafios e tornou-se a experiência mais represen-
educacionais atuais à luz da pedagogia tativa do processo de sistematização. Ali
de Pedro Poveda. Com isto tentamos estiveram presentes delegados dos dife-
abranger as diferentes experiências rentes centros e projetos. Até os que não
sócio-educacionais da Instituição Tere- puderam fazê-lo de maneira presencial,
siana em nosso continente. Estes foram devido a impedimentos decorrentes de
os eixos integradores do Seminário de diversas situações, mantiveram, o tem-
sistematização organizado no intuito po todo, uma participação ativa através
14
dos meios virtuais. Os diálogos, as cele- e desafios compartilhados.
brações, as festas, as trocas e trabalhos
entre todos e todas os e as participantes, 9 O documento divide-se em duas partes:
seja como delegadas ou delegados, seja Constatações e referenciais, que inclui as
como parte das diferentes equipes de sínteses das exposições e debates do
apoio, deram a tônica de todo o pro- seminário e Linhas estratégicas propostas
cesso vivido durante os três anos do para o período 2002-2006, que reúne a
desenvolvimento desta proposta. produção coletiva tanto do Seminário
como das contribuições prévias a ele,
8 Oferecemos o presente documento, que faz referência às orientações gerais
fruto desse processo de sistematização, para a posta em marcha da proposta.
que, como ponta de um iceberg, é só Por fim, um anexo completa o docu-
a parte visível de todos os esforços de mento: uma seleção de textos das re-
análise das nossas realidades, alegrias flexões educacionais de Pedro Poveda.

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C O N S TATA Ç Õ E S
PARTE I
E REFERENCIAIS

I ntrodução

1 No plano mundial e regional, o momen-


to que hoje vivemos apresenta sinais
evidentes de que estamos situados em um
contexto sócio-econômico e cultural con-
trovertido e desafiador para as pessoas, as
instituições e a sociedade em geral. Não
é por acaso que a arte de construir em
tempos difíceis é uma tarefa sobre a qual
hoje convergem as atenções de numero-
sas organizações, grupos e pessoas.

2 Se a construção com sentido nos inter-


pela, é também porque, ao mesmo tem-
po, motiva-nos a procurar dispositivos
transformadores dos contextos pessoais
e sociais. Impele-nos a criar sinergias pro-
dutivas com outras organizações e pesso-
as para impulsionar projetos e ações que
afetem estruturalmente a organização
social e, de maneira especial, a qualidade
de vida e de educação que as/os cida-
dãs/os reivindicam. É claro que, nesses
trabalhos, encontramos possibilidades e
limites, que indicamos sucintamente.
17
3 As possibilidades da arte de construir hoje
risco, para gerarmos nova vida no presen-
permitem-nos experimentar o lado trans- te e no futuro que nos cabe construir.
formador do risco, a força mobilizadora
de uma opção consciente voltada para a 6 Qual é a contribuição destes tempos difí-
instauração da justiça e da eqüidade no ceis para a formulação de pedagogias que
cotidiano. Oferecem-nos a oportunida- apontem para vidas e contextos plurais,
de de pensar e inventar solidariamente possíveis e vivíveis? O que nos sugerem
novas lógicas no âmbito político-econô- estes novos tempos para superar o desgas-
mico, sócio-educacional e cultural. te da esperança e da confiança básica nos
sistemas sociais e políticos? Que novo
4 Muitos dos limites que encontramos sonho nos trazem para recomeçar fazen-
no contexto expressam-se na cultura do do, em prol de uma educação humana e
medo do diferente, do novo, no assumir justa para todas e todos? Que expressão
um compromisso fraco acompanhado de da arte de construir nos sugerem estes
respostas duais e parcializadas, em uma tempos difíceis para descobrir o prazer
visão presente–futuro difusa e pouco e a liberdade de imaginar a sociedade
esperançosa. Limites estes que são forta- e a educação hoje? Estas são algumas
lecidos por mecanismos sutis e perversos perguntas pertinentes que podemos nos
da nova ordem mundial que nos afeta fazer.
e agudizados pelos condicionamentos
próprios dos sujeitos e dos processos 7 Somos chamados/as a oferecer à socie-
sociais. dade discursos e práticas pedagógicas
e políticas que proponham horizontes
5 Construir na América Latina hoje, em de transformação capazes de ter um
tempos difíceis, implica uma nova impacto qualitativo sobre mentalidades,
compreensão dos processos sociais, das contextos, estruturas, processos e resul-
culturas institucionais e pessoais, dos tados. Propostas participativas, abertas e
conflitos e avanços da nossa região. É um flexíveis que fortaleçam o caráter eman-
empreendimento gratificante e complexo cipador da pedagogia de Pedro Poveda
ao mesmo tempo. Uma tarefa possível e e dêem uma contribuição significativa à
inadiável, voltada para a busca de expli- formação de educadores construtores de
cações e práticas novas, relacionadas com uma nova cidadania.
sociedades e instituições em intensos
processos de mudança. Deixemo-nos 8 Pedro Poveda, educador comprometido
permear pela energia transformadora do com tempos difíceis, anuncia-nos com
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renovada força que: “as coletividades, assim a meritíssima classe do magistério do ensino
como os indivíduos, têm o seu momento, a fundamental? Creio que sim”. Cabe-nos
sua época crítica na História, e esta costuma tomar posição diante da interpelação de
ser decisiva para o futuro destino da própria nosso tempo difícil, que nos faz novas
coletividade e até da nação a que pertence. perguntas e nos convida a propor respos-
Será que a época presente é a decisiva para tas com imaginação e audácia.

1.1 Contexto e Perspectivas

1 Hoje em dia, a desigualdade e a pobre- de todo o continente, ou dos diferentes


za constituem um traço persistente na contextos nacionais e regionais. Limita-
América Latina e, assumindo a posição se a fazer um balanço das três grandes
mais otimista, diremos que têm uma tentativas em que nossos países se envol-
solução a muito longo prazo. Por conse- veram, conduzidos por seus dirigentes e
guinte, toda análise da realidade atual do pelos organismos internacionais que os
continente deve vincular-se ao contexto orientaram. Uma delas é a contextuali-
problemático maior, feito de exclusão, zação da América Latina na ordem da
desigualdade, pobreza e violência estru- “globalização” ou “mundialização” em
tural, e às correntes que manifestam um curso. As duas outras abraçam, por um
potencial de questionamento e superação lado, as lições dos processos, passados
destas condições, como os movimentos e presentes, de ajuste e reestruturação,
sociais pela democracia, pela cidadania bem como das chamadas “reformas
plena, pelos direitos humanos e pela paz econômicas” para configurar uma visão
cidadã. mais abrangente e profunda da interação
entre os fatores estruturais de forte sedi-
2 Nosso olhar sobre a realidade latino- mentação na realidade latino-americana
americana atual não pretende abranger e as políticas que são elaboradas e apli-
toda a complexidade da presente situação cadas no continente sob os auspícios das
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agências e organismos internacionais que zação tem a característica de apresen-
supervisionam, avaliam e credenciam es- tar-se, no mesmo enunciado, com dois
sas políticas. Por outro lado, recolhem as predicados totalmente opostos; por um
lições das chamadas “reformas políticas” lado, a globalização é um processo que
destinadas a traçar os limites da reforma proporciona grandes oportunidades, mas
de caráter institucional e legal na América também suscita grandes riscos. Quais são
Latina. as oportunidades e riscos para a Améri-
ca Latina no contexto da globalização?
3 Recordemos que, na América Latina, im- Um dos aspectos centrais do processo
pôs-se, há pouco mais de duas décadas, globalizador atual é a nova divisão entre
um discurso sobre o desenvolvimento ba- países capazes de entrar na economia do
seado na fé no livre mercado, na abertura conhecimento e países fora dela. Com a
da economia e na política de incentivo expressão “economia do conhecimento”
às exportações baseadas nas vantagens referimo-nos ao novo setor tecnológico
comparativas de cada sociedade. Isto que parece destinado a modificar pro-
foi acompanhado pela fé nos processos fundamente as formas de criar riqueza,
de reforma do Estado que enfatizam a setor esse composto basicamente pelas
redução do seu tamanho e o aumento áreas de informática, telecomunicações,
de sua eficiência, para afastá-lo do que biotecnologia e produção de novos ma-
foi considerado como o grande pecado teriais.
do Estado na América Latina: a tentação
populista. Assim entraram na moda os 5 Na atual situação de acesso desigual às
temas da privatização, da descentrali- tecnologias, os países semiperiféricos e
zação e da desregulamentação. Seguin- periféricos tentam ganhar participação fa-
do os parâmetros estabelecidos pelos cilitando, por meio de incentivos fiscais,
organismos financeiros internacionais, a entrada de investimento estrangeiro
privatizaram-se serviços e empresas que direto, bem como a de capitais finan-
eram administrados (é preciso reconhe- ceiros voláteis. Estes últimos circulam
cer-se que, freqüentemente, muito mal de país em país, vão aonde houver mais
administrados) pelo Estado, pondo fim incentivos à rentabilidade. Com a mesma
à figura do Estado-empresário. Em suma, facilidade com que chegam, também po-
estamos falando do que chamamos de dem ir para outros mercados ao menor
“neoliberalismo”. sinal de desequilíbrio ou diminuição dos
incentivos. Geralmente, os incentivos que
4 O conceito de globalização/mundiali- estes capitais procuram nos países perifé-
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ricos são moeda barata, salários baixos, latino-americanas - em muitos casos,
abertura e liberalização do sistema finan- negada até agora - e promover uma prá-
ceiro interno. Este último ponto constitui tica educacional que reconheça valores,
uma vulnerabilidade significativa para os identidades e experiências múltiplas que
países latino-americanos. exigem uma compreensão diferente de
nação. Neste sentido, o primeiro obstá-
6 A globalização é um processo em que culo a superar é a nossa própria concep-
circulam não apenas os capitais e os ção da nação como todo homogêneo e
produtos, mas também as representações uniforme, que é a visão dominante, e
culturais; assim, em um contexto assimé- afirmar uma idéia do nacional como um
trico como o que apontamos, criam-se todo diferenciado, cuja riqueza é articular
relações de significativa subordinação políticas de igualdade com o reconhe-
entre elementos culturais “globais” (ha- cimento das diferenças socioculturais e
bitualmente provenientes das nações religiosas.
centrais) e elementos das culturas locais.
Nessa relação assimétrica, os valores 8 Um rápido exercício de memória nos
locais sempre estão em desvantagem recordará que, na década de 1980, os
em relação aos globais. Em muitos ca- ajustes estruturais foram justificados com
sos, a globalização pode pressionar no base no argumento de que o modelo
sentido da desestruturação de culturas e latino-americano de desenvolvimento
identidades. Não é de se estranhar que não servia mais e as economias dos países
se manifestem resistências significativas da região não cresciam nem o suficiente
a essa nova colonização. para pagar o serviço da vultosa dívida
acumulada na década de 1970. É a partir
7 Em alguns casos, isto pode implicar do ajuste que a economia adquire, como
inclusive o surgimento, como protago- disciplina científico-social, um status
nistas em certos espaços locais, de etnias privilegiado de ciência única, sobretudo
particulares que até hoje haviam sido quando entendida como encarnação
subordinadas e oprimidas pelos estados da visão neoliberal, o que elevará esta
nacionais latino-americanos, pois estes visão a um papel hegemônico: é como
correspondiam a uma matriz ideológico- se nada pudesse ser pensado se não for
cultural eurocêntrica. Neste sentido, é nos termos da proposta neoliberal da
uma exigência inelutável empenhar-nos economia. Isto foi reforçado com o con-
profundamente na compreensão da va- senso, apoiado por governos de países
riedade cultural e religiosa das sociedades centrais e dos organismos internacionais
21
que controlam, em torno da idéia de que, cracia, à remoção dos regimes militares
embora o ajuste tenha sido doloroso, pior autoritários, ou ao aprofundamento do
teria sido não fazê-lo. regime democrático. Ao mesmo tempo,
alguns atores tanto da sociedade civil
9 Pelo visto, o ajuste conseguiu dar aos como internacionais (entre estes os pró-
países latino-americanos condições de prios organismos internacionais envolvi-
reorientar suas exportações após a “dé- dos no ajuste) sentiram que as medidas
cada perdida” de 1980, até triplicar seu econômicas não se sustentariam sem al-
volume físico em 1998 em relação à cifra gumas mudanças político-institucionais.
de 1980. No entanto, a renda per capita
só aumentou 3% em dezoito anos, o que 12 Evidenciaram-se de imediato duas visões
indica que o crescimento das exportações relativamente diferentes. Por um lado, a
não se reflete no aumento da renda nem que era e é dominante nos organismos
na elevação da qualidade de vida. internacionais: de que as reformas polí-
tico-institucionais devem adaptar-se aos
10 Neste sentido, é notório que a interpreta- parâmetros da racionalidade do mercado;
ção desses processos pela visão neoliberal por outro lado, a que vê nos processos
não leva em conta determinados fatores de reforma política e institucional uma
que poderiam explicar os problemas transformação do Estado e do espaço
apontados (por exemplo, a deterioração público, o Estado sendo chamado a ga-
dos termos de troca). Isto significa que rantir a participação da população em sua
a maneira como interpretamos e conhe- condição de cidadãos e cidadãs.
cemos os fenômenos influencia o tipo
de política e de medidas que adotamos; 13 As reformas constitucionais introduzidas
assim sendo, os países latino-america- nesses anos foram chaves para realizar re-
nos não poderão sair dos dilemas que formas importantes na institucionalidade
o atual processo de globalização lhes política latino-americana. Um dos pontos
impõe enquanto os organismos que mais sensíveis foi o da descentralização,
condicionam as políticas, bem como os que expressa a ambigüidade conferida
que as elaboram, encararem o processo ao conceito pelas duas correntes confli-
desta maneira. tantes acima mencionadas. Enquanto a
tendência dos organismos internacionais
11 Desde a década de 1980, e sob condições e de alguns atores locais é a entender
de ajuste estrutural, houve, na América a descentralização como intimamente
Latina, um forte impulso rumo à demo- ligada à privatização, a orientação mais
22
“societal” afirma que se trata de um me- seus governos, de conviver em paz com
canismo de democratização social que outras/outros cidadãs/cidadãos, de reco-
daria aos atores sociais a possibilidade nhecer os direitos do outro tanto como
de terem acesso ao poder local e a seus os próprios. O desafio está, uma vez mais,
representantes mais diretos. Ainda mais em saber ir sedimentando esses valores
interessante, no entanto, é comprovar em um novo “senso comum”, uma nova
que pode surgir uma perspectiva aparen- cultura política.
temente “popular” entre as duas posições
polarizadas quando se trata do problema 15 Quando se tenta realizar reformas insti-
do desenvolvimento, perspectiva esta que tucionais supostamente voltadas para o
é favorável à privatização em pequena fortalecimento dos direitos de cidadania
escala, pois possibilitaria o desenvolvi- em um contexto de exclusão como o
mento no âmbito local. atual, muitas vezes as supostas reformas
só ajudam, perversamente, a tornar invisí-
14 Mas isto não significa que as expectativas veis as falhas estruturais que determinam
em relação aos processos de descentraliza- os problemas que o discurso da reforma
ção estejam perto de cumprir-se. Devemos afirma querer resolver. Se não, como ex-
ter em mente o fato de que os objetivos plicar que, após duas décadas de guerra
das reformas político-institucionais não declarada à pobreza, esta não se reduza
são atingidos quando estas não saem do mas, em alguns casos nacionais, até au-
papel, mesmo o do texto constitucional, mente? Como explicar que, depois de re-
e que, nessa situação, cabe questionar petidos ajustes e um suposto crescimento
as outras práticas que reproduzem, no que se reflete na multiplicação por três da
mundo da vida, os valores ligados à velha oferta exportável da América Latina, a dis-
tradição do clientelismo e do patrimonia- tribuição da renda seja a mais desigual do
lismo e que sabotam de dentro os esforços planeta? Não estaremos caindo na cilada
de reforma. Isto implica a necessidade de uma espécie de fetichismo reformista
de reelaborar o conceito de democracia e institucionalista que nos faz crer que as
como horizonte das práticas alternativas reformas econômicas e políticas podem,
que terão o objetivo de servir de alicerce por si sós, levar-nos ao desenvolvimento,
a formas autênticas e empoderadoras de à consolidação da democracia e ao forta-
participação; hoje, a educação está com- lecimento da cidadania?
prometida com a formação de cidadãs/
cidadãos com capacidade de participar 16 Em meio a muitas dificuldades e contra-
dos processos de tomada de decisões de dições, está se fortalecendo no continente
23
a busca de alternativas na construção da diversidade cultural e religiosa dos
do pensamento, de modelos sócio- nossos povos e têm o objetivo de fa-
econômicos e de práticas sociais. Essas vorecer a qualidade de vida de todos
alternativas visam a reforçar os processos e todas. A educação é chamada a ser
de democratização, são de caráter partici- um elemento fundamental na conso-
pativo e popular, reconhecem a riqueza lidação deste processo.

