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A política e a
dos serviços, outra educação não tem uma
organização das instituições dimensão ética. Elas são
e das intersubjetividades por natureza ética ou anti-
que se manifestem em ética ou a-ética. Portanto, o
subjetividades expansivas. problema é a qualidadeda
São desejáveis, e por ética que a política e a
elas se luta, outras formas educação expressam.
de ser que apenas são Paulo Freire (1992) coloca
possíveis na convivência essa questão a partir dos
entre diferentes que se problemas da diversidade
respeitam e se enriquecem cultural com a possível
(material, psicológica e exigência de convivência
simbolicamente) em suas entre as culturas ou traços
diferenças, na tensa e mútua culturais numa mesma
convivência da diversidade. cultura, bem como dos
Só assim é possível avançar indivíduos e grupos
na direção deuma sociedade humanos no interior de uma
inter-multicultural crítica, determinada sociedade.
diante das exigências de João Francisco de Souza é Professor Adjunto da Essa convivência
um contexto que pode Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com atuação entre as culturas ou
aprofundar a transculturação no Centro de Educação, nos programas de Graduação e Pós traços culturais vai se
das gentes, dos povos Graduação; Pesquisador e Coordenador Geral do NUPEP/ expressar por interações
e da pós-modernidade/ UFPE (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação (interculturalidade,
mundo. Implica assumir o multiculturalidade,
de Jovens e Adultos e em Educação Popular); Doutor em
essencial. E o essencial transculturação superando
somos nós próprios, cada Sociologia e Estudos Comparados sobre a América Latina e o situações de mera
um de nós seres humanos Caribe pela UnB (Universidade de Brasília, Brasil) e FLACSO pluriculturalidade que hoje
na configuração que (Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales). Realizou predominam no mundo).
escolhermos para viver Estágio Pós Doutoral nas Universidades do Minho, Portugal, Ou, então, expressar-se-á
nossas humanidades ou e de Barcelona, Espanha, como bolsista da CAPES, Ministério essa pluriculturalidade por
que nos tem sido imposta da Educação do Brasil, no ano letivo 2003/2004. justaposições, guetização,
necessitando, portanto, de Vice-Presidente do Centro Paulo Freire: Estudos e assimilacionismos,
superação desde que nossa rejeições, dominações,
escolha seja por uma ação
Pesquisas(2006 – 2008). s u b o r d i n a ç õ e s ,
que nos faça cada vez mais, explorações. Estamos,
humanamente. portanto, outras vez,
no campo das eleições
axiológicas. Quais
serão nossas opções:
a humanização ou a
desumanização do ser
humano e de suas culturas?
Para que essa ética se
efetive, são necessários
outros processos de
produção e invenção do
conhecer, do emocionar-
se e do agir, além de outra
Copyright © by João Francisco de Souza
Revisão
Rosário de Sá Barreto
E ste livro resulta da organização das aulas de Filosofia de Educação para o Curso
de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, no segundo
semestre de 2006, nas quais buscaremos desenvolver os elementos para uma reflexão
filosófica sobre as novas tarefas da educação num contexto de pós-modernidade/mundo.
ÍNDICE Uma reflexão filosófica implicada pedagogicamente.
Apresentação Deseja-se que alunas e alunos avancem em sua capacidade de reflexão filosófica
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implicada pedagogicamente para que construam maior consistência na formação inicial e
Introdução
garantam as bases de sua formação continuada.
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TEMA 1: Possibilidades da educação 013 A maioria dos textos são provenientes de trabalhos anteriores nos quais desenvolvemos
TEMA 2: Diálogo intercultural 015 reflexões filosóficas sobre os problemas da educação e suas implicações para as práticas
TEMA 3: Práxis Pedagógica 019 pedagógicas escolares ou não. Quase sempre estão indicadas as obras em que anteriormente
TEMA 4: Problemas do estudo da educação 036 estão publicadas essas reflexões.
TEMA 5: O novo contexto para a construção da Filosofia da Educação 046
TEMA 6: O problema pedagógico na diversidade cultural 060
TEMA 7: Uma possível proposta pedagógica na diversidade cultural 067
TEMA 8: Os fenômenos da Educação Não-Escolar 074
TEMA 9: Educação como processos de ressocialização 083
TEMA 10: Educação Permanente 090
TEMA 11: Educação Popular 094
TEMA 13: As finalidades sociais da educação 108
TEMA 13: Hominização versus Humanização/desumanização 114
TEMA 14: A educação como chave para a humanização do ser humano 118
INTRODUÇÃO
“Parece-me que a obra de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, constitui-se num tipo- PROBLEMÁTICA EM ANÁLISE
exemplar de reflexão pedagógica. Pois, nela encontro, admiravelmente desenvolvidos os três
A multiplicidade e diversidade de termos e expressões, com diferentes concepções e
momentos que indico para que uma reflexão seja qualificada de pedagógica. E mais ainda,
alcances, em relação às questões pedagógicas, especialmente sobre os processos educativos,
realizados segundo um método adequado à perspectiva da classe trabalhadora”.(SOUZA,
as práticas pedagógicas e suas teorizações, denotam divergências de espistemologias e
2004, p. 183).
teorias que revelam, por vezes, posicionamentos ideo-políticos antagônicos, além de poucos
acordos no campo da pesquisa educacional e da ação educativa.
Hoje afirmo que não parece, mas de fato o pensamento de Paulo Freire é gerador de
Essa situação pode ser enriquecedora do ponto de vista da pesquisa, mas enseja
uma outra tradição pedagógica no interior das diversas Pedagogias produzidas nos diferentes
muitos riscos do ponto de vista das políticas e das ações dos sistemas em suas incidências
países. E de uma forma ou de outra, o pensamento pedagógico pode ser distinguido por
na sociedade e nas próprias escolas.
um antes e um depois da produção de Paulo Freire. Uma pedagogia se caracteriza como
Falamos de/escrevemos sobre: Proposta Pedagógica, Programas, Planos e Projetos
uma teoria da formação humana do ser humano. Isso supõe uma teoria da transformação da
(PPP), Projeto Político-Pedagógico. Projeto Educativo. Currículo, Prática Pedagógica. Prática
sociedade (uma reinvenção da emancipação humana), portanto, uma teoria da ação coletiva
Educativa. Saber pedagógico. Saber específico ou de conteúdo ou disciplinas de conteúdo.
que se especifica ao interagir com os fenômenos educativos transformando-os e sendo
Didática Geral. Didática de Conteúdos Específicos. Avaliação Somativa. Diagnóstica.
reelaborada.
Emancipatória. Prática de Ensino. Estagio supervisionado. Educação. Pedagogia.
Pimenta (1996, p.129), numa ampla revisão dos debates e propostas sobre Pedagogia,
Ensino. Ciência da Educação. Ciências da Educação. Aprendizagem. Ensinagem. Ensino-
Ciências da Educação, Ciência da Educação, afirma:
Aprendizagem. E por aí, la nave va...
Essa diversidade exige um trabalho mais rigoroso de conceituação e análise da
“A discussão epistemológica dos anos recentes está gestando um novo entendimento da
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educação, enquanto objeto empírico a ser analisado e teorizado no campo intelectual PRÁXIS PEDAGÓGICA
denominado Pedagogia. Isso com o objetivo de que, sem querer uniformizar, se saiba sobre
o que se fala ou se escreve. E assim se poder contribuir com uma maior compreensão dos A práxis pedagógica concretiza o Currículo por meio das relações e ações que se dão
fenômenos sociais denonimados educativos e a garantia conseqüente da intervenção para entre educadores (prática docente), educandos (prática discente) e gestores (prática gestora)
reverter os quadros calamitosos atuais em relação à educação e escolarização dos setores mediadas pelos conhecimentos ou conteúdos (prática gnoseológica e/ou epistemológica)
majoritários da população brasileira, especificamente no Nordeste. trabalhados no interior de um determinado contexto (ou entorno social) e institucional tendo
A multiplicidade acima aludida pode manifestar, além das divergências ideo- como finalidade a formação humana dos sujeitos humanos nela envolvidos. Uma ação inter-
epistemológicas, políticas e teórico-metodológicas, as dificuldades de se identificar uma relacional e institucional de educadores versus educandos versus mediados pelo conhecimento
proposta pedagógica para a educação escolar ou outras formas de realizar a educação. e pela afetividade. Uma ação coletiva de formação humana.
Quando nos referimos a uma Proposta Pedagógica, pensamo-la configurada pelas seguintes Então, de modo especial, uma análise da prática pedagógica escolar deve nos levar a
dimensões: examinar o pólo da complexidade PROFESSOR, da complexidade ALUNO, da complexidade
CONHECIMENTO em suas INTER-RELAÇÕES no interior de uma INSTITUIÇÃO (uma prática
1) Concepção de Educação gestora) que se organiza desde um CONTEXTO econômico, social, político, institucional e
2) Finalidades dos processos educativos interpessoal que pode ser caracterizado de DIVERSIDADE CULTURAL ou pluriculturalidade
3) Conteúdos pedagógicos: com determinados desejos, intencionalidades, objetivos e finalidades claramente definidos
- Conteúdos educativos permeados pela afetividade .
- Conteúdos instrumentais A finalidade da prática pedagógica e de sua investigação será identificar e analisar a
- Conteúdos operativos
4) Dispositivos de diferenciação pedagógica INSTITUIÇÃO
CONHECIMENTO
3 - A explicitação da afetividade nessas ações e relações se deve à reflexão de Fátima Holmes (2006) em sua
dissertação de Mestrado da qual retiramos também o gráfico de ilustração.
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contribuição que as diversas e diferentes ações educativas estão dando para a CONSTRUÇÃO encontram-se subjacentes um modelo de educação e um modelo de escola, fundamentados
DA HUMANIDADE DO SER HUMANO; ou seja, de SUBJETIVIDADES dialogantes, críticas, em determinadas teorias do conhecimento. Ao mesmo tempo em que o modelo educacional
capazes de contribuir com a conformação de outras relações sociais, portanto de organizar é influenciado pelo paradigma da ciência, aquele também o determina. A atuação do
a economia (o trabalho) de novas formas, a política e as instituições sob outros valores. Já professor traduz sua visão de educação. É impossível separar uma coisa da outra. A teoria
podemos adivinhar a importância da Filosofia da Educação para a prática pedagógica escolar da aprendizagem que fundamenta sua ação contem as explicações de como ele crê que o
ou não. indivíduo aprende e determina o modelo pedagógico adotado pela escola” (MORAES, 1997,
Numa palavra, tomar como objeto de pesquisa as relações educador educando p. 18).
mediadas pelos conhecimentos permeadas pela afetividade numa instituição (sua organização
e gestão) que se estrutura num contexto de diversidade cultural. Esse contexto cultural, como Essa visão parece meio mecanicista, pois uma teoria não se aplica na prática. Ela
veremos, se transforma no conteúdo educativo. Conteúdo educativo a ser trabalhado de necessita de várias mediações para influenciar a prática. É um guia para a prática. No
formas determinadas de acordo com os sujeitos educativos diretos (educadores, educandos, entanto, poder-se-á identificar pela prática a teoria que a fundamenta. A prática é uma teoria
gestores) e indiretos (funcionários não docentes da instituição) e externos (secretaria de em ação. No entanto, uma teoria só pode ser executada por meio de inúmeras mediações,
educação, governo). O que implica ao mesmo tempo identificar as relações que os educadores as tecnologias das diferentes ciências. E no caso da educação, as teorias pedagógicas são
mantém com o conhecimento e as relações que desejam ajudar os alunos a construir. princípios que questionam as práticas pedagógicas e nessas interações ambas se modificam.
Para a formulação desses princípios é fundamental a contribuição da Filosofia da Educação,
enquanto uma reflexão radical, rigoroso e de conjunto dos problemas sócio educacionais
Prolemática sócio-antropológico-pedagógica gerados no contexto cultural (SAVIANI, 1980).
Podemos adentrar a essa problemática desde distintos ângulos. Para ter uma visão
mais adequada, tomamos como porta de entrada, ainda que trate apenas da educação Problemática Teórica: paradigmas
escolar, o Documento Chamada à ação: combatendo o fracasso Escolar do Nordeste, no Nessa perspectiva, algumas reflexões de Antônio Joaquim Severino (1996) podem
qual os consultores do Branco Mundial, por meio do Projeto Nordeste, analisam o fenômeno nos ajudar a um posicionamento na busca da contribuição da Filosofia da Educação e da
da reprovação nas escolas da Região, ao longo dos anos 1985 a 1995, chegando a quatro identidade da pesquisa sobre a prática pedagógica e sua efetivação que venha a configurar
conclusões. Indicam que o fenômeno evidencia: uma comunidade paradigmática nessa área. Vejamos:
a) A precária organização dos sistemas de ensino (estaduais e municipais); Conhecer, fazer ciência no âmbito educacional, se é obviamente muito diferente do
fazer ciência no âmbito das ciências naturais, é também diferente mesmo em relação às
b) A aprendizagem do aluno não é o foco central da escola; próprias das ciências humanas. É aí que encontramos fundadas as necessárias distinções
entre as ciências da educação e uma ciência da educação. Uma coisa é buscar conhecer
c) A insatisfação generalizada de pais e alunos; e, finalmente, a fenomenalidade humana envolvida na dimensão antropológico-educacional, com as
perspectivas e os recursos teórico-metodológicos das ciências humanas; outra coisa será
d) A existência de profissionais desmotivados e sem a qualificação necessária, na qual compreender uma possível especificidade própria da educação.
salientam “a falta de uma política de valorização do professor que nos últimos anos tornou o Frente a essa especificidade das Ciências da Educação ou de uma ciência da educação,
magistério uma área muito pouco prestigiada e de baixa atratividade no mercado de trabalho” o autor propõe:
(MORAES, 1997, p. 14-15). Estabelecer para a Pedagogia e para a Didática um estatuto de cientificidade impõe
a exigência de uma profunda reconceituação da própria ciência. O dado novo e original que
A autora que cita esse documento, no entanto, identifica “o grande problema da exige essa reconceituação é o caráter práxico da educação, ou seja, que ela é uma prática
educação no modelo de ciência que prevalece num certo momento histórico nas teorias da intencionada. Sua existência, sua realidade, sua substancialidade se constituem exatamente
aprendizagem e que influencia a prática pedagógica”. Afirma: por essa condição de ser uma ação de intervenção social que constrói os sujeitos humanos.
