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organização produtiva,

A política e a
dos serviços, outra educação não tem uma
organização das instituições dimensão ética. Elas são
e das intersubjetividades por natureza ética ou anti-
que se manifestem em ética ou a-ética. Portanto, o
subjetividades expansivas. problema é a qualidadeda
São desejáveis, e por ética que a política e a
elas se luta, outras formas educação expressam.
de ser que apenas são Paulo Freire (1992) coloca
possíveis na convivência essa questão a partir dos
entre diferentes que se problemas da diversidade
respeitam e se enriquecem cultural com a possível
(material, psicológica e exigência de convivência
simbolicamente) em suas entre as culturas ou traços
diferenças, na tensa e mútua culturais numa mesma
convivência da diversidade. cultura, bem como dos
Só assim é possível avançar indivíduos e grupos
na direção deuma sociedade humanos no interior de uma
inter-multicultural crítica, determinada sociedade.
diante das exigências de João Francisco de Souza é Professor Adjunto da Essa convivência
um contexto que pode Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com atuação entre as culturas ou
aprofundar a transculturação no Centro de Educação, nos programas de Graduação e Pós traços culturais vai se
das gentes, dos povos Graduação; Pesquisador e Coordenador Geral do NUPEP/ expressar por interações
e da pós-modernidade/ UFPE (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação (interculturalidade,
mundo. Implica assumir o multiculturalidade,
de Jovens e Adultos e em Educação Popular); Doutor em
essencial. E o essencial transculturação superando
somos nós próprios, cada Sociologia e Estudos Comparados sobre a América Latina e o situações de mera
um de nós seres humanos Caribe pela UnB (Universidade de Brasília, Brasil) e FLACSO pluriculturalidade que hoje
na configuração que (Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales). Realizou predominam no mundo).
escolhermos para viver Estágio Pós Doutoral nas Universidades do Minho, Portugal, Ou, então, expressar-se-á
nossas humanidades ou e de Barcelona, Espanha, como bolsista da CAPES, Ministério essa pluriculturalidade por
que nos tem sido imposta da Educação do Brasil, no ano letivo 2003/2004. justaposições, guetização,
necessitando, portanto, de Vice-Presidente do Centro Paulo Freire: Estudos e assimilacionismos,
superação desde que nossa rejeições, dominações,
escolha seja por uma ação
Pesquisas(2006 – 2008). s u b o r d i n a ç õ e s ,
que nos faça cada vez mais, explorações. Estamos,
humanamente. portanto, outras vez,
no campo das eleições
axiológicas. Quais
serão nossas opções:
a humanização ou a
desumanização do ser
humano e de suas culturas?
Para que essa ética se
efetive, são necessários
outros processos de
produção e invenção do
conhecer, do emocionar-
se e do agir, além de outra
Copyright © by João Francisco de Souza

Revisão
Rosário de Sá Barreto

Produção Gráfica E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO: ¿¿ QUÊ ??


Edições Bagaço A REFLEXÃO FILOSÓFICA NA EDUCAÇÃO COMO UM SABER
Rua dos Arcos, 150 - Poço da Panela - PEDAGÓGICO
Recife/PE CEP 52061-180
Telefax: (81) 3441-0132 / 3441-0133
E-mail: bagaco@bagaco.com.br
www.bagaco.com.br

João Francisco de Souza

Souza, João Francisco de


E a filosofia da educação: ¿Quê?? a reflexão filosófica na educação com
um saber pedagógico. João Francisco de Souza - Recife: NUPEP - UFPE
Edições Bagaço, 2006.
224p. il Departamento de Fundamentos Sociofilosóficos da Educação
NUPEP (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e
Inclui Bibliografia. em Educação Popular)
ISBN: 85-373-0185-X Centro de Educação
Universidade Federal de Pernambuco
1.Filosofia da educação - Reflexões filosóficas - Práxis pedagógica. Recife, Pernambuco, Brasil
2.Educação - Pós-modernidade - Formação básica - implicações Novembro 2006
pedagógicas. 3.Filosofia da educação - Novo contexto - Construção.
I.Título

37.017 CDU (2.ed.) UFPE


370.1 CDD (22.ed.) BC2006-548

IMPRESSO NO BRASIL - 2006


Pedimos expressamente:
Não aceitem o habitual como coisa natural.
Pois, em tempos de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
João Francisco de Souza é Professor adjunto da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), com atuação no Centro de Educação nos Programas de Graduação de humanidade desumanizada,
e Pós-Graduação. Pesquisador e Coordenador Geral do NUPEP/UFPE (Núcleo de Ensino, NADA deve parecer natural,
Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular). Doutor NADA deve parecer impossível de mudar…
em Sociologia e Estudos Comparados sobre a América Latina e o Caribe pela UnB
(Universidade de Brasília, Brasil) e FLACSO (Faculdad Latinoamericana de Ciencias
Sociales). Realizou Estágio Pós-Doutoral nas Universidades do Minho, Portugal, e de
Barcelona, Espanha, como bolsista da CAPES do Ministério de Educação do Brasil no ano
letivo 2003/2004.

BRETCH, Bertold (1898-1956)


07
APRESENTAÇÃO

E ste livro resulta da organização das aulas de Filosofia de Educação para o Curso
de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, no segundo
semestre de 2006, nas quais buscaremos desenvolver os elementos para uma reflexão
filosófica sobre as novas tarefas da educação num contexto de pós-modernidade/mundo.
ÍNDICE Uma reflexão filosófica implicada pedagogicamente.
Apresentação Deseja-se que alunas e alunos avancem em sua capacidade de reflexão filosófica
007
implicada pedagogicamente para que construam maior consistência na formação inicial e
Introdução
garantam as bases de sua formação continuada.
008
TEMA 1: Possibilidades da educação 013 A maioria dos textos são provenientes de trabalhos anteriores nos quais desenvolvemos
TEMA 2: Diálogo intercultural 015 reflexões filosóficas sobre os problemas da educação e suas implicações para as práticas
TEMA 3: Práxis Pedagógica 019 pedagógicas escolares ou não. Quase sempre estão indicadas as obras em que anteriormente
TEMA 4: Problemas do estudo da educação 036 estão publicadas essas reflexões.
TEMA 5: O novo contexto para a construção da Filosofia da Educação 046
TEMA 6: O problema pedagógico na diversidade cultural 060
TEMA 7: Uma possível proposta pedagógica na diversidade cultural 067
TEMA 8: Os fenômenos da Educação Não-Escolar 074
TEMA 9: Educação como processos de ressocialização 083
TEMA 10: Educação Permanente 090
TEMA 11: Educação Popular 094
TEMA 13: As finalidades sociais da educação 108
TEMA 13: Hominização versus Humanização/desumanização 114
TEMA 14: A educação como chave para a humanização do ser humano 118