1.2 Correntes Pedagógicas Transformadoras

1 Neste contexto de desafios tão radicais, e o consumo, o ter mais do que o ser,
é imprescindível que tornemos a per- uma sociedade que valoriza a educação
guntar-nos qual é o papel dos processos na medida em que forma sujeitos capazes
educacionais. O papel da educação será de agir em sintonia com os valores e a
diferente? Cabe aos educadores assumir lógica dominantes, que a considera um
um papel diferente do que nos foi tradi- “meio” para outros fins, quase sempre
cionalmente atribuído? Acreditamos que fins econômicos. Uma pedagogia que
sim, que é indispensável e urgente que a parta desta convicção é uma pedagogia
educação favoreça processos de constru- que ousa colocar a pessoa como centro
ção de identidades pessoais e sociais ca- do processo educacional, com tudo o
pazes de ser sujeitos de sua própria vida, que isto significa; implica dizer ao sujeito
autônomas e solidárias, atores sociais que individual, único e irrepetível que ele tem
se comprometam com a transformação sentido e valor pelo simples fato de ser
da realidade e a construção de uma nova pessoa, sem que importem as condições
cidadania, nas esferas local e global. materiais, sociais, culturais ou de qual-
quer outro tipo; trata-se de sujeito que
2 Uma pedagogia que parta desta convicção se constrói na interação com os outros
é uma pedagogia contra a corrente, pois e em contextos socioculturais concretos.
atua em uma sociedade globalizada que Trata-se de uma educação que favorece a
adotou como valores centrais o mercado construção de sujeitos sociais coletivos
24
comprometidos com a transformação a aprendizagem é um processo sempre
das nossas sociedades e da totalidade do contextualizado. Cada pessoa constrói
planeta. O que buscamos é uma educação suas aprendizagens através de processos
que ajude os seres humanos a conquista- individuais e coletivos. Portanto, para
rem seu direito de ser pessoas, de viver ter sentido, a prática educacional precisa
com sentido e dar sentido às suas vidas abraçar os interesses, necessidades, senti-
para que possam ser e viver de um modo mentos e competências de cada um dos
plenamente humano. diferentes grupos e, a partir daí, construir
o futuro junto com eles.
3 Nas últimas décadas, têm-se desenvolvido
na América Latina numerosas correntes 5 A perspectiva transformadora parte da
pedagógicas com esta perspectiva trans- convicção de que todos aprendemos me-
formadora, que vem recebendo diferentes lhor o que tem sentido para nós, apren-
nomes: pedagogia crítica, libertadora, demos melhor quando realizamos ativi-
problematizadora, crítico-social, etc. No dades, exploramos, fazemos perguntas e
entanto, algumas características estão buscamos soluções, quando dialogamos,
presentes em todas elas e as configuram quando não temos medo, quando somos
em uma perspectiva comum: conceber incentivados a pensar e experimentar res-
os processos educacionais como histo- postas por nós mesmos, quando nossas
ricamente situados, articular a educação propostas e opiniões são reconhecidas e
com outros processos sociais, trabalhar valorizadas, quando confrontamos nos-
sistematicamente a relação teoria-práti- sas buscas com as dos outros e somos
ca, favorecer processos de construção de capazes de caminhar juntos/as.
sujeitos autônomos, competentes, soli-
dários, capazes de ser sujeitos de direito 6 Neste sentido, a educação transformado-
no plano pessoal e coletivo, capazes de ra promove aprendizagens significativas
construir nossa história e apostar em um sobre o eu, o tu e o outro; sobre a vida e
mundo e em uma sociedade diferentes, de o mundo, sobre o futuro e a esperança. A
utilizar metodologias ativas, participativas, aprendizagem, assim entendida, é holísti-
personalizadoras e multidimensionais, ca, é uma aprendizagem que comprome-
articuladoras das dimensões cognitiva, te a totalidade do ser: seu intelecto, seu
afetiva, lúdica, cultural, social, econômica, corpo, sua afetividade, seu ser vivencial,
política e transcendente da educação. seu ser individual e social.

4 Uma pedagogia transformadora sabe que 7 Para a perspectiva transformadora, tam-


25
bém é fundamental partir da realidade; sível questionar o mundo e as situações
isto implica conhecer as características, de injustiça e, sobretudo, estar dispostos
necessidades, interesses e problemas das a fazer algo para mudar as coisas. Só se-
pessoas, assim como sua experiência de remos capazes de modificar a realidade
vida, suas possibilidades e limitações, as se nos sentirmos interpelados e movidos
características do contexto sócio-econô- à ação a partir do nível mais profundo da
mico e cultural em que vivem e atuam. nossa sensibilidade.
Partir da realidade das pessoas supõe
abordar os conteúdos das aprendizagens 10 Essa sensibilidade hoje está associada aos
incorporando as experiências e conheci- direitos fundamentais das pessoas e das
mentos prévios que possuem. Isto exige comunidades em que elas convivem. Os
que se compatibilize o que o/a educador/ direitos humanos colocam a defesa da
a supõe que é a realidade dos educandos vida como valor central e como premis-
e o que estes pensam da sua realidade. sa para realizar a análise da realidade e
formular as propostas de transformação.
8 Um aspecto fundamental para a elabora- Pode-se deduzir que, nos nossos países,
ção de uma pedagogia nesta perspectiva é não é fácil afirmar a aposta na vida, na
o desenvolvimento de uma comunicação realização das pessoas, na humanização
horizontal entre os sujeitos envolvidos da nossa sociedade e no cuidado ao nosso
no processo. Para que haja comunicação planeta. Portanto, em um sistema que
horizontal, é necessário que as pessoas desumaniza o ser humano, os educado-
se reconheçam como diferentes, porém res serão necessariamente contestatários,
iguais em dignidade e direitos. Isto im- pessoas incômodas que não aceitam nem
plica uma revisão profunda dos nossos toleram o abuso e a injustiça.
pensamentos, sentimentos e atitudes,
significa a capacidade de “olhar-se a si 11 Nesta visão da educação, é fundamental
mesmo” criticamente e estar dispostos educar para a cidadania. Formar cida-
a mudar os pensamentos, sentimentos dãos e cidadãs é promover uma maior
ou atitudes que, assimiladas no decorrer qualidade de vida para tod@s; construir
do nosso próprio processo de formação, sociedades sustentáveis; implica também
obstaculizam uma verdadeira construção forjar uma cultura democrática e forta-
conjunta, a passagem do eu para o nós. lecer um sistema democrático, tanto no
plano político como no da vida cotidiana
9 Da mesma maneira, é fundamental des- das pessoas, pois a democracia é a base
pertar a sensibilidade para que seja pos- da cidadania.
26
12 Como estilo de vida, a democracia im- dessa cultura supõe a definição de um
plica a vivência dos direitos humanos mínimo de valores e princípios éticos
e a construção de relações de justiça e e políticos estreitamente relacionados
solidariedade que abrem espaços para a com os direitos humanos e cuja vigência
livre determinação das pessoas, grupos deverá ser um consenso entre todos os
e povos. Uma forma de viver baseada cidadãos, a partir do reconhecimento e da
no respeito pelas outras pessoas, na afir- prática dos deveres e responsabilidades
mação da dignidade e da igualdade de que decorrem dessa definição, tanto no
direitos de todos e todas, no reconheci- plano pessoal como social.
mento da diversidade cultural, de gênero
e religiosa dos nossos povos. 15 Uma pedagogia transformadora de
inspiração cristã e teresiana se propõe a
13 O desafio é criar - nas famílias, nas promover uma educação:
escolas, nas instituições, nos espaços • humanizadora e personalizadora, que
públicos, nos meios de comunicação, reconheça o valor sagrado de cada
no Estado - espaços onde possa surgir pessoa, estimule o seu crescimento em
uma nova cultura, baseada no respeito todas as suas dimensões, em interação
aos direitos humanos. Esta cultura terá com os outros;
como núcleo e eixo central a dignidade • contextualizada, historicamente situa-
e o valor da pessoa, e deverá estar voltada da, atenta aos desafios da construção de
para o cultivo e o desenvolvimento da sociedades democráticas, justas, solidá-
solidariedade como princípio universal rias e comprometidas com o exercício
de convivência humana, o que implica- de uma cidadania ativa e crítica;
ria a superação das diferentes formas de • que queira colaborar com a afirmação
discriminação, racismo e intolerância, de uma globalização solidária, capaz
possibilitando níveis mais elevados de de promover uma consciência plane-
diálogo, negociação, distensão de con- tária, o reconhecimento das diferentes
flitos e consenso. culturas, a perspectiva de gênero, a
valorização da própria identidade e
14 O desenvolvimento de uma cultura da diversidade cultural latino-ameri-
democrática e de uma ética cidadã de- cana;
verá contribuir para a reconstrução das • que acredite na vivência de valores
relações sociais, hoje tão deterioradas como justiça, solidariedade, direitos
nos nossos países, e para a consecução humanos, diálogo, respeito mútuo,
da justiça e da paz. O desenvolvimento dignidade humana, paz, preservação do
27
meio ambiente, ética e transcendência os saberes sociais e os avanços tecno-
como estruturantes fundamentais lógicos, bem como a perspectiva inter-
da vida humana em suas dimensões disciplinar de análise da realidade;
individual, comunitária, social e cós- • atenta ao diálogo fé-culturas-justiça,
mica; que exige que se promova a incultu-
• que favoreça processos de construção ração da fé, a experiência religiosa, a
do conhecimento, no âmbito pessoal consciência eclesial e o diálogo inter-
e coletivo, o diálogo entre as ciências, religioso.