E isso com base numa intencionalidade, apoiando-se em significações que são da ordem da
“Acreditamos na existência de um diálogo interativo entre o modelo científico, as fenomenalidade empírica dessa existência. Por isso mesmo, a abordagem, a explicitação
teorias de aprendizagem e as práticas pedagógicas desenvolvidas. Na prática do professor, desse sentido não são viáveis pelos caminhos epistemológico-metodológicos do processo
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epistêmico chamado comumente de ciência. fundamentalmente baseada na corrente do interacionismo construtivista da Psicologia. Outra
Dado o caráter prático da educação e a necessidade da recognição de ciência para define o processo de ensino enquanto uma prática social concreta, articulada a outras práticas
garantir da cientificidade da pedagogia, para o autor tem que se buscar esse novo conceito de sociais. Nessa segunda posição identifica duas tendências.
ciência tem que se situar no âmbito filosófico e da pratica cultural. Por isso, A primeira entendendo o ensino como trabalho articulado à organização do processo
não é pelo fato de a configuração da intencionaldiade da educação enquanto prática só poder de trabalho no capitalismo. A segunda “circunscrita mais nitidamente ao âmbito da pesquisa
ser feita a partir da modalidade filosófica do conhecimento, que o problema da natureza científica da prática pedagógica escolar, envolvendo o uso de técnicas e instrumentos etnográficos”
da Pedagogia se coloca. Ele se põe é pelo fato de a educação ser uma prática histórico-social, (OLIVEIRA, 1996, p. 17-18).
cujo norteamento não se fará de maneira técnica, mecânica . Daí os acumulados insucessos Finalmente, constata-se uma mudança de foco de atenção nos objetos dos estudos de
de tantas tentativas de psicologização, sociologização e de biologização da didática. Reflexão 1994 e 95 apresentados na ANPEd , quando comparados aos dos anos anteriores. Observa-
análoga pode ser feita, referindo-se às igualmente equivocadas tentativas de se fundá-la em se que, de 1991 a 1993, os estudos na área abordavam, predominantemente, os temas dos
bases metafísicas (SEVERINO, 1996, p. 67-68). referenciais teóricos e da prática pedagógica, aparecendo como importantes os estudos sobre
Temos, portanto, que encarar os problemas educativos e os sujeitos da educação como as práticas pedagógicas bem sucedidas (sublinhado pela autora). Já nos anos de 1994 e 95
culturais, portanto históricos e naturais. Ver os problemas em sua integralidade e complexidade os estudos sobre a prática pedagógica analisados giram em torno da formação do professor,
em suas inter relações e ações. Como conclui Severino: tendo por objeto de estudo a construção do saber docente, projetos de formação do professor,
Sem dúvida, os sujeitos educandos, dada a sua condição humana, são entidades, características do bom professor. A influência de autores como Nóvoa, Popkewitz, e a posição
naturais e históricas, determinadas por condições objetivas de existência, mas interagindo de se defender o ensino como prática reflexiva, com base nas discussões de Donald Schön
permanentemente com essas condições modificando-as pela sua práxis. Nesse sentido, (1983), começa a aparecer como uma tendência significativa (p.22).
como sujeitos, formam-se historicamente, ao mesmo tempo, que vão formando, igualmente Essas perspectivas começam, naquele momento, a mudar revelando um outro
de modo histórico, os objetivos de suas relações. Mas as supostas leis que presidiriam o direcionamento. Uma direção que aponta a uma síntese das tendências anteriores. O ensino
desenvolvimento histórico não se situam mais nem no plano da determinação metafísica nem é tomado como ponto de partida e de chegada da pesquisa. Na formação do futuro professor,
no plano da necessidade física. Em decorrência disso, a educação passa a ser proposta como os resultados e os métodos de pesquisa possuem caráter didático. Os primeiros aproximam
processo, individual e coletivo, de constituição da realidade histórica da humanidade. Isso o aluno/professor da escola. Quanto aos métodos de pesquisa, retomam-se as discussões
quer dizer que lhe cabe constituir uma nova consciência social do indivíduo ao mesmo tempo sobre as suas possibilidades na formação do professor, como um recurso para a construção
que reconstitui a sociedade pela rearticulação de suas relações políticas. Os fins e os valores ativa do conhecimento. E em projetos de formação continuada do professor, a pesquisa-ação
bem como os meios envolvidos nessa sua ação são igualmente explicitados a partir dessa sintetizaria uma alternativa rica para o desenvolvimento do ensino como uma prática refletida.
interação. O que está assim em pauta é a profunda historicidade humana (SEVERINO, 1996, Nesta década, a tendência sintetiza-se pela defesa da pesquisa como instrumento de
p. 69). formação do professor. Na defesa da posição de uso do método da pesquisa para ensinar,
Como poderíamos interpretar essas perspectivas? Quais suas implicações para ou do uso da pesquisa-ação nos cursos de formação do professor, os estudos na área da
organizar, avaliar e pesquisar a prática pedagógica? Didática defendem a concepção do professor-pesquisador, mas ao lado da concepção do
Então, nessas perspectivas, se pode situar a pesquisa da prática pedagógica e da pesquisador-professor. E, sempre, cuidando de preservar, como pressuposto, a identidade da
formação do professor no campo das teorias da ação coletiva ou praxeologia ou praxilogia. pesquisa científica em relação à pesquisa didática.
Ainda que uma modalidade singular de prática social: ação coletiva (social) de/para a formação Chama-nos a atenção para o risco de operar, nesses estudos, uma separação entre o
de subjetividades humanas (SOUZA, 1997; 2000; 2001). professor e o aluno, pois, ainda que a ênfase nas pesquisas em didática tenham recaído sobre
Algumas pesquisas situam, no entanto, o exame da prática pedagógica como um dos o ensino enquanto uma prática de reflexão na ação, há que cuidar para que, na teoria e na
objetos da didática. Eu penso o contrário. A didática é apenas uma das dimensões da prática prática da Didática, a ênfase no ensino e no professor não venham a operar, estranhamente,
pedagógica. Como veremos, é o pólo do Professor/educador. Talvez seja produtivo perceber a separação entre professor e aluno, mas impliquem, sim, a defesa de um ensino enquanto
como está situada nos debates da pesquisa didática ou em didática para melhor compreendê- reflexão na ação, que se faz interativamente (OLIVEIRA, 1996, p. 24).
la. Retoma-se, pois, a idéia de estudar a prática pedagógica no interior das teorias da ação
Analisando as tendências investigativas em didática, no Brasil, Oliveira (1996) identifica
duas posições, quanto à concepção de ensino e aos fundamentos teóricos. Uma dessas
4 - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação que realiza anualmente Reuniões nas
posições define o ensino a partir de seu objetivo de conseguir a aprendizagem do aluno, quais se apresentam a produção no campo das ciências da educação no Brasil.
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coletiva. Como uma práxis. Trata-se da prática educativa argumentada, analisada, sistemática, em diferentes níveis de elaboração, que orienta e dá significado àquela atividade prática
intencional e voluntária. Prática educativa refletida e teorizada é o que denomino de práxis desenvolvida pelos indivíduos, isolada ou socialmente. (...). A práxis humana termina criando,
pedagógica. A superação do espontaneismo da prática educativa que para ser vivida não objetivamente, uma vida social que tem a sua própria legalidade, independentemente da
necessita de reflexão, de teoria. Pensa-se que educação vem de berço, que ser educador é vontade subjetiva dos indivíduos que a criaram, e que os submete socialmente (EVANGELISTA,
viver uma vocação. 1992, p. 95).
Então, há que se analisar como a práxis pedagógica enquanto um “um campo de Por isso, “a vida social é entendida como uma totalidade, como unidade dialética
contradições necessariamente específico em que cada caso, no qual se combinam uma indissolúvel e contraditória entre o ser social e a consciência, em todas as suas formas de
multiplicidade de fatores, outorga-lhe uma fisionomia original” (SOBRIÑO,1986:50). Nesse manifestação” (EVANGELISTA, 1992, p. 94-95).
campo de contradições, parece a contradição principal da prática pedagógica se encontrar no Nessa direção, para uma maior compreensão de suas implicações, Sánchez-Vázquez
nível das relações pedagógicas de base que se estabelece entre agentes diretos ou imediatos faz uma distinção entre práxis intencional e práxis inintencional. Na práxis intencional
(ensinantes e aprendentes) da prática pedagógica e os meios pedagógicos, e que assume a atividade obedece a um objetivo previamente traçado; seu resultado é, portanto, uma
determinados caracteres dominantes no modo de produção capitalista (SOBRIÑO, 1986, p. objetivação do sujeito prático e há certa adequação entre seus objetivos ou intenções e os
51). resultados de sua ação. Encontramos, pois, uma esfera prática que acarreta a intervenção da
Assim, a análise da Prática Pedagógica tem que permitir a identificação das contradições consciência como processo de realização de uma intenção determinada, no decurso do qual
que surgem entre os diferentes elementos das relações pedagógicas de base (que) derivam o subjetivo se objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiva (1977, p. 318).
basicamente das diferentes atividades e funções dos agentes, ensinantes por um lado e Essa práxis podendo ser individual e/ou coletiva ainda é produtora, como resultado
aprendizes por outro, da forma particular de vinculação daqueles com os meios pedagógicos; das diferentes práxis individuais intencionais feitas socialmente, de uma práxis coletiva
da existência de relações de dominação (SOBRIÑO,1986, p. 51). inintencional. Assim, A práxis intencional tanto pode ser individual quanto coletiva. A práxis
Em O CAPITAL, Marx aplica um método que reúne duas noções básicas inter- individual é sempre uma práxis intencional, embora o resultado de sua atividade corresponda
relacionadas e dinâmicas: dialética e totalidade. Estas duas noções constituem sua contribuição mais ou menos às suas intenções originalmente idealizadas. A combinação dessa práxis
central para a teoria social. Elas configuram sua concepção central de relações sociais que se intencional dos diversos indivíduos na sua vida social produz uma práxis coletiva inintencional,
originam e conformam sua concepção de trabalho. que não foi projetada por nenhum indivíduo isoladamente (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p.
O materialismo clássico do século XVIII estabelecera uma dicotomia rígida entre sujeito 333).
e objeto, elaborando uma categoria passiva da percepção na qual a mente, a consciência Sendo assim práxis individuais intencionais quando se juntam, além de resultarem
do ser humano, era uma folha em branco (tabula rasa) na qual a experiência se imprimia na execução dessas intencionalidades, ainda são produtoras de resultados que não foram
mecanicamente. Assim, a consciência, elemento subjetivo, foi necessariamente suprimida planejados, que não eram desejados intencionalmente. Portanto, o resultado é a produção de
como força ativa pelo materialismo mecanicista e o positivismo do século XIX. efeitos que não foram deliberados. Basta, analisar os resultados das práticas pedagógicas.
Marx, tendo definido a realidade como uma realidade humana feita pelos seres Por isso, conclui (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p. 333):
humanos, argumenta em favor de uma teoria social que compreenda essa realidade não Resulta daí que os indivíduos, enquanto seres sociais, dotados de consciência e vontade,
como um processo imutável e não-histórico, e sim como um processo vivo, envolvendo o produzem resultados dos quais não são conscientes; ou seja, que não correspondem aos
ser humano em seu duplo papel de produto e produtor, historicamente situado e se fazendo objetivos que guiavam seus atos individuais nem tampouco a um propósito ou projeto comum.
culturalmente. E, não obstante, tais resultados não podem ser senão o fruto de sua atividade humana.
Na filosofia da práxis, há lugar para a ciência desde que não seja considerada como Evangelista (2002, p. 97) agrega a essa conclusão. Assim, A práxis do indivíduo tem um
algo pronto, mas como o resultado de “uma ampla circulação pedagógica no interior da relação caráter dúplice. É intencinal, quando ele busca realizar um determinado objetivo projetado
de hegemonia”. “Este é, precisamente, o significado da identificação gramsciana entre relação ou idealizado; e inintencional, quanto sua atividade “como ser consciente adota uma forma
pedagógica e elaboração cultural com o que tão freqüentemente deveremos esforçar-nos social e se integra numa práxis coletiva que leva a resultados globais que escapam à sua
para ajustar as contas” (BROCCOLI, p. 15). consciência e à sua vontade (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 1977, p. 333).
A práxis entendida, como síntese entre a atividade prática dos indivíduos e o Essas práxis intencionais particulares, assim, criam uma totalidade objetiva, dotada
conhecimento necessariamente implicado e suposto em toda atividade sócio-humana. Toda de certas regularidades sociais em sua reprodução histórica, que irão caracterizar sua
forma de práxis humana contém, simultaneamente, uma atividade prática concreta e um específica legalidade social. Para romper o círculo da inintencionalidade, a práxis coletiva
certo conhecimento, que lhe é requerido para a efetivação dessa atividade. É a consciência, deve apreender a lógica dessa legalidade social ou, mesmo que intuitivamente, captar de
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uma forma aproximativa a sua lógica de reprodução. Isso é a condição para que os projetos das culturas indígenas, ou de qualquer cultura nesse caso (OLIVÉ, 1999, p. 15).
coletivamente elaborados possam ser objetivados socialmente, através da práxis intencional. Essas transformações construíram o que hoje denomina-se de globalização que há
Esse é o sentido da afirmação de Gramsci de que a “cartase” é “a elaboração superior da de ser entendida num duplo movimento de ampliação da interdependências entre diversos
estrutura em superestrutura na consciência dos homens” (Gramsci apud Coutinho 1981, p. 70). povos da pós-modernidade/mudo e pregação ideologia dos Estados Unidos da América do
Assim, a práxis coletiva somente adquire um caráter intencional quando há uma adequação pensamento único de que fora do capitalismo não há solução para os problemas do mundo.
subjetiva à lógica social objetivamente existente, emergindo, daí, um sujeito coletivo consciente No primeiro primeiro momento, a globalização pode ser entendida como “a construção
nas suas intervenções no processo social. Ora, para que isso ocorro, é suposto que a práxis de uma sociedade planetária na qual participem as diversas culturas do mundo, em um
manipulatória e reiterativa da cotidianidade reificadas tenha sido superada e substituída por processo no qual cada um enriqueça a sociedade global e ao mesmo tempo se benficie do
uma forma superior de práxis social criadora e totalizante (EVANGELISTA, 1992, p. 97) . intercâmbio e da cooperação com as outras” (OLIVÉ, 1999, p. 16). Por isso, a construção e
Sánchez-Vázquez (1977, p. 383) faz, ainda, uma distinção entre consciência prática o desenvolvimento da nação podem ser vistos como um processo que tende a impor uma
e consciência da práxis. Ele chama de consciência prática a “consciência que atua no início única cultura; ou podem reconhecer que a nação é pluricultural, e que seu desenvolvimento
ou ao longo do processo prático em íntima unidade com a plasmação ou a realização de pode ser enriquecido com essa diversidade se se apoia o florescimento de todas as culturas
seus objetivos, projetos ou esquemas dinâmicos. É a consciência tal como ela se insere no que a compõem e se sentam bases sólidas para que todas cooperem no projeto comum de
processo prático, atuando ou intervindo no seu transcurso, para transformar um resultado desenvolvimento nacional (OLIVÉ, 1999, p. 16-17).
ideal em real” (EVANGELISTA, 1992, p. 98). Olivé (1999, p. 17) faz a indicação de que “em um mundo multicultural, os dereitos
Porém, a consciência não só se projeta e se plasma - se objetiva - “como sabe a humanos devem construir-se na interação transcultural” e de que as “condições para superar
si mesma como consciência projetada, plasmada. A essa consciência que se volta sobre si conflitos específicos entre culturas concretas” exige o reconhecimento do “direito das culturas
mesma, e sobre a atividade material em que se plasma, podemos chamar de consciência da a presevar-se, a florescer e evoluir, e devem admitir, ao mesmo tempo, que isso é compatível
práxis” (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p. 283-284). Assim, um implica na outra, mas não estão com a participação de todas na construção e no desenvolvimento de sociedades mais amplas,
no mesmo plano; não se confundem, mas não estão separadas entre si. A consciência da de autênticas sociedades multiculturais nos âmbitos nacional e internacional” (OLIVÉ, 1999, p.