Referências bibliográficas 123


08 09
INTRODUÇÃO educação não se desvie de seus horizontes que é a transformação do existente na busca da
humanização. O existente (as relações institucionalizadas dos seres humanos entre si com
a natureza) apresenta-se por meio de contradições, conflitos, ambigüidades e possibilidades
das realidades naturais e culturais a partir das quais ou nas quais se organizam e realizam
N este curso entendemos que a Filosofia da Educação pode ser construída como uma os processos educativos. Os processos educativos buscam garantir as exigências da
atividade intelectual irmã da Filosofia e não filha da Filosofia. Assume-se essa posição com racionalidade e do desenvolvimento das possibilidades/positividades do existente, isto é, a
base na proposição de Develey (2001) para quem a Pedagogia não é apenas uma ciência da emancipação do sujeito humano e a realização de projetos pessoais e coletivos.
prática é também uma ciência teórica. Pois, além de se realizar por meio da educação propõe As ciências irmãs das ciências da educação não têm obrigação de estudar essas
uma reflexão e uma teoria da formação humana (SOUZA, 1987; 2004). exigências, se bem que atualmente algumas gnoseólogos e/ou epistemólogos afirmem que
E ainda considerando a contribuição de Paulo Freire (1974), entendemos a educação como sim. Sem entrar nessa discussão no momento - é ou não é tarefa da sociologia, da filosofia, da
atividades culturais para o desenvolvimento da cultura contribuindo para promoção das economia analisar e propor essas exigências? -, afirmamos que assumimos a distinção como
positividades das culturas e superação de suas negatividades tendo em vista a construção da uma hipótese de trabalho que nos ajuda a compreender as especificidades das diferentes
humanidade de todos os seres humanos, em suas diferentes feições, em todos os quadrantes ciências.
da Terra. Nesse sentido, ensina Deweley que “a psicologia da educação tem como disciplina irmã
Sendo a Pedagogia uma ciência teórica propõe uma concepção de formação humana a psicologia; a economia da educação, a economia geral”. Assim, para esse pesquisador, seria
do sujeito humano e sendo, ao mesmo tempo, uma ciência da prática realiza-se por meio mais apropriado e “conveniente falar de sociólogo, de filósofo, de historiador, de psicólogo em
de atividades culturais (a educação, inclusive a educação escolar) mobilizando métodos e educação e não da educação” (p. 62). Esses profissionais teriam como instituição de pertença
técnicas na sua execução. A esse respeito afirma Dewelay: as disciplinas irmãs das quais não podem se afastar completamente, mas em relação às quais
possuem uma autonomia relativa, pois seu escopo é garantir as condições do desenvolvimento
“A reflexão epistemológica em relação às ciências da educação oscila entre uma do saber pedagógico e não de suas ciências irmãs. O que não acontece “com os sociólogos,
epistemologia da ciência ocupada unicamente com a pesquisa da verdade e uma epistemologia os filósofos, os historiadores, os psicólogos, os economistas do trabalho ou da saúde, por
da prática preocupada exclusivamente com a efetividade. Nos dois casos, essas epistemologias exemplo” (p. 62). Esses buscam o desenvolvimento de suas ciências mães. Seus saberes
estão a serviço da emancipação das pessoas. (...). As ciências da educação se alimentariam são dos respectivos campos, a sociologia, a filosofia, a história, a psicologia e a economia.
assim das incertezas de suas certezas (p. 61-62).” Pertencem, portanto, ao campo da sociologia, da filosofia, da história e assim por diante.
Enquanto que os filósofos, os psicólogos, os sociólogos, o historiador em educação terão
Compete às ciências da educação (a Sociologia de Educação, a História da Educação, como matriz a Pedagogia e ao mesmo tempo são responsáveis pela desenvolvimento dos
a Filosofia da Educação, a Biologia da Educação, a Psicologia da Educação, a Política da saberes pedagógicos.
Educação, por exemplo) e, a fortiori, à Pedagogia garantir as argumentações para que a Sendo assim, “a epistemologia das ciências da educação resultaria de uma epistemologia
das ciências e de uma epistemologia das práticas; e as diferentes disciplinas que as constituem,
1- “A reflexão epistemológica em relação às ciências da educação oscila entre uma epistemologia da ciência se elas se reduzirem a explicar e a compreender, deviam ter como pano de fundo o projeto de
ocupada unicamente com a pesquisa da verdade e uma epistemologia da prática preocupada exclusivamente transformar o existente segundo normas a explicitar” (DEVELAY, 2001, p. 62).”
com a efetividade. Nos dois casos, essas epistemologias estão a serviço da emancipação das pessoas. (...). As
Nessa perspectiva o saber pedagógico na pós-modernidade/mundo está desafiado a
ciências da educação se alimentariam assim das incertezas de suas certezas. Contrariamente a suas disciplinas
irmãs (a psicologia da educação tem como disciplina irmã a psicologia; a economia da educação, a economia promover a construção de outras formas de relações econômicas, políticas, institucionais,
geral...) cada uma delas tem o cuidado de participar em um empreendimento de dimensão educativa, pois tem a interpessoais e cognitivas na perspectiva de construir o humano na humanidade e se quiser
obrigação de velar, se isso for necessário e possível, pela transformação do existente relizando simultaneamente
contribuir com a construção de nossa humanidade, com a superação dos obstáculos, das
a uma tríplice exigência: de racionalidade, de emancipação das pessoas e de factibilidade de seus projetos.
Assim, parece-me, para clarear essas posições, conveniente falar de sociólogo, de filósofo, de historiador, negatividades que nos fazem menos humanamente, ainda que tecnológica e militarmente
de psicólogo em educação e não da educação. Esses últimos deveriam ter como instituição de pertença as tenhamos nos tornado mais competentes.
disciplinas mães das quais são oriundos como acontece com os sociólogos, os filósofos, os historiadores, os
É nisso que a sociedade brasileira, inclusive seus educadores - também os das escolas
psicólogos, os economistas do trabalho ou da saúde, por exemplo. Para essa posição, a epistemologia das
ciências da educação resultaria de uma epistemologia das ciências e de uma epistemologia das práticas; e as -, e seu governo, bem como a sociedade internacional têm que apostar e investir, caso
diferentes disciplinas que as constituem, se elas se reduzirem a explicar e a compreender, deviam ter como pano queiramos responder aos desafios da pós-modernidade/mundo, para criar as possibilidades
de fundo o projeto de transformar o existente segundo normas a explicitar” (DEVELAY, 2001, p. 61, 62).
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de nossa existência como HUMANOS. legitimação do exercício profissional pelo diploma. Regulamentaram-se as profissões. A partir
A complexidade crescente da sociedade hodierna, por muitos autores denominada de então, o exercício da maioria das profissões só pode ser desempenhado com a legitimação
de sociedade da informação a que prefiro denominar de pós-modrnidade/mundo, está a nos e legalidade do diploma escolar. É nesse contexto que, também, tem começo as ciências da
desfiar em todos os campos da ação humana, especificamente, no da educação, em todas as educação e diminui a importância da Filosofia da Educação.
suas manifestações e para os quais já dispomos de algumas saídas teóricas e epistemológicas O surgimento da educação escolar, com as características indicadas, resolveu os
multivariadas. problemas de emprego dos setores médios urbanos por meio da profissionalização superior
É para isso que as reflexões desenvolvidas na disciplina Filosofia da Educação querem que lhes passou a garantir não somente postos na burocracia estatal, nas empresas privadas,
também contribuir a partir da formação de uma educadora e de um educador comprometidos mas também o exercício das chamadas profissões liberais (advogados, médicos, engenheiros,
com a construção de outras relações econômicas, políticas, institucionais, interpessoais entre outros).
e cognitivas pela vivência de relações democráticas nas práticas pedagógicas, além da Assim, a educação escolar adquiriu tamanho prestígio que passou a sintetizar e
contribuição com sua teorização. É urgente o debate sobre novas concepções de educação, significar a totalidade da educação. Tornaram-se sinônimas as palavras educação e escola.
inclusive de educação escolar, e de sua organização e seu funcionamento, especialmente Foi, portanto, consolidando-se todo um processo de colonização de todas as formas educativas
em relação à questão dos conteúdos pedagógicos (educativos, instrumentais e operativos). pela educação escolar.
Caso contrário, não haverá reforma que surta quaisquer efeitos na Educação Básica para as Quando esse imperialismo da escola, acaparando todos os processos educativos,
maiorias das populações rurais e urbanas de nossas sociedades pluriculturais e que desejam começa a ser questionado, vão surgindo estudos sobre outras formas de educar, sobre
se transformar em sociedades multiculturais por meio da interculturalidade para que sua outros processos educativos tão importantes ou até mais importantes que os educativos
transculturação seja uma transfiguração do humano da humanidade e da natureza. E todas escolares. Pesquisas vão sendo realizadas, publicações vão chegando ao mercado editorial.
e todos nos tornemos mais ricos, material e simbolicamente. Nesses processos, é preciso As universidades vão também se ocupando das análises desses processos. Os organismos
atenção especial aos processos educativos que se dão fora da escola. A educação não- multilaterais, tipo UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
escolar (informal e não-formal), bem como um dimensionamento mais adequado do papel da Cultura), vão implementando as distinções: educação formal x educação não-formal x educação
educação escolar. informal. Educação escolar x educação não-escolar (não-formal, informal, educação popular,
Um olhar filosófico implicado pedagogicamente sobre esses processos educativos tem educação profissional). Tipologias da educação começam a ser inventadas e a circular na
sido desenvolvido ultimamente ocupando vários pensadores e profissionais. A colonização literatura pedagógica. Não apenas a educação escolar, mas todas as outras (educação não-
das diferentes formas e dos diversos processos educativos pela escola é evidente. Todas escolar, extra-escolar, não-formal, cívica, social, informal, entre tantas outras) começam a
e quaisquer práticas pedagógicas são vistas comparativamente à forma escolar julgada ter o status de áreas de conhecimentos ou se transformam em objeto de conhecimento de
mais importante porque cria as condições da profissionalização, ademais de todas as outras disciplinas consagradas e de práticas pedagógicas. E a educação, ainda com a predominância
práticas pedagógicas quererem se parecer com os processos escolares para adquirir status e da educação escolar, passa a ser algo muito prestigiado nos discursos na medida em que se
prestígio. Isso se dá de tal maneira que todo imaginário social e individual sobre educação a reduzem seus financiamentos estatais.
aproxima da escola. Falou, escutou, leu ou escreveu educação, vem a nossa mente a escola, a Isso ocorre de modo tal que, atualmente, encontramo-nos frente a duas afirmações
educação escolar. Mais particularmente: a professora ou o professor com seu grupo de alunos recorrentes. Por um lado, há um coral cantando: a riqueza das nações e das pessoas será o
em sala de aula, descabelando-se a exigir “silêncio, atenção, que se mantenham sentados em seu nível de escolaridade. Quanto mais um país escolarizar, por maior tempo, sua população
seus respectivos lugares, que participem das atividades, que tenham bom desempenho nos e quanto mais anos de escolaridade possuir um indivíduo, tanto mais poderão ampliar sua
exames. Caso contrario serão reprovados”. riqueza e seu poder. Será verdade? Afirma-se, até, que os níveis de escolaridade coletivos
O imperialismo da escola que se abateu sobre todas e quaisquer formas de educação, e individuais serão o equivalente geral, ou seja, o valor de troca entre os países e entre
vem se firmando desde os finais do século XIX, quando a escola, enquanto sistema público de os indivíduos. Além de se tentar transformar a educação em um serviço econômico como
ensino, inventado pelos setores médios urbanos, se impôs como instituição da formação de outros quaisquer. A Organização Mundial do Comércio (OMC) tentando regulamentar seu
profissionais que pudessem responder às necessidades da sociedade industrial e do Estado- funcionamento como quaisquer mercadorias.
Nação vitoriosos. Nomeadamente, no nível superior. Isso ocorre de tal modo que os níveis Por outro lado, escutamos diariamente em todos os lugares e lemos em numerosos
anteriores da escolarização passam a ser organizados única e exclusivamente em função documentos e na imprensa sobre o potencial educativo de todas e quaisquer atividades e
da educação superior. Nesse nível, evidencia-se o vínculo da educação com a economia via situações. Aposta-se no potencial educativo (ou na necessidade de educar) da tecnologia
12 13
(educação tecnológica), da sexualidade (educação sexual), da família (educação doméstica), TEMA 1:
da religião (educação religiosa), da saúde (educação para a saúde), do ambiente
POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO
(educação ambiental), do civismo (educação cívica), do desenvolvimento (educação para a
sustentabilidade), da cidadania (educação para a cidadania), da escola (educação escolar).
E por aí vai. Que tão educativas podem ser essas realidades ou quão educáveis são essas
atividades?
N ossa hipótese fundamental de trabalho é que uma atividade ou uma situação tem um
potencial educativo ou pode contribuir para a educação do ser humano, especificamente, se
garantir condições (subjetivas, mas, também, umas tantas, objetivas) para a sua humanização.
Trabalhamos com a convicção de que a educação, inclusive a escolar, pode contribuir com a
CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO. Essa hipótese se desdobra em duas
outras:
Os conhecimentos adquiridos em quaisquer processos educativos, inclusive os
escolares, podem ser úteis para o crescimento humano de todas as mulheres e de todos os
homens em quaisquer quadrantes da Terra. Por isso, os processos educativos, também os
escolares, são direitos inalienáveis de todos os seres humanos.
Os adolescentes, adultos, crianças e jovens aprendemos com os conflitos sociocognitivos
gerados entre os saberes que cada um já possui e as informações recebidas, inclusive em
sala de aula; mas, também, em todos e quaisquer outros ambientes sociais e educativos.
Um novo saber é construído a partir do confronto entre os saberes que uma pessoa já
possui e outras informações, concepções e pensamentos aos quais tem acesso, por diferentes
e diversos meios. Esse confronto provoca conflitos sociocognitivos que podem possibilitar a
desconstrução das idéias anteriores e a construção de uma outra compreensão do assunto em
foco ou do problema em estudo. A esse processo se dá o nome de recognição. A recognição
se realiza na reinvenção permanente que o ser humano está a cada momento desafiado
a fazer de si mesmo. A recognição e a reinvenção conformam o processo mais amplo de
ressocialização do sujeito humano em seus processos de humanização ou desumanização
(SOUZA, 2000).
Ressocialização são, portanto, os processos que se dão mediante o confronto entre
conheceres, fazeres e sentires de uma pessoa ou de um grupo cultural com os de outras
pessoas ou grupos culturais cujos resultados são novos conhecimentos, emoções e ações
tornando cada um dos envolvidos mais socializados, culturalmente enriquecidos simbólica e
materialmente. Numa palavra, mais humanos .
Cada um de nós já possui muitos conhecimentos. Não vai adquiri-los apenas agora na
leitura deste livro. Ao se dispor a lê-lo, e só por isso o faz, cada um já é portador de inúmeros
conhecimentos, tanto adquiridos na experiência pessoal e/ou profissional quanto nos processos
de escolarização. Esses são os mais diversificados e os mais diferentes possíveis. É provável
que outras visões sejam trabalhadas no livro. Assim, em cada trecho lido, irá comparar o que
já sabe e pensa com as informações que encontra. Irá confrontar a própria compreensão das
questões em debate com as informações a que vai tendo acesso não só na leitura deste livro,
mas de outras leituras, de reflexões de colegas, de autoridades, de professores, de pastores,
rabinos, padres. Vai descobrindo semelhanças e diferenças de compreensão, tirando suas
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conclusões e, se puder, escreve-as. Gaste um tempo escrevendo suas conclusões, perguntas, TEMA 2:
dúvidas. Somente confrontando o que já sabe (opiniões, sentimentos, emoções, ações e
DIÁLOGO INTERCULTURAL
idéias) com idéias, sentimentos e opiniões de livros, de professores, da mídia e de colegas,
novos conhecimentos serão construídos.
A aprendizagem e a educação só acontecem estabelecendo-se esses confrontos. E ssa atitude pode ser entendida como um diálogo de conhecimentos ou de saberes,
Confronto entre as minhas formas de pensar, emocionar-me e agir com outras formas culturais ou também pode ser chamada de diálogo intercultural. Nesse diálogo se estabelece uma
de pensar, fazer e emocionar-se e as formas apresentadas por professores, livros, artigos, negociação entre os saberes que as pessoas já possuem e as informações que recebem. As
televisão, religiões, entre tantos outros possíveis meios e mecanismos. Confrontos amistosos novas informações são confrontadas com os saberes adquiridos anteriormente e acontecem
ou conflitivos, mas que vão, sempre, provocar reações e tensões que podem ocasionar entre eles combinações híbridas. Ocorre, então, uma análise e uma reflexão sobre as
novas formulações. Sem essas reações/formulações, não há aprendizagem possível. Não informações novas e os saberes anteriormente construídos por cada um. A comparação entre
há educação. E, de uma forma ou de outra, cada um tem suas reações às idéias, opiniões, eles vai possibilitar novas FORMULAÇÕES. Essas conformam uma maneira nova de conhecer
pensamentos, emoções e atividades que lhes forem apresentados. Todos reagimos. Por isso, e novos saberes.
aprendemos. Educamo-nos! Entendo o saber à semelhança de Lyotard (1990), ou seja, como síntese da cognição,
É nessas reações que se dá a aprendizagem, que começa a acontecer a educação. da ética, da estética, da técnica e da política. Aproxima-se do que entendemos por sabedoria.
Quem mais reage e formula sua reação, sobretudo se as escrever, certamente mais aprenderá Ou, quando dizemos: “Fulano é um sábio”. O conhecimento é uma dimensao da sabedoria
e continuará a se educar. Poderá manifestar mais consistentemente no seu dia-a-dia numa que segues procedimentos específicos na sua produção. A ciência é apenas um tipo de
personalidade mais expansiva. conhecimento. Um discurso que poderá vir a ser uma tecnologia.
Escrever um texto mobiliza, pelo menos, simultaneamente, seis habilidades: “elaborar Passa-se, então, a ver as coisas já conhecidas de outra forma e outra compreensão se
um ponto de vista; situar-se em uma posição exotópica que permita articular de maneira estabelece. Realiza-se, assim, um processo de recognição. Essa nova cognição que poderá
pertinente a organização geral do texto e os micromovimentos da escrita constituídos por permitir outra forma de fazer e de sentir ou que resulta em outras formas de fazer e de sentir
cada uma de suas partes e subpartes; mobilizar, a partir desse ponto de vista, universos de vai se desenvolvendo. Conforma-se um processo de reinvenção. Se acontece a reinvenção
referência heterogêneos, escolares ou não, e organizar seu confronto a partir dessa posição permeada por uma recognição, configura-se a ressocialização. Constitui-se um novo saber.
exotópica; estar atento às palavras que se utilizam, retomar categorias e esquemas com os Deu-se a ressocialização.
quais se pensa e se escreve; construir, pelo próprio discurso que se produz, o interlocutor Não se está a afirmar que esse novo saber seja um saber melhor que os anteriores.
ao qual se dirige e com o qual se insere no campo disciplinar em questão; suspender o É diferente. O desejo, porém, é que seja mais amplo, mais completo e mais consistente para
momento ou o limite de ter de responder à questão colocada para desconstruir seus termos, a ação de cada um como pessoa, como profissional. Portanto, atingir-se-á um saber melhor.
as expectativas e os pressupostos” (BAUTIER; ROCHEX, 2001, p. 133). Se assim for, dar-se-á um processo de aprendizagem, acontecerá a educação, encarando-a
Frente às informações que serão apresentadas, cada um terá suas reações, a partir das positivamente.
quais vai estabelecer um processo de confrontações, comparações, percebendo similaridades Pode, entretanto, se dar o contrário. Acontecer uma educação negativamente. Pois,
e diferenças, formulando, então, suas conclusões, construindo um novo conhecimento. Essa duas outras atitudes são possíveis frente a novas informações.
é uma possível atitude frente a novas situações, informações, emoções. Um grupo de professores da Universidade de Tunis, Tunísica, coordenados pelo Prof.
Armed Chabchoub, trabalhando com adolescentes mulçumamos, quis identificar suas atitudes,
como religiosos, frente ao conhecimento científico que lhes era apresentado pela escola. Para
isso, elaborou uma escala de atitudes: “ – A rejeição: isto é, a rejeição pura e simples dos
conhecimentos científicos propostos pela escola (exemplo: a teoria da evolução não é aceitável;
portanto, eu não a adoto). – A atitude atenuada (exemplo: a teoria da evolução é aceitável
somente em alguns de seus aspectos, mas não no absoluto). – A atitude instrumental (exemplo:
eu somente utilizo a teoria da evolção na classe para responder às questões do professor,
mas não a adolto). – A adesão (exemplo: eu adoto completamente a teoria da evoluçaão
porque acho que ela é convincente e responde às questões que me faço sobre a evolução
2 - Ver Tema 4 no qual se encontra desenvolvida a noção de ressocialização. das espécies). – O dilaceramento (exemplo: a teoria da evolução é provada cientificamente, a
16 17
teoria religiosa, fixisa, também é verdadeira, e eu não sei que atitude adotar). – A fagocitagem interpretação, explicação, intervenção, e no final, a elaboração do texto-síntese do que foi
(exemplo: a teoria da evolução não tem nada de original, pois ela foi desenvolvida pelos apreendido/construído, no processo pedagógico de leitura que é um trabalho do pensamento,
sábios árabes da Idade Média)” (CHABCHOUB, 2001, p. 117-118). É uma tipologia mais fina; da linguagem e da subjetivação. Pois situa-se “no âmago das relações problemáticas que
no entanto, parece-me, faltar a atitude mais significativa – o diálogo intercultural – que permite eles estabelecem entre universos teóricos disciplinares e saberes de experiência e opiniões”.
a construção de um novo conhecimento. Apesar de mais nuanceada, essa escala deixa Na sua pesquisa, Bautier e Rochex (2001, p.132) analisaram dissertações de secundaristas
escapar uma perspectiva mais ampla e mais aberta do confronto intercultural que permitiria a e os procedimentos adotados nos ajudam a compreender os procesos de construção do
construção de um novo conhecimento e uma atitude mais ampla diante da vida e do outro. E conhecimento por cada um de nós.
pergunto-me se as diferentes atitudes que essa tipologia propõe não se agrupariam em uma Eles dirigiram a atenção aos momentos e aos movimentos de escrita que são ocasiões,
das duas outras que indico: mesmice e submissão? Segue, no entanto, faltando a interlocução pensadas ou não por aquele que escreve, de explorar possibilidades de naturezas diversas:
entre diferentes culturas, perspectivas teóricas, epistemológicas e ideológicas. possibilidades lingüísticas quando o aluno pode ser levado, pelas palavras e pelos enunciados
Uma que pode ser identificada como de rejeição do saber anterior. Adere-se, sem que utiliza e que produz, por caminhos imprevistos e inesperados, que ele pode relegar ao
reflexão, à nova informação e rejeita-se a forma de saber que se possuía. Essa atitude é impensado (muitas vezes, prejudicial para a coerência do texto e para a reflexão) ou do qual
mais rara. Nesse caso, a pessoa não aprende propriamente. Simplesmente nega seu saber. ele pode apropriar-se para trabalhar; possibilidade do pensamento quando o aluno apreende
Submete-se epistemologicamente ao outro. Passa a repetir o que escutou ou leu. Parece ter- a limitação da escrita e do sujeito, de textos ou documentos propostos à sua reflexão para
se transformado em um papagaio. É, como dizemos no Brasil, uma maria-vai-com-as-outras. explorar e interrogar sua experiência do mundo e da vida, ou para fazer trabalhar os saberes
Uma terceira atitude pode ser denominada de submissão à mesmice ou recusa de e as referências disciplinares mais do que apenas restituí-los ou citá-los; possibilidades
escutar o outro. Há uma rejeição total da nova informação. Recusa-se a pensar sobre as subjetivas na medida em que as possibilidades oferecidas para o trabalho do pensamento e
informações recebidas, vistas ou sentidas. Significa que não se aceita pensar. Nessa reação, da linguagem constituam para os alunos uma solicitação aceita ou não por eles, de realizar
também, não se dá uma aprendizagem. Acontece um outro tipo de submissão. Escravo de sua um trabalho de negociação entre diferentes registros de enunciação e entre as diferentes
própria epistemolgia limitada, priva-se de crescer. É, como dizemos no Brasil, o zé-do-contra. posturas do sujeito que se manifestam, particularmente entre o sujeito da escrita e do trabalho
Essas possíveis atitudes (reações a outras informações a partir do que alguém já da teoria e o da experiência e dos processos que sustentam a apreensão e a interpretação
sabe) são fortemente influenciadas pelos costumes de cada um, pela religião que professa, primeiras (BAUTIER; ROCHEX, 2001, p.132).
pelos papéis sociais que desempenha, pelas condições materiais, pela situação de classe, É isso que se espera a partir das informações que serão oportunizadas - por meio de
de gênero ou de etnia de cada um. Influenciam, também, para a ocorrência dessas atitudes, aulas, artigos, notícias, livros -, neste livro que se está a ler, escolhidas pela significação que
as relações pedagógicas estabelecidas entre educadores e educando, entre o professor e podem ter para a vida de cada um, pessoal, acadêmica e profissional. Não são conhecimentos
o grupo de alunos; a relação de pais com filhos: o estilo de ensinar de cada professor, pai, apenas para ser ensinados ou memorizados. Esses conteúdos são saberes julgados, depois
pastor/padre, entre tantos outros ensinantes. Por isso, cada um recebe a informação e reage de muito matutar e maturar, capazes de ajudar a viver mais humanamente. Comparem-
de um jeito diferente. Aprende de uma forma particular. nos com suas idéias, emoções e ações. Tirem suas conclusões. Formulem seu novo saber.
A aprendizagem só acontece de fato na primeira forma de reação. É a atitude de escutar, Escrevam-no. Transformem-no em desejo e vontade, realizem-nos. É essa nossa esperança.
de matutar, de comparar com o que se sabe que permite uma nova aprendizagem, a aquisição Esses novos saberes poderão ajudá-los a VIVER MELHOR no interior de cada uma
de um novo conhecimento, a construção de um novo saber. Só pela reelaboração do já sabido das culturas particulares, no meio rural ou no meio urbano, na vida pessoal, acadêmica e
se aprende (maturação), chega-se a um novo saber. Como demonstram pesquisas na França, profissional. A nossa grande aposta na EDUCAÇÃO é por conta da capacidade que ela pode
com adolescentes, em liceus, “a atividade intelectual requer uma apropriação e um uso ter de CONTRIBUIR PARA A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO (mulher
pessoais de saberes heterogêneos em uma atividade que é simultânea e indissociavelmente ou homem, adolescente, jovem, criança ou adulto, agricultor ou agricultora, empregado,
atividade cognitiva e lingüística e trabalho de subjetivação, de implicação de si e de elaboração trabalhador por conta própria, operário, etc) no interior de suas opções ideológicas e políticas,
de um ponto de vista, de uma postura, a partir dos quais possam organizar-se o confronto e de uma determinada orientação sexual ou religiosa, na atuação profissional e constituição da
o estabelecimento de uma relação entre saberes, escolares ou não” (BAUTIER; ROCHEX, subjetividade. Quer possibilitar-lhes uma nova experiência.
2001, p.128). Exige, pois, do construtor de um novo conhecimento, a modificação de “sua O confronto ou diálogo intercultural é que pode proporcionar conhecimentos e a
relação com o objeto de seu discurso e com o próprio discurso e que se posicione com sujeito” elaboração de modos de pensamento porque nele “se constrói, potencialmente, um processo
(Ib., p. 129). de transformação de si e de seu olhar sobre o mundo”. Por isso mesmo, não só na escola
Trata-se, ao mesmo tempo, no esforço de construir uma nova compreensão, mas também em outros espaços educativos, há que se favorecer disposições e modos de
18 19
trabalhar que garantam o êxito, sobretudo, com “aqueles que não são `dotados` disso por sua TEMA 3:
experiência social e familiar” (BAUTIER; ROCHEX, 2001, p.130). PRÁXIS PEDAGÓGICA
Esse é um posicionamento ideológico que tratamos de explicitá-lo de maneira mais
ampla, ao longo do livro, indicando mais alguns elementos já no primeiro tema de análise: “O professor que não leve a sério sua formação, que não estude,
problemas do estudo da educação. que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral
para coordenar as atividades de sua classe” (FREIRE, 1996, p. 103).