1.3 Desafios Educacionais Atuais


à Luz da Pedagogia Povedana

1 Vivemos em um momento histórico o que ainda não é, para que seja.


em que as próprias raízes das nossas
sociedades são questionadas. Tempos 2 Pedro Poveda oferece-nos, a nós que
difíceis que nos convidam a rever con- pertencemos à corrente de pensamen-
vicções, princípios, atitudes e práticas to e vida que ele propõe, referências
sociais, assim como políticas públicas e fundamentais para nossa ação como
a dinâmica das relações internacionais. cristãos e educadores. Muito cedo ele
Contudo, os tempos difíceis são chamados descobre vitalmente, a partir de sua
a ser tempos de mudanças profundas, de experiência entre os pobres nas grutas
renovação, criatividade e construção de de Guadix no início do século XX, a
novos caminhos. São tempos que exigem intrínseca relação entre evangelização,
que tornemos a fazer-nos as perguntas educação e compromisso social, articu-
de fundo, as que dão sentido radical às lação que somente depois do Concílio
nossas vidas. Tempos difíceis são tempos Vaticano II passou a ser aprofundada
de gerar novas iniciativas, programas e muito debatida na reflexão eclesial.
e projetos em resposta aos desafios do Esta inter-relação dinâmica constitui
momento. Tempos difíceis são tempos de um dos elementos configuradores de
saber deixar para trás, de sair do já esta- toda a atividade educacional de inspi-
belecido, de ousar enfrentar o diferente, ração povedana.
28
3 O processo de construção da proposta ocupam o lugar central em toda proposta
educacional de Pedro Poveda foi pro- de renovação educacional. Sua formação,
gressivo, ocorreu em íntima relação com dignificação e reconhecimento social, sua
sua própria experiência de vida e sua autonomia e organização profissional são
capacidade de deixar-se interpelar por preocupações constantes no decorrer de
seu momento histórico. Mostra o seu toda sua vida. Educador de educadores será
dinamismo e sua contínua abertura aos a tarefa que concentrará cada vez mais
desafios da realidade, o que permite que suas energias e ações concretas.
vá incorporando tudo que lhe parece
estar em sintonia com o seu “humanis- 5 Destaquemos alguns dos muitos aspectos
mo-verdade”. Assume os grandes temas decisivos de sua proposta educacional,
do debate de intelectuais e especialistas alguns traços especialmente significativos
em educação e propõe parâmetros para para nosso momento histórico.
uma ação comprometida dos educadores.
No que diz respeito ao estilo pedagógico “Eu que tenho a mente e o coração no
e didático, inspira-se nas preocupações momento presente”: uma pedagogia
do chamado movimento das “escolas situada.
novas”, naquele momento histórico visto
com desconfiança por muitos cristãos. 6 Todos os discursos hoje afirmam a im-
Trata-se de valorizar a atividade dos portância da educação. Há quem torne a
sujeitos da educação, de criar ambientes promover um discurso quase messiânico
educacionais onde a expansão e a alegria do significado da educação, atribuindo-
sejam a tônica, de ligar as ações educa- lhe a principal responsabilidade pelo
cionais com a vida, valorizar o afetivo, desenvolvimento, pela promoção ou
o lúdico e o artístico, a participação de pela miséria e pobreza de pessoas, grupos
todos nos processos e nas organizações, sociais e povos.
a relação estreita e calorosa entre todos
os participantes, educadores e educandos, 7 No entanto, é possível discernir, na apa-
entre outras características que suscita- rente homogeneidade dos discursos, duas
vam fortes discussões e controvérsias concepções opostas. Uma delas é uma
entre os educadores. visão acentuadamente instrumental dos
processos educacionais, que recupera e
4 Para Pedro Poveda, mais do que as meto- atualiza, de modo coerente com o contex-
dologias, os recursos e as novas tecnolo- to das políticas neoliberais, a conhecida
gias, são os educadores e educadoras que teoria do capital humano. A educação é
29
valorizada na medida em que é funcional 9 O/a educador/a comprometido/a com a
para o sistema hegemônico, capaz de escola de Poveda é chamado/a a ser um/a
produzir cidadãos empreendedores, con- intelectual. Para Poveda, a dedicação
sumidores e competitivos nas sociedades ao estudo é conatural ao compromisso
em que vivemos. Os educadores são social. Constitui uma atitude e uma
vistos fundamentalmente como técnicos prática a serem desenvolvidas durante
que dominam conhecimentos e compe- toda a vida, na perspectiva da formação
tências necessárias ao desenvolvimento permanente. Para que sua presença na
desta proposta. Em muitos casos, o modo sociedade seja dialogante, crítica e pro-
de conceber a qualidade da educação positiva, os educadores e educadoras
situa-se neste marco. têm de ser profissionais competentes,
atualizados e participantes ativos do
8 Em outra perspectiva, estão os que, como debate cultural. Nesta participação, os/as
nós, sustentam a possibilidade de outra educadores/as assinalam a importância
lógica social e educacional. A importância do seu trabalho cotidiano, e também
da educação é vista de modo articulado a da capacidade de expressar suas idéias,
mudanças estruturais profundas, nos pla- análises e propostas através de diversas
nos local e global, em estreita conexão. publicações, em jornais, revistas e outros
Os processos educacionais são concebi- meios. Hoje os diferentes meios de co-
dos como práticas sociais e culturais que municação social e a sociedade virtual
trabalham, de modo inter-relacionado, oferecem modos plurais e diversificados
conhecimentos, sentimentos, atitudes e de troca e difusão intelectual e cultural.
práticas, privilegiando as dinâmicas inte- Os educadores e educadoras da escola
rativas e de construção coletiva, nas quais de Poveda são chamados a ser criadores
as dimensões de ver, conhecer, celebrar e e produtores culturais.
comprometer-se estão sempre presentes.
O educador pensa-se a si mesmo como 10 Nesta perspectiva, para os/as educadores/
agente cultural e social, com capacidade as vinculados à proposta de Poveda é fun-
propositiva, como sujeito pessoal e ator damental valorizar o estudo e a produção
social. cultural, reconhecer os saberes que cons-
troem no seu cotidiano, na inter-relação
“Se o movimento intelectual do mundo de ação-reflexão-ação, criar espaços de
lhes interessasse...”: o compromisso com o socialização de idéias, experiências e pro-
estudo, a formação permanente e a reflexão jetos, de apoio mútuo e interação, assim
cultural. como integrar em nossos projetos sócio-
30
educacionais componentes de pesquisa expansão, participação, afeto e liberdade,
que sejam espaços potencializadores da bem como um horizonte aberto à solida-
criação de pensamento e de propostas. riedade e à transcendência.
Estes desafios nos são lançados por uma
missão evangelizadora comprometida 13 Para Poveda, ser pessoa é algo muito
com as mediações educacionais e cul- profundo. Não se reduz ao nível psicoló-
turais e que quer favorecer processos de gico. Supõe as dimensões ética, cultural
transformação social. e espiritual. Exige a promoção de um
processo de interiorização que não isola
“Deve-se procurar fazer com que cada do mundo, pois incorpora a dimensão
pessoa dê tudo de bom que puder dar de social e favorece a construção de identida-
si”: a construção de identidades. des capazes de ser sujeitos de sua própria
vida e atores sociais.
11 Na escola de Poveda, formar pessoas ca-
pazes de ser sujeitos de sua própria vida “A diversidade de personalidades, cultura,
e atores sociais é uma exigência inelu- etc, imprime modalidades específicas
dível de todo processo educacional. No inevitáveis; não queira, de modo algum,
entanto, este é um desafio especialmente anular a própria personalidade e sim, ao
forte no momento atual. Hoje são ques- contrário, procurar aperfeiçoar a de cada
tionadas as próprias noções de sujeito e pessoa”: articular igualdade e diferença.
de identidade.
14 Hoje o tema do multiculturalismo e da
12 Hoje é um grande desafio saber como diversidade cultural está especialmente
conceber processos de formação de vivo no mundo e apresenta uma confi-
identidades com bases diferentes das do guração própria em nosso continente.
chamado sujeito moderno, capazes de Multiculturalismo é uma expressão que,
dialogar com as preocupações do que está conforme o contexto em que é utilizada,
sendo chamado de pós-modernidade, pode assumir diferentes significados,
sem deixar de favorecer a afirmação de mas que sem dúvida indica uma nova
um centro unificador dinâmico e capaz consciência na humanidade.
de construir convicções firmes. Pedro Po-
veda nos oferece algumas chaves impor- 15 Os tempos atuais exigem que se arti-
tantes de personalização, valorização de cule igualdade e diferença. A realidade
cada pessoa, promoção da auto-estima, mundial e do continente hoje manifesta
acompanhamento, clima educacional de dramaticamente a dificuldade dessa arti-
31
culação. Muitas vezes tendemos a negar 19 Os processos educacionais têm de come-
o outro, o diferente. Também esta é uma çar por favorecer processos de formação
tarefa para a educação. de sujeitos de direito, no nível pessoal
e coletivo, que articulem as dimensões
16 As colocações atuais interpelam-nos a ética, político-social e das práticas con-
um diálogo em profundidade com esta cretas. Outro elemento fundamental
corrente que afirma a importância das na educação em direitos humanos é
culturas na constituição das identidades, favorecer processos de empoderamento
na formação das mentalidades e, por (empowerment), voltados sobretudo para
conseguinte, nos processos educacionais os atores sociais que historicamente tive-
e sociais. Obrigam-nos a questionar a ram menos poder em nossas sociedades,
dinâmica monocultural geralmente pre- menos possibilidade de influenciar as
sente nos processos educacionais. decisões e processos coletivos; isto signi-
fica trabalhar com grupos sociais mino-
Agora é tempo de “ter e dar paz”: promover ritários e marginalizados, promovendo
uma cultura da paz, da solidariedade e dos sua organização e sua participação ativa
direitos humanos. na sociedade. Em terceiro lugar, “educar
para o nunca mais”, para o resgate da
17 Em contextos de violência social gene- memória histórica, para a ruptura com a
ralizada como os que estamos vivendo cultura do silêncio e da impunidade. Es-
no continente, torna-se imprescindível tes três destaques devem ser incorporados
promover uma cultura da paz e da soli- a toda proposta de educação para a paz e
dariedade. Pedro Poveda experimentou a solidariedade.
esta realidade de modo dramático. Jamais
cedeu à força da violência. Escolheu a 20 A paz é indissociável da justiça e da so-
mansidão, a prudência, a doçura, a afabi- lidariedade. Não se pode isolar nenhum
lidade, a misericórdia e a não violência. destes elementos, que constituem um
todo, um conjunto único. Construir a
18 Promover uma educação para a paz não é paz supõe favorecer a justiça e criar soli-
uma tarefa fácil. Supõe enfrentar a cultura dariedade. A paz não é apenas uma meta
da violência presente no tecido social. Exi- a ser atingida. Também é um processo,
ge um trabalho sistemático de educadores um caminho. Neste sentido, é importante
e outros agentes sociais. É preciso educar radicalizar a capacidade de diálogo e ne-
nos direitos humanos, na solidariedade e gociação. Só construiremos a paz se nos
na paz de forma integrada. desarmarmos das nossas armas materiais.
32
Também temos de desarmar nossos espí- namismo profundo de crescimento de
ritos, nossos sentimentos, nossas mentes, cada pessoa e de cada grupo humano,
nossos corações. Destruir tudo o que em elemento indispensável para assumir a
nós significa negação do outro, falta de vida como uma aventura positiva, para
respeito e reconhecimento, prepotência, enfrentar riscos e comprometer-se com
exclusão dos diferentes. outros a construir novas possibilidades
de futuro. A sociedade com que sonha-
21 Para educar para a paz, é fundamental mos exige atores sociais conscientes e
desenvolver uma capacidade de diálogo dinamizadores de processos coerentes
e negociação sem limites. Acreditar que com o que se pretende alcançar, projetos
sempre é possível conversar, dizer sua que enfatizem estratégias não violentas
palavra, recuperar o melhor das nossas e métodos pacíficos. A solidariedade, os
experiências, situar as questões de outra direitos humanos e a paz são ao mesmo
maneira, construir plataformas de busca tempo caminho e horizonte utópico.
conjunta e negociação nos planos in-
terpessoal, grupal e social, nos âmbitos 23 Aceitar o desafio que Pedro Poveda nos
nacional e internacional. É preciso deixar- apresenta é, uma vez mais, deixar-nos
se afetar pelo outro, repensar idéias, con- interpelar por suas colocações que nos
vicções, sentimentos, atitudes e compor- recordam nossas raízes e configuram
tamentos na perspectiva da justiça e da nossa identidade. É pôr mãos à obra,
solidariedade. Em sociedades e culturas neste momento histórico, para recriar
autoritárias e violentas como as nossas, nossos projetos, programas e atividades
esta é uma dimensão fundamental. sócio-educacionais. É o momento de
fazer opções e concretizá-las, de gerar
22 Educar para a solidariedade, a paz e os uma corrente coletiva de criatividade e
direitos humanos supõe liberar o di- apoio mútuo.

33
34
PARTE II LINHAS ESTRATÉGICAS

I ntrodução

Construir em tempos difíceis é uma arte


que se conjuga com vários verbos… Esses
verbos nos impulsionam, nos questio-
nam: transformar, pensar, refletir, estu-
dar, recriar, dialogar, negociar, discernir,
projetar, ser pró-ativos… Ou, em outras
palavras: eu ouso, tu ousas, nós ousamos
pensar, educar, articular-nos com outros
e outras criando redes, pontes para tor-
nar possível o sonho compartilhado de
Poveda em uma luta incansável para que
a justiça e a paz se beijem. Com posturas
firmes, comprometidos/as na construção
de sociedades e espaços inclusivos, assim
como no cuidado com o meio ambiente
e com todo o planeta, empenhar a vida
para que, nestas sociedades, a incorpora-
ção à economia e à cidadania não fique
como tarefa pendente. Sonhos compar-
tilhados…

Focalizamos os desafios do contexto, as


pedagogias transformadoras e os desafios
35
educacionais atuais à luz da Pedagogia nhecemos e sentimos em tantos e tantas
Povedana. Nós, seguidores e seguidoras que caminham junto conosco. Esta é
de Jesus pobre e solidário, que afirmou nossa fortaleza para impulsionar com
“eu vim para que todos/as tenham vida, vida audácia e ousadia a construção cotidia-
em abundância” (Jo 10,10), não somos na, em chave dinâmica, das propostas
nem melhores nem piores que todos os sócio-educacionais dos nossos centros
outros latino-americanos, mas O reco- educativos e projetos sociais.