práxis é a autoconsciência prática. “Segundo o grau de manifestação dessa autoconsciência 18).
prática podemos distinguir dois níveis da atividade prática do homem, que denominaremos de Sua hipótese-aposta é em relação à “possibilidade de um auténtico diálogo, a
práxis espontânea e práxis reflexiva, consciência baixa ou quase nula na primeira e elevada, cooperação e a solidariedade entre as culturas, o respeito à identidade de cada uma e seu
na última” (SANCHEZ-VASQUEZ, 19977, p. 285). dereito à sobrevivência e ao florescimento, esse modelo multicultural tambem defende o
Parece essas perspectivas coincidir com o que Marx-Engels afirma, no Manifesto máximo respeito à autonomia e à dignidade dos indivíduos” (Ibidem). Essas hipótese e aposta
Comunista, da modernidade como o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto estão baseadas em uma suposição epistemológica:
de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos ... Todas as relações fixas
e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, “a realidade “se deixa” conhecer de muitas maneiras diferentes. Mas não se pode tomar
todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é quaisquer idéias conhecimento. A fundamentação ética do modelo pluralista se baseia na
sólido se desmancha no ar. tese de que não há normas morais de validez absoluta para julgar como corretas ou incorretas
Nesse processo permanente de modificações, de constituição da consciência e da as ações das pessoas, nem há critérios absolutos para avaliar as normas e os sistemas
desconscientização, vão se plasmando as diferentes modulações humanas: (os diferentes normativos. Mas, isso não significa que qualquer ação possa justificar-se do ponto de vista
grupos culturais que compõem a pós-modernidad/mundo. E emergem as reivindicações do moral. Enfim, o modelo pluralista sustenta que há uma diversidade de pontos de vista, de
direito à diferença que passa a significar o reconhecimento e o respeito de sua cultura, e formas legítimas de conhecer e interagir com o mundo, e de conceber o que é moralmente
o dereito de seus membros a preservá-la, a fazê-la florescer e desenvolvê-la de maneira correto. Mas, disso não se conclui que tudo esté permitido. Ao contrário, veremos que, de
criativa, e a viver segundo os planos de vida que cada um eleja de acordo com essa cultura, acordo com esse pluralismo, a realidade impõe constrangimentos muito fortes sobre o que é
sem deixar por isso de participar na vida nacional (OLIVÉ, 1999, p. 15). corrreto crer e do que é possível e correto fazer. Daí se segue que, em certas circunstâncias,
Diante de todas as transformações que experimentamos atualmente, existe uma seja possível comparar, por exemplo, conhecimentos e propostas para agir e que, em função
tendência crescente a universalizar de maneira efetiva os dereitos humanos, ao se abrir a de fins específicos sobre os que podem por-se de acordo os membros diferentes culturas, seja
possibilidade de julgar a genocidas e criminosos contra a humanidade em países distintos razoável sustentar que algumas dessas propostas são preferíveis a outras” (OLIVÉ, 1999, p.
daqueles em que foram cometidos os crimes. Tem sentido defender ainda o direito à diferença 19).
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Por isso, um projeto multicultural terá futuro somente na medida em que se comprometam Por outro lado, escutamos diariamente em todos os lugares e lemos em numerosos
tanto o Estado como os diversos povos indígenas, seus líderes (tradicionais e não tradicionais), documentos sobre o potencial educativo de todas e quaisquer atividades e situações.
os partidos políticos e amplos setores da sociedade aceitem a diferença, sejam respeitosos Aposta-se no potencial educativo da tecnologia (educação tecnológica), da sexualidade
das outras culturas e estejam dispostos a cooperar no desenvolvimento de uma sociedade (educação sexual), da família (educação doméstica), da religião (educação religiosa), da
multicultral e a admitir a possibilidade de fazer as mudanças necessários em sua própria saúde (educação para a saúde), do ambiente (educação ambiental), do civismo (educação
cultura para a convivência harmoniosa com as outras (OLIVÉ, 1999, p. 20). cívica), do desenvolvimento (educação para a sustentabilidade), da cidadania (educação para
Retomaremos a questão da diversidade cultural no Tema X. a cidadania), da escola (educação escolar). E por aí vai. Que tão educativas podem ser essas
realidades ou quão educáveis são elas? Ou, ainda, que contribuição podem dar aos processos
Perspectivas Científicas da/para Práxis Pedagógica educativos das pessoas e dos grupos culturais?
Nossa hipótese fundamental de trabalho é que uma atividade ou situação tem um
Esquadrinhar a complexidade PROFESSOR, a complexidade ALUNO, a complexidade potencial educativo ou pode contribuir para a educação do ser humano, especificamente, se
GESTOR, a complexidade CONHECIMENTO em suas INTER-RELAÇÕES permeadas pela contribuir para a sua humanização. Trabalhamos com a convicção de que a educação escolar
afetividade no interior de um CONTEXTO econômico, social, interpessoal e institucional pode contribuir com a CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO. Essa hipótese
perpassadas pela afetividade (amor, raiva, ódio) que pode ser caracterizado de DIVERSIDADE se desdobra em duas outras que lhe são complementares e a concretizam:
CULTURAL ou pluriculturalidade é o desafio cientifico a ser enfrentado. Mas, também pela
Filosofia da Educação. Pois, a finalidade de quaisquer práticas pedagógicas é a CONSTRUÇÃO 1. OS CONHECIMENTOS QUE OS PROFESSORES E ALUNOS ADQUIREM NA
DA HUMANIDADE DO SER HUMANO; ou seja, ajudar a formar SUBJETIVIDADES dialogantes, ESCOLA SÃO ÚTEIS PARA O CRESCIMENTO HUMANO DE TODAS AS MULHERES E DE
críticas, expansivas capazes de contribuir com a conformação de outras relações sociais. TODOS OS HOMENS. POR ISSO, A EDUCAÇÃO ESCOLAR É UM DIREITO INALIENÁVEL
Assim, a prática pedagógica deve ser avaliada pela contribuição que ela poder garantir DE TODO SER HUMANO;
à construção da humanidade do ser humano. Práticas pedagógicas que tanto podem ser 2. OS ADOLESCENTES, ADULTOS, AS CRIANÇAS E JOVENS APRENDEMOS COM
realizadas nas escolas como nas casas, nas ruas, nas fábricas, nos sítios, nos movimentos OS CONFLITOS SOCIOCOGNITIVOS GERADOS ENTRE OS SABERES QUE CADA UM
sociais e políticos. Mas, sobretudo e de modo especial, nas atividades educativas desenvolvidas JÁ POSSUI E AS INFORMAÇÕES RECEBIDAS NA SALA DE AULA OU EM QUAISQUER
na escolarização de trabalhadoras e trabalhadores (adolescentes, adultos e jovens) que se OUTROS AMBIENTES SOCIAIS E EDUCATIVOS.
fizerem estudantes com aqueles e aquelas que se apropriarem das idéias proposta por uma
Pedagogia que assuma a construção do humano como sua centralidade. Espera-se que essas idéias possibilitem a cada educador elementos que lhes permita
Os educadores, inclusive os educadores escolares (os professores) devem ser construir respostas aos desafios acima indicados de maneira profunda. Espera-se ainda que
permanentemente provocados, a partir de diferentes contribuições teórico-práticas, a uma cada um possa realizar o confronto entre os conhecimentos que adquiriu antes de iniciar a
reflexão que permita a cada um a formulação das bases, dos fundamentos de um tipo de leitura deste artigo e as informações nele oferecidas nas diferentes lições que o compõem
prática pedagógica que quer contribuir para a construção da humanidade do ser humano e (SOUZA, 2000).
da sociedade. Essa prática pedagógica se propõe ser a expressão da busca do crescimento O curso de Filosofia da Educação deve nos ajudar a cada um de nós a reorientar o
humano e do reconhecimento social dos profissionais da educação e da contribuição que cada olhar para a prática pedagógica e para a vida de seu meio cultural e natural em que atuamos.
um de nós pode dar para o desenvolvimento integral de nossos aprendizes de humanidade e Isso não significa que até então não estivéssemos ligados aos acontecimentos cotidianos,
para o desenvolvimento sustentável de sua comunidade, de nosso país e de cada um de nós mas que, a partir de agora, vamos dirigir o olhar de uma maneira científica e aprender a
próprios. documentar os acontecimentos da sala de aula, da comunidade, do movimento em que
Atualmente nos encontramos frente a duas afirmações recorrentes. A primeira: a atuamos. Deveremos documentar (anotar) também as nossas reações aos acontecimentos.
riqueza das nações e das pessoas será o seu nível de escolaridade. Quanto mais um país Essa nova atitude o ajudará a compreender as próprias transformações e as do meio e a
escolarizar, por maior tempo, sua população e quanto mais anos de escolaridade possuir um qualificar ainda mais a sua intervenção no cotidiano tanto do ambiente profissional quanto da
indivíduo, tanto mais poderão ampliar sua riqueza e seu poder. Será verdade? Afirma-se até comunidade. Além disso, fornecerá elementos para a reflexão nas diversas ações que estão
que os níveis de escolaridade coletivos e individuais serão o equivalente geral, ou seja, o valor sendo desenvolvidas.
de troca entre os países e os indivíduos. Esse processo exige disciplina, rigor e persistência. Ele será muito importante no
processo de aprendizagem, para a prática pedagógica e o próprio crescimento como ser
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humano (pessoa e indivíduo). E também ajudará o desenvolvimento como escritor e leitor. A e) Fatores que interferem na prática pedagógica;
escrita é decisiva para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. f) Que ações e atitudes são evidenciadas na prática pedagógica de professores/as e
No livro Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na alunos/as?;
diversidade cultural, perguntava-me se na preparação da prática pedagógica (SOUZA, 1999; g) Quais são as preocupações pedagógicas de educadoras e educadores?
SOUZA, 2000), o docente procedia por meio de uma “pesquisa-ação participante, como se h) Quais as características da atuação das professoras e dos professores?
denomina na América Latina, próxima ou bastante similar à “investigação-acção” proposta pelo
CIIE para codificação de temas significativos, de palavras geradoras? Planejamento técnico? Objeto: a relação professor aluno mediada pelo conhecimento na instituição em um
Definição de objetivos operacionais? Codificação de interesses dos alunos, tematizados, a determinado contexto, perpassada pelas diferentes manifestações da afetividade.
serem confrontados com os conhecimentos científicos para produzir um novo saber?”.
E mais, para confirmar a confusão, perguntava-me se a realização da prática docente
se dava por meio de “Círculos de Cultura ou salas de aula? Decodificação, confrontação de
saberes a partir dos temas significativos tanto do ponto de vista social quanto acadêmico?
Emblematicamente, palavras geradoras? E a expressão dos conteúdos básicos de aprendizagem
como se relaciona com a aquisição dos instrumentos essenciais de aprendizagem ? Mas,
como seria essa distinção na educação superior? Os dispositivos pedagógicos são os mesmos
ou devem ser diferenciados segundo os grupos com os quais se atua? Os objetivos a serem
atingidos são os mesmos ou diferentes de acordo com os grupos culturais? O que muda é o
caminho ou também os objetivos?”
As dimensões da prática pedagógica nas obras de pedagogia e no fazer dos educadores,
inclusive dos professores, especialmente na Educação de Jovens e Adultos:
a) o ocorre essa relação e suas implicações no processo de ensino-aprendizagem?;
b) Como estão as professoras e os professores buscando e construindo o saber fazer
pedagógico?;
c) Como os professores e as professoras constroem sua prática desde os primeiros
contatos com a escola?
d) Qual as características da prática pedagógica em cada um dos ciclos identificados?;
5 - Eu, nesse momento, ainda confundia ou tomava como sinônimas as expressões prática pedagógica e prática
docente. Se são a mesma coisa para mudar a nomenclatura? Só justifica uma nova denominação se a natureza
do fenômeno ao qual se refere é diferente. Ainda que se quisesse complexificar o conteúdo da expressão prática
docente não se justificaria a mudança da expressão. Apenas é justificável cunhar outra termo ou expressão se
um novo conteúdo a exige, portanto uma outra realidade se institui.
6 - Ver a distinção que estabelece a Declaração Mundial de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 5 a 9
de março de 1990, entre instrumentos essenciais para aprendizagem e conteúdos básicos de aprendizagem.
E como os relaciona. Seu artigo 1o determina que “cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar
em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas
de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem
(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos de
aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos
possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentais e continuar
aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam
segundo cada país e cada cultura e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo”.
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TEMA 4: Variam, também, esses estudos, além da influência das perspectivas e opções
PROBLEMAS DO ESTUDO DA EDUCAÇÃO axiológicas, de acordo com os compromissos políticos, portanto, ideológicos a partir dos quais
orientamos nossas produções intelectuais, ou seja, teóricas. As análises, mesmo dentro de
(Posicionamentos básicos {IDEOLÓGICOS} para o estudo científico da educação:
um mesmo campo como o filosófico, mudam de conteúdo, de tom e de perspectivas. São
educação, sociologia, humanização, pedagogia).
problemas e campos de estudo vastos, desafiadores e muito ricos, profundamente variados e
14 - “O abismo entre o PNB per capita das nações ricas e pobres aumenta a um ritmo acelerado. Atualmente,
26 nações cuja população é apenas 15% do total dos habitantes do mundo desfrutam de um PNB de mais de 15 - Harvey, 1993; Lyotard, 1990; Santos, 1996.
l0 000 dólares (de fato, uma média de mais de l8 000), que supera cinco vezes o de 3 000 milhões de pessoas, 16 - Blackburn, 1993; Fonseca, 1992; Kurz, 1993; Rossi, 1996.
pouco mais da metade de toda humanidade, cujo PNB per capita é menor que 500 dólares (em cifras reais, 330)” 17 - Capra, 1990; González-Casanova, 1992; Osorio; Weinstein, 1993; Kurz, 1993; Santos, 1998; Wallerstein,
(HOBSBAWN, 1992, p. 51-52). Ver nota 2 p. 28 (SOUZA, 2002). 1990, 1998.