“O formando, desde o princípio mesmo de sua experiência


formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se
convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar a possibilidades para a sua produção ou a sua construção”
(FREIRE, 1996, p. 24-25).

INTRODUÇÃO

O estudo científico da educação ou de fatos desse fenômeno social caracterizar-


se-á por sua provisoriedade, por sua construção e reconstrução permanentes na medida em
que seu objeto constitui um desafio pelo caráter de prática social permeada pelas disputas
ideológicas, políticas e de intencionalidades. Nesse sentido, a pedagogia, como campo de
saber que toma como seu objeto esse fenômeno social de formação humana do sujeito, é uma
reflexão e, conseqüente, teoria dos problemas sócio educacionais, de suas possibilidades e
exigências a serem enfrentados pela educação.
Supõe-se que a prática pedagógica é um lócus de realização da educação. Um lócus
em que se realiza a educação de forma coletiva e organizada seja no espaço escolar ou
extra-escolar. Encara-se a prática pedagógica como uma ação coletiva, como uma práxis.
Uma ação coletiva específica, dentro do fenômeno social mais amplo que é a educação,
pois é uma ação organizada com finalidade e objetivos explícitos a serem trabalhados em
conjunto. É a ação coletiva de formação humana que busca garantir as condições subjetivas e
algumas objetivas do crescimento humano de todas e todos em todos e quaisquer quadrantes
da terra. Ela se conforma pela prática docente, discente, gestora, epistemológica permeada
por intencionalidades explicitas e por afetos (amores e ódios).
Entende-se, nesse caso, a educação como uma atividade cultural para o desenvolvimento
da cultura que contribui para superação das negatividades de todos e quaisquer processos
culturais fornecendo elementos que contribuam para o crescimento humano de todas e todos
possibilitando assim a superação das negatividades presentes em todas e quaisquer culturas.
Hipoteticamente é uma noção que restabelecendo a substantividade da educação (uma visão
integral do fenômeno social da educação sem reduzi-lo à escolarização, mas incorporando a
escola) forneça condições que garantam o sucesso acadêmico das maiorias sociais (minorias
sociológicas) e forneça elementos para seu êxito social.
Nessa perspectiva, a prática pedagógica é a condensação/síntese da prática docente,
20 21
da prática discente, da prática gestora e de uma prática epistemológica, permeada pelas pedagogia e das ciências da educação, frente às necessidades da prática. Assim, tem afirmado
relações de afetos (amores, ódios, raivas...) entre seus sujeitos e desses com os conhecimentos/ que a pedagogia, ciência da educação, diferentemente das ciências da educação, toma a
conteúdos e pelas intencionalidades, finalidade e objetivos de sua realização. Sem mais prática social da educação como ponto de partida e de chegada de suas investigações.
reduzi-la a ação do educador ou à prática docente. Nesse sentido é ciência da Prática.
A noção de prática pedagógica exige uma teoria social, nomeadamente, uma teoria A pedagogia, enquanto ciência da prática da educação, é, ao mesmo tempo, constituída
da ação coletiva para compreendê-la e realizá-la na medida em que é constitutiva da própria pelo fenômeno que estuda e o constitui. Isso aponta para uma inversão epistemológica, pois
sociedade, assim como o são a prática econômica, a prática política. Em última instância, o até então a pedagogia tem sido considerada um campo aplicado de discursos alheios à
problema educativo atual radica na necessidade de descobrir em função de que ou para que educação enquanto prática social. A re-significação epistemológica da pedagogia se dá na
se formam os indivíduos, para que tipo de sociedade estamos os educando e se queremos medida em que se toma a prática dos educadores como referência e como critério de verdade.
construir esse tipo de sociedade. O objeto/problema da pedagogia é a educação enquanto prática social. Daí seu caráter
A suposição é que essa noção de prática pedagógica pode contribuir, inclusive, para a específico que a diferencia das demais: o de uma ciência da prática – parte da prática e a ela
invenção da escola capaz de garantir as condições do sucesso acadêmico (desenvolvimento se dirige. A problemática educativa e sua superação constituem o ponto de referência para a
ético-intelectual) das maiorias sociais (minorias sociológicas) e forneça condições subjetivas investigação.”
e algumas objetivas de seu êxito social.
A identificação do tipo de sociedade desejável é elaborada a partir de uma teoria social. No entanto, como defende Develay (2001) a pedagogia não é apenas uma ciência da
A ilusão é a construção de uma sociedade capaz de criar as condições para que todos vivam prática é também teórica na medida em que elabora uma teoria da formação humana do sujeito
dignamente no contexto da diversidade cultural que tem suas positividades e negatividades. humano. Nem é apenas uma ciência teórica, propõe uma ação e mobiliza meios para sua
Mas, as correntes atuais da filosofia latino-americana destacam esse papel crítico e criador da execução. Sendo assim, como já citado, “a epistemologia das ciências da educação resultaria
cultura e dos valores novos que supõe o projeto e a insurgência de uma cultura popular, a de uma epistemologia das ciências e de uma epistemologia das práticas; e as diferentes
qual vê na educação uma instância de luta ideológica dentro de um projeto político global de disciplinas que as constituem, se elas se reduzirem a explicar e a compreender, deviam
mudança social. ter como pano de fundo o projeto de transformar o existente segundo normas a explicitar”
Nesse sentido, em texto de 1984, eu escrevia: (DEVELAY, 2001: 61, 62).

“Parece-me que a obra de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, constitui-se num tipo- PROBLEMÁTICA EM ANÁLISE
exemplar de reflexão pedagógica. Pois, nela encontro, admiravelmente desenvolvidos os três
A multiplicidade e diversidade de termos e expressões, com diferentes concepções e
momentos que indico para que uma reflexão seja qualificada de pedagógica. E mais ainda,
alcances, em relação às questões pedagógicas, especialmente sobre os processos educativos,
realizados segundo um método adequado à perspectiva da classe trabalhadora”.(SOUZA,
as práticas pedagógicas e suas teorizações, denotam divergências de espistemologias e
2004, p. 183).
teorias que revelam, por vezes, posicionamentos ideo-políticos antagônicos, além de poucos
acordos no campo da pesquisa educacional e da ação educativa.
Hoje afirmo que não parece, mas de fato o pensamento de Paulo Freire é gerador de
Essa situação pode ser enriquecedora do ponto de vista da pesquisa, mas enseja
uma outra tradição pedagógica no interior das diversas Pedagogias produzidas nos diferentes
muitos riscos do ponto de vista das políticas e das ações dos sistemas em suas incidências
países. E de uma forma ou de outra, o pensamento pedagógico pode ser distinguido por
na sociedade e nas próprias escolas.
um antes e um depois da produção de Paulo Freire. Uma pedagogia se caracteriza como
Falamos de/escrevemos sobre: Proposta Pedagógica, Programas, Planos e Projetos
uma teoria da formação humana do ser humano. Isso supõe uma teoria da transformação da
(PPP), Projeto Político-Pedagógico. Projeto Educativo. Currículo, Prática Pedagógica. Prática
sociedade (uma reinvenção da emancipação humana), portanto, uma teoria da ação coletiva
Educativa. Saber pedagógico. Saber específico ou de conteúdo ou disciplinas de conteúdo.
que se especifica ao interagir com os fenômenos educativos transformando-os e sendo
Didática Geral. Didática de Conteúdos Específicos. Avaliação Somativa. Diagnóstica.
reelaborada.
Emancipatória. Prática de Ensino. Estagio supervisionado. Educação. Pedagogia.
Pimenta (1996, p.129), numa ampla revisão dos debates e propostas sobre Pedagogia,
Ensino. Ciência da Educação. Ciências da Educação. Aprendizagem. Ensinagem. Ensino-
Ciências da Educação, Ciência da Educação, afirma:
Aprendizagem. E por aí, la nave va...

Essa diversidade exige um trabalho mais rigoroso de conceituação e análise da
“A discussão epistemológica dos anos recentes está gestando um novo entendimento da
22 23
educação, enquanto objeto empírico a ser analisado e teorizado no campo intelectual PRÁXIS PEDAGÓGICA
denominado Pedagogia. Isso com o objetivo de que, sem querer uniformizar, se saiba sobre
o que se fala ou se escreve. E assim se poder contribuir com uma maior compreensão dos A práxis pedagógica concretiza o Currículo por meio das relações e ações que se dão
fenômenos sociais denonimados educativos e a garantia conseqüente da intervenção para entre educadores (prática docente), educandos (prática discente) e gestores (prática gestora)
reverter os quadros calamitosos atuais em relação à educação e escolarização dos setores mediadas pelos conhecimentos ou conteúdos (prática gnoseológica e/ou epistemológica)
majoritários da população brasileira, especificamente no Nordeste. trabalhados no interior de um determinado contexto (ou entorno social) e institucional tendo
A multiplicidade acima aludida pode manifestar, além das divergências ideo- como finalidade a formação humana dos sujeitos humanos nela envolvidos. Uma ação inter-
epistemológicas, políticas e teórico-metodológicas, as dificuldades de se identificar uma relacional e institucional de educadores versus educandos versus mediados pelo conhecimento
proposta pedagógica para a educação escolar ou outras formas de realizar a educação. e pela afetividade. Uma ação coletiva de formação humana.
Quando nos referimos a uma Proposta Pedagógica, pensamo-la configurada pelas seguintes Então, de modo especial, uma análise da prática pedagógica escolar deve nos levar a
dimensões: examinar o pólo da complexidade PROFESSOR, da complexidade ALUNO, da complexidade
CONHECIMENTO em suas INTER-RELAÇÕES no interior de uma INSTITUIÇÃO (uma prática
1) Concepção de Educação gestora) que se organiza desde um CONTEXTO econômico, social, político, institucional e
2) Finalidades dos processos educativos interpessoal que pode ser caracterizado de DIVERSIDADE CULTURAL ou pluriculturalidade
3) Conteúdos pedagógicos: com determinados desejos, intencionalidades, objetivos e finalidades claramente definidos
- Conteúdos educativos permeados pela afetividade .
- Conteúdos instrumentais A finalidade da prática pedagógica e de sua investigação será identificar e analisar a
- Conteúdos operativos
4) Dispositivos de diferenciação pedagógica INSTITUIÇÃO

Uma proposta pedagógica concebida segundo essas dimensões, vai adquirindo


concretude, materialidadae num Projeto Pedagógico ou Projeto Educativo. Esse se apresenta
na forma de um documento que consubstancia concepções, finalidades e opções que faz
num determinado contexto cultural no interior de uma determinada instituição, a escola, por
exemplo, que deve executá-lo, realizá-lo com a participação de todos os seus sujeitos. Por
sua vez, este projeto ganha consistência por meio do Currículo. Deverá ter o controle social da PRÁTICA SUJEITO DISCENTE
SUJEITO DOCENTE
execução e da qualidade por meio de um determinado organismo que pode ser um Conselho PEDAGÓGICA
Escolar.
O Currículo que pode ser compreendido como um plano para concretização de um
projeto pedagógico mediante a prática pedagógica. Plano da organização, dinâmica, conteúdo,
procedimentos e avaliação da prática pedagógica. Então, é uma escolha e uma decisão do/
sobre os retalhos da cultura a serem trabalhados numa determinada instituição ou organismo
social ou governamental. Entre eles, as escolas.