2.1 Ênfases Comuns

1 Ousamos apresentar em forma de tríades processo, ao desequilíbrio, à mudança, e,


as linhas estratégicas que derivam de assim, representa o espaço da negociação,
nossos olhares, e o fazemos conscientes da articulação, da mediação. Também
de que assim rompemos com o costume podemos entendê-la como dialética de
que as nossas ciências sociais têm de ver inclusão e participação; igualmente,
sempre dualismos, quando não dico- permite que prestemos atenção às situa-
tomias, que – apesar do conteúdo real ções diferentes que estão surgindo como
que possam sustentá-los – não poucas possíveis respostas a um problema ou
vezes acabam sendo paralisantes. Na conflito.
contraposição simples, maniqueísta,
aposta-se quase sempre no antagonismo Além disto, a tríade lembra-nos que os
e na eliminação do contrário. As posições processos não se esgotam nos termos
antitéticas parecem situações terminais polarizados ou contrapostos. Por isto, a
que se excluem mutuamente; a aproxi- dinâmica das tríades pareceu-nos mais
mação uma da outra só pode significar a apropriada para lançar nosso olhar sobre
supressão de uma das duas. os desafios do momento presente. Com
ela queremos expressar nossas linhas co-
2 A imagem da tríade, em troca, está mais muns de ação como processos abertos de
associada ao movimento, ao diálogo, ao articulação de elementos dessemelhantes
36
para ir construindo uma realidade nova
no nosso continente, o que exige toda
nossa criatividade, audácia e sagacidade,
bem como nossa paciência, sensibilidade
e simplicidade.

2.1.1 Evangelização – compromisso social – projeto educacional



Esta articulação é fundante na vida de • Comprometemo-nos a rever nossos
Pedro Poveda e referência ineludível projetos sócio-educacionais na pers-
para todos os nossos projetos e ações pectiva de manter vivas as raízes que
educacionais. Somos chamados a cons- nos convocam e interpelam, e respon-
truir ou recriar nossos projetos de modo der aos novos desafios do momento
que questionem a realidade de injustiça, com audácia evangelizadora e consci-
exclusão e indiferença que é a do nosso ência eclesial, para apoiar os processos
continente e colaborem para sua transfor- de transformação social e construção
mação, em resposta às interpelações do democrática.
Evangelho e do carisma povedano hoje:

2.1.2 Dimensões global – regional – local

Nossa vida cotidiana no tempo presente xo: devemos conhecê-lo cada vez melhor
vai além do plano local. Ela é atravessada e procurar intervir nele, segundo nossas
por outras dimensões que não podemos possibilidades:
perder de vista ao elaborar e desenvol- • Comprometemo-nos a procurar os
ver nossas propostas educacionais. Por meios necessários de informação e
conseguinte, devemos levar em conta as discussão sobre os processos de globa-
dimensões constitutivas de nossas ações, lização e sua influência no continente,
especialmente as que se referem ao âmbi- assim como nos planos nacional e
to regional e global. Por seu intermédio, local, participando dos movimentos
quer queiramos ou não, influenciamos e de denúncia de uma globalização
fazemos parte de um tecido mais comple- excludente, discriminadora e destrui-
37
dora do meio ambiente, procurando sustentável, a partir de nossos projetos
apoiar os movimentos voltados para e centros, bem como participando de
a construção de uma globalização movimentos e redes nacionais, regio-
solidária, inclusiva e ecológicamente nais e internacionais.

2.1.3 Memória – Identidade – Projeto

Fazer memória é algo que passa pela • Comprometemo-nos a trabalhar a gê-


mente e pelo coração. Algo que remete nese de nossas propostas educacionais,
às origens, a nossa história pessoal e co- deixando-nos interpelar periodicamen-
letiva. Identidade e memória exigem-se te por seus traços configuradores, em
mutuamente. O projeto lança-nos para diálogo com os novos desafios, para
frente, exige definições e opções. Projeto fazer propostas de futuro coerentes
e memória articulam-se dando signi- com os traços de identidade dos nossos
ficado à vida, assim como dinamismo centros e projetos. Daremos especial
e consistência à identidade. O projeto atenção a esta tríade nos momentos
obriga-nos a negociar com a realidade, de avaliação e planejamento institu-
a identificar o campo de possibilidades cionais anuais.
em que estamos inseridos.

2.1.4 Diálogo intercultural – inter-religioso – pluridimensional

Nesta época, somos especialmente inter- vezes estão marcadas pela discriminação,
pelados por uma questão que pode ser pela exclusão e pela negação da digni-
sintetizada assim: igualdade e diferença. dade de grandes maiorias de homens e
Não é fácil articulá-las. Vivemos em so- mulheres. Trata-se de promover processos
ciedades plurais nos âmbitos religioso, graças aos quais sejam transformados a
cultural, político, social, econômico. mentalidade e a dinâmica das relações,
Enfrentamos a cada dia a realidade do en- questionando tudo aquilo que negar a
contro com o diferente, com o outro. Nas humanidade do outro. Surgem assim
nossas sociedades, estas relações muitas sensibilidades e capacidades novas para

38
celebrar e fazer juntos/as em um proces- logo com diferentes realidades culturais
so que cada vez mais abranja todas as e religiosas, assim como a trabalhar em
dimensões da nossa vida. nossos centros e projetos as questões
de gênero e a valorização das diversas
• Comprometemo-nos a desenvolver etnias presentes em nossas sociedades,
processos que promovam o reconheci- sobretudo as que se referem aos povos
mento do outro, a aproximação e o diá- originários e os afrodescendentes.

2.1.5 Pedagogia situada – participativa – interdisciplinar

O traço mais relevante de uma pedago- • Comprometemo-nos a realizar pro-


gia situada é o caráter participativo dos cessos participativos, que partam da
processos de compreensão e construção análise permanente da realidade que
da realidade. Desse modo, possibilita-se estamos vivendo e procurem incor-
a compreensão dos sujeitos da educação porar as contribuições das diferentes
como sujeitos de sua própria história, ciências sociais e humanas, em diálogo
contribuindo igualmente ao seu em- com a teologia e com uma leitura da
poderamento e à tomada de decisões realidade a partir da fé, favorecendo
sobre o seu destino. Esta compreensão assim um enfoque interdisciplinar e
deverá corresponder a uma perspectiva uma visão global e ampla, conjunta-
holística, descartando qualquer visão que mente construída, da nossa atuação
desemboque na compartimentação da educacional.
totalidade, que desintegre as dimensões
social, humana e transcendente.

2.1.6 Educadores/as lúcidos/as – comprometidos/as - agentes culturais

Os/as educadores/as hoje são chamados expressões de uma sensibilidade profun-


a não reduzirem o seu papel à dimensão damente amorosa e solidária que trans-
técnica ou cognitiva. Nossa lucidez re- cende o momento ou o prazer imediato,
side em saber descobrir, entre as novas que vai além do instante e que está vol-
mentalidades e buscas do presente, as tada para a integralidade do ser humano
39
e do planeta. As pessoas que assumem construção de novas subjetividades e
a responsabilidade de educar têm de identidades, especialmente entre os/as
pôr em jogo a sua inteligência criativa, jovens, de colaborar para a construção
sempre aberta e audaz, e assim captar os de um pensamento em perspectiva
momentos oportunos para discernir a alternativa, de ter uma visão lúcida da
realidade e buscar alternativas que levem realidade, de ser sensíveis às diferen-
à mudança. tes expressões culturais e de audazes
para identificar as possibilidades de
• Comprometemo-nos a promover desenvolver experiências e ações trans-
processos de formação continua- formadores que levem particularmente
da de educadores/as para que estes ao compromisso com os setores exclu-
possam desenvolver a capacidade de ídos, com os que sofrem opressão e
acolher criticamente os processos de injustiça.

2.1.7 Processos educacionais – novas tecnologias –


redes de solidariedade

Na chamada era da informação, os rapidamente divulgados em escala plane-


sujeitos são convidados a um processo tária. Permitem produções flexíveis, fácil
autogestionário do conhecimento. A e rapidamente comunicáveis a um grande
intervenção educativa é chamada a ser número de pessoas. O mundo virtual dos
flexível diante da diversidade de sujeitos processos educacionais pode gerar novos
e situações. Cada vez mais, esses pro- espaços para a interação de idéias, conhe-
cessos geram a capacidade de navegar cimentos e propostas, bem como para a
em redes, favorecendo a construção do solidariedade e a construção coletiva de
conhecimento em interações múltiplas, uma cultura a serviço da vida.
bem como a utilização de diferentes ló-
gicas. As novas ferramentas tecnológicas • Comprometemo-nos a incorporar as
proporcionam uma dimensão até agora novas tecnologias da comunicação e da
desconhecida aos processos de aprendi- informação aos processos educacionais
zagem e de construção do conhecimento. que desenvolvemos, promovendo a
O debate de idéias e práticas ou a mobi- democratização de seu uso, a formação
lização em torno de injustiças podem ser de uma consciência crítica em relação a
40
suas possibilidades e limites, e também
a participar de redes virtuais de troca
de idéias, discussão e solidariedade.

2.1.8 Construtores de saberes – práticas sociais – articulados com outros

Em situações muito diversas, nossos participativa, de forma que possamos


povos souberam articular espaços de criar novas maneiras de produzir saberes
construção de saberes sociais a partir de e práticas sociais emancipadoras.
experiências culturais de organização e de
relações que tiveram como resultado prá- • Comprometemo-nos a reconhecer e
ticas sociais e conhecimentos integrados valorizar os saberes construídos nas
ao mundo da vida. É necessário fazer uma práticas sociais cotidianas, particular-
reflexão crítica sobre esses saberes e práti- mente pelos grupos populares e pelos
cas presentes na dinâmica das nossas or- educadores e educadoras, a confron-
ganizações, sistematizar suas conquistas tá-los com os saberes científicos e a
para confrontá-las com nosso horizonte unir forças com os diferentes grupos
de valores e sonhos. Ao unirmos forças e organizações comprometidos com a
com outros, poderemos compartilhar e construção de propostas alternativas
transformar os conhecimentos e práti- destinadas a possibilitar a criação de
cas que não resultarem em uma melhor sociedades mais justas, democráticas
compreensão da realidade, em solidarie- e ecologicamente sustentáveis.
dade, em igualdade ou em democracia

2.1.9 Resistência – celebração – esperança

Para viver, nas diferentes esferas sociais, dinamismo. No transcurso de toda sua
o respeito efetivo aos direitos humanos história, nossos povos têm manifestado
individuais e coletivos, produto de rela- grande capacidade de resistência em meio
ções sociais marcadas pela fraternidade, a inúmeras crises e grandes dificuldades.
a justiça e a solidariedade, é preciso Também sabem celebrar as conquistas e
resistir a tudo o que compromete este as pequenas alegrias do dia a dia. A ca-
41
pacidade de fazer festa e celebrar a vida • Comprometemo-nos a ser construtores
é uma característica muito marcante das de Esperança. A apoiar todas as mani-
culturas latino-americanas. É fundamen- festações de resistência contra o que
tal construir socialmente a Esperança em desumaniza e reforça os mecanismos
tempos difíceis, nos quais a desesperança de exclusão e marginalização. A cele-
campeia e se proclama a impossibilidade brar a vida em suas diferentes mani-
de sonhar. Essa construção nos remete festações. A promover a capacidade de
aos espaços sócio-culturais onde essa fazer festa e alegrar-se em nossos pro-
resistência é recriada como celebração cessos educacionais. A abrir a mente e
da vida e são construídos novos sentidos o coração à paixão pelo Reino de Deus
para viver e lutar, alimentados pelos va- e sua justiça, promovendo o direito de
lores do Reino. todas as pessoas à felicidade.

2.2 Destaques Específicos

1 A Instituição Teresiana promove e respon- realidades a partir de uma perspectiva


de hoje na América Latina por Centros holística. Neste sentido, torna-se especial-
Educacionais e Projetos Sociais, incluin- mente importante ter uma compreensão
do nesta última categoria também as global da complexidade que caracteriza
organizações não governamentais. Cada cada realidade concreta.
uma dessas realidades tem sua especifici-
dade. São diferenciados os grupos sociais 2 No momento atual, consideramos de
aos que se dirigem, o tipo de atividades especial importância promover o apoio
que promovem, a localização, os recursos mútuo entre os Centros Educacionais e
disponíveis, o número de educadores os Projetos Sociais. Esta inter-relação pro-
e educadoras que fazem parte de suas moverá o desenvolvimento de sinergias
equipes e a missão que se propõem. No que favorecem a criatividade, a socializa-
entanto, as Ênfases Comuns são chama- ção reflexiva e crítica dos conhecimentos,
das a permear o trabalho de todas essas práticas e recursos humanos e materiais.
42
Assim, assume-se no cotidiano a lógica
de lançar pontes para coordenar forças
em uma construção conjunta.