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riqueza, do poder, do conhecimento e da tecnologia, além de estar nos ameaçando de uma que têm sempre sua contrapartida simbólica nas ciências sociais, por isso, no auge, a crise e
hecatombe, põe em crise os próprios paradigmas sociais e de conhecimento predominantes, a emergência de paradigmas de ação e de pesquisa estão consideravelmente associados”.
revelando as suas debilidades. Todos os paradigmas de saber, que predominaram até há
pouco tempo, estão dificultando a intervenção na crise para superá-la, mas, ao mesmo tempo, Dessa maneira, a tentativa de redução do conhecimento histórico-social a uma função
novos paradigmas vão sendo produzidos para a compreensão e intervenção nessa mesma meramente diagnóstica, também, está sendo questionada. Pois a enorme centralização da
realidade social . riqueza, do poder, do conhecimento e da tecnologia, além de estar nos ameaçando de uma
Entrando em crise os projetos de sociedade, também perderam força os meta-relatos, hecatombe, põe em crise os próprios paradigmas sociais e de conhecimento predominantes,
expressões do saber hitórico-social, que sustentavam esses projetos históricos e seus revelando as suas debilidades. Todos os paradigmas de saber, que predominaram até há
significados. E, simultaneamente, emerge, com força, a necessidade de outras construções pouco tempo, estão dificultando a intervenção na crise para superá-la, mas, ao mesmo tempo,
intelectuais, mais abrangentes e consistentes, que vão sendo elaboradas na própria reflexão novos paradigmas vão sendo produzidos para a compreensão e intervenção nessa mesma
sobre a crise e suas soluções. Novos meta-relatos começam a emergir e, as vezes, tão realidade social .
autoritários ou mais que os anteriores; quando não, o regresso dos fundamentalismos. Essa É na direção de identificar novas configurações da sociedade mundial e dos saberes
crise/exigência de paradigmas sociais e científicos mostra o enorme desafio que representa a necessários a essa construção que pode se centrar o trabalho da Sociologia da Educação
busca de um saber humano, capaz de fundamentar a convivência do conjunto de mulheres e (escolar e não-escolar). Suponho que são os movimentos urbanos e rurais, assim como os
homens, que constitui a presente e próxima configuração da população mundial. movimentos sociais temáticos, na pós-modernidade/mundo, que dão origem, também, às
Para muitos cientistas e políticos, essa preocupação/ocupação carece de sentido. educações não escolares e, simultaneamente, à Sociologia da Educação Não-Escolar e à
A destrutividade do conhecimento tecnológico, no entanto, no momento em que põe em revisão de todos os saberes. Pois, como pondera González-Casanova, os modelos de ação
risco a própria possibilidade de continuação da vida humana e da natureza , associada à e os modelos de produção de conhecimento e os próprios conhecimentos formulados vão se
crise histórica acima referida, impõe, para outros intelectuais e enormes contingentes da transformando e se dando simultaneamente.
população de diferentes países, como tem sido demonstrado nas quatro edições do Forum Nessas novas formulações (novos saberes), ainda que com muitas ambigüidades,
Social Mundial , a discussão de novas propostas de transformação social e dos saberes expressam-se um veio de construção de uma nova cultura, no interior da crise em que
a elas necessários. Propostas que fujam à lógica binária que se configurou, historicamente, vivemos, ao tempo em que são, também, interpretações e prospecções da pós-modernidade/
desde o século XIX, tanto no capitalismo, com suas formas de pensar, como no comunismo mundo como pode fazer a Sociologia da Educação para situar adequadamente os problemas
possível nas condições do século XX, com seu marxismo oficial. a enfrentar. Essa nova cultura terá condições de combater as lógicas binárias e a supremacia
A necessidade de compreender essa situação e superá-la está impulsionando tanto de um modelo único de civilização que alguns desejam impor.
cientistas quanto militantes de movimentos sociais à busca de novos modelos para a sociedade
e o conhecimento. Pois, por outro lado, essa mesma situação já é portadora de perspectivas
sociais e de conhecimentos diferentes, de tal maneira que se trata de identificar as suas
possibilidades e buscar meios de potenciá-las. Estão imbricadas a crise social e a emersão de
paradigmas de saberes. Como ensina González-Casanova (1992, p. 8),
18 - “O escândalo na história tem sido sempre a morte pessoal e o horror profetizado, a extinção da espécie
humana. Atualmente, de repente, surge outro espectro: a morte do planeta. Pelo menos daquela parte que
sustenta nossas vidas. E, se o planeta morre, onde irão nossas almas imortais, nossas civilizações, nossas
consciências tão arduamente construídas?” (ARIZPE, 1992, p. 120).
19 - As três primeiras realizadas em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil e a Última, 2004, em
Mumbai, na Índia; 2005: Porto Alegre; 2006: Caracas, Venezuela
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TEMA 5: resultante do contraponto entre as civilizações oriental e ocidental, sem esquecer o eslavismo,
os africanismos e os indigenismos compondo processos civilizatórios transnacionais. De
O NOVO CONTEXTO PARA A CONSTRUÇÃO DA
fato, é possível distinguir o cristianismo, o capitalismo, o liberalismo, o socialismo e outras
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO expressões do ocidentalismo. Simultaneamente, é possível distinguir o hinduísmo, o budismo,
o confucionismo, o taoísmo, o xintoísmo, o islamismo e outras expressões de orientalismos.
A firmo (SOUZA, 2002) e, neste tema, reproduzo parte do debate sobre a diversidade Mas também é verdade que o orientalismo e o ocidentalismo se encadeiam, influenciam-
cultural que põe e repõe o problema central da existência humana: as diferentes formas se, polarizam-se, acomodam-se e recriam-se continuamente, desde que Vasco da Gama
que vão assumindo, ao longo dos tempos e dos espaços, as relações entre povos, culturas, desembarca na Índia no fim do século XV até quando o toyotismo desembarca na Europa e
civilizações, etnias, grupos sociais e indivíduos, configurando o desafio nodal não só das nos Estados Unidos do fim do século XX” (IANNI, 2000, p. 75-76).
práticas pedagógicas, escolares ou não, mas das possíveis formas de convivência que
seremos capazes de construir, para nos humanizar ou desumanizar, na economia, na política Os processos de exploração, dominação, subordinação, genocídio, epistemicídio,
e no saber, nos diferentes quadrantes históricos e geográficos. Essa discussão questiona a deculturação, de construção de profundas desigualdades econômico-sociais, inclusões
existência do ser humano, de suas organizações econômicas, políticas, bem como de sua perversas e de hierarquias que a confrontação dos diferentes povos e culturas provocou a
educação no próprio cerne histórico da humanidade. Ou seja, as possibilidades da convivência partir daquele expancionismo europeu, também, simultaneamente, geraram vida, liberdade,
dos diferentes com suas diferenças num contexto que supere as violências, as hierarquias, os epistemogêneses, aculturações, recriações, miscigenações, lutas por relações mais igualitárias
preconceitos, as inclusões perversas, as subordinações, as desigualdades econômico-sociais e horizontais, figurações e configurações que hoje são a riqueza da pós-modernidade/mundo.
e as exclusões histórico-culturais. Foi desencadeado, portanto, um amplo processo de transculturação “não só fundamental,
O expansionismo europeu do final do século XV e início do século XVI colocou em mas permanente e reiterado. Com altos e baixos, avanços e recuos, acomodações e rupturas”
contacto amplos contingentes humanos, constituindo o que hoje nomearíamos de primeira (IANNI, 2000, p. 76) vem atravessando, constituindo, construindo, reconfigurando e imprimindo
grande globalização, sem esquecer o império romano que, no entanto, teve apenas um outras configurações à história humana e aos diferentes grupos que vão se conformando
alcance regional. Não tematizou nem analisou, porém, as diferenças; ao contrário, tratou de e fazendo essa mesma história. O problema, pois, que se apresenta é o da convivência
uniformizar valores, comportamentos e competências a partir de um centro de supremacia democrática, nessa diversidade cultural, através do diálogo entre as diferentes expressões
incontestável por um certo tempo, mesmo que tenha sido, muitas vezes, tolerante com as culturais, possibilitando a constituição de um espaço/mundo multicultural.
diferenças, desde que subordinadas. Nessa direção, parecem necessárias algumas considerações a mais sobre a configuração
Homogeneizar significa destruir uma enorme riqueza cultural. Essa representada pela do contexto que constitui a moldura e o conteúdo para o debate da diversidade cultural e suas
diversidade de formas de viver a humanidade que os seres humanos têm inventado na implicações nos processos educativos. Nessas considerações, poderão ser evidenciadas
busca não apenas de viver, mas de existir pela convivência intra e intergrupal. Pensar nessa as exigências da educação necessária ao “tecido do novo clima cultural” (FREIRE, 1967,
destruição ou, pior ainda, realizá-la, atualmente, pode se constituir na violência das violências. p. 46) em que nos encontramos. Far-se-á, então, uma necessária configuração do contexto
A partir do processo inicial da expansão européia, cada um dos grupos humanos existente na da pós-modernidade/mundo, ampliando as indicações feitas anteriormente, mas, ainda, não
Terra tem desenvolvido uma dinâmica interna, exaustivas, apenas, para, em seguida, identificar as exigências de uma educação no interior
dessa diversidade cultural, ou identificar os termos em que se coloca a questão da educação
“modificando-se e recriando-se ao longo da história e ao largo da geografia. Além na/para a pós-modernidade/mundo, escolar e não-escolar.
disso, e provavelmente muito mais importante do que isso, desenvolve-se o intercâmbio
20 - À sociedade mundial venho denominando de pós-modernidade/mundo (SOUZA, 2002) que, neste texto,
retomamos e retornaremos a seus problemas no item 2.1 deste Livro porque é necessário retomar a questão para
precisá-la o mais possível. Sem a compreensão do entorno nacional, local e internacional, quaisquer processos
educativos caem no vazio ou no círculo vicioso da mesmice e da reprodução dos interesses das diferentes
frações da classe proprietária e de seus intelectuais.
Noção de Ressocialização
As ressocializações ajudarão na nossa humanização ou desumanização. A
ressocialização implica a transformação de nossas formas de pensar, de fazer e de nos
emocionarmos. As mudanças nas formas de pensar, as mudanças nas nossas formas de
compreender a nós mesmos, aos outros, a natureza, a cultura e as instituições sociais,
conceituamos como RECOGNIÇÃO. As mudanças nas emoções, nas formas de agir,
alcunhamos de REINVENÇÃO. Os processos recognitivos e de reinvenção conformam o
processo mais amplo de ressocialização. Como indicamos na Introdução e retomamos aqui
analiticamente, na verdade a ressocialização são múltiplos processos que se dão mediante
o confronto entre conheceres, fazeres e sentires de uma pessoa ou de um grupo
cultural com os de outras pessoas ou grupos culturais cujos resultados são novos
conhecimentos, emoções e ações tornando cada um dos envolvidos mais socializados,
culturalmente enriquecidos simbólica e materialmente. Numa palavra, mais humanos.
A finalidade pois da ressocialização são pessoas e grupos humanos expansivamante mais
socializadas/os e capazes de viver multiculturalmente pela interculturalidade.
Esses processos são experimentados, simultaneamente, no cotidiano de nossas vidas
e em alguns momentos excepcionais ao longo de toda nossa existência. A suposição é a de
que a escola e os conhecimentos escolares também podem possibilitar profundos processos
de ressocialização. Essa contribuição não seria dada apenas por atividades de educação não-
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escolar. expressões assinalam os propósitos e os embaraços que constituem as fronteiras do ‘discurso’
Diante dos fatos da inconclusão do ser humano e de sua vocação de SER MAIS, como no uso. O conceito de recognição é um conceito com o qual e a respeito do qual devemos
os entende Paulo Freire, a prática educativa está obrigada a buscar cotidianamente sua própria pensar (BERTHOFF, 1990, p. XXI).
renovação, uma refundamentação. Inclusive porque essa inconclusão não se manifesta da Ann Berthoff encontra, no relato de Paulo Freire abaixo transcrito, as bases para a
mesma maneira em todos os seres. Uma é a da mulher, outra é a do homem. Diferente, a formulação do conceito de “processos recognitivos”, através dos quais mulheres e homens
inconclusão do agricultor da do operário; a da dona de casa em relação à da agricultora. Uma, ressignificam seu mundo, o mundo, compreendendo-o de uma nova maneira, mais ampla e
a do europeu; outra, a do africano e asiático. A do brasileiro do Nordeste ou do Sul é diferente consistente. Dão um sentido novo à compreensão, interpretação e explicação anteriores. O
da do japonês. Uma, a do morador e/ou da moradora dos bairros populares das cidades relato de Freire, escrito depois de uma visita pedagógica a um Círculo Cultural em São Tomé
grandes e médias; outra, a das pequenas cidades. e Príncipe, África, analisado por Berthoff, está formulado nos seguintes termos:
A convivência, por exemplo, na Universidade, durante o momento presencial de
formação, juntando pessoas de diferentes regiões do estado de Pernambuco, mostra a Visitamos um Círculo de Cultura numa pequena comunidade pesqueira chamada Monte
multiplicidade de costumes, hábitos e jeitos de pensar, emocionar-se, fazer e temer. Mário. Tinha-se como geradora a palavra bonito, nome de um peixe, e como codificação um
Essa multiplicidade, a sua convivência, mostra os desafios do trabalho educativo. Mostra expressivo desenho do povoado, com sua vegetação, as suas casas típicas, com barcos de
também suas dificuldades. Cada um sempre se pensa melhor do que o outro. E quase nunca pesca ao mar e um pescador com um bonito à mão. O grupo de alfabetizandos olhava em
quer conviver com os diferentes. “Nossos costumes são muito diferentes; não me parece silêncio a codificação. Em certo momento, quatro entre eles se levantaram, como se tivessem
ter sido acertado juntar todos”, dizia um participante de um curso que ministrei. Não havia combinado, e se dirigiram até a parede em que estava fixada a codificação (o desenho do
abertura para sentir o outro, escutá-lo, conviver, pensar juntos. Participar de um processo de povoado). Observaram a codificação de perto, atentamente. Depois, dirigiram-se à janela da
recognição e de reinvenção. Ressocializar-se. sala onde estávamos.Olharam o mundo lá fora. Entreolharam-se, olhos vivos, quase surpresos,
A lingüista norte-americana, Ann Berthoff, ao escrever, em 1990, um prefácio para o e, olhando mias uma vez a codificação, disseram: “É Monte Mário. Monte Mário é assim e não
livro de Paulo Freire e Donald Macedo (1990), Alfabetização - leitura do mundo, leitura da sabíamos (FREIRE, 1991, p. 43-44).
palavra, afirma que a obra de Paulo Freire pode ser sintetizada nas noções de recognição e
reinvenção. Para Ann Berthof, essa representação é o ato fundamental da mente, a recognição. Toda
Examinando o significado dessas duas noções, descobre-se que elas podem ser mulher e todo homem (é uma questão de sobrevivência) têm que o realizar permanentemente.
fundidas num conceito que as englobe e supere, que é o de ressocialização (SOUZA, 1994). Caso contrário, atrofiam-se e morrem. Morrem espiritualmente e mesmo fisicamente. Escapar-
Pensamos que a busca da humanidade do ser humano provoca sucessivas necessidades lhe-ão o gosto de viver e de conviver, o sentido da existência, se não o realizam.
de mudanças em nossas ações, emoções e pensamentos. E essas mudanças conformam O comentário de Freire sobre esse relato representativo é que a codificação permitiu
processos e experiências de ressocialização. Passamos, a partir dessa descoberta, a aos participantes do Círculo de Cultura conseguir alguma distância em relação ao próprio
trabalhar com a hipótese de que a Educação de Adultos são processos e experiências de mundo e começassem a reconhecê-lo. Tomando o comentário de Freire, Berthoff (1990, p. XXI)
ressocialização (recognição e reinvenção) orientados para aumentar e consolidar capacidades afirma que a interpretação do significado da história prepara-nos para reconhecer, ademais,
individuais e coletivas dos sujeitos populares por meio da recuperação e recriação de valores, que ela representa a dialética essencial de toda investigação científica; mostra-nos como a
e da produção, apropriação e aplicação de conhecimentos que permitam o desenvolvimento concepção modela a formação de conceitos; como olhar e olhar novamente é a própria forma
de propostas sociais mobilizadoras. Essas propostas podem contribuir para a transformação e configuração da exploração criativa e do pensamento crítico; como a observação é o ponto
da realidade social e pessoal pela produção de novos conhecimentos. de partida indispensável para uma pedagogia do saber.