CONHECIMENTO

3 - A explicitação da afetividade nessas ações e relações se deve à reflexão de Fátima Holmes (2006) em sua
dissertação de Mestrado da qual retiramos também o gráfico de ilustração.
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contribuição que as diversas e diferentes ações educativas estão dando para a CONSTRUÇÃO encontram-se subjacentes um modelo de educação e um modelo de escola, fundamentados
DA HUMANIDADE DO SER HUMANO; ou seja, de SUBJETIVIDADES dialogantes, críticas, em determinadas teorias do conhecimento. Ao mesmo tempo em que o modelo educacional
capazes de contribuir com a conformação de outras relações sociais, portanto de organizar é influenciado pelo paradigma da ciência, aquele também o determina. A atuação do
a economia (o trabalho) de novas formas, a política e as instituições sob outros valores. Já professor traduz sua visão de educação. É impossível separar uma coisa da outra. A teoria
podemos adivinhar a importância da Filosofia da Educação para a prática pedagógica escolar da aprendizagem que fundamenta sua ação contem as explicações de como ele crê que o
ou não. indivíduo aprende e determina o modelo pedagógico adotado pela escola” (MORAES, 1997,
Numa palavra, tomar como objeto de pesquisa as relações educador educando p. 18).
mediadas pelos conhecimentos permeadas pela afetividade numa instituição (sua organização
e gestão) que se estrutura num contexto de diversidade cultural. Esse contexto cultural, como Essa visão parece meio mecanicista, pois uma teoria não se aplica na prática. Ela
veremos, se transforma no conteúdo educativo. Conteúdo educativo a ser trabalhado de necessita de várias mediações para influenciar a prática. É um guia para a prática. No
formas determinadas de acordo com os sujeitos educativos diretos (educadores, educandos, entanto, poder-se-á identificar pela prática a teoria que a fundamenta. A prática é uma teoria
gestores) e indiretos (funcionários não docentes da instituição) e externos (secretaria de em ação. No entanto, uma teoria só pode ser executada por meio de inúmeras mediações,
educação, governo). O que implica ao mesmo tempo identificar as relações que os educadores as tecnologias das diferentes ciências. E no caso da educação, as teorias pedagógicas são
mantém com o conhecimento e as relações que desejam ajudar os alunos a construir. princípios que questionam as práticas pedagógicas e nessas interações ambas se modificam.
Para a formulação desses princípios é fundamental a contribuição da Filosofia da Educação,
enquanto uma reflexão radical, rigoroso e de conjunto dos problemas sócio educacionais
Prolemática sócio-antropológico-pedagógica gerados no contexto cultural (SAVIANI, 1980).