2.2.1 Centros Educacionais

Nos últimos anos, os Centros Educacio-


nais da Instituição Teresiana na América
Latina fizeram um trabalho sistemático
de construção de suas propostas educa-
cionais. Neste momento, consideramos
importante desenvolver especialmente os
seguintes aspectos:

2.2.1.1 Processos educacionais


e novas subjetividades

Os/as jovens e crianças de hoje vivem em • Promover a formação de sujeitos integrados,


contextos sócio-culturais marcados, em críticos, ativos, criativos, afetuosos, autôno-
muitos aspectos, por forte individualiza- mos, capazes de construir com outros, de
ção da vida, pelas novas tecnologias, pela participar ativamente de planos, programas
pluralidade cultural, pelas novas buscas e projetos com forte influência social.
de sentido e referências plurais. É urgen-
te dar especial atenção aos processos de • Articular a educação em direitos huma-
construção destas novas identidades e nos, ética e paz com os processos e ações
subjetividades, favorecendo a constitui- curriculares.
ção de sujeitos capazes de integrar as
diversas dimensões da pessoa, de traba- • Realizar um diálogo permanente com as
lhar com outros e compartilhar idéias, famílias orientado a uma integração de
sentimentos e buscas, sujeitos que sejam enfoques educativos e ao intercâmbio de
abertos à transcendência e dêem um tes- inquietudes e buscas.
temunho de compromisso social.

43
2.2.1.2. Compromisso evangelizador

Nos últimos anos ocorreram grandes


mudanças nos cenários religiosos dos
nossos países. Estes hoje apresentam
grande exuberância, pluralidade e força,
junto com fenômenos de secularização
também presentes, sobretudo entre os
grupos sociais de maior acesso aos bens
materiais. Destacam-se inúmeras ques-
tões e desafios. O pluralismo religioso é
uma realidade e interpela a nossa tarefa
evangelizadora. Neste contexto, nossos
centros devem aprofundar sua proposta 2.2.1.3. Formação Continuada
evangelizadora e o estilo pastoral a de- de Educadores/as
senvolver na perspectiva do humanismo
verdade e da espiritualidade de Encarnação Uma opção central da Pedagogia Pove-
própria da Instituição Teresiana dana é reconhecer as e os educadores
como agentes centrais nos processos
• Elaborar a proposta evangelizadora dos sócio-culturais de nossa sociedade no
centros favorecendo a perspectiva de uma momento presente, e o papel relevante
“escola em pastoral”, oferecendo possibi- da escola na construção das alternativas
lidades de fazer a experiência de Deus, necessárias à transformação social. Os
desenvolver a consciência eclesial, o serviço avanços científicos e tecnológicos, ao
à comunidade, o diálogo inter-religioso e o invés de substituir o capital humano e
compromisso social. social da escola, são chamados a forta-
lecer suas capacidades, sua visão e suas
• Realizar um seminário para trocar nossas oportunidades de desenvolvimento e de
experiências evangelizadoras e aprofundar qualificação humana e profissional. A es-
nos desafios atuais da pastoral em centros cola é um locus privilegiado de formação
educacionais católicos na perspectiva da continuada de educadores/as.
“escola em pastoral”.
• Promover a formação continuada dos/as
professores/as no contexto escolar, propi-
ciando espaços e tempos em que os edu-
44
cadores e educadoras pesquisem, estudem, do processo educativo e para a formação das
reflitam e socializem suas experiências e crianças e jovens.
buscas pedagógicas, apoiando a construção
intelectual coletiva e a criação de pensa- 2.2.1.4. Currículos contextualizados
mento com outros e outras; e renovados

• Realizar processos de sistematização das Nos últimos anos, as reformas curriculares


práticas educacionais, promover incentivos multiplicaram-se nos países latino-ame-
para que os/as professores/as apresentem co- ricanos. Em muitos casos, obedeceram a
municações em congressos e seminários; orientações de instituições e organismos
internacionais, sem o devido diálogo
• Conceber e pôr em marcha um programa com as tradições e experiências locais. Em
de formação de professores/as no carisma algumas situações, este diálogo foi mais
da Instituição Teresiana; intenso. O importante é assumir o que,
nessas propostas, estiver em sintonia com
• Favorecer o desenvolvimento de atividades a nossa visão da educação e da escola,
de formação continuada de professores/as, com seu papel formativo e social.
abertas a educadores/as de outras institui-
ções, privadas e públicas; • Dialogar criticamente com as reformas
educacionais e, sempre que for possível,
• Fortalecer a valorização do educador e da procurar influenciar sua formulação e
educadora: no plano ético, promovendo implementação, favorecendo processos
relações calorosas, de respeito e apoio em que os educadores e educadoras sejam
mútuos; no plano econômico, através de protagonistas ativos;
uma remuneração digna, e no plano pro-
fissional, promovendo a preocupação com • Rever os enfoques e currículos dos nossos
uma formação permanente, apoiando as centros na perspectiva de uma pedagogia
iniciativas e as trocas com outros profissio- situada, contextualizada, transformadora,
nais e centros; flexível, participativa, inclusiva e perso-
nalizada;
• Organizar com os pais atividades de for-
mação continuada dirigidas às famílias, • Promover projetos de integração curricu-
visando promover o diálogo, o intercâmbio lar através de diferentes estratégias, como
e o aprofundamento em aspectos de especial ensino globalizado e projetos de trabalho,
interesse para o desenvolvimento adequado reestruturando espaços e tempos, priori-
45
zando uma nova sensibilidade pedagógica nos. Este fato condicionou negativamente
que privilegia as metodologias baseadas na o desenvolvimento dos centros educa-
resolução de problemas e na pesquisa, a cionais, provocando conflitos e freando
referência a questões presentes na realida- o avanço das nossas propostas. Para que
de, a construção do conhecimento de forma os nossos centros sejam viáveis a médio
pessoal e grupal, bem como um enfoque e longo prazo, é urgente trabalhar a ar-
multi/interdisciplinar; ticulação entre o pedagógico e a gestão
institucional neste momento de grave
• Trabalhar em nossos centros a perspectiva crise econômica na quase totalidade dos
de gênero, a interculturalidade, a educação nossos países e das nossas instituições.
para a não violência, a paz, a justiça e os
direitos humanos e a educação ambiental; • A articulação da gestão pedagógica e admi-
favorecer programas de voluntariado e nistrativa exige um olhar permanentemente
protagonismo juvenil, assim como de cola- voltado para o contexto e sua dinâmica,
boração entre as famílias e a escola; suas possibilidades e limites, forças e
ameaças; a comunicação e a informação
• Integrar as novas tecnologias da informação tornam-se mais contínuas, reflexivas e cons-
e da comunicação em nossas dinâmicas cientes; os diferentes agentes educacionais
curriculares, promovendo seu uso crítico - educadores, dirigentes, funcionários, pais,
e favorecendo a democratização de seu etc - e os gestores institucionais tornam-se
acesso aos grupos com menos oportunidades co-responsáveis, política e estrategicamente,
educacionais. por esta articulação;

2.2.1.5. Articulação da gestão


pedagógica e da gestão institucional

A gestão competente dos centros é uma


condição fundamental para seu adequa-
do desenvolvimento. Na cultura dos
educadores e educadoras, demos uma
atenção privilegiada às questões peda-
gógicas, sem considerar devidamente sua
articulação com os processos de gestão,
como também com a disponibilidade de
recursos econômicos, técnicos e huma-
46
ticipativo, que aproveite os recursos e una
as forças, que estabeleça procedimentos que
favoreçam o monitoramento, a avaliação e
o controle dos resultados, em coerência com
os propósitos traçados;

• Articular a gestão pedagógica e administra-


tiva supõe contratar pessoal especializado e
dispor das assessorias necessárias, voltadas
para a busca de soluções para os problemas
e que assegure os recursos econômicos e
financeiros capazes de viabilizar a realiza-
• Este tipo de gestão estabelece vias que ção da proposta. Os centros devem ajustar
favorecem a sustentabilidade (meios, suas propostas de forma que tendam ao
recursos, políticas) dos centros, além de auto-financiamento, pelo menos no que
visar a processos e resultados mais eficazes diz respeito a suas atividades básicas e
e de qualidade. Isto exige políticas claras, permanentes;
definidas, assumidas coletivamente e con-
frontadas, por sua vez, com as próprias po- • Promover a participação dos pais em dife-
líticas do sistema econômico, sócio-político rentes âmbitos organizativos da dinâmica
e educacional de cada realidade. Trata-se escolar: conselhos, associações, comissões,
de um estilo de gestão cooperativo e par- projetos específicos, etc.

2.2.2 Projetos Sociais

Os Projetos Sociais hoje são uma reali- desenvolvendo aspectos de especial


dade significativa para a realização da importância para a transformação das
missão da Instituição Teresiana na Amé- realidades de injustiça e exclusão que
rica Latina. De natureza muito diversa, vivemos. Para que possam continuar se
referentes a distintos grupos sociais, firmando e ganhando em consistência
em geral de caráter popular, os Projetos e expansão, consideramos que é im-
Sociais privilegiam várias atividades e portante trabalhar, particularmente, os
formas de intervenção na sociedade, seguintes aspectos:
47
2.2.2.1. Ação social e compromisso • Com esta finalidade, participar ativamente
evangelizador de redes, movimentos, fóruns, plataformas,
etc., e colaborar com grupos cristãos e
Os Projetos Sociais explicitam de modo eclesiais na perspectiva de aprofundar a
inequívoco o compromisso com os gru- relação fé-política, fé-compromisso trans-
pos sociais marginalizados das nossas formador.
sociedades e expressam com força o
compromisso preferencial com os pobres, 2.2.2.2. Sentido educacional
característica fundamental do Evangelho das nossas práticas
e do carisma Povedano. Procuram favo-
recer espaços que se configurem como Na América Latina, há uma longa tra-
verdadeiras escolas de democracia, crian- dição de experiências educacionais em
do, ao mesmo tempo, uma dinâmica que contextos populares. A perspectiva da
promova a institucionalização democrá- educação popular constituiu uma sig-
tica da sociedade. nificativa contribuição aos processos de
educação não formal, voltados para os
• Continuar priorizando os setores empobre- grupos sociais marginalizados. Muitas
cidos e excluídos, promovendo processos de foram as conquistas. Hoje os novos de-
empoderamento desses grupos como sujeitos safios que nossas sociedades enfrentam
e atores sociais; obrigam-nos a tornar a situar os conheci-
mentos e práticas elaborados e a construir
• Influenciar as políticas públicas, colabo- outros novos.
rando com a construção de alternativas
voltadas para a promoção de uma sociedade
inclusiva, baseada na democracia partici-
pativa e na articulação entre políticas de
igualdade e identidade, nos planos global,
regional e local;

• Fortalecer processos de construção conjunta


com diferentes organizações da sociedade
civil e a participação nas lutas por uma
convivência democrática e em condições
sociais de vida digna para os diferentes
grupos sociais empobrecidos e excluídos;
48
• Supõe também: fortalecer os processos de
educação formal e não formal, criando
pontes entre eles; usar metodologias par-
ticipativas; propiciar processos de gestão
democrática e participativa; utilizar dife-
rentes linguagens, integrando a arte a nos-
sas práticas educacionais, promover uma
educação em direitos humanos, cidadania
e democracia.

2.2.2.3. Agentes sociais multiplicadores

Uma especial necessidade do momento


• Desenvolver processos educacionais nesta atual é a formação de agentes sociais mul-
perspectiva supõe: formar em e para uma tiplicadores. Poucas são as organizações
cidadania crítica e intercultural; construir que privilegiam esta tarefa de trabalhar
identidades voltadas para a constituição de com os mediadores de saberes, valores e
sujeitos-atores, nas esferas pessoal e social; práticas sociais. A ampla experiência da
afetar as subjetividades para promover um Instituição Teresiana na formação de edu-
novo tipo de relações marcadas pelo diá- cadores e educadoras convoca-nos a prio-
logo, a ternura, a aceitação e valorização rizar esses aspectos em nossos projetos e
mútuas, a igualdade e a justiça; resgatar a contribuir de modo significativo para a
a memória histórica dos movimentos e formação de agentes sociais comprome-
lutas dos nossos povos para construir so- tidos com a transformação social.
ciedades democráticas, justas, humanas;
promover um diálogo crítico com as novas • Reforçar os processos de construção coletiva
tecnologias da informação, integrando-as de saberes, práticas e valores que estimulem
em nossos trabalhos e favorecendo sua a transformação dos diferentes espaços de
democratização, colaborando para que os nossas vidas cotidianas;
grupos populares tenham acesso a elas e
não sejam simples consumidores; realizar • Priorizar a formação de agentes multipli-
programas de educação ambiental; ter pre- cadores e desenvolver processos de acompa-
sente as questões de gênero, etnia, relativas nhamento e troca de experiências; organi-
à juventude e outras formas de diversidade zar programas específicos de formação de
cultural; agentes sociais multiplicadores: educadores
49
em direitos humanos, líderes comunitários, • Participar de grupos de estudo e discussão
de grupos de mulheres, de trabalhadores ru- com este enfoque, bem como de mesas
rais, promotores de movimentos de caráter redondas, seminários, fóruns e congressos;
étnico, etc.; ter presente nos programas e promover publicações e outros meios de
atividades a perspectiva de gênero; comunicação social voltados para a socia-
lização de idéias, buscas e propostas;
• Fortalecer os processos de autoformação e
formação permanente, nos planos pessoal e • Desenvolver processos de pesquisa–ação
coletivo; apoiar a organização de movimen- orientados para o favorecimento da cria-
tos e grupos e colaborar para a articulação ção de pensamento, a análise permanente
de diferentes atores da sociedade civil, no da realidade e a sistematização de nossas
âmbito local, nacional e global (fóruns, práticas;
redes, plataformas, etc.).
• Promover a capacitação permanente das
2.2.2.4. Construção de um pensamento nossas equipes, a elaboração de artigos,
alternativo trabalhos e teses que colaborem com esta
perspectiva.
A construção de uma América Latina
diferente supõe um esforço coletivo,
não apenas de resistência e denúncia dos
modelos e perspectivas que perpetuam os
processos de exclusão, mas principalmen-
te de construção de alternativas, tanto no
plano científico e cultural como a partir
das práticas político-sociais concretas.
Nosso carisma, que quer articular fé-cul-
turas-justiça e tem no estudo e reflexão
científica e cultural uma de suas carac-
terísticas de identidade, está chamado a
colaborar com este processo.