O princípio da ressocialização é reconceituado como processos essenciais de recognição Pensa Berthoff (1990, p. XXI) que essa história é “uma parábola dos caminhos do
e de reinvenção, identificados como síntese do pensamento de Paulo Freire por Ann Berthoff. olhar da mente, da imaginação: enquanto a imaginação não for proclamada um direito nato
Para Berthoff (1990, p. XX), o processo de “recognição impõe uma consciência crítica ativa do ser humano, não será concebível qualquer libertação. A história assim é uma parábola da
por meio da qual se apreendem as analogias e desanalogias e todos os demais atos da pedagogia do saber” .
mente são executados, aqueles atos de nomear e definir, por meio dos quais construímos o Para os intelectuais, professores ou assessores de movimentos sociais populares, os
significado”. processos de recognição implicam a capacidade de identificar e respeitar o que os populares
Na verdade, faz sentido dizer que a cognição é dependente da recognição, porque sabem, o seu conhecimento, mas, ao mesmo tempo, a competência de, a partir desse saber e
nunca vemos, simplesmente: vemos como, em termos de, com respeito, à luz de. Todas essas do saber científico do qual devem ser portadores, ajudá-los a construir um novo saber (realizar
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a recognição e reinvenção). Respeitar não é deixar alguém na situação em que se encontra a Igreja tradicional e a Igreja liberal, modernizante, à “outra linha da Igreja ... tão velha quanto
relativamente às emoções, aos pensamentos e às ações. É questioná-lo, problematizar seus o cristianismo mesmo - a profética”. Essa tríade - tradicional/liberal-modernizante/profética
pensamentos, ações e emoções. É desafiar o outro a superar-se, a ir adiante. A crescer - pode servir como paradigma das dispostas dialeticamente no livro citado: autoritarismo/
humanamente. domesticação/mobilização; atitudes que são ingênuas/astutas/críticas; e pedagogias que são
Requer, pois, competência e habilidade para avaliar os diversos tipos de situações burguesas-autoritárias-positivistas/laissez-faire/radicalmente democrática.
para desafiar o outro, os seus saberes e ajudá-los se apropriarem dos mecanismos capazes Mais estimulante é outra tríade com um termo médio duplo: as atitudes pedagógicas
de torná-los construtores de seu conhecimento e de sua própria reinvenção como sujeitos caracterizadas por neutralidade/manipulação ou espontaneidade/práxis política. Metade das
epistêmicos, cidadãos, profissionais, amantes, companheiros, políticos e históricos, tornando- controvérsias que campeiam na educação podia ter um fim se pudesse desenvolver uma
se indivíduos e membros de uma coletividade (pessoas). consciência crítica da significação daquele “ou” (BERTHOFF, 1990, p. XXII-XXIII).
Introduzir novos elementos na cultura em que se foi socializado provoca deslizamentos A ressocialização dos trabalhadores e das trabalhadoras, das cidades e dos campos,
que permitem vivenciar uma nova experiência. Experimentar outras formas de fazer e de dizer adolescentes, adultos e jovens, dar-se-á, pois, pela capacidade que tiverem os professores
vai configurando uma outra cultura, possibilitando uma nova socialização. de provocar a recongição e a reinvenção. Significa que eles e elas vão adquirir uma nova
A principal reinvenção que os educadores devem, vez por outra, se propor é compreensão da realidade e vão, individual e coletivamente, lutar pela transformação dessa
precisamente diferenciar autoridade de autoritarismo e saber como encontrar isso em mesma realidade. Essa realidade transformada vai adquirir outra configuração e interpretação.
todos os “discursos”, em todas as construções de significado. Respeito é o correlato, como A socialização do bebê humano se dá através da palavra e da ação. A linguagem é uma
indicamos, de recognição e reinvenção. A expressão disso para Paulo é sempre o desafio, o das instituições sociais na qual homens e mulheres mergulhamos ao sermos socializados.
questionamento, a problematização, e nunca a atitude repetitiva ou sentimentalesca. Ninguém escapa de seu ambiente cultural e histórico. Esse se encontra condicionado pelas
A reinvenção exige, do sujeito que reinventa, uma abordagem crítica da prática formas de convivência que organizam a produção, feição histórica do trabalho humano, o
e da experiência a ser reinventada. Crítica, para Freire, significa sempre interpretar a poder e o saber. Essas são condicionadas pela organização do trabalho e conformam as inter-
própria interpretação, repensar os contextos, desenvolver múltiplas definições e tolerar as subjetividades das pessoas e as instituições sociais, bem como sua linguagem, seus valores.
ambigüidades, de modo que se possa aprender a partir da tentativa de resolvê-las. E significa Satisfaz ou nega seus desejos, suas necessidades, seus interesses.
a mais cuidadosa atenção ao nomear o mundo. Todo “discurso” tem embutido em si, em Nesse sentido, a linguagem é a primeira instituição cultural do ser humano e é instituinte
certo grau, a história de seus propósitos, mas Freire nos lembra seguidamente, também, seu da pessoa humana, pois, quando o indivíduo se inicia nas atividades produtivas, já vem
caráter heurístico: nós podemos sempre perguntar “E se...?” e “Como seria se...”, como nos condicionado pela linguagem de seu grupo social. O lugar do trabalho se constitui um outro
mostra Berthoff (1990, p. XXII). âmbito no qual o ser humano encontra a possibilidade de uma nova socialização, inclusive
Representando, assim, o poder de conjetura, a linguagem oferece o modelo de com as mudanças de vida e, quase sempre, da própria linguagem. A pessoa adquire outros
transformação social: “a reinvenção da sociedade que exige a reinvenção do poder”. A traços culturais. Essa interrelação dialética entre trabalho e poder será expressa através de
reinvenção é o trabalho da mente ativa; é um ato de conhecimento pelo qual reinventamos discursos dos sujeitos que manifestam simbolicamente suas experiências e a compreensão
nosso “discurso” na prática. Freire nunca se deixa levar por sonhos ilusionistas. Seus sonhos que delas constrói.
são construídos por uma imaginação crítica e inventiva, exercida – praticada - no diálogo, na As pessoas experimentam suas experiências como sentimento e lidam com esses
nomeação e renomeação do mundo, o que orienta sua reconstrução. É sempre utópico, ou sentimentos na cultura como normas, obrigações familiares e de parentesco, deveres
seja, desafiador. Desafio a superar-nos e ajudar o outro a superar-se (BERTHOFF, 1990, p. profissionais e sociais, bem como reciprocidades. Tudo isso adquire o status de valores e
XXII). se manifestam por meio de formas mais elaboradas, nas artes ou nas convicções religiosas
Um modo de manter-se alerta para a significação das distinções sobre que insiste Paulo (THOMPSON, 1981, p. 189).
Freire é pensar sobre elas em trios. No livro Ação cultural para a liberdade, Freire justapõe O processo de ressocialização é, pois, a colocação do sujeito histórico-epistêmico
35 - “Através da codificação, aqueles quatro participantes do Círrculo ‘tomavam distância’ do seu mundo e o
individual ou social em polêmica com sua cultura, com suas experiências anteriores. Ajudar
re-conheciam. Em certo sentido, era como se estivem ‘emergindo’ do seu mundo, ‘saindo’ dele, para melhor a questioná-las, a buscar desvendar seus mistérios, suas implicações é o primeiro passo da
conhecê-lo. No Círculo de Cultura, naquela tarde, estavam tendo uma experiência diferente: ‘rompiam’ a sua ressocialização. Mergulhar as pessoas em outras experiências, ajudá-las a tomar a palavra,
‘intimidade’ estreira com Monte Mário e punham-se diante do pequeno mundo da sua quotidianidade como
sujeitos observadores” (FREIRE, 1991, p.44).
reaprender a palavra para expressar as novas experiências, dizer sua palavra porque, ao
formulá-la, expressa a nova cognição que está sendo construída sobre a natureza, o mundo,
36 - Pedagogia do saber é o nome que Berthoff atribui ao pensamento de Paulo Freire sobre a educação. seu eu, a sociedade, os outros, a própria cultura. Isso é processo de recognição.
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A ressocialização dos diversos segmentos das diferentes camadas das classes sociais Exige-se, portanto, uma fundamentação para a nova prática e da nova teoria da educação
do Brasil, da América Latina, da União Europa, da África, da Ásia e da América do Norte, tem não-escolar e escolar para nos tornarmos cada vez mais competentes na prática da recognição
encontrado nos movimentos sociais, nas organizações políticas e econômicas um espaço e reinvenção (ressocialização). Essa fundamentação, na América Latina, pensamos encontrar
privilegiado, mas também poderá vir a encontrá-lo nas experiências de educação não-formal na Educação Popular, enquanto uma ampla teoria de todos os processos educativos que
e nas próprias escolas, desde que essas se ressignifiquem. podem ser vivenciados em quaisquer modalidade, âmbito ou agência educativa, visualizada
Trata-se, portanto, de processos e experiências de intercomunicação e interação no quadro acima (SOUZA, 1994). Para a União Européia, por influência da UNESCO
que possam garantir a recuperação, socialização, valorização, produção e apropriação de especialmente da OCDE essa fundamentação estaria na teoria da Educação Permanente.
valores e conhecimentos: recognição e reinvenção. Construir saberes no sentido indicado na Retomemos alguns conceitos, no interior da Teoria da Educação Popular, para que
Introdução deste texto. possamos melhor utilizá-los nos processos de investigação sociológica que podemos fazer
Constituir-se-á como um exercício emancipatório e intercultural do poder-conhecer- em algumas instituições de educação escolar e de educação não-escolar, a fim de testarmos
emocionar-ter para ser, por meio do desenvolvimento das habilidades lingüísticas, a apreensão da realidade que queremos transformar, observar, pesquisar e formular, tentando
argumentativas, decisórias, éticas, políticas e técnicas. Isso nos situa no seio da cultura antes fazer uma distinção entre Educação Permanente e Educação Popular.
em construção na história (SOUZA, 1998). Muitas dessas ideias são trrabalhadas no que
denominamos na América Latina de Educação Popular, na Educação de Adultos, na Educação
de Jovens e Adultos no Brasil. Muitas delas, também, se fizermos uma leitura crítica, vamos
encontrar na DH e na ApF da V CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de
Adultos). São úteis, certamente, para todos e quaisquer processos de educação não-escolar,
mas, também, escolar.
40 - Educación Popular - Refundamentación. APORTES 46. Santafé de Bogotá: CEAAL y Dimensión Educativa,
1996.
41- IV Asamblea General del CEAAL. Memorias. Cartagena de Indias, Colombia, mayo, 25-30, 1997. 43 - CESO PAPERBACK No. 22. Cultura y política en educación popular: principios, pragamatismo y
negociación. CESO: La Haya, 1995.
42 - Seminário Internacional: Universidade e Educação Popular (4.; 1994: João Pessoa). Memórias do IV
Seminário Internacional: Universidade e Educação Popular. João Pessoa, 26 a 30 de julho de 1994. João 44 - SOUZA, João Francisco de. Perspectivas da educação popular na década de 90. Em Aberto 56. Brasília:
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1995. INEP, out./dez. 1992, p. 31-41.
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a) A educação popular e a pedagogia das maiorias da população no continente latino-americano é o desafio maior das ações
coletivas tanto escolares quanto dos movimentos sociais. Apenas assim podem contribuir
Como indicam tanto os pesquisadores do CESO quanto o Programa de com a transformação social na perspectiva dos interesses da maioria da população. Essa
Refundamentación do CEAAL e os Seminários Universidade e Educação Popular, a contribuição se materializa não apenas nas esferas consideradas privadas e íntimas, na vida
trajetória da Educação Popular, ligada a princípios que valorizam a participação, a relação cotidiana, mas incide também nos âmbitos macrossociais, garantindo os passos necessários
entre conhecimento e ação, a capacidade efetiva dos saberes para a solução de problemas, à construção de uma democracia latino-americana. Dessa forma, a dimensão pedagógica da
entre outros, covertem-na em uma referência obrigatória para a análise e percepção de novas prática organizativa das ações coletivas é ela mesma uma contribuição insubstituível para a
soluções no campo educativo e social. Essas ênfases, porém, levaram e podem continuar produção da cidadania entre as camadas da classe trabalhadora. Cidadania reinterpretada na
a levar a dois possíveis desvios: a sobrepolitização dos discursos da Educação Popular e perspectiva da transformação da realidade que aponta para a democracia como um modelo
os preconceitos com as atividades de pesquisa, de reflexão e de uma possível queda no libertador a partir de uma posição política a serviço do reordenamento do conjunto das relações
ativismo (CESO, 1995, p.13-14). Esta constatação nos remete diretamente aos problemas das sociais.
concepções de educação e especificamente a possíveis concepções de Educação Popular. Uma pedagogia que assume como sua utopia a construção dessa democracia
Ou seja, ao problema da Pedagogia, enquanto reflexão e teoria dos processos educativos enquanto forma de vida e sistema social, contém, como seus temas constitutivos, o poder e
(SOUZA, 1987). o desenvolvimento integral do ser humano e da sociedade. Estes, além de suas dimensões
Na dimensão pedagógica, identificam-se, entre outros, três grandes problemas além econômicas, implicam o fortalecimento da capacidade de gestão e de participação (Souza,
da formação/capacidades da educadora e do educador: a própria teoria educacional, a 1992). Propõe-se, assim, a educação popular atingir todos os âmbitos da vida das pessoas e
qualidade e o resultado dos processos educativos e a relação pedagógica. Problemas que das coletividades, contribuindo para que sua existência seja digna e dignificante para todos,
estão necessitando de maior compreensão não apenas dos educadores populares, mas dos sem exceção, e capaz de ampliar os horizontes pessoais e coletivos de tal maneira que se
educadores de qualquer modalidade educativa. É a educação em todas as suas dimensões e garantam formas de vida expansivas. Não se pode restringir seu campo de ação ao escolar
modalidades que se encontra face a uma necessidade de reinvenção, como reconhe Thimothy nem ao social, mas interferir em todos como forma de garantir essa vida expansiva.
Ireland:
b) A Educação Popular e a escola, especificamente a escola pública
A educação latino-americana passa por um período de profunda refundamentação que, Esse tema esteve ausente da prática e da reflexão dos educadores populares por mais
apesar das incertezas que gera, também cria a oportunidade para se abrir novos rumos de ação. de duas décadas, mas, nos últimos anos, tem ocupado o pensamento e sua ação de muitos.