Podemos adentrar a essa problemática desde distintos ângulos. Para ter uma visão
mais adequada, tomamos como porta de entrada, ainda que trate apenas da educação Problemática Teórica: paradigmas
escolar, o Documento Chamada à ação: combatendo o fracasso Escolar do Nordeste, no Nessa perspectiva, algumas reflexões de Antônio Joaquim Severino (1996) podem
qual os consultores do Branco Mundial, por meio do Projeto Nordeste, analisam o fenômeno nos ajudar a um posicionamento na busca da contribuição da Filosofia da Educação e da
da reprovação nas escolas da Região, ao longo dos anos 1985 a 1995, chegando a quatro identidade da pesquisa sobre a prática pedagógica e sua efetivação que venha a configurar
conclusões. Indicam que o fenômeno evidencia: uma comunidade paradigmática nessa área. Vejamos:
a) A precária organização dos sistemas de ensino (estaduais e municipais); Conhecer, fazer ciência no âmbito educacional, se é obviamente muito diferente do
fazer ciência no âmbito das ciências naturais, é também diferente mesmo em relação às
b) A aprendizagem do aluno não é o foco central da escola; próprias das ciências humanas. É aí que encontramos fundadas as necessárias distinções
entre as ciências da educação e uma ciência da educação. Uma coisa é buscar conhecer
c) A insatisfação generalizada de pais e alunos; e, finalmente, a fenomenalidade humana envolvida na dimensão antropológico-educacional, com as
perspectivas e os recursos teórico-metodológicos das ciências humanas; outra coisa será
d) A existência de profissionais desmotivados e sem a qualificação necessária, na qual compreender uma possível especificidade própria da educação.
salientam “a falta de uma política de valorização do professor que nos últimos anos tornou o Frente a essa especificidade das Ciências da Educação ou de uma ciência da educação,
magistério uma área muito pouco prestigiada e de baixa atratividade no mercado de trabalho” o autor propõe:
(MORAES, 1997, p. 14-15). Estabelecer para a Pedagogia e para a Didática um estatuto de cientificidade impõe
a exigência de uma profunda reconceituação da própria ciência. O dado novo e original que
A autora que cita esse documento, no entanto, identifica “o grande problema da exige essa reconceituação é o caráter práxico da educação, ou seja, que ela é uma prática
educação no modelo de ciência que prevalece num certo momento histórico nas teorias da intencionada. Sua existência, sua realidade, sua substancialidade se constituem exatamente
aprendizagem e que influencia a prática pedagógica”. Afirma: por essa condição de ser uma ação de intervenção social que constrói os sujeitos humanos.
E isso com base numa intencionalidade, apoiando-se em significações que são da ordem da
“Acreditamos na existência de um diálogo interativo entre o modelo científico, as fenomenalidade empírica dessa existência. Por isso mesmo, a abordagem, a explicitação
teorias de aprendizagem e as práticas pedagógicas desenvolvidas. Na prática do professor, desse sentido não são viáveis pelos caminhos epistemológico-metodológicos do processo
26 27
epistêmico chamado comumente de ciência. fundamentalmente baseada na corrente do interacionismo construtivista da Psicologia. Outra
Dado o caráter prático da educação e a necessidade da recognição de ciência para define o processo de ensino enquanto uma prática social concreta, articulada a outras práticas
garantir da cientificidade da pedagogia, para o autor tem que se buscar esse novo conceito de sociais. Nessa segunda posição identifica duas tendências.
ciência tem que se situar no âmbito filosófico e da pratica cultural. Por isso, A primeira entendendo o ensino como trabalho articulado à organização do processo
não é pelo fato de a configuração da intencionaldiade da educação enquanto prática só poder de trabalho no capitalismo. A segunda “circunscrita mais nitidamente ao âmbito da pesquisa
ser feita a partir da modalidade filosófica do conhecimento, que o problema da natureza científica da prática pedagógica escolar, envolvendo o uso de técnicas e instrumentos etnográficos”
da Pedagogia se coloca. Ele se põe é pelo fato de a educação ser uma prática histórico-social, (OLIVEIRA, 1996, p. 17-18).
cujo norteamento não se fará de maneira técnica, mecânica . Daí os acumulados insucessos Finalmente, constata-se uma mudança de foco de atenção nos objetos dos estudos de
de tantas tentativas de psicologização, sociologização e de biologização da didática. Reflexão 1994 e 95 apresentados na ANPEd , quando comparados aos dos anos anteriores. Observa-
análoga pode ser feita, referindo-se às igualmente equivocadas tentativas de se fundá-la em se que, de 1991 a 1993, os estudos na área abordavam, predominantemente, os temas dos
bases metafísicas (SEVERINO, 1996, p. 67-68). referenciais teóricos e da prática pedagógica, aparecendo como importantes os estudos sobre
Temos, portanto, que encarar os problemas educativos e os sujeitos da educação como as práticas pedagógicas bem sucedidas (sublinhado pela autora). Já nos anos de 1994 e 95
culturais, portanto históricos e naturais. Ver os problemas em sua integralidade e complexidade os estudos sobre a prática pedagógica analisados giram em torno da formação do professor,
em suas inter relações e ações. Como conclui Severino: tendo por objeto de estudo a construção do saber docente, projetos de formação do professor,
Sem dúvida, os sujeitos educandos, dada a sua condição humana, são entidades, características do bom professor. A influência de autores como Nóvoa, Popkewitz, e a posição
naturais e históricas, determinadas por condições objetivas de existência, mas interagindo de se defender o ensino como prática reflexiva, com base nas discussões de Donald Schön
permanentemente com essas condições modificando-as pela sua práxis. Nesse sentido, (1983), começa a aparecer como uma tendência significativa (p.22).
como sujeitos, formam-se historicamente, ao mesmo tempo, que vão formando, igualmente Essas perspectivas começam, naquele momento, a mudar revelando um outro
de modo histórico, os objetivos de suas relações. Mas as supostas leis que presidiriam o direcionamento. Uma direção que aponta a uma síntese das tendências anteriores. O ensino
desenvolvimento histórico não se situam mais nem no plano da determinação metafísica nem é tomado como ponto de partida e de chegada da pesquisa. Na formação do futuro professor,
no plano da necessidade física. Em decorrência disso, a educação passa a ser proposta como os resultados e os métodos de pesquisa possuem caráter didático. Os primeiros aproximam
processo, individual e coletivo, de constituição da realidade histórica da humanidade. Isso o aluno/professor da escola. Quanto aos métodos de pesquisa, retomam-se as discussões
quer dizer que lhe cabe constituir uma nova consciência social do indivíduo ao mesmo tempo sobre as suas possibilidades na formação do professor, como um recurso para a construção
que reconstitui a sociedade pela rearticulação de suas relações políticas. Os fins e os valores ativa do conhecimento. E em projetos de formação continuada do professor, a pesquisa-ação
bem como os meios envolvidos nessa sua ação são igualmente explicitados a partir dessa sintetizaria uma alternativa rica para o desenvolvimento do ensino como uma prática refletida.
interação. O que está assim em pauta é a profunda historicidade humana (SEVERINO, 1996, Nesta década, a tendência sintetiza-se pela defesa da pesquisa como instrumento de
p. 69). formação do professor. Na defesa da posição de uso do método da pesquisa para ensinar,
Como poderíamos interpretar essas perspectivas? Quais suas implicações para ou do uso da pesquisa-ação nos cursos de formação do professor, os estudos na área da
organizar, avaliar e pesquisar a prática pedagógica? Didática defendem a concepção do professor-pesquisador, mas ao lado da concepção do
Então, nessas perspectivas, se pode situar a pesquisa da prática pedagógica e da pesquisador-professor. E, sempre, cuidando de preservar, como pressuposto, a identidade da
formação do professor no campo das teorias da ação coletiva ou praxeologia ou praxilogia. pesquisa científica em relação à pesquisa didática.
Ainda que uma modalidade singular de prática social: ação coletiva (social) de/para a formação Chama-nos a atenção para o risco de operar, nesses estudos, uma separação entre o
de subjetividades humanas (SOUZA, 1997; 2000; 2001). professor e o aluno, pois, ainda que a ênfase nas pesquisas em didática tenham recaído sobre
Algumas pesquisas situam, no entanto, o exame da prática pedagógica como um dos o ensino enquanto uma prática de reflexão na ação, há que cuidar para que, na teoria e na
objetos da didática. Eu penso o contrário. A didática é apenas uma das dimensões da prática prática da Didática, a ênfase no ensino e no professor não venham a operar, estranhamente,
pedagógica. Como veremos, é o pólo do Professor/educador. Talvez seja produtivo perceber a separação entre professor e aluno, mas impliquem, sim, a defesa de um ensino enquanto
como está situada nos debates da pesquisa didática ou em didática para melhor compreendê- reflexão na ação, que se faz interativamente (OLIVEIRA, 1996, p. 24).
la. Retoma-se, pois, a idéia de estudar a prática pedagógica no interior das teorias da ação
Analisando as tendências investigativas em didática, no Brasil, Oliveira (1996) identifica
duas posições, quanto à concepção de ensino e aos fundamentos teóricos. Uma dessas
4 - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação que realiza anualmente Reuniões nas
posições define o ensino a partir de seu objetivo de conseguir a aprendizagem do aluno, quais se apresentam a produção no campo das ciências da educação no Brasil.
28 29
coletiva. Como uma práxis. Trata-se da prática educativa argumentada, analisada, sistemática, em diferentes níveis de elaboração, que orienta e dá significado àquela atividade prática
intencional e voluntária. Prática educativa refletida e teorizada é o que denomino de práxis desenvolvida pelos indivíduos, isolada ou socialmente. (...). A práxis humana termina criando,
pedagógica. A superação do espontaneismo da prática educativa que para ser vivida não objetivamente, uma vida social que tem a sua própria legalidade, independentemente da
necessita de reflexão, de teoria. Pensa-se que educação vem de berço, que ser educador é vontade subjetiva dos indivíduos que a criaram, e que os submete socialmente (EVANGELISTA,
viver uma vocação. 1992, p. 95).
Então, há que se analisar como a práxis pedagógica enquanto um “um campo de Por isso, “a vida social é entendida como uma totalidade, como unidade dialética
contradições necessariamente específico em que cada caso, no qual se combinam uma indissolúvel e contraditória entre o ser social e a consciência, em todas as suas formas de
multiplicidade de fatores, outorga-lhe uma fisionomia original” (SOBRIÑO,1986:50). Nesse manifestação” (EVANGELISTA, 1992, p. 94-95).
campo de contradições, parece a contradição principal da prática pedagógica se encontrar no Nessa direção, para uma maior compreensão de suas implicações, Sánchez-Vázquez
nível das relações pedagógicas de base que se estabelece entre agentes diretos ou imediatos faz uma distinção entre práxis intencional e práxis inintencional. Na práxis intencional
(ensinantes e aprendentes) da prática pedagógica e os meios pedagógicos, e que assume a atividade obedece a um objetivo previamente traçado; seu resultado é, portanto, uma
determinados caracteres dominantes no modo de produção capitalista (SOBRIÑO, 1986, p. objetivação do sujeito prático e há certa adequação entre seus objetivos ou intenções e os
51). resultados de sua ação. Encontramos, pois, uma esfera prática que acarreta a intervenção da
Assim, a análise da Prática Pedagógica tem que permitir a identificação das contradições consciência como processo de realização de uma intenção determinada, no decurso do qual
que surgem entre os diferentes elementos das relações pedagógicas de base (que) derivam o subjetivo se objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiva (1977, p. 318).
basicamente das diferentes atividades e funções dos agentes, ensinantes por um lado e Essa práxis podendo ser individual e/ou coletiva ainda é produtora, como resultado
aprendizes por outro, da forma particular de vinculação daqueles com os meios pedagógicos; das diferentes práxis individuais intencionais feitas socialmente, de uma práxis coletiva
da existência de relações de dominação (SOBRIÑO,1986, p. 51). inintencional. Assim, A práxis intencional tanto pode ser individual quanto coletiva. A práxis
Em O CAPITAL, Marx aplica um método que reúne duas noções básicas inter- individual é sempre uma práxis intencional, embora o resultado de sua atividade corresponda
relacionadas e dinâmicas: dialética e totalidade. Estas duas noções constituem sua contribuição mais ou menos às suas intenções originalmente idealizadas. A combinação dessa práxis
central para a teoria social. Elas configuram sua concepção central de relações sociais que se intencional dos diversos indivíduos na sua vida social produz uma práxis coletiva inintencional,
originam e conformam sua concepção de trabalho. que não foi projetada por nenhum indivíduo isoladamente (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p.
O materialismo clássico do século XVIII estabelecera uma dicotomia rígida entre sujeito 333).
e objeto, elaborando uma categoria passiva da percepção na qual a mente, a consciência Sendo assim práxis individuais intencionais quando se juntam, além de resultarem
do ser humano, era uma folha em branco (tabula rasa) na qual a experiência se imprimia na execução dessas intencionalidades, ainda são produtoras de resultados que não foram
mecanicamente. Assim, a consciência, elemento subjetivo, foi necessariamente suprimida planejados, que não eram desejados intencionalmente. Portanto, o resultado é a produção de
como força ativa pelo materialismo mecanicista e o positivismo do século XIX. efeitos que não foram deliberados. Basta, analisar os resultados das práticas pedagógicas.
Marx, tendo definido a realidade como uma realidade humana feita pelos seres Por isso, conclui (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p. 333):
humanos, argumenta em favor de uma teoria social que compreenda essa realidade não Resulta daí que os indivíduos, enquanto seres sociais, dotados de consciência e vontade,
como um processo imutável e não-histórico, e sim como um processo vivo, envolvendo o produzem resultados dos quais não são conscientes; ou seja, que não correspondem aos
ser humano em seu duplo papel de produto e produtor, historicamente situado e se fazendo objetivos que guiavam seus atos individuais nem tampouco a um propósito ou projeto comum.
culturalmente. E, não obstante, tais resultados não podem ser senão o fruto de sua atividade humana.
Na filosofia da práxis, há lugar para a ciência desde que não seja considerada como Evangelista (2002, p. 97) agrega a essa conclusão. Assim, A práxis do indivíduo tem um
algo pronto, mas como o resultado de “uma ampla circulação pedagógica no interior da relação caráter dúplice. É intencinal, quando ele busca realizar um determinado objetivo projetado
de hegemonia”. “Este é, precisamente, o significado da identificação gramsciana entre relação ou idealizado; e inintencional, quanto sua atividade “como ser consciente adota uma forma
pedagógica e elaboração cultural com o que tão freqüentemente deveremos esforçar-nos social e se integra numa práxis coletiva que leva a resultados globais que escapam à sua
para ajustar as contas” (BROCCOLI, p. 15). consciência e à sua vontade (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 1977, p. 333).
A práxis entendida, como síntese entre a atividade prática dos indivíduos e o Essas práxis intencionais particulares, assim, criam uma totalidade objetiva, dotada
conhecimento necessariamente implicado e suposto em toda atividade sócio-humana. Toda de certas regularidades sociais em sua reprodução histórica, que irão caracterizar sua
forma de práxis humana contém, simultaneamente, uma atividade prática concreta e um específica legalidade social. Para romper o círculo da inintencionalidade, a práxis coletiva
certo conhecimento, que lhe é requerido para a efetivação dessa atividade. É a consciência, deve apreender a lógica dessa legalidade social ou, mesmo que intuitivamente, captar de
30 31
uma forma aproximativa a sua lógica de reprodução. Isso é a condição para que os projetos das culturas indígenas, ou de qualquer cultura nesse caso (OLIVÉ, 1999, p. 15).
coletivamente elaborados possam ser objetivados socialmente, através da práxis intencional. Essas transformações construíram o que hoje denomina-se de globalização que há
Esse é o sentido da afirmação de Gramsci de que a “cartase” é “a elaboração superior da de ser entendida num duplo movimento de ampliação da interdependências entre diversos
estrutura em superestrutura na consciência dos homens” (Gramsci apud Coutinho 1981, p. 70). povos da pós-modernidade/mudo e pregação ideologia dos Estados Unidos da América do
Assim, a práxis coletiva somente adquire um caráter intencional quando há uma adequação pensamento único de que fora do capitalismo não há solução para os problemas do mundo.
subjetiva à lógica social objetivamente existente, emergindo, daí, um sujeito coletivo consciente No primeiro primeiro momento, a globalização pode ser entendida como “a construção
nas suas intervenções no processo social. Ora, para que isso ocorro, é suposto que a práxis de uma sociedade planetária na qual participem as diversas culturas do mundo, em um
manipulatória e reiterativa da cotidianidade reificadas tenha sido superada e substituída por processo no qual cada um enriqueça a sociedade global e ao mesmo tempo se benficie do
uma forma superior de práxis social criadora e totalizante (EVANGELISTA, 1992, p. 97) . intercâmbio e da cooperação com as outras” (OLIVÉ, 1999, p. 16). Por isso, a construção e
Sánchez-Vázquez (1977, p. 383) faz, ainda, uma distinção entre consciência prática o desenvolvimento da nação podem ser vistos como um processo que tende a impor uma
e consciência da práxis. Ele chama de consciência prática a “consciência que atua no início única cultura; ou podem reconhecer que a nação é pluricultural, e que seu desenvolvimento
ou ao longo do processo prático em íntima unidade com a plasmação ou a realização de pode ser enriquecido com essa diversidade se se apoia o florescimento de todas as culturas
seus objetivos, projetos ou esquemas dinâmicos. É a consciência tal como ela se insere no que a compõem e se sentam bases sólidas para que todas cooperem no projeto comum de
processo prático, atuando ou intervindo no seu transcurso, para transformar um resultado desenvolvimento nacional (OLIVÉ, 1999, p. 16-17).
ideal em real” (EVANGELISTA, 1992, p. 98). Olivé (1999, p. 17) faz a indicação de que “em um mundo multicultural, os dereitos
Porém, a consciência não só se projeta e se plasma - se objetiva - “como sabe a humanos devem construir-se na interação transcultural” e de que as “condições para superar
si mesma como consciência projetada, plasmada. A essa consciência que se volta sobre si conflitos específicos entre culturas concretas” exige o reconhecimento do “direito das culturas
mesma, e sobre a atividade material em que se plasma, podemos chamar de consciência da a presevar-se, a florescer e evoluir, e devem admitir, ao mesmo tempo, que isso é compatível
práxis” (SANCHEZ-VASQUEZ, 1977, p. 283-284). Assim, um implica na outra, mas não estão com a participação de todas na construção e no desenvolvimento de sociedades mais amplas,
no mesmo plano; não se confundem, mas não estão separadas entre si. A consciência da de autênticas sociedades multiculturais nos âmbitos nacional e internacional” (OLIVÉ, 1999, p.
práxis é a autoconsciência prática. “Segundo o grau de manifestação dessa autoconsciência 18).
prática podemos distinguir dois níveis da atividade prática do homem, que denominaremos de Sua hipótese-aposta é em relação à “possibilidade de um auténtico diálogo, a
práxis espontânea e práxis reflexiva, consciência baixa ou quase nula na primeira e elevada, cooperação e a solidariedade entre as culturas, o respeito à identidade de cada uma e seu
na última” (SANCHEZ-VASQUEZ, 19977, p. 285). dereito à sobrevivência e ao florescimento, esse modelo multicultural tambem defende o
Parece essas perspectivas coincidir com o que Marx-Engels afirma, no Manifesto máximo respeito à autonomia e à dignidade dos indivíduos” (Ibidem). Essas hipótese e aposta
Comunista, da modernidade como o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto estão baseadas em uma suposição epistemológica:
de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos ... Todas as relações fixas
e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, “a realidade “se deixa” conhecer de muitas maneiras diferentes. Mas não se pode tomar
todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é quaisquer idéias conhecimento. A fundamentação ética do modelo pluralista se baseia na
sólido se desmancha no ar. tese de que não há normas morais de validez absoluta para julgar como corretas ou incorretas
Nesse processo permanente de modificações, de constituição da consciência e da as ações das pessoas, nem há critérios absolutos para avaliar as normas e os sistemas
desconscientização, vão se plasmando as diferentes modulações humanas: (os diferentes normativos. Mas, isso não significa que qualquer ação possa justificar-se do ponto de vista
grupos culturais que compõem a pós-modernidad/mundo. E emergem as reivindicações do moral. Enfim, o modelo pluralista sustenta que há uma diversidade de pontos de vista, de
direito à diferença que passa a significar o reconhecimento e o respeito de sua cultura, e formas legítimas de conhecer e interagir com o mundo, e de conceber o que é moralmente
o dereito de seus membros a preservá-la, a fazê-la florescer e desenvolvê-la de maneira correto. Mas, disso não se conclui que tudo esté permitido. Ao contrário, veremos que, de
criativa, e a viver segundo os planos de vida que cada um eleja de acordo com essa cultura, acordo com esse pluralismo, a realidade impõe constrangimentos muito fortes sobre o que é
sem deixar por isso de participar na vida nacional (OLIVÉ, 1999, p. 15). corrreto crer e do que é possível e correto fazer. Daí se segue que, em certas circunstâncias,
Diante de todas as transformações que experimentamos atualmente, existe uma seja possível comparar, por exemplo, conhecimentos e propostas para agir e que, em função
tendência crescente a universalizar de maneira efetiva os dereitos humanos, ao se abrir a de fins específicos sobre os que podem por-se de acordo os membros diferentes culturas, seja
possibilidade de julgar a genocidas e criminosos contra a humanidade em países distintos razoável sustentar que algumas dessas propostas são preferíveis a outras” (OLIVÉ, 1999, p.
daqueles em que foram cometidos os crimes. Tem sentido defender ainda o direito à diferença 19).
32 33
Por isso, um projeto multicultural terá futuro somente na medida em que se comprometam Por outro lado, escutamos diariamente em todos os lugares e lemos em numerosos
tanto o Estado como os diversos povos indígenas, seus líderes (tradicionais e não tradicionais), documentos sobre o potencial educativo de todas e quaisquer atividades e situações.
os partidos políticos e amplos setores da sociedade aceitem a diferença, sejam respeitosos Aposta-se no potencial educativo da tecnologia (educação tecnológica), da sexualidade
das outras culturas e estejam dispostos a cooperar no desenvolvimento de uma sociedade (educação sexual), da família (educação doméstica), da religião (educação religiosa), da
multicultral e a admitir a possibilidade de fazer as mudanças necessários em sua própria saúde (educação para a saúde), do ambiente (educação ambiental), do civismo (educação
cultura para a convivência harmoniosa com as outras (OLIVÉ, 1999, p. 20). cívica), do desenvolvimento (educação para a sustentabilidade), da cidadania (educação para
Retomaremos a questão da diversidade cultural no Tema X. a cidadania), da escola (educação escolar). E por aí vai. Que tão educativas podem ser essas
realidades ou quão educáveis são elas? Ou, ainda, que contribuição podem dar aos processos
Perspectivas Científicas da/para Práxis Pedagógica educativos das pessoas e dos grupos culturais?
Nossa hipótese fundamental de trabalho é que uma atividade ou situação tem um
Esquadrinhar a complexidade PROFESSOR, a complexidade ALUNO, a complexidade potencial educativo ou pode contribuir para a educação do ser humano, especificamente, se
GESTOR, a complexidade CONHECIMENTO em suas INTER-RELAÇÕES permeadas pela contribuir para a sua humanização. Trabalhamos com a convicção de que a educação escolar
afetividade no interior de um CONTEXTO econômico, social, interpessoal e institucional pode contribuir com a CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO. Essa hipótese
perpassadas pela afetividade (amor, raiva, ódio) que pode ser caracterizado de DIVERSIDADE se desdobra em duas outras que lhe são complementares e a concretizam:
CULTURAL ou pluriculturalidade é o desafio cientifico a ser enfrentado. Mas, também pela
Filosofia da Educação. Pois, a finalidade de quaisquer práticas pedagógicas é a CONSTRUÇÃO 1. OS CONHECIMENTOS QUE OS PROFESSORES E ALUNOS ADQUIREM NA
DA HUMANIDADE DO SER HUMANO; ou seja, ajudar a formar SUBJETIVIDADES dialogantes, ESCOLA SÃO ÚTEIS PARA O CRESCIMENTO HUMANO DE TODAS AS MULHERES E DE
críticas, expansivas capazes de contribuir com a conformação de outras relações sociais. TODOS OS HOMENS. POR ISSO, A EDUCAÇÃO ESCOLAR É UM DIREITO INALIENÁVEL
Assim, a prática pedagógica deve ser avaliada pela contribuição que ela poder garantir DE TODO SER HUMANO;
à construção da humanidade do ser humano. Práticas pedagógicas que tanto podem ser 2. OS ADOLESCENTES, ADULTOS, AS CRIANÇAS E JOVENS APRENDEMOS COM
realizadas nas escolas como nas casas, nas ruas, nas fábricas, nos sítios, nos movimentos OS CONFLITOS SOCIOCOGNITIVOS GERADOS ENTRE OS SABERES QUE CADA UM
sociais e políticos. Mas, sobretudo e de modo especial, nas atividades educativas desenvolvidas JÁ POSSUI E AS INFORMAÇÕES RECEBIDAS NA SALA DE AULA OU EM QUAISQUER
na escolarização de trabalhadoras e trabalhadores (adolescentes, adultos e jovens) que se OUTROS AMBIENTES SOCIAIS E EDUCATIVOS.
fizerem estudantes com aqueles e aquelas que se apropriarem das idéias proposta por uma
Pedagogia que assuma a construção do humano como sua centralidade. Espera-se que essas idéias possibilitem a cada educador elementos que lhes permita
Os educadores, inclusive os educadores escolares (os professores) devem ser construir respostas aos desafios acima indicados de maneira profunda. Espera-se ainda que
permanentemente provocados, a partir de diferentes contribuições teórico-práticas, a uma cada um possa realizar o confronto entre os conhecimentos que adquiriu antes de iniciar a
reflexão que permita a cada um a formulação das bases, dos fundamentos de um tipo de leitura deste artigo e as informações nele oferecidas nas diferentes lições que o compõem
prática pedagógica que quer contribuir para a construção da humanidade do ser humano e (SOUZA, 2000).
da sociedade. Essa prática pedagógica se propõe ser a expressão da busca do crescimento O curso de Filosofia da Educação deve nos ajudar a cada um de nós a reorientar o
humano e do reconhecimento social dos profissionais da educação e da contribuição que cada olhar para a prática pedagógica e para a vida de seu meio cultural e natural em que atuamos.
um de nós pode dar para o desenvolvimento integral de nossos aprendizes de humanidade e Isso não significa que até então não estivéssemos ligados aos acontecimentos cotidianos,
para o desenvolvimento sustentável de sua comunidade, de nosso país e de cada um de nós mas que, a partir de agora, vamos dirigir o olhar de uma maneira científica e aprender a
próprios. documentar os acontecimentos da sala de aula, da comunidade, do movimento em que
Atualmente nos encontramos frente a duas afirmações recorrentes. A primeira: a atuamos. Deveremos documentar (anotar) também as nossas reações aos acontecimentos.
riqueza das nações e das pessoas será o seu nível de escolaridade. Quanto mais um país Essa nova atitude o ajudará a compreender as próprias transformações e as do meio e a
escolarizar, por maior tempo, sua população e quanto mais anos de escolaridade possuir um qualificar ainda mais a sua intervenção no cotidiano tanto do ambiente profissional quanto da
indivíduo, tanto mais poderão ampliar sua riqueza e seu poder. Será verdade? Afirma-se até comunidade. Além disso, fornecerá elementos para a reflexão nas diversas ações que estão
que os níveis de escolaridade coletivos e individuais serão o equivalente geral, ou seja, o valor sendo desenvolvidas.
de troca entre os países e os indivíduos. Esse processo exige disciplina, rigor e persistência. Ele será muito importante no
processo de aprendizagem, para a prática pedagógica e o próprio crescimento como ser
34 35
humano (pessoa e indivíduo). E também ajudará o desenvolvimento como escritor e leitor. A e) Fatores que interferem na prática pedagógica;
escrita é decisiva para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. f) Que ações e atitudes são evidenciadas na prática pedagógica de professores/as e
No livro Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na alunos/as?;
diversidade cultural, perguntava-me se na preparação da prática pedagógica (SOUZA, 1999; g) Quais são as preocupações pedagógicas de educadoras e educadores?
SOUZA, 2000), o docente procedia por meio de uma “pesquisa-ação participante, como se h) Quais as características da atuação das professoras e dos professores?
denomina na América Latina, próxima ou bastante similar à “investigação-acção” proposta pelo
CIIE para codificação de temas significativos, de palavras geradoras? Planejamento técnico? Objeto: a relação professor aluno mediada pelo conhecimento na instituição em um
Definição de objetivos operacionais? Codificação de interesses dos alunos, tematizados, a determinado contexto, perpassada pelas diferentes manifestações da afetividade.
serem confrontados com os conhecimentos científicos para produzir um novo saber?”.
E mais, para confirmar a confusão, perguntava-me se a realização da prática docente
se dava por meio de “Círculos de Cultura ou salas de aula? Decodificação, confrontação de
saberes a partir dos temas significativos tanto do ponto de vista social quanto acadêmico?
Emblematicamente, palavras geradoras? E a expressão dos conteúdos básicos de aprendizagem
como se relaciona com a aquisição dos instrumentos essenciais de aprendizagem ? Mas,
como seria essa distinção na educação superior? Os dispositivos pedagógicos são os mesmos
ou devem ser diferenciados segundo os grupos com os quais se atua? Os objetivos a serem
atingidos são os mesmos ou diferentes de acordo com os grupos culturais? O que muda é o
caminho ou também os objetivos?”
As dimensões da prática pedagógica nas obras de pedagogia e no fazer dos educadores,
inclusive dos professores, especialmente na Educação de Jovens e Adultos:
a) o ocorre essa relação e suas implicações no processo de ensino-aprendizagem?;
b) Como estão as professoras e os professores buscando e construindo o saber fazer
pedagógico?;
c) Como os professores e as professoras constroem sua prática desde os primeiros
contatos com a escola?
d) Qual as características da prática pedagógica em cada um dos ciclos identificados?;