50
2.2.2.5. Gestão institucional

Os Projetos Sociais desenvolvem-se em • Fortalecer a sustentabilidade econômica


meio a muita vulnerabilidade institu- dos projetos; estudar formas de ampliar a
cional. De maneira geral, dispõe-se de participação dos recursos locais no finan-
poucos recursos econômicos e humanos, ciamento dos projetos; propor projetos de
que dependem fundamentalmente da qualidade que tenham um impacto signi-
cooperação internacional. Nos últimos ficativo na realidade e sejam viáveis com
anos, o apoio das agências do norte à os recursos disponíveis;
América Latina diminuiu de modo signi-
ficativo, salvo para os países considerados • Formular e aplicar políticas voltadas para
prioritários. A conjuntura internacional o desenvolvimento econômico, financei-
não permite projetar melhores perspecti- ro e administrativo dessas instituições;
vas para os próximos anos. Consideramos estabelecer mecanismos que garantam o
fundamental que os projetos estudem desenvolvimento de estratégias de negocia-
com serenidade e lucidez a sua realidade, ção, criação de parcerias e lançamento de
para poder definir estratégias que evitem propostas e planos que favoreçam sua auto-
uma acumulação progressiva do déficit e gestão; promover processos de planejamento
viabilizem o seu futuro. estratégico de curto e médio prazo.

51
52
PARTE III A N E X O

Esta seleção de textos foi


elaborada com a colaboração Seleção de Textos
de Arantxa Aguado, Consuelo Educacionais
Gimeno e Maria Emilia Olguin.
de Pedro Poveda

Estes textos foram selecionados entre os escri-


tos de Pedro Poveda localizados entre 1904
e 1935. Trata-se de textos “situados”, que
correspondem às vicissitudes históricas da Es-
panha do primeiro terço do século XX. Neles
se reflete a fé encarnada de Pedro Poveda,
que tinha, sem dúvida, a mente e o coração
abertos à realidade do mundo, ultrapassando
as fronteiras do seu próprio país. São textos
provocantes. A grande força de sua inspiração
faz com que seja um grande desafio lê-los a
partir da realidade de diversos contextos.

Os textos que compõem esta seleção


foram extraídos dos seguintes livros e
escritos:
Em proveito da alma, 1909
Ensaio de projetos pedagógicos, 1911
As Academias, 1911
Diário de uma Fundação, 1912
Conselhos a professoras e alunas das primei-
ras Academias de Santa Teresa, 1912
53
Em torno de um projeto, 1913 têm um ano e meio de existência. (...)
Textos sobre Humanismo Cristão, 1913- Freqüentam as aulas cerca de quinhentos
1916 alunos; não mais, porque não há recur-
Revista “Ensino Moderno” sos para atendê-los, mas poderíamos ter
acima de mil. A vida das escolas depende
Artigos do Boletim da Instituição Teresiana
da caridade. Entre as muitas necessida-
em suas diversas fases, entre 1913 e 1935
des que passamos, as principais são as
Falemos das alunas, 1935 seguintes:
Correspondência
Pão para quem tem fome (...) Assumi a tare-
A extensão dos textos selecionados é fa de dar de comer a sete crianças famin-
intencionalmente desigual. Procurou-se tas que havia entre as muitas das escolas.
aproveitar, em alguns casos, expressões (...) Mas agora há mais pobres com fome
concisas de grande valor sócio-pedagógi- e eu preciso dizer isto a todos os que não
co, e, em outros, não perder o núcleo de o vêem e levar ao conhecimento de todos
uma determinada reflexão ou narração os que desconhecem esta necessidade:
pormenorizada que revela toda uma (...) saibam o que ocorre.
realidade interessante. Seja como for, é
muito recomendável a leitura dos textos Roupa para os nus. Como a fundação foi
no contexto original, pois apresentam seu feita em um bairro onde tudo é miséria
pensamento de modo mais completo. e às escolas só vêm os mais pobres de
todos, temos muitos descalços, quase
Entre as várias possibilidades, optou-se todos carentes de roupa e alguns nuzi-
por seguir um critério cronológico na nhos (...)
apresentação dos textos, mas sua leitura
– em diálogo com esta proposta sócio- Precisamos ter igreja? Como o fundamento
educativa - permite uma fácil identifi- da educação e a base de todo progresso
cação dos núcleos temáticos que esta moral e material é Jesus Cristo, em quem
seleção inclui. está toda nossa esperança, a primeira
coisa que fizemos foi instalar o Santís-
1 As Escolas do Sagrado Coração de Jesus, simo Sacramento em nossa ermida (...)
fundadas no bairro das Grutas da cidade em uma gruta, parecida com as antigas
de Guadix, visam a proporcionar ensino catacumbas.
gratuito, alimento e vestuário, na medi-
da do possível, às classes proletárias, e Iluminação e material para as aulas de
54
adultos. É nosso desejo regenerar as fa- momento atual, há uma obra necessária,
mílias por meio das crianças, mas sem urgente, de extraordinária importância e a
esquecer os adultos. (...) Precisamos de ela devemos nos dedicar. (1910)
luz e de um pouco de material e isto,
que é coisa pouca, para nós é de grande 4 Criticam o professorado, recriminam-no
importância, pois carecemos de recursos. e até o desprezam (...) tudo é injusto.
Não é fácil ponderar os benefícios que as Nós entendemos que o professor não
escolas noturnas trariam sem conhecer é o responsável, e que toda a virtude e
certos detalhes, entre os quais as con- cultura do professorado choca-se com as
dições dos moradores destes bairros, a dificuldades que uns e outros lhe criam,
natureza do trabalho a que se dedicam e contra a falta de meios de que dispõe,
a distância que há das Grutas ao centro contra a carência de planos, de livros, de
do povoado. material, de local, de recursos. (1911)

Edifícios e material. No dia em que a inau- 5 (...) formando um professorado virtuoso


guração das primeiras escolas completou e sábio, e adotando os melhores métodos
um ano, abrimos outras salas de aula em pedagógicos para a educação e instrução
outro bairro extremo (...). Ali não temos da juventude. Objetivo que poderá ser
mais de cem alunos, todos crianças, por- facilmente atingido reunindo-se as ini-
que mais não é possível. ciativas e esforços pessoais de todos os
que se sentirem com vocação para este
Não cabe dúvida de que as pessoas têm tipo de apostolado.
bons desejos, mas também é verdade que,
sem recursos, não podemos fazer esta boa 6 Para que nosso trabalho seja proveitoso,
obra. (1904) devemos contar, antes e acima de tudo,
com o professorado. Sem contar com o
2 Estima a justiça tanto quanto a vida professor, não poderemos dar um passo.
(1909) (1911)

3 Confessarei ingenuamente que minha 7 Ao tratarmos dos professores, devemos


afeição predileta é a educação das crian- estudar o assunto sob dois aspectos. Pri-
ças e que, até faz aproximadamente um meiro, professores em exercício, e segun-
ano (...) não pensei nem projetei outra do, professores em formação. Prescindir
coisa a não ser a fundação de escolas para dos primeiros seria desprezar, contra toda
instruir a juventude. Mas entendo que, no razão, um elemento importante que, bem
55
aproveitado, facilitará nossa organização, cendo, no máximo, em estado latente.
e que, abandonado, seria um grave obs- (1911)
táculo à mesma. (...) Conhecendo bem
o professorado em exercício, que é o que 9 Diremos algo do Centro Pedagógico, que
agora estamos fazendo, e sem esquecer as é o que a nova organização tem de mais
questões de idade, cultura, autonomia, destacado. E dele já podemos dizer algo,
meio em que se formaram, situação eco- pois faz quatro meses que abriu as por-
nômica, idéias que neles predominam, tas. No Centro reúnem-se quase todos os
isolamento em que vivem, aspirações que professores da localidade. As conferências
têm, etc., acredito que, para traduzir-se são mais abundantes do que nunca. No
em fatos, nosso esforço deve voltar-se salão realizam-se pequenos concertos. Há
para a organização de uma ação em que um anfiteatro, um orfeão quase organi-
os professores de fato sejam os inicia- zado, e atualmente está sendo preparado
dores e executores. (...) Neste como em o segundo concurso literário. O depar-
outros muitos casos, será preciso contar tamento denominado Redação é um
com inteligência, vontade, coração e au- escritório pedagógico completo. Entre os
xílios de todo tipo. (1911) muitos planos que ali são ventilados, es-
tão o de publicar boletins mensais, fazer
8 É nestes centros (as Academias), tais como Anais das Academias, compor uma série
os imaginamos, que os novos professores, de livros de texto para escolas primárias
os que aspiram a sê-lo, e os encanecidos e outros do gênero. Mas os professores
no saber e nas lides do ensino, poderão dedicam mais tempo ao projeto para
estudar, praticar, escrever e conferenciar; a fundação, manutenção e desenvolvi-
ali poderão ser fortalecidos os vínculos mento de uma Instituição Católica de
do amor fraterno, lançadas as bases para Ensino. No novo local, a biblioteca está
a criação de instituições em prol do pro- melhor organizada: a freqüência é cons-
fessorado e estabelecida uma verdadeira tante e sobre a mesa central sempre há
solidariedade. Daqui nasceriam: compe- boas revistas. Outra melhora notável é a
tência, prestígio, representação, recursos instalação das aulas noturnas no andar
e tudo o que o Magistério necessita. de baixo do estabelecimento. (1911)

O trabalho coletivo e a troca de impres- 10 Terminados os exames (...) concede-se


sões e iniciativas fazem surgir estímulos um mês de férias, pois são muitas as
e desenvolverem-se energias que existem, reformas que é preciso fazer no estabe-
mas não se traduzem em fatos, permane- lecimento. Não obstante, permanecem
56
abertos o Centro e as escolas noturnas. (...); firmes, com a Santa firmeza, em tudo
Os operários que as freqüentam partici- que devemos acreditar e praticar, sem que
pam dos saraus e atividades recreativas adulações, ameaças nem perseguições
do Centro e se conduzem de tal modo vençam a nossa fortaleza; mas suaves,
que edificam professores e alunos. Entre muito suaves, brandos, doces, amáveis
os estudantes e os operários, surgiram no modo, para que assim exerçamos sau-
correntes de simpatia, motivo de grandes dável influência no mundo. A sociedade
esperanças. (1911) atual precisa destes dois remédios; nós,
um tanto contagiados por seus defeitos,
11 Procedamos à organização começando também precisamos deles. Caridade,
pelo mais fácil para abreviar o caminho amor, para prodigalizar-se por Deus; for-
e melhor assegurar os resultados. É o que taleza, para manter-nos firmes em meio a
a experiência nos ensina. (1911) tantos perigos, ciladas e adulações.

12 Pude convencer-me de que o meu pro- Suponham uma sociedade onde cada
jeto não tinha nada de estranho, mas um dos membros esteja revestido deste
que, muito pelo contrário, ajustava-se espírito de fortaleza, e terão a paz.
às necessidades da época e à pedagogia.
(1911) A fisionomia de nossa Obra deve ser atra-
ente, com a atração de uma doce e suave
13 Nossas Academias têm fisionomia pró- fortaleza, em meio a um reinado de paz,
pria? Devem tê-la? Qual deve ser? (...) fruto do amor, do sacrifício e do traba-
O espírito de nossa fundação não é de lho. Como adquirir aquele espírito e esta
temor, e sim de fortaleza e amor, como fisionomia? Ou melhor, como adquirir o
dizia São Paulo. O amor abrange tudo espírito que se traduz nesta fisionomia?
que devemos praticar para com Deus Colocando Deus no coração: este é o
e para com o próximo. A fortaleza será segredo. Se Deus estiver nos professores
a nossa defesa e nos tornará sofridos, e nos alunos, uns e outros terão caridade
corajosos e santamente intrépidos (...) e fortaleza. (1912)
Devemos acreditar que estas palavras nos
foram ditas: “Pois Deus não nos deu um 14 Por que atribuo tanta importância à vo-
espírito de timidez, mas de fortaleza, de cação? Porque sem ela não poderão dar
amor e de sabedoria” (II Tim 1, 7). nenhum passo (...)