Neste contexto, a Educação Popular também se vê atingida por esse clima de instabilidade e Vários educadores populares, em diferentes países da América Latina, têm se empenhado
de incertezas, sentindo-se ao mesmo tempo historicamente provocada a posicionar-se perante na luta pela garantia de uma escola pública de qualidade para todos, além de alguns terem
os desafios da atualidade, até porque os períodos de crise também podem inspirar atitudes se desempenhado como autoridade educacional. Essa intervenção requer uma pesquisa
propositivas em busca de sua superação (ANAIS, 1995, p. 10). comparada e poderia lançar luzes significativas para a compreensão desses processos.
De qualquer modo, parece, hoje, ser consenso a necessidade da intervenção e do
Nessa perspectiva, na nova conjuntura mundial, revela-se a importância do envolvimento potenciamento dessa intervenção dos educadores populares no âmbito da educação escolar,
da Universidade com os processos de refundamentação da educação a fim de “contribuir não sobretudo da escola pública. Esta perspectiva entra no campo das articulações da Educação
somente para o debate sobre os rumos históricos da Educação Popular e suas concepções Popular com outras práticas sociais. Este campo é identificado como uma necessidade de
metodológico-teóricas, mas também aprofundar a atualidade de sua relação com as diferentes garantir as relações da Educação Popular com outros domínios, como, por exemplo, com
expressões de Educação Popular ” (ANAIS, 1995, p. 11). a Educação Básica, particularmente no que se refere à escola pública, na perspectiva
Assim, a Educação Popular se situa numa perspectiva estratégica (mais além de suas universalizante (escola para todos, gratuita e de boa qualidade), assumida por todos os países
distintas concepções), sendo sempre uma opção que surge da conjunção dialética de vários participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien
fatores sociais (econômico-ideológicos) e pedagógicos inserida na práxis cotidiana de sujeitos (Tailândia) (ANAIS,1995, p. 11).
coletivos e da escolarização popular. A Educação Popular se compreende como dinamizadora A escolarização das camadas da classe popular se transforma numa questão central
do aspecto organizativo pelo potenciamento da dimensão educativa própria não só das ações para a educação popular e é nesta área que também se torna urgente a atuação dos educadores
sociais mas também do processo didático escolar. populares que atualmente retomam um contato mais íntimo com os problemas vividos no
A concreção de espaços de reflexão na busca das soluções coletivas para os problemas processo de escolarização da maioria.
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c) A questão da aprendizagem o confronto sistemático, intencional, tecnicamente organizado, jamais serão superadas as
limitações tanto do saber científico quanto do saber popular. Não significa, entretanto, que se
É fundamental ordenar os processos de aprendizagem que vêm sendo construídos superarão todas as antinomias.
nas experiências da educação popular tanto no interior dos movimentos sociais quanto na O pensamento científico e o pensamento popular são antinômicos, têm contradições
busca da escolarização popular. Esses processos se revelam pessoais, coletivos e históricos entre si, mas não são dicotômicos como se quis fazer crer. As antinomias permitem relações
mesmo que, como não poderia deixar de ser, manifestem dinâmicas próprias de acordo com e correspondências. Possibilitam a superação, pelo menos, de algumas contradições. A
cada contexto específico. Mas todos exigem e vão configurando um pensamento que não dicotomia impede quaisquer tipos de vínculo entre pólos que se negam. Conduz à substituição
surge apenas da lógica - seja ela dialética, metafísica, instrumental ou comunicativa - mas de uma forma por outra, mas não oportuniza uma inter-relação nem um mútuo enriquecimento.
das intuições da vida, da cultura e da luta pela transformação das condições existenciais. Tratados como antinômicos, já que de fato o são, e não como dicotômicos, que não são,
E, sobretudo, colocam os dominados, subordinados e explorados nas cenas principais dos abrem as condições de possibilidade de um processo de superação. Criam-se, assim, as
palcos da vida e da história. possibilidades de se construir sínteses mais abrangentes, consistentes e compreensivas,
Esses se tornam autores sociais pela publicização de suas demandas, de suas permitindo ações mais eficazes e eficientes. São, portanto, processos de aprendizagem de
propostas e lutas pela concretização dos seus desejos mais profundos de se tornarem pessoas alcances amplos (SOUZA, 1996).
e comunidades plenas de vida, no interior das inúmeras contradições que experimentam. Essa visão de aprendizagem não nega os processos de ensino-aprendizagem vividos na
Aprendizagem que, fazendo-se coletivamente, garante as suas expressões individuais, forjando prática escolar, mas os supera. Apresenta elementos que vão além dos processos escolares,
a individuação das pessoas que vão se firmando como membros de uma coletividade, que vão incorporando-os numa síntese mais ampla, tanto em relação aos sujeitos e procedimentos,
perdendo, em âmbitos ainda reduzidos mas crescentes e significativos, seu isolamento e/ou quanto aos seus objetivos e suas razões.
anonimato.
As dicotomias criadas, historicamente, entre as expressões acadêmico/profissional
d) A Educação Popular e as mudanças no discurso político, e a
e popular/espontânea do pensamento têm, nos processos de educação popular, um
necessidade de resgatar a dimensão popular que a tem caracterizado
locus privilegiado para sua superação, pela construção de um novo saber que integre as
positividades das formas anteriores (científica e popular). Estes confrontos originam formas Como afirmam alguns autores colombianos, examinando a trajetória do Programa de
de representações sociais diferentes, ou seja, um novo saber. Refundamentación do CEAAL, a opção pela democratização levou ao reconhecimento de
Nesses processos de aprendizagem, criam-se as condições de possibilidade de cada sujeitos sociais não predominantes e à ampliação das agendas temáticas que hoje expressam
um manifestar seus pensamentos, compará-los, superá-los, numa nova síntese possibilitadora o alternativo e o emancipador, assim como à redução da predominância do paradigma classista
de decisões coletivas. Aprendizagem que se faz, portanto, num processo de confronto de sem negá-lo. Trouxe, ao mesmo tempo, um certo distanciamento do “popular”, reduzindo-se,
saberes que se dá na transformação das necessidades populares em demandas sociais e inclusive, as referências aos sujeitos individuais e coletivos empobrecidos de nossos países.
no qual se elaboram propostas para sua satisfação. Transformam-se esses processos em Deu-se o mesmo com a dimensão utópica da Educação Popular por conta da redução da
experiências significativas para as pessoas neles envolvidas. aposta em modos alternativos de organização social. Afirma-se, no entanto, a necessidade de
Emerge, assim, uma compreensão dos processos de produção de saberes nas retomar e priorizar os sentidos do popular na Educação Popular (CENDALES, 1996, p. 117-
ações coletivas. Entende-se que não se trata apenas da transmissão de conhecimentos dos 118).
intelectuais aos populares e muito menos da imposição de um saber aos trabalhadores ainda Chamam esses autores a atenção no sentido de não esquecer que o caráter popular
que, em alguns casos, se encontrem processos de comunicados e não de construção de da denominação da educação tem tido, desde o começo, um sentido mais substantivo que
saberes. Também não se trata de um ato de recepção do saber popular pelos intelectuais. adjetivo, na medida em que se refere não apenas aos setores populares “beneficiados” e
É, de fato, uma construção. Construção de novos saberes que está sendo encarada sujeitos das propostas educativas, mas também ao sentido do sujeito social e do caráter dos
por muitos intelectuais e populares como um processo de confronto de saberes existentes projetos políticos que se buscam fortalecer a partir das práticas educativas (CENDALES, 1996,
(populares, científicos, religiosos, técnicos) no qual se dá uma recognição que reelabora os p. 119). E concluem que, se é verdade que não pretendem reivindicar, para os moradores dos
significados anteriores e constrói coletivamente outras representações sociais ou saberes e bairros periféricos, operários e camponeses, a condição de sujeitos exclusivos ou vanguardas
também uma reinvenção. Criam-se novas formas de fazer política e outras ações coletivas. dos processos de mudança social ou de construção democrática, não aceitam a exclusão
Essa concepção de aprendizagem se revela como um caminho ou instrumento para deles nesses processos.
a superação das dicotomias criadas entre o pensamento científico e o saber popular. Sem E mais, a reconceptualização da Educação Popular está intimamente relacionada
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com a incorporação da amplitude dos aspectos da diversidade cultural ao seu discurso.Com religiões e meios sociais numa convivência plural. Ser pessoa, dizer sua palavra, requer
isto, estamos querendo dizer que embora a questão da diversidade cultural tenha estado processos de formação, na ação e na reflexão, complexos, amplos e consistentes. São
sempre presente nos discursos dos Movimentos Sociais Populares, actualmente, ela tem um fenômenos culturais que se aprendem e apreendem socialmente e exigem processos
estatuto bem diferenciado para ser compartilhado e negociado por diferentes e diversas forças educativos situados e datados. Uma formação que se concretiza tanto pela escolarização
discursivas (CARVALHO, 2003, p. 155) quanto pela ação social no confronto entre intelectuais e populares no próprio curso das ações
e) A Educação Popular e a importância da democratização para os movimentos sociais e em sua avaliação (SOUZA, 1996).
Assim, a educação popular não perde sua perspectiva estratégica nem seu caráter
Uma democracia exige a ampla participação de todos os setores sociais, mas, sua político, mas garante o significado e a importância da dimensão especificamente pedagógica
condição sine qua no é a ação organizada dos setores tradicionalmente identificados como que a caracteriza como uma práxis educacional. Compreende-se como uma dimensão
populares. Isso de tal modo que os movimentos sociais populares, como pude concluir a partir intrínseca da construção da democracia na América Latina, portanto, uma problematização
de uma pesquisa realizada no Brasil e no México, identificam-na como possibilidade de sua permanente do futuro coincidindo com o desafio fundamental de nos fazermos humanos. Pois,
atuação livre de quaisquer perseguições políticas e/ou policiais. Emerge, assim, a democracia, como nos ensina o eterno mestre Paulo Freire, “a desproblematização do futuro, não importa
ao mesmo tempo, como uma questão institucional e processo de ação social. Entendem a em nome de quê, é uma violenta ruptura com a natureza humana social e historicamente
democracia, simultaneamente, como parte da questão do sistema político e construção de construindo-se” (1997, p. 82).
suas implicações nos âmbitos pessoal, interpessoal, institucional, econômico e cultural, como E mais, assume a herança de todos os movimentos de educação popular, em suas
revelou essa pesquisa (SOUZA, 1996). feições reformistas e/ou revolucionárias, espalhados por toda América Latina, especificamente
A importância da democracia, para os movimentos sociais populares, revela-se em seis pelo Brasil, que, com o golpe militar de 1964, foram desbaratados.
dimensões: o deslocamento do eixo do debate democrático, a compreensão da democracia Quase todos se firmavam por uma crítica às campanhas de alfabetização e às escolas
como possibilidade da luta organizada pela qualidade de vida dos trabalhadores, como que não conseguiam atender os setores populares (SOUZA, 1994). Permanecem apenas
possibilidade de articulação popular e ainda como desenvolvimento integral da pessoa humana, aqueles que fazem uma revisão de sua atuação ou que já se opunham aos movimentos
revelando-a, finalmente, como uma construção em aberto e processos de construção de uma educativos chamados de revolucionários. Assim, permanece o MEB (Movimento de Educação
outra cultura cívico-política. de Base) nos estados em que modificou sua linha de trabalho. A Cruzada ABC (Ação Básica
Trata-se de um foco distinto da maioria das discussões sobre a democracia, por não Cristã) tentou ocupar o vazio dos movimentos destroçados até, praticamente, a criação do
enfatizarem as relações entre sistema, regime, governo e eleições. Não as negam, mas elas MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), em 1967, pelo regime militar brasileiro,
não aparecem de maneira contundente, mesmo que seus aspectos tenham sido objeto explícito instalado pelo golpe de Estado em 1964, que buscava instrumentos de legitimação junto à
das entrevistas . E mais, todos os entrevistados estavam à época envolvidos, nos dois países, classe trabalhadora.
com exceção de uma organização rural mexicana, com processos eleitorais e as administrações A partir de então, esse MOBRAL reina soberano, no campo educacional, na área da
públicas. Esta situação sugere que a democracia não é apenas questão da existência ou alfabetização dos trabalhadores e das trabalhadoras, até 1985, quando foi substituído pela
não de um sistema e/ou regime político que admita (m) eleições periódicas, rotatividade de Fundação Educar, no primeiro governo civil depois do golpe militar.
autoridades, funcionamento de um parlamento e garantia de algumas liberdades, como as de Agora a Educação Popular está sendo compreendida como uma proposta pedagógica.
imprensa e expressão. E mais, revelam que o sentimento é uma condição fundamental das Proposta pedagógica que implica uma concepção de educação, a configuração de finalidades
aprendizagens e da ação que constroem a democracia. Ganha corpo a idéia de que se deve
construir, “desde lo social”, todos os direitos humanos e um espaço público onde mulheres e
45 - Uma das questões do roteiro da entrevista em profundidade era “visão sobre o governo, a sociedade e suas
homens possam afirmar-se em todas as suas dimensões. ações, assim como as relações entre os governos e as organizações”.
A pessoa ou o sujeito individual, sendo uma intersubjetividade, funda o fazer dos
movimentos sociais populares, sejam eles amplos ou restritos, políticos ou de massa, cristãos 46 - Movimento criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em convênio com a Presidência
da República para alfabetizar as populações rurais do Nordeste, do Centro Oeste e Norte do País, em 1961, a
ou ateus, mistos ou temáticos. Nesse sentido, a pessoa adquire o status de noção e sujeito fim de não deixar o campo aberto aos comunistas.
de um processo de democratização capaz de decidir, coletivamente, a modernidade a ser
construída. Ganham importância crescente, nessa perspectiva, as questões mais essenciais 47 - Instituição criada pelo Colégio Evangélico Agnes Erskane, ligado aos norte-americanos em 1960 para se
opor ao Movimento de Cultura Popular (MCP) de intelectuais, estudantes universitários e sindicalistas para
da existência humana: o pensar, o fazer e o sentir do sujeito. Abrem-se outros horizontes ao o desevolvimento da cultura popular e alfabetização de crianças e adultos considerado de esquerda pelos
tempo em que se tentam superar as barreiras das diferenças, racionalidades, especialidades, evangélicos.