5 - Eu, nesse momento, ainda confundia ou tomava como sinônimas as expressões prática pedagógica e prática
docente. Se são a mesma coisa para mudar a nomenclatura? Só justifica uma nova denominação se a natureza
do fenômeno ao qual se refere é diferente. Ainda que se quisesse complexificar o conteúdo da expressão prática
docente não se justificaria a mudança da expressão. Apenas é justificável cunhar outra termo ou expressão se
um novo conteúdo a exige, portanto uma outra realidade se institui.

6 - Ver a distinção que estabelece a Declaração Mundial de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 5 a 9
de março de 1990, entre instrumentos essenciais para aprendizagem e conteúdos básicos de aprendizagem.
E como os relaciona. Seu artigo 1o determina que “cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar
em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas
de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem
(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos de
aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos
possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentais e continuar
aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam
segundo cada país e cada cultura e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo”.
36 37
TEMA 4: Variam, também, esses estudos, além da influência das perspectivas e opções
PROBLEMAS DO ESTUDO DA EDUCAÇÃO axiológicas, de acordo com os compromissos políticos, portanto, ideológicos a partir dos quais
orientamos nossas produções intelectuais, ou seja, teóricas. As análises, mesmo dentro de
(Posicionamentos básicos {IDEOLÓGICOS} para o estudo científico da educação:
um mesmo campo como o filosófico, mudam de conteúdo, de tom e de perspectivas. São
educação, sociologia, humanização, pedagogia).
problemas e campos de estudo vastos, desafiadores e muito ricos, profundamente variados e

O estudo das diferentes áreas de conhecimento da Pedagogia ou das Ciências da


que demandam procedimentos rigorosos e éticos absolutamente coerentes.
A busca da construção da consciência do significado de ser humano, na perspectiva
Educação ou da Ciência da Educação, bem como das práticas pedagógicas, escolares ou
que estamos e vamos estar a propor neste livro, é assumida como meta do campo das
não, depende da perspectiva axiológica (filosofia dos valores: a ética) em que se posicionam
Ciências Humanas/Sociais, especificamente na área filosófica. Esse campo pode permitir a
os analistas dos problemas educacionais e dos processos educativos. Ainda que estejamos
aprendizagem da condição humana e da luta pela superação contínua de suas possibilidades
investigando no interior de uma tradição como a filosófica, não há uma única maneira de
de degradação. A compreensão “da longa marcha da humanização que fez irromper a
estudar filosoficamente as questões da educação, seja dos processos educativos escolares,
linguagem humana e a cultura, sem que deixássemos de ser animais, ao mesmo tempo
seja dos não escolares.
em que nos tornamos humanos” (MORIN, 2001, p. 19) é o movimento mais significativo na
O estudo sobre a história Filosofia da Educação, como disciplina, de Elisete Tomazetti
busca dessa aprendizagem. É essa questão que se quer colocar como centro da pesquisa
(2003), na formação dos educadores, sobretudo dos educadores escolares, no Brasil, informa
no campo das Ciências Humanas/Sociais. Resgatar, desenvolver e aprofundar essa questão
que a partir do início do século XX começaram as tentativas de diferenciar um discurso científico
como o problema central de quaisquer processos educativos e/ou de produção de quaisquer
sobre a educação, representado pela Pedagogia (científica), e um discurso generalista/
conhecimentos é o nosso desejo maior.
totalisante sobre educação: o discurso filosófico sobre a educação. A Pedagogia passou a
Buscar-se-á que as diferentes informações que trazem as Ciências Humanas/Sociais
ser compreendida como “uma ciência experimental orientada pelas disciplinas humanas e
levem professores e alunos “a discernir em nosso destino individual, nosso destino social,
sociais empíricas, que se distancia tanto de uma filosofia normativa da educação como de
nosso destino histórico, nosso destino econômico, nosso destino imaginário, mítico ou
uma doutrina pedagógica de viés tradicional” . A reflexão filosófica, considerada até então
religioso” (MORIN, 2001, p. 19)
como uma Pedagogia Geral, começava a ser classificada como menos importante que uma
Deseja-se desenvolver, aprofundar e dar consistência à:
reflexão científica sobre a educação, a partir da emergência das ciências da educação como
a Biologia, a Psicologia, e Sociologia.
“Aptidão do espírito a contextualizar e globalizar, ainda mais que tanto é verdade que
Institucionalizado no início do século XX e sustentado, principalmente, pelas idéias de Binet
todos os problemas a serem encontrados pelos cidadãos (...) necessitarão, cada vez mais,
e Durkheim, o discurso pedagógico foi separando-se do discurso filosófico . Este último,
de uma passarela permanente levando os saberes particulares ao conhecimento global. É a
antes exaltado por determinar os fundamentos pedagógicos/educacionais , passou a ser
regressão da aptidão para apreender os problemas fundamentais e globais que deve incitar-
caracterizado como pré-científico (p. 27-28).
nos à regeneração de uma cultura que não se limite mais às humanidades clássicas, mas
As peripécias para a afirmação da Filosofia da Educação como uma disciplina distinta
que seja constitutiva de novas humanidades, baseadas no enriquecimento mútuo da cultura
da Pedagogia e a busca de suas relações com outras análises dos processos educativos e das
tradicional e da cultura científica” (MORIN, 2001, p. 21).
práticas pedagógicas como as análises econômicas, pedagógicas, antropológicas, históricas,
sociológicas, entre tantas outras, dos fenômenos educativos e das práticas pedagógicas.
Revela-se, nessa perspectiva, como finalidade-meio das Ciências Humanas/Sociais
Mas, como já discutido, essas análises têm que ser produzidas implicadas pedagogicamente.
criar as condições para realização dos processos de recognição e reinvenção possibilitando,
Afirma Tomazetti (2003, p. 21-22) que “a Filosofia, a Psicologia e a Ética seriam as construtoras
portanto, uma ressocialização (SOUZA, 2000, 2002). Pois o que podemos e devemos reivindicar
da cientificidade pedagógica. Essa cientificidade, no entanto não é redutível à das ciências
é o direito dos grupos e dos indivíduos de descreverem a si próprios, de falarem do lugar que
naturais, já que, por versar sobre o homem, ela se liga intimamente à reflexão filosófica,
ocupam, de contarem sua versão da história de si mesmos, de inventarem as narrativas que
especialmente à “filosofia prática” da qual é o prolongamento e o coroamento. A da pedagogia
os definem como participantes da história, num processo permanente de confronto com outras
é uma cientificidade filosófica que conjunto teoria e prática, “ciência” e “arte”, e põe a pedagogia
num lugar específico eminente entre as varias ciências (psicologia, ética, metafísica, etc.),
8 - CHARBONELL, Nanine. Pour une critique de la raison éducative. New York: Peter Lang. 1998.
7 - SCHRIEWER, Jürgen. La construcción de la pedagogia científica. In: Revista de Educación 296. 1991, set./ 9-
dez. Madrid. p. 139. 10 - CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp. 1999. p. 432.
38 39
narrativas, inclusive a científica para que se possa ampliar, dar maior consistência e alcance ao longo da aventura humana nos tempos e nos espaços. As Ciências Humanas/Sociais,
às construções pessoais e coletivas de acordo com as descobertas e formulações que se ao constituírem um terreno fértil para a criação, recriação, contestação e transgressão,
tornarem possíveis nessa ação dialógica, num tempo e num espaço concretos, históricos, disponibilizam saberes que, juntos, podem fundamentar um saber humano transformador.
culturais. Nesse sentido, as disciplinas Antropologia, Psicologia, Política, Sociologia, História,
Desejamos que possam confrontar suas construções (saberes particulares, saber Geografia, Economia, Ecologia, Filosofia, interagirão com a Pedagogia e as experiências
informal, saberes de experiências feitos, saber popular) com as informações mais amplas, dos educadores, inclusive escolares, na construção do conhecimento que possibilite a
consistentes e significativas das Ciências Humanas/Sociais para produzir novas formulações. compreensão das realidades culturais, dos indivíduos e dos diferentes grupos humanos na
Essas novas formulações (novos saberes, saberes não mais populares ou científicos, mas busca de construção de sua humanidade. “A filosofia abre os horizontes da reflexão sobre os
saberes para a transformação da sociedade) possibilitarão aos indivíduos e grupos culturais problemas fundamentais que o ser humano coloca-se a si mesmo” (MORIN, 2001, p. 19).
maior poder social e de intervenção para transformar as situações menos humanas em Assim, os processos educativos perseguirão respostas aos seguintes desafios/
situações mais humanas. objetivos:
Não se trata de refletir sobre as realidades e analisá-las apenas através dos discursos, * resgatar a identidade social e cultural dos indivíduos e dos grupos como expressão de
mas incluir a compreensão do papel das tecnologias como um instrumento material de poder suas diferenças e riquezas simbólicas e materiais para a construção de um mundo humanizado;
que não só cria e salva como também destrói e mata povos chamados tradicionais e culturas * valorizar o diálogo entre homens e mulheres como meio necessário para a construção
diferentes da tecnocientificista capitalista. Não somente das tecnologias materiais, também de um mundo mais humano;
das tecnologias simbólico-sociais: as políticas públicas, religiosas, culturais. Essas são as * compreender que todos os saberes (científicos, religiosos, culturais) conformam
tecnologias próprias das Ciências Humanas/Sociais: políticas públicas, cultos religiosos, riquezas simbólicas que constroem as realidades e as podem transformar enquanto dimensões
instituições sociais (econômicas e culturais). Não se pode mais olhar de fora, como apenas do ser humano.
espectadores, a força com que as descobertas tecnológicas chegam a casas, escolas, hospitais, Nossa proposta parte do pressuposto de que o estudo das Ciências Humanas/Sociais
bancos. É preciso reexaminar os avanços técnicos e refletir sobre as conseqüências humano- deve resgatar o ser humano como ser que sente, pensa e age no e sobre o mundo em que
culturais. É mister, também, apropriar-se deles como um bem de todos, da humanidade. vive, buscando, na leitura das palavras, das imagens, dos sons, compreender as relações
Desafiado a essa construção, o campo das Ciências Humanas/Sociais e suas econômicas, políticas, sociais e culturais que compõem a vida cotidiana de cada homem e de
tecnologias vai promover conhecimentos relacionados à compreensão da identidade pessoal e cada mulher. E os desafia a transcender historicamente. A construir na sua história, a história
social, reconhecendo, nas especificidades locais, regionais, nacionais, culturais, econômicas, do mundo.
políticas, religiosas, climáticas, geográficas - enquanto elementos de diferenciação -, motivo No momento em que percebermos que essas leituras agem e penetram nas ações e
para enriquecimento mútuo e complementação e não para a exploração, exclusão, dominação, reações que cada indivíduo tem diante de seu meio natural e cultural, fazendo-o perceber,
subordinação. Essa formulação desenvolve nos sujeitos o respeito às diferenças e a busca em cada paisagem, um ambiente propício para o desenvolvimento das relações humanas
constante por ações e reações de solidariedade, igualdade, respeito e responsabilidade de respeito, preservação e promoção da vida, da cultura e do meio ambiente, estaremos
consigo mesmos, com os outros e com o mundo. contribuindo para uma nova construção no mundo das idéias e das ações humanas.
Conhecer a história das civilizações, as condições nas quais os homens e as mulheres Em estudos anteriores (SOUZA, 1999, 2002), dos quais apresento aspectos lá escritos,
viveram e construíram a vida em sociedade, transformando a natureza através do trabalho, transcritos abaixo, tentei demonstrar que não é fácil transformar habitus de pesquisa e
criando culturas, é resgatar o papel transformador e promotor de projetos que os ajudem a interpretação, bem como modelos de intervenção na/da realidade humano/social, mas, que,
viver melhor com os outros e com a natureza. por outro lado, também não é impossível, pois, em quaisquer momentos, por razões as mais
O conhecimento dos processos de evolução nos quais a sociedade foi sendo construída, inusitadas, como nos ensina Le Goff (1986, p.148),
leva os indivíduos a atitudes de respeito e de luta pelas garantias sociais, numa forma concreta
de cidadania, à busca da construção de outras relações socioculturais (econômicas, políticas, “Quase sempre a renovação, não apenas dos métodos mas das pesquisas e dos
religiosas, culturais) e da construção de suas singularidades como partes da humanidade. resultados, se deve simplesmente a que em determinados momentos nos ‘desprendemos’ de
Ao localizar no tempo e no espaço geográfico as diferentes culturas e civilizações, o certos hábitos que substituíram a reflexão e formulamos questões muito simples que permitem
indivíduo pode identificar aspectos políticos e econômicos que marcam também a organização colocar em funcionamento essa máquina da reflexão e da invenção que com demasiada
da vida na sociedade. Evitará, assim, que, por falta de conhecimento das construções anteriores freqüência dá voltas em torno de si mesma e gira no vazio.”
ou desrespeito a elas se percam as identidades social e cultural, herdadas e reconstruídas
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O risco de girar no vazio em torno de si mesmos é enorme em nossos estudos, frente à supremacia conquistada, hoje, pela tecnociência, especificamente, em sua versão
pesquisas e atuações. Há que superar as sedimentações do haitus que são adquiridas no tecnocientificista é, por certo, a questão fundamental da crise hodierna.
nosso dia a dia como profissional, pessoa e pesquisador. Ainda que superar o habitus, como A tecnociência exerce uma grande atração no mundo acadêmico, para não falar no
nos informa Bourdieu, não tenha sido fácil na história da humanidade, faz-se necessário, mundo das empresas produtivas e de serviços onde desperta ainda maiores euforias. Muitas
urgente e imprescindível, se quisermos estudar adequadamente os fenômenos e processos vezes, dá a impressão de que é a única produção intelectual que merece investimento,
educativos escolares e não-esolares. Trata-se, para o pesquisador, de romper com sua própria atenção e respeito. Dá impressão, ou assim é! Essa supremacia desqualifica o saber produzido
cultura para transitar comodamente na culltura de outros. Bourdieu chegou quase a afirmar pelas Ciências Humanas/Sociais, tornando a situação ainda mais complexa e a crise mais
essa impossibilidade. A cultura, sendo estruturada na socialização primária, situa-se no nível grave.
do inconsciente, não podendo ser adquirida posteriormente. Para ele, segundo uma citação De um lado, porque a concentração e centralização do conhecimento tecnológico “é
que dele faz a Luiza Cortesão (1998, p. 137) , mais intensa e monopolística que as outras formas de capital, aumentando a brecha entre
Norte e Sul” (GOROSTIAGA, 1991, p. 18), além de atingir o conhecimento “em duas funções
“O acesso à cultura não pode ser nunca mais do que o acesso a uma cultura – a principais: a pesquisa e a transmissão de conhecimentos” (LYOTARD, 1990, p. 14).
da classe ou da nação. Sem dúvida que qualquer um, nascido no estrangeiro e que deseje De outro, porque o conhecimento histórico-social, além de ser um elemento de justificativa
compreender o universo dos chineses ou dos ‘Junker’, poderá começar por tentar de novo das situações econômicas e ideológicas, pode funcionar e, de fato, tem funcionado, também,
a sua educação ‘esgravatando’ no modelo chinês ou ‘Junker’ (por exemplo tentando, como como um fator importante no seu questionamento, ao tempo em que tem proposto alternativas
diz Husserl, aprender o conteúdo do currículo do Colégio Militar). Mas esta aquisição de às situações prevalescentes. E, na medida em que o saber histórico-social é desqualificado,
conhecimento mediatizado diferirá sempre da familiaridade imediata com a cultura nativa, perde seu sentido e importância como forma de pensar e instrumento de ação alternativos.
da mesma forma que a cultura interiorizada, sub-consciente do nativo difere da cultura Nesse contexto, tem sido ridicularizado o papel do campo das Ciências Humanas/
reconstruída pelo etnólogo” (BOURDIEU, 1971, p. 205). Socais como se se pudesse ser cientista ou técnico sem preocupar-se, ao mesmo tempo,
com a unidade dos seres humanos. E, além disso, se esquece que “o Renascimento das artes
Cortesão (1998, p.137), para nos forçar a uma reflexão mais aprofundada dessa questão, e as letras precedeu e em ampla medida tornou possível a revolução epistemológica galíleo-
traz-nos, ainda, uma idéia de Rowland (1987: 13), para quem: “o antropólogo que conseguir cartesiana” (JANICAUD, 1993, p. 25).
‘penetrar’ numa outra cultura conhece-a em teoria tão bem como qualquer nativo”, poderá até Mas, além do esquecimento da precedência da renovação das artes e das letras
mesmo adquirir “uma compreensão daquela cultura superior à de qualquer um dos nativos, na construção das ciências físico-matemáticas e experimentais e da ridicularização das
aos quais se mostra, em geral, vedada a possibilidade de intercambiarem papéis e estatutos humanidades, se impõe, com a predominância da tecnociência, “uma certa lógica e, portanto,
sociais entre si’”. Ressalta, porém, que “‘a sua socialização acelerada na cultura estudada não um conjunto de prescrições que se referem aos enunciados aceitos como ‘de saber’”. Dessa
é equivalente à socialização primária de uma criança nativa’” (p.15). A discussão se situa no forma, pode-se pensar que se caminha para uma situação em que “tudo o que no saber
âmbito das (im)posibilidades de compreensão real e profunda de mais do que uma cultura, constituído não seja traduzível (a uma linguagem de máquina) será deixado de lado, e que a
bem como a possibilidade de existência (em relação a outras culturas) de um sentimento de orientação das novas investigações se subordinará a (essa) condição” (LYOTARD, 1990, p.
pertença, portanto com a possibilidade de se movimentar, com igual naturalidade, facilidade, 16, 15).
e segurança em mais do que um campo sócio-cultural (CORETESÃO, 1998, p. 138). Tal perspectiva torna ainda mais problemática a importância do saber histórico-social e
No contexto do mundo atual, pois, tratar da questão do conhecimento, da construção acantona a questão a especialistas altamente qualificados, reduzindo a pó o saber das maiorias,
do conhecimento sócio-histórico , de sua produção é enfrentar-se com um dos problemas do comum dos mortais. Dessa forma, adquire relevo, a partir de um horizonte de futuro da
que emergem com muito força no interior da crise experimentada na pós-modernidade/mundo humanidade, a pesquisa e o debate amplo sobre a questão da produção do saber histórico-
. Sem dúvida, o problema do conhecimento, sobretudo do conhecimento histórico-social, social nas Universidades e nas Organizações Sociais e, no seu interior, especifcamente, os