Precisamos de firmeza inquebrantável Quem conhecer algo da história da


57
pedagogia, fixar sua atenção nos frutos (...) Estudem muito a vida dos grandes
benéficos que seus vultos mais notáveis pedagogos, dos que se sacrificaram pelo
produziram e estudar as causas de tantos bem, pela educação e pela cultura da
benefícios, terá de reconhecer que não humanidade, e se convencerão de que é
foram nem a escola, nem o método, nem fazendo que se progride e se distribui o
o material, nem qualquer um dos outros bem. (...) Pensem muito, falem o neces-
inúmeros fatores que concorrem para a sário, trabalhem o quanto for possível
educação que produziram tantos bens e pensem, falem, trabalhem por Deus e
(...) A causa foi e sempre será a vocação para sua glória.(1912)
daqueles grandes pedagogos, a vocação
dos que hoje professam amor ao ensino 17 A bondade, como a luz, é resultante de
e à vocação que terão os sucessores. todos os matizes de bem de que uma
pessoa é capaz. Não se pode ser verdadei-
O que brilhou, brilha e brilhará sempre ramente bom sem ser doce, sem ser hu-
nestas iniciativas é a vocação. Dêem-me milde, sem ser dono de si e das paixões,
uma vocação e eu lhes devolverei uma sem ser prudente, sem estar bastante alto
escola, um método e uma pedagogia. no amor de Deus, sem ser desinteressado.
(1912) A bondade é uma mistura de todas as
perfeições morais.
15 Trabalhem com empenho para que suas
discípulas adquiram decidida vocação Parece que, se alguém tem de ser bom,
para o ministério para o qual se prepa- este alguém é a professora. Com o que
ram, ensinem-lhes a ter em grande estima terão de ocupar toda a sua vida? Não
sua profissão.(1912) será toda ela um exercício ininterrupto
de bondade?
16 Sua Academia deve começar fazendo. (...)
Na época em que vivemos, tudo se resol- A bondade e sua profissão são coisas
ve com muitas palavras e poucas obras, muito parecidas.
e, por isto, tudo se resolve tão mal, ou
melhor dizendo, nada se resolve bem. Espero que dela façam a companheira
(...) Além disto, é bem simples e a nada inseparável de suas vidas. (1912)
compromete o fato de propor, projetar,
idealizar grandes coisas; mas custa muito 18 A união dos professores é o melhor re-
esforço levar a termo qualquer projeto, médio contra todos os males que afligem
por menor e mais insignificante que seja. esta digníssima classe. Na união está
58
o nosso triunfo. Para que a união seja educando, condição necessária para que
proveitosa e estável, tem de ser moral e o tesouro seja descoberto.
legal. Unem-se todos, até os mais pobres
e ignorantes; logo, nossa pobreza não é Respeito o ponto de vista dos que pensam
obstáculo à união. É contraproducente que restringir as possibilidades de expan-
querer começar com um ato ruidoso de são é necessário para manter a disciplina
solidariedade. Quase todas as grandes de um colégio. Sei por experiência pró-
iniciativas foram pequenas no começo. pria o contrário, e professo, portanto, a
Procurar abrir em cada localidade um doutrina oposta. A falta de respeito não
Centro Pedagógico que todos os profes- nasce, a meu ver, do espaço que é dado
sores locais freqüentem é dar um passo ao discípulo, mas sim da maneira como
firme. Para tanto não é preciso mais do este lhe é concedido, e do espaço que o
que boa vontade de todos. Ninguém é professor ocupa. (...)
capaz de calcular o que darão de si oito
ou dez professores unidos em pensamen- Ensinem suas alunas a serem humildes,
tos, desejos e obras. E, já que estamos simples, modestas, amáveis, tolerantes,
cansados de passar a vida projetando e judiciosas, fortes, respeitosas, amigas dos
nos queixando, resolvemos pôr mãos pobres, entusiastas do trabalho, justas e
à obra e fazer, que é a melhor maneira prudentes.
de ensinar e progredir. (1912. Texto não
assinado, mas certamente da autoria de Para educar, é preciso conhecer a pessoa
Pedro Poveda) que se educa; sem este conhecimento,
até os meios mais excelentes serão in-
19 É preciso procurar fazer com que cada frutíferos.
discípulo dê de si tudo de bom que puder
dar, e não é fácil consegui-lo sem lhe dar Para mim, a questão é bem clara. Pensem
possibilidades. nela e olhem quantas vantagens traz. O
difícil é saber qual é a medida prudente
Há muitas alunas que, vistas superficial- em que este espaço deve ser concedido.
mente, parecem vulgaridades, mas são (1912)
verdadeiros tesouros, e, na maioria das
vezes, esses tesouros não são descobertos 20 Com freqüência vocês surpreenderão es-
porque o educador não vence, com os tados psicológicos mais apropriados para
meios de que dispõe, a timidez, a falta acolher sua atuação. Esses momentos
de motivação e empenho, etc., do seu críticos são muitas vezes os momentos
59
de Deus, e não passam despercebidos de 25 Nossa regra é fazer tudo de cora-
quem está suspirando por eles, pedindo- ção.(1912)
os e os esperando. (1912)
26 O intercâmbio escolar entre alunas, diri-
21 Não é preciso ser rico para dar, basta ser gido pelas professoras e executado com
bom. (...) A caridade atrai, e creiam-me, zelo, poderia ser um excelente incentivo
não há outro meio para unir e aproxi- aos estudos e um meio apropriado para
mar as classes sociais além da caridade. estimular o companheirismo e a amizade
(1912) entre umas e outras.

22 O ideal. Pensem muito alto e manifestem (...) apreço aos livros e revistas, empenho
com a maior simplicidade os seus pensa- em adquirir material didático, fazer ex-
mentos quando estiverem reunidas. Por cursões científicas, realizar conferências
muito nobre que seja ou irrealizável que e atos literários (...)
lhes pareça uma aspiração, não a quali-
fiquem de disparate. (1912) Sem pedantismo nem extravagância, de-
vem levar suas alunas a se afeiçoarem às
23 O seu exemplo será a disciplina que os palestras científicas e literárias, e dar-lhes
alunos melhor aprenderão.(1912) exemplo disto.

24 Então você acredita que é fazendo que Nas aulas de adultas, e ajudadas por
mais se progride? Acredito e pratico. En- ex-alunas, devem organizar uma certa
tão para que o projeto? Porque, em geral, extensão cultural, cursos breves e que
uma coisa não está em conflito com a abordem também temas sociais.(1912)
outra: projetar não é obstáculo para agir,
nem implica inação, mas é antes caminho 27 Como se progride com o amor! Quando
para chegar à execução. Em particular, no ele falta, tudo é difícil, tudo é frio, tudo é
que diz respeito ao nosso caso, (...) a rea- seco. O Senhor vos livre da falta de amor.
lização do projeto de que nos ocupamos (1912)
multiplicará os benefícios da ação, au-
mentará o número de operários, unificará 28 Nosso professorado não é constituído
o trabalho, somará energias, despertará por um pessoal que creia cumprir sua
entusiasmos e edificará com o exemplo. missão permanecendo no centro nos
(1912) horários de aulas: somos algo mais, guia-
nos um interesse mais elevado, mais puro
60
e, se o que pauta nossos esforços é que a escreva ou se fale do assunto, é que se
Academia (...) venha a ocupar – em dias atua, que se trabalha e que se obtêm
não remotos - um lugar significativo no resultados.
campo da ação social católica, temos de
orientar para a realização deste ideal o Deduzo: será preciso levar a sério o as-
nosso trabalho de todos os dias, de todas sunto e estudá-lo com interesse; procurar
as horas, de todos os instantes. (...) Mas conseguir que todos os que estiverem
para isto será preciso efetuar um trabalho mais ou menos envolvidos aprofundem
de conjunto, não um trabalho isolado, nestas questões; impõe-se a necessidade
caminhar em um consenso no aspecto de realizar assembléias, reuniões, ou
pedagógico; é preciso estimar-se e se como quisermos chamar, para encami-
conhecer bem, e, com esta finalidade, o nhar os trabalhos. (1913)
professorado da Academia (...) se reunirá
semanalmente, e os professores levarão à 30 As coletividades, como os indivíduos,
reunião suas observações a respeito dos têm seu momento, sua época crítica na
alunos, (...) dos êxitos ou das deficiências História, que costuma ser decisiva para
que perceberem no sistema de ensino. o destino da própria coletividade e até
Nessas reuniões, os debates serão serenos da nação a que pertence. Será a época
e imparciais; quando necessário, os pro- atual a decisiva para a meritíssima classe
cedimentos serão retificados; será traçado do magistério do ensino fundamental?
o plano a seguir com algum aluno que Acredito que sim. Até agora passamos
se encontre em circunstâncias especiais. pela época de preparação, precedente
(1913) necessário, e atualmente estamos no
momento crítico. Os marcos, alicerces,
29 Quem está a par do movimento pedagógi- ou como quisermos chamar o inusitado
co da nossa pátria terá de confessar que a movimento que se observa em nossa pá-
Espanha nunca conheceu a efervescência tria em matéria de ensino fundamental
que agora se nota nos professores, nem há vinte ou 25 anos, já estão colocados e
o entusiasmo com que agora a imprensa exigem um rumo novo, uma orientação
se preocupa com o ensino fundamental segura e progressiva. Como fazer? Quem
e com o professorado; portanto, que não tem que iniciar a campanha? Que plano
há revista ou jornal que não dedique ar- seguir? (...) É preciso realizá-lo unindo
tigos, algum artigo, ou uma seção a este as forças. (...) Os próprios professores
tema, que todos concordam em chamar têm de iniciar o movimento e fazer o
de palpitante interesse. Não é só que se plano, despojando-se do prurido de
61
singularidade, ostentação e mando. e direção (...). (1913)
(1913)
34 Os remédios mais excelentes, mais
31 Procurem, por todos os meios que estive- eficazes, precisam ser administrados a
rem ao seu alcance, oferecer o benefício tempo, oportunamente, para produzirem
incomparável da educação a todas as saudável influência. Administrados fora
pessoas. (1913) de hora, serão inúteis sem terem perdido
eficácia. Leva-se menos em conta do que
32 Deixem que cada um seja como é (...). se deveria esta verdade tão simples, clara e
É difícil calcular os males decorrentes evidente, e daí decorrem males que todos
desta tola presunção de querer que todos lamentamos.
sejam como nós queremos, sem jamais
querermos nós mesmos deixar de ser Em muitas ocasiões, não se percebe a
como somos. oportunidade; mas há outras em que esta
se mostra tão às claras, que de ninguém
A diversidade de caracteres, cultura, etc., pode passar despercebida...
imprimem modalidades específicas que
são inevitáveis, e não queremos, ao contrá- Se vocês (professores) se unissem, (...)
rio, anular a personalidade de cada pessoa, se soubessem ser tão dignos como são
mas procurar aperfeiçoá-la (...). (1913) pobres e, fazendo da sua independência
uma arma sagrada e do cumprimento
33 Condição necessária para o êxito é a do seu dever, seu escudo, caminhassem
perseverança. Travar hoje uma batalha e (...) unidos (...), que sorte a sua! Já pen-
retirar-se amanhã não conduz ao triun- saram, professores, quanto poder vocês
fo. Muitas obras não prosperam porque têm em meio à sua pobreza? (...) Seriam
falta esta condição a seus executores. um exército poderoso se a solidariedade
Lutemos enquanto pudermos, enquanto fosse o seu patrimônio (...). Se assim
tivermos forças, com a ação, e, quando acontecesse, tudo lhes seria concedido,
não pudermos agir, incentivemos o nada lhes seria negado, vocês teriam re-
próximo; quando nem isto for possível, presentação digna em todos os lugares,
oremos com fé (...) Que pensem bem em seriam consultados, considerados, nin-
tudo que foi dito (...) os que podem e guém abusaria de vocês, desprezando-os
devem assumir a parte mais ativa nestes ao ponto de não terem voz em lugar
trabalhos, assim com certeza progredire- algum e de sua opinião não ser solicitada
mos em muito pouco tempo, com união nos assuntos em que são profissionais.
62
Pois saibam: é o momento oportuno, é a dadeira vida humana (...).
época crítica, a ocasião precisa. Amanhã?
Não sei se deixando para amanhã vocês Seremos então pródigos em genero-
chegariam a tempo. Hoje é o dia; depois, sidade? Inegável. Teremos simpatias?
quem sabe! (1913) Inevitavelmente. Pretendemos destruir
o humano? Jamais, é uma quimera.
35 Neste campo há espaço para todos, um Tentaremos a perfeição do humano por
lugar para cada um, e esfera de ação onde meios diferentes? Esforço vão. Prescindir
atuar. (1913) de Deus para aperfeiçoar a obra? Tola
ilusão. Não lhes parece muito simples
36 Nossa tarefa educacional seria incom- o procedimento, racional o processo e
pleta se não contássemos com o auxílio infalível o resultado do sistema? Deus
moral das famílias; para consegui-lo, pro- inclina-se para o homem; o homem
curaremos fazer com que freqüentem o inclina-se para Deus, a humanidade
centro; nestas visitas, trataremos de tudo foi assumida pelo Filho de Deus - Deus
que possa interessar aos nossos alunos como o Pai - para não deixá-la jamais, e
com vistas ao seu aperfeiçoamento moral essa humanidade adorável foi elevada à
e intelectual. sua máxima perfeição na pessoa divina.
O humano aperfeiçoado e divinizado,
Com estas reuniões de professores e porque cheio de Deus. A Encarnação bem
famílias, visamos a estreitar os vínculos entendida, a pessoa de Cristo, sua nature-
de amizade entre todos os que colabo- za e sua vida dão, para quem o entende,
ram nesta obra para que, unidos pela a norma segura para vir a ser santo, com
comunhão de aspirações, possamos unir a santidade mais verdadeira, sendo ao
nossas modestas forças e trabalhar sem mesmo próprio tempo humano, com o
descanso em benefício da religião e da humanismo verdade. (1915)
cultura. (1914)
38 Eu lhes peço um sistema novo: um novo
37 Quero, sim, vidas humanas; ambientes método, procedimentos tão novos como
onde o humanismo, no sentido orto- antigos, inspirados no amor. (1915)
doxo da palavra, impere; mas, como
entendo que essas vidas não poderão ser 39 Será que a cultura tem forçosamente de ser
como as desejamos se não forem vidas a antítese da naturalidade? (...) Não será
de Deus, pretendo começar enchendo a escassez de cultura que nos impede de
de Deus os que deverão viver uma ver- ser francos, ingênuos e simples? (1916)
63
40 É-lhes extremamente necessário possuir Esse “vocês” (...) parece especialmente di-
a verdade. Rodeados de uma atmosfera rigido aos que têm a profissão de ensinar;
de mentiras, em meio a um mundo en- e aquela expressão “esforçai-vos” denota
ganador, a verdade nos liberta; em seu a diligência com que têm de procurar a
conhecimento, encontramos descanso fé, a virtude e a ciência.
(...) Não há convivência possível entre
a luz e as trevas, e menos ainda entre a Vocês, professores, e sobre tudo vocês,
verdade e a mentira. A medida da nossa professores de professores, não devem
verdade é a posse de Cristo. (1917) adquirir essas virtudes lentamente e
dividindo o seu tempo com coisas vãs;
41 As obras, sim, são elas que dão teste- têm de adquirir o espírito de fé que dá
munho de nós e dizem com eloqüência serenidade aos seus atos, seriedade à sua
incomparável o que somos. (1919) vida, exemplaridade aos seus costumes,
saudável temor ao seu espírito, sentido e
42 Todos nós temos de cooperar. (...) Aqui comedimento às suas conversas, retidão e
não há um que seja protagonista e ou- justeza aos seus pensamentos, aplicando-
tros, figurantes, mas cada um tem o seu se a isto com todo cuidado e com a maior
lugar, o seu dever, a sua responsabilidade. diligência possível.
(1919)
“À virtude a ciência” (...). Sua ciência de-
43 Esforçai-vos quanto possível por unir à vossa veria ser tal que ninguém soubesse mais
fé a virtude, à virtude a ciência, à ciência do que vocês nem tivesse a arte que têm
a temperança, à temperança a paciência, à para tornar amável o estudo, inculcar o
paciência a piedade. (II Pe 1, 5-6) amor à ciência, cujo autor é Deus, sabe-
doria infinita (...). Que maior exercício
Primeiro a fé, sem a qual não há salvação de virtude do que o perseverante e me-
possível; depois, ou melhor, com a fé, tódico trabalho de que são encarregadas?
virtude; pois se aquela for viva, age, e suas (...) Se vocês formarem, por força da sua
obras são virtudes. ciência metódica e acessível, gerações de
professores que, imitando o seu exemplo,
Será preciso acrescentar também ciência, professem amor ao estudo e ao ensino,
porque o cumprimento dos seus deveres será frutuoso o seu apostolado? Será que
exige a ciência, que vocês não poderão vocês calculam a influência do argumento
ensinar se não possuírem. de que os professores mais ativos, com-