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educativas, a conformação de conteúdos educacionais e a elaboração de dispositivos de rege pelos seguintes princípios:
diferenciação pedagógica (SOUZA, 2002) cujo horizonte político é a libertação das maiorias de i)a compreensão crítica da realidade para a sua transformação (humanização);
nossas populações e a humanização do ser humano. Como conclui Rosangela Carvalho, ao ii) o diálogo de saberes entre os sujeitos que participam do acto educativo;
analisar em sua tese os alcances da expressão, a educação popular é entendida do ponto de iii) o educador e a educadora como animadores;
vista da sua prática discursiva na América Latina, e, em paticular no Brasil, como uma prática iv) o opção ética pelos sectores populacionais de condições de humanização mais precárias;
discursiva engajada politicamente, comprometida com os segmentos sociais que sofrem v) e a auto constituição de sujeitos autónomos.
diferentes processos de marginalização e diferentes formas de exclusão social. No dizer de Estes são princípios que, no discurso do MST, aparecem sob os pilares da justiça
seus representantes “a educação popular surgiu inspirada no pensamento de Freire e outros, social, da radicalidade democrática e dos valores humanos (CARVALHO, 2003, p 158-159).
como uma educação com o povo, alternativa à educação oficial, muitas vezes alienante e Emerge, portanto, como a grande teoria orientadora e possível garantia dos processos
opressora”, como uma educação que se propõe superar tradicionais dicotomias tais como “a de educação escolar e não escolar COMO PROCESSOS DE RESSOCIALIZAÇÃO, entre
distância entre conhecimento popular e ou vulgar e conhecimento científico, entre trabalho os quais se elencam muitas atividades de Educação de Adultos mas também de muitos
manual e trabalho intelectual, entre o objetivo e o subjetivo, entre a prática e a teoria, entre processos de escolarização das camadas populares e até de universidades. É uma teoria
o trabalho e a educação, a ciência e a vida” . É uma educação que “tem origem na tradição de formação humana do sujeito humano, comprometida, sobretudo, com a emancipação das
de rebeldia das camadas oprimidas da população que não se submetem a sua condição e maiorias oprimidas, exploradas, subordinadas, desiludidas de nossos continentes.
reagem de diversas formas na busca de outras condições de vida e trabalho” . A educação
popular “é uma perspectiva, uma metodologia, uma ferramenta de apreensão, compreensão,
interpretação e intervenção propositiva, de produção e reinvenção de novas relações sociais EDUCAÇÃO POPULAR COMO EDUCAÇÃO LIBERTADORA
e humanas” (CARVALHO, 2003, p. 156).
A Educação Popular passa a servir de fundamento a inúmeras atividades de organização Os estudos que tenho realizado me mostram as possibilidades de outras perspectivas
popular, de promoção humana, das comunidades eclesiais de base, a projetos produtivos e para a Sociologia da Educação e, portanto, de uma análise implicada pedagogicamente dos
de profissionalização, ao novo sindicalismo latino-americano, especialmente brasileiro, entre fenômenos educativos, processos educacionais e práticas pedagogicas, escolares e não-
tantas outras iniciativas. escolares (informais e não-formais), a partir das elaborações desenvolvidas pelas reflexões
No nível da América Latina, organizou-se o CEAAL (Conselho de Educação de Adultos), sobre os Movimentos Sociais Populares, a Educação Popular, como construídas na América
em 1982, no exílio, por um grupo de intelectuais latino-americanos, tendo como Presidente Latina nos últimos quarenta e cinco anos (SOUZA, 1987; 1999; 2000; 2002; 2002a; 2003),
Paulo Freire. A base de atuação do CEAAL foi a nova teoria educacional, Educação Popular, bem como das formulações dos Movimentos da Educação Intercultural/Multicultural (STOER,
que vinha se desenvolvendo e que se encarregou de divulgar por toda a região e consolidar 2001; SOUZA, 2002). Todas essas produções (práticas e formulações), como não poderiam
como um amplo movimento de educadoras e educadores com influência em todo o mundo. deixar de sê-lo, estão eivadas não só de conflitos, ambigüidades, contradições e imprecisões
Atualmente, entre os estudiosos e praticantes da Educação Popular, amplia-se o debate mas também de perspectivas e horizontes alvissareiros.
sobre a importância da escolarização das trabalhadoras e dos trabalhadores das cidades e Não tenho dúvida de que a diversidade de posições sobre a multiplicidade de formas,
dos campos para que possam lutar de forma mais organizada por sua humanização. Durante começos, origens, perspectivas, atuações, o carácter e as tarefas dos Movimentos Sociais
muito tempo (1964-1985, mais ou menos), as práticas que se autodenominavam de educação Populares, da Educação Popular, da Educação Inter/Multicultural, nas últimas décadas,
popular não se realizavam com a escolarização. Eram o que se chamavam educação não- contribuíram para reorientar a produção da Sociologia da Educação. A multiplicidade e
escolar, não-formal, processos organizativos, produtivos, entre tantas outras atividades. mulidimensionalidade das reflexões sobre essas práticas têm enriquecido enormemente o
Pode-se concluir que, atualmente, a EP, na América Latina, em diferentes versões, se reportório sociológico, inclusive da Sociologia da Educação. São suas possibilidades de luta
48 - VÍO-GROSSI, Francisco. Educação popular para uma democracia latino-americana: bases do programa 50 - CALADO, Alder JÚLIO. Educação popular nos movimentos sociais do campo: potencializando a relação
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América Latina. Recife: Representação do CEAAL no Brasil. 1989. p 23-39. p.13.
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pela garantia da sobrevivência, com dignidade, das pessoas dos diversos segmentos das Weber apela para as ciências precisamente porque a crescente complexidade do
diferentes camadas da classe trabalhadora ou populares, dos sobrantes de nossas sociedades entorno que criamos, sua crescente diversificação e diferenciação, não só não permitiu que
nacionais e internacional, que têm permitido transcendência social, através da ação nos nosso caudal de saberes dissipassem todo vestígio de opacidade ou incerteza, mas reclama
âmbitos e dimensões mais inusitados, à produção sociológica (SANTOS, 2000). mais exatamente, hoje mais que nunca, uma complexificação correlativa dos saberes. Isso
Essas organizações populares, nos diferentes quadrantes da pós-modernidade/ seria uma condição necessária para enfrentar e atuar sobre um entorno cuja trama se torna
mundo, quase sempre denominadas de organizações civis, cidadãs, populares, culturais, em cada vez mais espessa e diversificada.
oposição à sua feição anterior mais sindical, classista, partidária, têm se revelado proativas,
propositivas e plurais. Apostam no futuro da humanidade e no seu próprio futuro a partir de Nesse raciocínio, seguindo a Carlo Donolo (1982), Arditi (1987) propõe a distinção
“novas perspectivas”. Mesmo que não abandonem nenhum dos elementos justos das lutas e entre “a sociedade e o social” a partir de “um esboço da natureza do tecido social em termos
formulações anteriores, sua insistência é no carácter democrático da nova forma de fazer, de de poder e resistência” ou “mistura mutante de conflitos latentes ou abertos, de dominação,
pensar e de sentir das organizações dos movimentos sociais populares e das pessoas que de negociação, de violência e desordem”. Nesta última formulação, já aqui na perspectiva de
delas participam. Touraine , entende a sociedade como a conquista de um espaçio no qual se cristalizaram
O estudo comparado que realizei dos movimentos sociais populares, Brasil/México institucionalmente as relações de poder de um projeto ordenador, de uma vontade que articula
(SOUZA, 1999), demonstra que os envolvidos nesses processos organizativos não vêem o fático com o normativo para conformar um domínio codificado e gobernável. Mas nenhum
oposição entre as diferentes características (especificidades) que estão assumindo as ações projeto pode alcançar o sonho totalizador de englobar e domesticar todo o fenômeno, relação
e as organizações sociais. Afirmam, no entanto, que só há futuro se souberem combinar as ou subjetividade no interior da “boa ordem” que instaura. (...). Daí também que toda “boa
lutas reivindicativas com as lutas gerais capazes de gerar “uma nova cultura social”. Sua orden” estea permanentemente ameaçada por um excesso que ultrapassa sua capacidade de
inserção nas lutas políticas gerais, as lutas democráticas, se dá a partir de ações concretas, controle (ARDITI, 1987, p. 181, 182).
para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento de alternativas sociais viáveis. Afirma um Denomina Arditi, seguindo Donolo, a “esse excesso ubícuo que habita no próprio
dirigente da organização Movimiento Vecino/México, uma das organizações que participou da território da ‘sociedade’, o social”. Esse é o terreno dos movimentos sociais populares que,
referida pesquisa: sintomaticamente, foi o solo fértil do surgimento de experiências que depois foram denominadas
por estudiosos de educação não-escolar, extra-escolar, não-formal, informal, e na América
Cremos que os tempos, nos quais tínhamos que pedir tudo ao governo, foram Latina permitiu a construção da Educação Popular, enquanto uma teoria da educação capaz
ultrapassados e, agora, por isso, propomos todo esse tipo de coisas, claro que à cidadania de fecundar uma amplo leque de experiências educativas, não-escolares, mas, também,
ainda falta cultura política, por isso estamos fomentando UMA NOVA CULTURA SOCIAL em escolares como mostramos no tema anterior.
nosso país e, nesse sentido, buscando resolver os problemas. Estamos construindo uma Então, “o ‘social’ é o espaço ubícuo do alternativo, e a ‘sociedade’ o espaço conspícuo
outra feição para o movimento popular. Estamos configurando-o através de novas caras (as do institucionalizado. Nesse caso, a sociedade aparece como anfitriã do ‘social`”. Ao tempo
diversas e diferentes organizações rurais e urbanas) num rosto mais transparente (a busca de em que, como “um arquipélago de relações de poder cristalizadas em relações, identidades,
novas formas de articulação). práticas e rotinas institucionais que surgem como ilhas no mar do ‘social´”, a sociedade seria,
então, também, “uma domesticação espacial e temporal e determinada de uma matéria
Ao contrário de certos cientistas sociais que vêem, no fenômeno da multiplicidade, a maleável, o resultado de um trabalho sobre a matéria do ‘social´”.
fragmentação, a perda de força e a dispersão, intelectuais e dirigentes participantes dessa Emerge assim o paradoxo da sociedade, de qualquer sociedade. De um lado, é
pesquisa, sem deixarem de perceber esses riscos, preferem apostar em outra direção. hospedeira do social e, de outro, tenta domesticá-lo pelo medo de que ele a transforme. O
Percebem, nesta “multidimensionalidade das composições e na diversidade de orientações”
não o apoio “a um processo de fragmentação e particularismo na ação social”, como afirmam
certos cientistas sociais (CALDERÓN; SANTOS, 1987, p. 189), mas possibilidades de uma 52 - “A partir de agora, a sociedade não será mais um princípio de unidade; será o resultado dos conflitos
sociais e das grandes orientações culturais que são seu entorno (enjeu). Não é mais uma essêencia senão um
ação social transcendente e de impacto político, além de expressão da complexificação do acontecimento. Assim como uma organização não é senão o estado instável e provisório das relações entre os
tecido social. E mais, buscam formas novas de articulação dessa multiplicidade. grupos sociais que possuem ou não possuem a autoridade nol interior de determinados limites, uma sociedade
Para os cientistas sociais compreendermos esses processos, teremos que complexificar por isso mesmo não é sanão uma mistura mutante de conflitos latentes ou abertos, de negociações, de dominação
imposta, de violência e de desordem. Não se pode compreender o ato através da sociedade à qual se pertenece;
nossos saberes, como é a proposta weberiana na interpretação de Arditi (1987, p. 176): há que partir dos sujeitos e dos conflitos que os opõem e através dos quais a sociedade se produz a si mesma”
(TOURAINE, 1979, p. 1034).
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grande perigo para os movimentos sociais populares é, então, sua domesticação. Foi nesse remeteriam, em última instância, a um centro fundante capaz de revelar a forma de unidade
paradoxo que à educação escolar foi imposta a burocratização, a mesmice, a improdutividade ou a identidade específica da sociedade. Também não se pode dizer que existe um lugar
para os setores sociais que não foram seus inventores. A escola foi domesticada. Saiu do privilegiado a partir do qual a sociedad se torna consciente ou crítica de si mesma a não ser
âmbito do social e circunscreveu-se no âmbito da sociedade. O interessante, porém, é que, que retornemos a Hegel. Já não há um lugar privilegiado, ou pelo menos já não há a priori,
na medida em que alguns movimentos sociais - como o da escola e o a social-democracia porque surgem muitos lugares diferentes a partir dos quais se lançam desafios, igualmente
europeia - se domesticam, outros vão surgindo, como os movimentos feministas, ecológicos, diversificados à boa ordem da sociedade estabelecida.
pacifistas, e os de educação não-escolar. Essas perspectivas poderão informar os trabalhos no interior de uma Pedagogia
Nesse sentido, Arditi (1993, p. 183) revela o paradoxal: “a fragilidade do diferente que que assuma como única finalidade da educação a construção humana do sujeito humano
se esforça por sobreviver ante as seduções do poder vem acomapanhada por uma certa como temos insistido neste texto e agora passamos a tecer algumas considerações mais
´fragilidade´ ou insegurança da ordem, que se esforça por sobreviver ante as ondas rebeldes detalhadas sobre a complexa e complicada questão dessa construção: a humanidade do
e inovadoras do mar do `social`”. ser humano. Pois é ela que poderá fornecer os elementos para uma análise sociológica de
Evidencia-se, assim, a importância de, aproveitando determinadas conjunturas, ampliar quaisquer processos educativos, não só os chamados de educação não-escolar, extra-escolar,
as possibilidades da produção de experiências históricas, de diferentes tipos, como as vividas informais, inter/multiculturais. Poderá, ainda, consolidar as perspectivas latino-americanas da
pelos movimentos sociais populares e da educação não-escolar, da educação inter/multicultural. refundamentação da Educação Popular (COSTA, 1998; SOUZA, 2000 a, 2003).
Pois, como irá se explicitando, eles têm permitido muitas transformações sociais de alcances
e níveis diversificados. Mudanças sociais significativas que alcançam segmentos e locais que
são básicos: as famílias, as comunidades, locais de trabalho, as áreas rurais, os bairros,
municípios, nos níveis pessoais, grupais e, também, institucionais. Em certas conjunturas têm
influenciado nas políticas governamentais e na reformulação de legislações com alcances
individuais, grupais e institucionais. Os grupos e organizações sociais participantes da
pesquisa, no Brasil e México, acima referida (SOUZA, 1999), conformadores de experiências
do social, no confronto com a atuação dos governos, partidos, igrejas, patrões e diferentes
preconceitos (sociedade), são significativos em seus contextos.
Sua capacidade vai sendo produzida nas próprias exigências de atuação dos grupos e
organizações dos movimentos sociais populares. Essa capacidade exige informações, saberes
e decisões que ampliam os horizontes existenciais e sociais de seus membros, aumentando
sua competência nos níveis e dimensões mais diferentes da vida pessoal e coletiva (SOUZA,
1999; RAZETO, 1999; SANTOS, 2000).
O que desejam é uma articulação a partir de algumas propostas de ações concretas
diante dos tremendos desafios experimentados para ampliar seu impacto no conjunto das
sociedades não só nacionais mas internacional, tipo Forum Social Mundial, inclusive em
suas versões regionais e nacionais. E ainda de eventos temáticos, como o Forum Mundial
de Educação, já em sua terceira versão. Busca-se não propriamente uma unidade, mas uma
articulação entre eles para que aumente a força de sua intervenção, assim como afinação das
reflexões.