12 - Todos os conhecimentos são sócio-históricos, inclusive os das ciências físico-metemáticas e experimentais.


No entanto, neste Livro, quando aparecer a expressão conhecimento sócio-histórico, está utilizada no sentido da
produção das Ciências Humanas/Sociais, inclusive da Filosofia e da Filosofia da Educação.
11 - Os autores estão a discutir a questão do “bilingüismo cultural”, mas se presta ao debate sobre a pequisa, não
somente antropológica que os autores acima citados explicitam, mas para a investigação em quaisquer outras 13 - Capra, 1990; González-Casanova, 1992; Gorostiaga, 1991; Lyotard, 1990; Santos, 1999; Walerstein, 1990,
Ciências Humanas/Sociais, nas quais, também, o bilingüismo cultural é imprescindível. 1998; Souza 2002.
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conhecimentos sobre a educação e os processos educativos. respectivamente: a massiva urbanização do mundo, a inusitada proliferação de intelectuais,
Essa importância se torna ainda mais significativa se tomarmos como conteúdo desse a posição da mulher, a extraordinária explosão demográfica, o abismo cada vez maior entre
debate e dessa pesquisa os problemas da construção democrática como futuro possível para a ricos e pobres, a destruição do meio ambiente. A situação, como costuma acontecer em toda
humanidade e, portanto, da preservação e ampliação de suas conquistas, como possibilidade grande crise, apresenta-se, assim, radicalmente inquietante e nova, mas também mantém
de humanização de homens e mulheres, em todas as condições de gênero, etnia, cultura e heranças e semelhanças com as precedentes, podendo enganar ou mistificar aqueles que
geração, num meio ambiente saudável que garanta um desenvolvimento integral de todos os fomos formados com os instrumentos de análise e marcos conceituais das situações anteriores
seres humanos nos quatro cantos do mundo. e preconceitos étnico-culturais, religiosos e políticos.
Nos últimos decênios, além de se ter convertido na principal força de produção Estão, pois, em cheque tanto os sistemas sociais e suas instituições como as grandes
econômica e de modelos sociais conflitantes, o saber modificou “notavelmente a composição construções teóricas e as inter/subjetividades. A assim chamada condição pós-moderna e o
das populações ativas dos países mais desenvolvidos, e é o que constitui o principal obstáculo pensamento que, nela, está se forjando é, ao mesmo tempo, testemunha e expressão agudas
para os países em vias de desenvolvimento” (LYOTARD, l990, p. 16-17) ampliando ou dessa crise que é, ademais, a dos portadores intelectuais dos sistemas desvalorizados (GILLY,
reduzindo as possibilidades de uma convivência democrática numa sociedade de pessoas. 1992).
Nesse contexto, a sociedade vem experimentando uma crise que, iniciada na década Nesse processo, a quebra das economias socialistas ocidentais não revelou um
de 1970, se agudiza nos 1980 (HOBSBAWN, 1992), pondo em risco e/ou abrindo outras capitalismo triunfante, mas um capitalismo que, uma vez mais, causa desemprego em massa,
possibilidades para as imensas conquistas que a humanidade construiu ao longo de suas pobreza e, inclusive, indigência no próprio seio dos países ricos , além de invasões como a do
histórias. Pode ser a sua destruição ou um momento de inflexão social que lhe permitirá um Afeganistão e do Iraque com argumentos humanísticos e humanitários. Nos países do Sul, a
novo modelo civilizatório. situação, certamente, se apresenta mais trágica que nos do Norte. Mesmo que a qualificação
A expressão mais evidente dessa crise mundial é a profunda divisão do mundo “entre Norte e Sul simplifique, como reconhece Gorostiaga (1991, p. 22), o problema mundial permite
o Norte dos poucos com muito e o Sul dos muitos com pouco” (GOROSTIAGA, 1990, p. 22) ressaltar a contradição dominante no momento em que falar de Terceiro Mundo perde sentido
, tanto em termos materiais como simbólicos, mas, pela primeira vez, unidos numa aventura com o desaparecimento do Segundo. É, também, por outro lado, uma representação que
única de sobrevivência ou destruição, configurando e mudando o eixo da crise atual. permite explicitar os limites do modelo social dominante, seja na divisão entre as nações, seja
Essa crise, segundo o mexicano nobel de literatura, Octavio Paz (1993, p.16), tem sua no interior de cada nação, em relação às condições de existência da maioria das populações
centralidade na necessidade de mudanças, condenando nossa sociedade “a mudar se quer mundiais em seus aspectos sociais, ambientais e pessoais profundamente contraditórios e
sobreviver”. Mas, conforme Hobsbawn (1992), não é específica de uma ou outra economia, esperançadores.
sistema político ou ideologia. É de caráter geral e generalizada. É uma crise tanto das antigas Essa contradição decorre nos requisitos da acumulação, exigidos por esse modelo, com
como modernas religiões tradicionais do Ocidente; das ideologias que se alimentaram tanto a concentração crescente de capital, tecnologia e poder do Norte e o pauperismo das maiorias
do Iluminismo como do Liberalismo e do Socialismo, na diversidade de versões de cada uma do Sul, que desejam não apenas a sobrevivência mas a participação nas decisões de seus
dessas correntes político-intelectuais. próprios destinos e um nível de vida humano que permita a democracia e a paz. As circunstâncias
Na medida em que entramos no terceiro milênio, em diferentes formas, nas várias regiões do mundo atual, mesmo provocando em alguns o desejo de reduzir o conhecimento do social
do mundo, todas as instituições e conceitos estão sendo questionados, em todos os domínios, “a uma função de diagnóstico crítico de situações, sem poder avançar além desses marcos
inclusive no econômico e político. Não se trata apenas dos dramáticos acontecimentos da para chegar a transformar-se em fundamento de opções sociais viáveis” (ZEMELMAN, 1987,
política mundial ou das incertezas econômicas nem dos questionamentos das formas de p. 3), nos leva a um amplo debate, ao mesmo tempo, sobre as possibilidades e desejabilidade
pensar, mas também das radicais transformações, num curto período da vida humana, das da democracia. Para nós da América Latina, sobre uma democracia que leve em conta nossa
subjetividades e das sociedades nas quais está se desenvolvendo a crise. história, nossa diversidade étnica, cultural e temporal.
De acordo, ainda, com Hobsbawn (1992, p. 49-52), essa crise se manifesta em Dessa maneira, a tentativa de redução do conhecimento histórico-social a uma função
três grandes mudanças e três grandes problemas, identificados na sociedade atual, meramente diagnóstica, também, está sendo questionada. Pois a enorme centralização da