64
petentes e bons são os mais virtuosos e cês deve existir uma fonte inesgotável de
que têm a fé mais viva? vida verdadeira, que é a graça de Cristo,
seu espírito que nunca deve extinguir-se,
“À temperança a paciência.” É ocioso porque, caso se extinga, surgem a corrup-
comentar esta frase, porque ninguém ção e a morte.(1920)
duvida da necessidade da paciência em
quem deve educar. E para que a educa- 46 Acreditei, por isto falei (Sal 115,1). Os
ção seja perfeita como desejamos, para que pretendem harmonizar o silêncio
que tudo seja feito por Deus e por sua reprovável com a fé sincera pretendem o
glória, necessitaremos de tesouros de impossível. Quem tem fé verdadeira fala
paciência! O educador deve ser dono de para confessar a verdade que professa
si e, segundo a frase do Espírito Santo, “é quando deve, como deve, diante de quem
pela constância que alcançareis a vossa deve e para dizer o que deve (...). Como
salvação” (Lc 21,19) (...). As diferenças de deve: com seriedade, sem provocações,
classe, condição e simpatia dos discípulos mas sem covardias; sem petulância, mas
muitas vezes põem à prova a paciência sem pusilanimidade; com caridade, mas
do professor e fazem com que ele precise sem adulações; com respeito, mas sem
manter uma vigilância contínua sobre acanhamento; sem ira, mas com dignida-
si mesmo para não jogar por terra, com de; sem teimosia, mas com firmeza; com
uma impaciência injustificada e parcial, coragem, mas sem temeridade. (1920)
tudo de bom que tiver edificado com o
exercício de outras virtudes. (1920) 47 Pode-se fazer uma estatística comparando
a situação da cultura da mulher cinco
44 Devem [suas alunas] amar a todos. De- anos antes da nossa chegada [a determi-
vem preferir os pequenos, os necessita- nadas localidades] e cinco anos depois,
dos, os pobres. (1920) e se nota um movimento extraordinário.
Tanto é assim que, em alguns lugares, cen-
45 Vós sois o sal da terra (MT. 5,13). O sal suram-nos pelo excesso de sua educação
preserva da corrupção. Ali onde o sal se intelectual. (1921)
deposita, não pode haver corrupção. (...)
Suas palavras e conversas, suas obras, 48 Como têm de agir? Como Deus quer.
maneiras, formas de agir, porte, tudo deve Acima de tudo, com paz; se lhes faltar,
ser símbolo contra a corrupção. duvidem do próprio zelo, assim como
devem duvidar e temer se for algo em
A corrupção é morte, destruição, e em vo- detrimento da sua perfeição. Sem preci-
65
pitação, sem desânimo, como quem sabe 51. Assim outro dia eu lhes dizia que sejam
que a obra é de Deus e não humana, que mulheres de muita fé, de fé viva, de fé
depende Dele e não da sua atividade. sentida, e que nunca digam que têm fé su-
Com doçura, mansidão, humildade e ficiente, assim lhes afirmo hoje: desejem
alegria. Tornando-se tudo para todos, a ciência, procurem a ciência, adquiram a
adaptando-se, medindo bem as circuns- ciência, trabalhem para consegui-la e não
tâncias, sendo prudentes, não chegando se cansem nunca, nem digam jamais que
nunca a gerar cansaço, não humilhando têm suficiente ciência. Muita ciência leva
ninguém, não poupando elogios, sendo a Deus, pouca, separa-nos Dele.
organizadas, o que também deve mani-
festar-se em palavras, maneiras e até no Se vocês forem mulheres de fé, estimarão
rosto; não sendo exageradas nem a favor como dever primordial o cumprimento
nem contra; com respeito, sem parciali- de suas obrigações; uma delas, sem dú-
dades nem diferenças sequer aparentes. vida sacratíssima, é o estudo, o trabalho,
(1922) o assíduo trabalho para capacitar-se e
ostentar dignamente um diploma que,
49 Este tem de ser o segredo dos seus suces- se lhes dá acesso a cargos oficiais impor-
sos e se, meditando serenamente, vocês tantes e honrosos, obriga-as a adquirir a
se convencessem de que toda a sua gran- bagagem científica necessária para exercê-
deza, a sua influência, o seu poder e a sua los dignamente (...)
glória têm de basear-se na humildade,
aplicariam o verdadeiro empenho ao cul- Busquemos, pois, a ciência, os livros, os
tivo desta virtude (...). O que o talento, a professores, as bibliotecas, as pesquisas de
autoridade, o poder e a grandeza humana todo tipo, tudo que represente cultura.
não tiverem conseguido, a humildade
obterá. (1924) Oh, que casamento tão fecundo é o da
ciência com a virtude! Seus filhos são
50 Se você estiver alegre, fará tudo com essas obras geniais que desafiam os tem-
perfeição, com gosto, sem esmorecer pos. (1930)
(...) Sem alegria, tudo que realizar de
bom perderá o brilho. Não será sal nem 52 O estudo não é para vocês algo bom, útil,
luz (...) Sempre a alegria inseparável da proveitoso, mas algo necessário, impres-
retidão, da justiça, do bom espírito, da cindível.
posse de Deus. (1927)
É preciso apaixonar-se pelo estudo, (...)
66
recorrer a todo o engenho (...) para incor- altruísmo, forte por fora e fraca por den-
porar à sua vida o estudo, fazendo dele tro; covarde, com capa de valente; todos
uma verdadeira necessidade. (1930) tocamos os seus efeitos, presenciamos
suas cenas e conhecemos os seus frutos
53 Devem formar professoras, mulheres cul- (...)
tas que, por sua vez, têm de ser formado-
ras e líderes na sociedade. É um equívoco Vocês têm de educar no espírito cristão,
pensar que as jovens estudantes que vêm de forma séria, sensata, sólida, com dis-
aos seus centros são pessoas formadas, ciplina, fortaleza, ideais, temperança.
que não precisam dos seus cuidados.
Querer que as estudantes sejam perfeitas Nos nossos centros, as alunas avançam ou
é um bom desejo que não corresponde retrocedem em virtude, cultura, educação
à realidade; pretender que suas alunas e saúde? (1933)
não lhes dêem trabalho algum é sonhar
acordadas. 55 Será preciso aproveitar o momento, a
circunstância, o estado psicológico de
Bem sei como é difícil a tarefa de formar, cada pessoa para que sejam proveitosos a
o sacrifício que supõe, o trabalho que advertência, a admoestação, o conselho.
dá. (...) Mas convenhamos que (...) seu Além disto, devem ser perseverantes sem
campo de ação é feito das alunas, e elas serem pesadas nem insistentes (...) Não
virão a ser um dia sua glória e sua coroa, cheguem à saturação (...) Fizeram-no
ou justamente o contrário. Para elas Deus assim? Cada aluna tem um ponto que,
lhes deu a vocação. sempre que é tocado, gera resultado, uma
lembrança que, quando evocada, surte
(...) já pensaram atentamente na situação efeito, e até uma atitude que, quando
em que elas se encontram? (...) Ponham- adotada, suscita uma reação. Vocês usa-
se no lugar delas e tirem as conseqüên- ram todos estes recursos? Se a sua adver-
cias. (1933) tência não tiver sido assim, mas como
um trator; se não tiverem percorrido
54 Bem se vê que há uma educação da moda, toda a escala, mas uma só nota, repetida
meio a sério, meio de brincadeira, cristã e e monótona; se, com a mesma força que
pagã, com aparência de algo, mas sendo investiram em um momento, perderam
nada; superficial mas fazendo alarde de a continuidade, tornem a debruçar-se
racionalidade; leviana, com máscara de sobre o plano, retifiquem-no e comecem
ponderação; egoísta, mas proclamando de novo. (1933).
67
56 Quais são os critérios de suas alunas educada? Que papel fará na sociedade,
nas questões fundamentais atualmente o que resolverá com sua ciência se não
debatidas? (...) Sem tom pomposo, sem souber governar-se?
aparato de discurso, aproveitem as opor-
tunidades para dar doutrina sólida às Será preciso despertar nas jovens os senti-
suas alunas, para aconselhar-lhes livros mentos de caridade, de amor ao próximo,
onde possam encontrar o que precisam dar-lhes a conhecer os problemas que
conhecer; e preocupem-se seriamente mais tarde encontrarão no caminho.
com elas. (1933) (1933)

57 Não formem jovens egoístas, que só 58 Tenho para mim que o segredo do sucesso
amem a si mesmas e sintam desdém e está em que as alunas se sintam como
falta de consideração pelos pobres. Há em suas casas e estimem as pessoas e até
um abismo entre a aluna que só pensa as coisas como próprias. Claro que será
em si mesma, em sua comodidade, em preciso ajustar o plano que leve ao fim
seus estudos, em seu futuro, em suas indicado conforme a idade, os estudos
distrações - em suma, só no que lhes diz e a qualidade das pessoas, mas, com as
respeito - e outra que, além de cumprir o variações necessárias, sempre é possível
que é seu dever, pensa nas realidades da interessar às suas educandas, fazendo
vida, preocupa-se com as necessidades com que participem de tudo aquilo que
alheias, cuida delas e as atende segundo vocês compreenderem que lhes será agra-
suas possibilidades. dável, e procurando fazer com que lhes
seja agradável tudo que puder trazer-lhes
Considero que é um erro o empenho proveito no presente e para o futuro. Não
desmedido em rodear a jovem estudante é de todo fácil consegui-lo, mas, para
de todo gênero de comodidades e diver- quem trabalha por Deus e conta sempre
sões, e isolá-la de todo contato com a com suas luzes e sua ajuda, não há difi-
humanidade pobre e necessitada para culdade. A maior dificuldade pode estar
evitar-lhe sofrimentos e desgostos. O em não dar a este meio educacional toda
fruto disto é formar jovens que viverão a importância que merece. (1933)
cheias de medo da realidade da vida, fra-
cas, caprichosas, mimadas, egoístas, sem 59 Nem pessimismos enervantes, nem oti-
noção do que é a vida, sem pensamento mismos exaltados; nem audácias impru-
sério nem vontade disciplinada. (...) dentes, nem covardias vergonhosas; nem
Para que servirá depois uma jovem assim abundância do supérfluo, nem falta do
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necessário; nem desconhecimento dos secura, a ira, a impaciência, a brutali-
perigos, nem exagero das dificuldades. dade, a insolência, não é por entender-
(1934) mos que assim fazemos mais bem ao
próximo; é porque assim satisfazemos
60 Com doçura se educa, com doçura se à paixão, ao amor próprio, à soberba;
ensina, com doçura se inculca a virtude, porque assim é mais cômodo, mais
com doçura se consegue a emenda, (...) fácil, mais ao nosso gosto.
com doçura governa-se bem, com doçura
se faz tudo de bom. Não devemos nos iludir: a mansidão,
a afabilidade e a doçura são as virtudes
Se preferirmos a rispidez, a reticência, a que conquistam o mundo. (1935)

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