Aproximam-se da posição de Arditi (1987, p. 180), ao citar Cacciari e Franck (1981):
a sociedade está se convertendo numa espécie de cidade povoada por uma pluralidade de
esferas ou setores especiais de atividades: esses podem estar ligados ou articulados entre
si, mas dificilmente podem estar contidos por uma esfera ou setor central. Já não tem sentido
pensar a pluralidade de identidades e relações sociais como metástases de um ponto ou lugar
único; tampouco caberia pensar a totalidade social em termos de círculos concêntricos que
108 109
TEMA 12: básicos de aprendizagem ou conteúdos educativos) é a construção da compreensão, da
AS FINALIDADES SOCIAS DA EDUCAÇÃO interpretação, da explicação da realidade natural e cultural. Esses resultam das análises das
realidades naturais e culturais, em diferentes níveis, a partir de diversos enfoques teóricos
em confronto com o saber da experiência feito. Esse processo analítico proporciona novas
A humanização ou desumanização do ser humano é uma tarefa de cada um de formulações compreensivas, interpretativas e explicativas das situações tomadas como objeto
nós, individualmente, e da humanidade no seu conjunto. É uma tarefa também de todas as de conhecimento pelos processos educativos. Esses conteúdos devem ser expressos nas
instituições de pesquisa, docentes, econômicas, religiosas e culturais. Essa construção é feita diferentes linguagens para entrar em interlocução nos diferentes e diversos âmbitos sociais.
a partir das diferentes organizações sociais que temos construído através dos tempos e dos Os conhecimentos construídos ou em construção só se realizam na comunicação.
espaços. Humanizar-se ou desumanizar-se são processos culturais, construídos socialmente Para isso, necessita-se da apropriação dos instrumentos essenciais para aprendizagem.
através dos tempos e dos espaços. Culturais, portanto, construções dos próprios seres Esses instrumentos essenciais para a aprendizagem (conteúdos instrumentais) serão
humanos. Não confundir essa proposta com um mal entendido ideal humanista de formação imprescindíveis para a expressão, nas diversas linguagens (verbais, artísticas e matemáticas),
que contempla uma educação monádica da personalidade limitada a si mesma. das compreensões em construção por educandos e educadores.
As possibilidades de humanização e desumanização encontram, como nos recorda Tudo isso, contudo, torna-se inútil se não se chega à elaboração de projetos de
Paulo Freire (1987, p. 30), sua raiz na inconclusão ou inacabamento dos seres humanos, transformação (conteúdos operativos) das situações que foram tomadas como objeto de
inscrevendo-os num permanente movimento de busca. Humanização e desumanização, conhecimento naquele específico processo educativo. Esses projetos são os conteúdos
dentro da história, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes operativos dos processos educativos. Ou seja, instrumentos de intervenção social. Nesse
de sua inconclusão. Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que sentido, a elaboração de tais projetos de transformação social (projetos de intervenção social
chamamos vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria negação. ou projetos de aperfeiçoamento de intervenções em curso), em âmbitos e alcances os mais
Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores. Mas diversificados desde o pessoal ao internacional, concretizam a dimensão social, política dos
afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua processos educativos. Essa é a dimensão política formadora mais significativa da educação.
humanidade roubada. A desumanização, que não se verifica somente apenas nos que têm Cria as condições da intervenção social. Esse produto deverá ser comunicado à sociedade,
sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, por diferentes meios, para que a contribuição da escola à transformação social adquira
é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação transcendência imediata. Garante-se, assim, aos educandos e educadores e à instituição
histórica . educativa, a competência da palavra, a palavra verdadeira que é criar as condições objetivas
Nós somos, pois, um projeto a ser construído cuja construção depende de nossas e subjetivas da transformação do mundo, das pesssoas e das instituições. Como afirma Freire
opções axiológicas. O problema central do ser humano é, pois, a sua construção humana (1994, p. 92-93):
ou a sua desumanização. É essa a resposta que temos de construir historicamente e para a
qual os processos educativos, escolares ou não, são decisivos. A questão da humanização se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é praxis, é transformar o mundo, dizer
ou desumanização será aprofundada no próximo item; aqui, vamos tecer mais algumas a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente
considerações sobre a educação enfatizando a questão da aquisição da cultura escrita. por isto ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato
A educação, inclusive a escolar, é encarada como um problema cultural, como uma de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
atividade cultural e um instrumento para o desenvolvimento da cultura, capaz de contribuir
com a democratização fundamental da sociedade, da própria cultura, e com o enriquecimento Assim sendo, “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para
cultural de seus diferentes sujeitos, especialmente dos sujeitos populares, na medida em que pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 1994, p. 93). É a tomada
se constitui um locus privilegiado para o confronto entre diferentes culturas ou traços culturais coletiva das realidades culturais e naturais como objeto de conhecimento dos processos
e elaboração de sínteses mais amplas, consistentes e provocadoras de novas perspectivas educativos, inclusive dos escolares que efetiva a dimensão política dessa ação cultural, sendo
existenciais. a especificidade dos processos educativos escolares trabalhar os instrumentos essenciais
Com esses horizontes, afirmamos que o conteúdo dos processos educativos (conteúdos para a aprendizagem (conteúdos instrumentais). Mas que sentido têm esses instrumentos
se não se desenvolveram os conteúdos educativos e não se possui a capacidade de formular
53 - Como você interpretaria essa citação do Livro, A pedagogia do oprimido, e quais as implicações para sua os conteúdos operativos?
vida pessoal e profissional?
110 111
Esquemática e operacionalmente se poderia representar essas idéias no seguinte interagir para ampliar suas possibilidades de intervenção no mundo, construindo sua história
gráfico: inseridos na história da humanidade. Esses processos podem ser emoldurados no seguinte
gráfico, desde que não se pense cada quadrante como homogêneo:
CULTURA MIDIÁTICA
CULTURA ORAL CULTURA ESCRITA
SABERES ESCOLARES
E m trabalho anterior (SOUZA, 2000, p. 33-34) faço uma reflexão que me parece Preeminente significação do Ser Humano na Natureza, e natureza orgânica da
pertinente reproduzir aqui, pois coloca o debate sobre as questões da humanização/ Humanidade: duas hipóteses que podemos tentar repelir de início; mas sem as quais eu não
desumanização num âmbito mais amplo. Por outro lado, informo que esse debate não está vejo como se há de poder dar uma representação coerente e total do fenômeno humano
vinculado, necessariamente, aos humanismos clássicos ou atuais, ainda que me pareça (CHARDIN, 1965, p. 3).
necessário um confronto de idéias nesse campo que desejo fazer em breve para garantir-lhe
maior consistência ao debate que vimos encetando. O que poderá significar a afirmação: “ser humano na natureza, e natureza orgânica da
Antes do surgimento do ser humano na Terra, a evolução (por força da natureza, dos humanidade”? Veja mais:
deuses ou deusas, ou de Deus) foi um processo de cosmogênese e de antropogênese.
O surgimento dos planetas e dos diversos seres vegetais e animais foi a preparação para Para dar ao Ser Humano seu verdadeiro lugar na natureza, não basta abrir nos quadros
a emergência do ser humano, criação de cenários para a existência desse ser. Não se da Sistemática uma seção suplementar, mesmo uma Ordem, mesmo um Ramo a mais. Pela
queira aqui identificar nenhum antropocentrismo disfarçado. O fato de serem cenários para a hominização, apesar das insignificantes mudanças do salto anatômico, uma nova idade
existência do ser humano não diminui sua importância. Pelo contrário, afirma a necessidade de começa. A Terra ‘muda de pele’. Melhor ainda, encontra a sua alma (CHARDIN, 1965, p. 191).
cuidarmos dele como de nós mesmos, de humanizá-los: preservar, promover e desenvolver o
meio ambiente natural e cultural. É a condição de nossa própria humanização. Não podemos Por que o autor afirma que com a “hominização ... uma nova vida começa” ou “a terra
existir sem ele. Somos parte dele. A natureza orgânica da humanidade e a humanidade da muda de pele” ou ainda “a terra encontra a sua alma”? Têm sentido essas afirmações? Por
natureza. quê? Que tem isso a ver com o processo educativo? E com a educação escolar? E a educação
O processo de cosmogênese e de antropogênese foi independente de nós. Mas, a não-escolar?
partir da hominização, ou seja, do surgimento, no cosmos, de um ser que age, emociona-se
e pensa, a evolução ou involução passa a ser uma tarefa desse ser. É um trabalho cultural, Do ponto de vista experimental que é o nosso, a Reflexão, como a própria
histórico e social. Ou seja, um trabalho dos seres humanos de forma organizada no tempo e palavra o indica, é o poder adquirido por uma consciência de se dobrar sobre si mesma e de
no espaço. É o processo de humanização ou de desumanização que se instala. Somos nós tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de sua própria consistência e do seu
os seus condutores, seus autores, seus protagonistas. próprio valor: já não só saber, mas saber que se sabe. Com esta individualização de si próprio
O Padre Pierre Teilhard de Chardin (1º/05/1881-10/04/1955), jesuíta francês e importante no fundo de si próprio, o elemento vivo, até aí espalhado e dividido sobre um círculo difuso
geólogo e paleontólogo, que foi membro da Academia de Ciências da França, ajuda-nos nesta de percepções e de atividades, acha-se constituído, pela primeira vez, em centro puntiforme
reflexão. Como componente do Serviço de Geologia da Universidade Chinesa, participou de onde todas as representações e experiências se enlaçam e se consolidam num conjunto
grandes expedições científicas, cujos resultados levaram à descoberta do primeiro Sinantropo consciente de sua organização (CHARDIN, 1965, p. 169).
e à série de importantes achados que tornaram Pequim um dos principais centros em trabalhos
de Paleontologia e de Pré-História. Em seu livro, O FENÔMENO HUMANO, escrito de um Analise bem a afirmação de que “a Reflexão ... é o poder adquirido por uma consciência
ponto de vista naturalista e manifestando um domínio extraordinário dos dados mais recentes de se dobrar sobre si mesma e de tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de
da ciências naturais, apresenta-nos uma ampla e belíssima síntese de todos os processos sua própria consistência e do seu próprio valor: já não só saber, mas saber que se sabe”.
acima apontados. Extraordinário! Não? A natureza torna-se um ser consciente, reflexivo. Um corpo consciente.
Essa obra é um verdadeiro poema científico; mostra-nos a evolução surpreendente do Uma consciência corporal. A biologia se fez antropologia, consciência, capacidade reflexiva.
mundo, ou melhor, da Terra, desde a matéria elementar até o resultado final dessa evolução, A hominização acontece. A cosmogênese e a antropogênese parem o ser humano... Como
o SER HUMANO, no seu desenvolvimento através do tempo e ainda no prosseguimento de usará esse ser – que nós batizamos de ser humano - a sua capacidade reflexiva, emocional
seu aperfeiçoamento no futuro (a busca da humanização). Essa humanização, para Chardin, e operativa? Está lançada a sorte: Humanizar-se ou desumanizar-se!!?? Afirmar-se como ser
se realiza segundo determinadas diretrizes a convergir para “um pólo supremo de atração e humano ou não ir além da mera animalidade! Como construir a humanidade do ser humano?
116 117
Entre tantas outras atividades e ações do ser humano que podem contribuir ou não para e coletiva, para todas as pessoas da pós-modernidade/mundo que desejam ser felizes. E é a
sua humanização - como a economia, a política, a religião -, a educação parece ser um fator razão de ser de todos e quaisquer processos educativos escolares, não-escolares (formais e
decisivo. Trabalhamos com a hipótese de que a educação, em todas as suas modalidades, não-formais).
formas, níveis, pode contribuir com o processo de humanização. Nessa perspectiva, de fato
a educação só acontece quando contribui para nossa humanização, para a construção da
humanidade de cada ser humano e da humanidade de toda a humanidade.
O Padre Chardin não desconhece, contudo, os problemas das relações entre as
concepções científicas da evolução e as interpretações da fé cristã. Por isso, procura demonstrar
que não há incompatibilidades entre uma fé esclarecida e uma concepção científica não
dogmática. No epílogo, ele identifica o Cristo como o pólo supremo de atração e consciência.
Afirma que:
Para animar a Evolução no decurso dos seus estádios inferiores, o pólo consciente
do mundo não podia agir, e isso é natural, senão velado de Biologia, sob forma impessoal.
É-lhe possível irradiar de Centro para centros, pessoalmente, sobre a coisa pensante que nós
viemos a ser pela hominização. Seria verossímel que não o fizesse?...Ou toda a construção
do Mundo aqui apresentada é vã ideologia; ou, algures à nossa volta, sob uma ou outra
forma, algum excesso de energia pessoal, extra-humana, deve ser discernível, manifestando
a grande Presença... se soubermos ver (CHARDIN, 1965, p. 323).
Que poderão significar essas idéias? Como as compreende? Claro que o padre insiste
em afirmar que vê o fenômeno cristão e a sua coincidência com o pólo supremo de atração e
de consciência não como crente convicto que é, mas como simples naturalista que também
o é (CHARDIN, 1965, p.329-330). No entanto não podemos pensar que não o faça, também,
na perspectiva de sua fé. Senão a força de atracão seria Maomé, Buda o Lao-Tsé. Mas, será
que, em sendo científica, poderia ter uma transcendência para todos os que somos ateus?
Como quer que seja, o ser humano surge na Terra como um projeto; portanto, algo a ser
construído porque inconcluso ou inacabado. Nenhum de nós pode, pois, viver sem formular
um projeto de vida que é ao mesmo tempo um projeto de sociedade, um projeto histórico.
Como afirma Raoul Giret (1996, p.13):
Je suis vraiment convaincu que l`Homme est un être de projet que ne peut vivre qu´en
prevoyant sa journée, son travail, ses vacances, l´avenir de ses enfants, sa retraite... et que le
désarroi de nombre de nos contemporains tient, en partie, à leur manque de confiance dans
l´avenir, leur avenir et celui de leurs enfantes. L´Homme ne peut pas vivre sans projet!
Vamos ao estudo das bases para elaboração de um projeto humano de vida, pessoal
55 - “Estou verdadeiramente convencido que o ser humano é um ser de projeto e não pode viver senão prevendo
sua caminhada, seu trabalho, suas férias, o futuro de seus filhos, sua aposentadoria… e que a angústia da
maioria de nossos contemporâneos provém, em parte, da sua falta de confiança no futuro, seu futuro e o de seus
filhos. O ser humano não pode viver sem um projeto!”.
118 119
TEMA 14: da atuação no meio (natural, geográfico, cultural, histórico) em que me encontro juntamente
com os outros. Esses outros, como EU, são sujeitos de direitos e deveres. Como eu, eles
A EDUCAÇÃO COMO UMA CHAVE
nasceram num determinado meio natural e cultural. Nesse meio, nós podemos nos humanizar
PARA A HUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO ou desumanizar pelas ações, aprendizagens, pensamentos e emoções que vamos fazendo/
O ser humano (todos e quaisquer seres humanos) é pleno de adquirindo ao longo de nossa vida.
possibilidades de humanização, mas também de desumanização. As aprendizagens vão acontecendo pelas reações que tenho ao que vejo e sinto em
relação ao que os outros e eu mesmo fazemos, dizemos e sentimos. Ao que a escola ensina. Ao
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