14 - “O abismo entre o PNB per capita das nações ricas e pobres aumenta a um ritmo acelerado. Atualmente,
26 nações cuja população é apenas 15% do total dos habitantes do mundo desfrutam de um PNB de mais de 15 - Harvey, 1993; Lyotard, 1990; Santos, 1996.
l0 000 dólares (de fato, uma média de mais de l8 000), que supera cinco vezes o de 3 000 milhões de pessoas, 16 - Blackburn, 1993; Fonseca, 1992; Kurz, 1993; Rossi, 1996.
pouco mais da metade de toda humanidade, cujo PNB per capita é menor que 500 dólares (em cifras reais, 330)” 17 - Capra, 1990; González-Casanova, 1992; Osorio; Weinstein, 1993; Kurz, 1993; Santos, 1998; Wallerstein,
(HOBSBAWN, 1992, p. 51-52). Ver nota 2 p. 28 (SOUZA, 2002). 1990, 1998.
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riqueza, do poder, do conhecimento e da tecnologia, além de estar nos ameaçando de uma que têm sempre sua contrapartida simbólica nas ciências sociais, por isso, no auge, a crise e
hecatombe, põe em crise os próprios paradigmas sociais e de conhecimento predominantes, a emergência de paradigmas de ação e de pesquisa estão consideravelmente associados”.
revelando as suas debilidades. Todos os paradigmas de saber, que predominaram até há
pouco tempo, estão dificultando a intervenção na crise para superá-la, mas, ao mesmo tempo, Dessa maneira, a tentativa de redução do conhecimento histórico-social a uma função
novos paradigmas vão sendo produzidos para a compreensão e intervenção nessa mesma meramente diagnóstica, também, está sendo questionada. Pois a enorme centralização da
realidade social . riqueza, do poder, do conhecimento e da tecnologia, além de estar nos ameaçando de uma
Entrando em crise os projetos de sociedade, também perderam força os meta-relatos, hecatombe, põe em crise os próprios paradigmas sociais e de conhecimento predominantes,
expressões do saber hitórico-social, que sustentavam esses projetos históricos e seus revelando as suas debilidades. Todos os paradigmas de saber, que predominaram até há
significados. E, simultaneamente, emerge, com força, a necessidade de outras construções pouco tempo, estão dificultando a intervenção na crise para superá-la, mas, ao mesmo tempo,
intelectuais, mais abrangentes e consistentes, que vão sendo elaboradas na própria reflexão novos paradigmas vão sendo produzidos para a compreensão e intervenção nessa mesma
sobre a crise e suas soluções. Novos meta-relatos começam a emergir e, as vezes, tão realidade social .
autoritários ou mais que os anteriores; quando não, o regresso dos fundamentalismos. Essa É na direção de identificar novas configurações da sociedade mundial e dos saberes
crise/exigência de paradigmas sociais e científicos mostra o enorme desafio que representa a necessários a essa construção que pode se centrar o trabalho da Sociologia da Educação
busca de um saber humano, capaz de fundamentar a convivência do conjunto de mulheres e (escolar e não-escolar). Suponho que são os movimentos urbanos e rurais, assim como os
homens, que constitui a presente e próxima configuração da população mundial. movimentos sociais temáticos, na pós-modernidade/mundo, que dão origem, também, às
Para muitos cientistas e políticos, essa preocupação/ocupação carece de sentido. educações não escolares e, simultaneamente, à Sociologia da Educação Não-Escolar e à
A destrutividade do conhecimento tecnológico, no entanto, no momento em que põe em revisão de todos os saberes. Pois, como pondera González-Casanova, os modelos de ação
risco a própria possibilidade de continuação da vida humana e da natureza , associada à e os modelos de produção de conhecimento e os próprios conhecimentos formulados vão se
crise histórica acima referida, impõe, para outros intelectuais e enormes contingentes da transformando e se dando simultaneamente.
população de diferentes países, como tem sido demonstrado nas quatro edições do Forum Nessas novas formulações (novos saberes), ainda que com muitas ambigüidades,
Social Mundial , a discussão de novas propostas de transformação social e dos saberes expressam-se um veio de construção de uma nova cultura, no interior da crise em que
a elas necessários. Propostas que fujam à lógica binária que se configurou, historicamente, vivemos, ao tempo em que são, também, interpretações e prospecções da pós-modernidade/
desde o século XIX, tanto no capitalismo, com suas formas de pensar, como no comunismo mundo como pode fazer a Sociologia da Educação para situar adequadamente os problemas
possível nas condições do século XX, com seu marxismo oficial. a enfrentar. Essa nova cultura terá condições de combater as lógicas binárias e a supremacia
A necessidade de compreender essa situação e superá-la está impulsionando tanto de um modelo único de civilização que alguns desejam impor.
cientistas quanto militantes de movimentos sociais à busca de novos modelos para a sociedade
e o conhecimento. Pois, por outro lado, essa mesma situação já é portadora de perspectivas
sociais e de conhecimentos diferentes, de tal maneira que se trata de identificar as suas
possibilidades e buscar meios de potenciá-las. Estão imbricadas a crise social e a emersão de
paradigmas de saberes. Como ensina González-Casanova (1992, p. 8),

“na política se destacam as crises dos modelos de ação, de luta e de desenvolvimento,

18 - “O escândalo na história tem sido sempre a morte pessoal e o horror profetizado, a extinção da espécie
humana. Atualmente, de repente, surge outro espectro: a morte do planeta. Pelo menos daquela parte que
sustenta nossas vidas. E, se o planeta morre, onde irão nossas almas imortais, nossas civilizações, nossas
consciências tão arduamente construídas?” (ARIZPE, 1992, p. 120).

19 - As três primeiras realizadas em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil e a Última, 2004, em
Mumbai, na Índia; 2005: Porto Alegre; 2006: Caracas, Venezuela
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TEMA 5: resultante do contraponto entre as civilizações oriental e ocidental, sem esquecer o eslavismo,
os africanismos e os indigenismos compondo processos civilizatórios transnacionais. De
O NOVO CONTEXTO PARA A CONSTRUÇÃO DA
fato, é possível distinguir o cristianismo, o capitalismo, o liberalismo, o socialismo e outras
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO expressões do ocidentalismo. Simultaneamente, é possível distinguir o hinduísmo, o budismo,
o confucionismo, o taoísmo, o xintoísmo, o islamismo e outras expressões de orientalismos.
A firmo (SOUZA, 2002) e, neste tema, reproduzo parte do debate sobre a diversidade Mas também é verdade que o orientalismo e o ocidentalismo se encadeiam, influenciam-
cultural que põe e repõe o problema central da existência humana: as diferentes formas se, polarizam-se, acomodam-se e recriam-se continuamente, desde que Vasco da Gama
que vão assumindo, ao longo dos tempos e dos espaços, as relações entre povos, culturas, desembarca na Índia no fim do século XV até quando o toyotismo desembarca na Europa e
civilizações, etnias, grupos sociais e indivíduos, configurando o desafio nodal não só das nos Estados Unidos do fim do século XX” (IANNI, 2000, p. 75-76).
práticas pedagógicas, escolares ou não, mas das possíveis formas de convivência que
seremos capazes de construir, para nos humanizar ou desumanizar, na economia, na política Os processos de exploração, dominação, subordinação, genocídio, epistemicídio,
e no saber, nos diferentes quadrantes históricos e geográficos. Essa discussão questiona a deculturação, de construção de profundas desigualdades econômico-sociais, inclusões
existência do ser humano, de suas organizações econômicas, políticas, bem como de sua perversas e de hierarquias que a confrontação dos diferentes povos e culturas provocou a
educação no próprio cerne histórico da humanidade. Ou seja, as possibilidades da convivência partir daquele expancionismo europeu, também, simultaneamente, geraram vida, liberdade,
dos diferentes com suas diferenças num contexto que supere as violências, as hierarquias, os epistemogêneses, aculturações, recriações, miscigenações, lutas por relações mais igualitárias
preconceitos, as inclusões perversas, as subordinações, as desigualdades econômico-sociais e horizontais, figurações e configurações que hoje são a riqueza da pós-modernidade/mundo.
e as exclusões histórico-culturais. Foi desencadeado, portanto, um amplo processo de transculturação “não só fundamental,
O expansionismo europeu do final do século XV e início do século XVI colocou em mas permanente e reiterado. Com altos e baixos, avanços e recuos, acomodações e rupturas”
contacto amplos contingentes humanos, constituindo o que hoje nomearíamos de primeira (IANNI, 2000, p. 76) vem atravessando, constituindo, construindo, reconfigurando e imprimindo
grande globalização, sem esquecer o império romano que, no entanto, teve apenas um outras configurações à história humana e aos diferentes grupos que vão se conformando
alcance regional. Não tematizou nem analisou, porém, as diferenças; ao contrário, tratou de e fazendo essa mesma história. O problema, pois, que se apresenta é o da convivência
uniformizar valores, comportamentos e competências a partir de um centro de supremacia democrática, nessa diversidade cultural, através do diálogo entre as diferentes expressões
incontestável por um certo tempo, mesmo que tenha sido, muitas vezes, tolerante com as culturais, possibilitando a constituição de um espaço/mundo multicultural.
diferenças, desde que subordinadas. Nessa direção, parecem necessárias algumas considerações a mais sobre a configuração
Homogeneizar significa destruir uma enorme riqueza cultural. Essa representada pela do contexto que constitui a moldura e o conteúdo para o debate da diversidade cultural e suas
diversidade de formas de viver a humanidade que os seres humanos têm inventado na implicações nos processos educativos. Nessas considerações, poderão ser evidenciadas
busca não apenas de viver, mas de existir pela convivência intra e intergrupal. Pensar nessa as exigências da educação necessária ao “tecido do novo clima cultural” (FREIRE, 1967,
destruição ou, pior ainda, realizá-la, atualmente, pode se constituir na violência das violências. p. 46) em que nos encontramos. Far-se-á, então, uma necessária configuração do contexto
A partir do processo inicial da expansão européia, cada um dos grupos humanos existente na da pós-modernidade/mundo, ampliando as indicações feitas anteriormente, mas, ainda, não
Terra tem desenvolvido uma dinâmica interna, exaustivas, apenas, para, em seguida, identificar as exigências de uma educação no interior
dessa diversidade cultural, ou identificar os termos em que se coloca a questão da educação
“modificando-se e recriando-se ao longo da história e ao largo da geografia. Além na/para a pós-modernidade/mundo, escolar e não-escolar.
disso, e provavelmente muito mais importante do que isso, desenvolve-se o intercâmbio

20 - À sociedade mundial venho denominando de pós-modernidade/mundo (SOUZA, 2002) que, neste texto,
retomamos e retornaremos a seus problemas no item 2.1 deste Livro porque é necessário retomar a questão para
precisá-la o mais possível. Sem a compreensão do entorno nacional, local e internacional, quaisquer processos
educativos caem no vazio ou no círculo vicioso da mesmice e da reprodução dos interesses das diferentes
frações da classe proprietária e de seus intelectuais.

21 - Pluriculuralidade, interculturalidade, multiculturalidade, intermulticulturalidade, transculturalidade, pluri/inter/


multi/trans-culturalidade.
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1. O debate sociofilosófico sobre a diversidade cultural ou antagonismos, desigualdades econômico-sociais e exclusões culturais exasperantes?
- Ou vamos perder as batalhas e a guerra pela humanização do ser humano em sua
As indicações que vimos fazendo são suficientes para se caracterizar o atual contexto integralidade e a humanização de todos os seres humanos da Terra?
mundial como resultado dos diversos e diferentes processos de transculturação experimentados A ampla tematização dessas problemáticas está a atrair profundos olhares e a provocar
na Terra ao longo dos últimos 500 anos e, de modo especial, nos últimos 50 anos (IANNI, 2000, ricos debates sobre a questão da diversidade cultural, das probabilidades da multiculturalidade
p. 91-120), expressos pela diversidade cultural conformada desde diferentes recortes como, e potencialidades da interculturalidade; especialmente sobre as responsabilidades dos
por exemplo, os étnico-raciais, religiosos, profissionais, de classe, de gênero, de idades, entre processos educativos, escolares ou não, face a essas problemáticas. A diversidade cultural,
outros tantos possíveis. Esse contexto coloca como problemas centrais tanto as dificuldades não sendo um fenômeno social recente, tem, hoje, no entanto, uma novidade que se situa
da convivência entre os diferentes, quanto a necessidade do respeito às diferenças e a no fato de esses temas terem se colocado no centro da reflexão política e sociológica na
urgência de destruir não somente as extremas desigualdades econômico-sociais, as inclusões última década. Isso se explica, no nível internacional, pela queda do socialismo realmente
perversas, o desemprego estrutural, as hierarquias, frutos das explorações, dominações e existente que possibilitou a reinsurgência dos nacionalismos nas regiões em que predominou
subordinações, mas também as exclusões histórico-culturais. de maneira soberana, impedindo de expressar-se plenamente a diversidade desses países
A importante grande pergunta possível de ser formulada é sobre as possibilidades do por causa de uma definição política. (...). Em relação a nosso país, talvez um dos primeiros
diálogo entre as diferentes culturas (interculturalidade) que vão se conformando a partir de elementos que tornou a colocar em evidência o sentido da diversidade existente na América
diversos recortes, como os indicados, e outros possíveis. Neste trabalho interessa, sobretudo, Latina e os fenômenos sociais que ela tem encarnado historicamente, gerou-se com os
a composição do cenário para uma posterior, rigorosa e minuciosa pesquisa sobre a questão da festejos comemorativos do V Centenário da chegada de Cristóvão Colombo a nosso continente
educação tanto escolar como não-escolar. A questão educacional provoca, no interior de todas (RODRÍGUEZ-LEDESMA, 1998, p.111-112) .
as configurações culturais dos diferentes grupos humanos, uma diferenciação substantiva Adquiriram, assim, esses temas um status sociológico e antropológico inquestionável
intragrupal, tanto entre os indivíduos como entre os subgrupos possíveis no interior de um e de suma importância para/na pós-modernidade/mundo. A partir, portanto, das conflitivas,
grupo cultural, além, também, e especialmente, intergrupal no interior de uma mesma cultura ambíguas e arriscadas relações entre os países e, no interior de cada país, entre seu Estado e
e entre culturas. suas nações ou classes sociais; nessas, as relações entre os diferentes grupos étnico-sociais,
As diferentes figuras, figurações, transfigurações e configurações entre os grupos classes, segmentos culturais e as temáticas que suscitam, têm colocado o debate sob outros
culturais e no interior dos diversos grupos culturais, são caracterizadas pelos recortes de ângulos. Uma das importantes perspectivas tem sido as chances de diálogo entre as culturas
classes, etnias, regiões, religiões, profissões e nações. Esses recortes vêm sendo construídos ou entre os diversos traços de uma mesma cultura, sem esquecer as guerras, as conquistas,
ao longo desses cinco séculos, especificamente, nos últimos cinqüenta anos, e exigem uma dizimações, tensões e acomodações, mas relevando as possíveis transculturações, que vêm
intensa reflexão “sobre o ocidentalismo, o orientalismo, a mundialização e a cultura, a cultura se dando, e as probabilidades e possibilidades da inter/multiculturalidade crítica.
e o imperialismo, a modernidade, o mundo e outros temas relativos a impasses e perspectivas Esse debate com suas diversas perspectivas parece abrir outros horizontes não apenas
das culturas e civilizações” (IANNI, 2000, p. 76). para explicação/compreensão mas também para convivência e agradabilidade da existência
Caracterizam a nossa contemporaneidade como de uma enorme diversidade cultural, humana na Terra. Pois, “ao lado das justaposições, imitações, paródias ou caricaturas, ocorrem
provocando - no interior da tentativa de certas forças econômico-sociais e culturais de tanto acomodações como recriações, estas muitas vezes originais e surpreendentes” (IANNI,
homogeneizar - os riscos de uma fragmentação da humanidade, se já fragmentados não 2000, p. 78). As recriações originais e surpreendentes têm revelado que
nos encontramos, em vez da construção de uma humanidade multicultural. Os problemas,
os desafios, as possibilidades, as ameaças e as probabilidades engendradas são,
simultaneamente, enormes tanto do ponto de vista intelectual quando político. Amedrontam- 22 - “São figuras e figurações vivas e vividas, ativas e empenhadas, cômicas e trágicas, dramáticas e épicas.
nos, levam-nos a novas perguntas e ações ao lado de muitos que se paralisam. No limite, estão sempre vivificadas na trama das relações sociais, no jogo das forças sociais, no contraponto
diversidade-desigualdade, na dialética alienação-emancipação. Alguns se dedicam a tornar os tipos e tipologias
abstrações convenientes à reflexão sobre a sociedade. Outros se dedicam a tomar os tipos e as tipologias como
- Seremos capazes de responder a esses desafios positivamente? Essa resposta se figuras e figurações de movimentos e configurações da história” (IANNI, 2000, p. 282).
expressaria por uma humanização crescente de todos os seres humanos evidenciada num
23 - O autor se refere ao México, mas, talvez, o mesmo se possar afirmar sobre o Brasil e o quinto centenário
mundo intermulticultural crítico, democrático, polifônico e multicolorido no qual as pessoas, em da chegada de Pedro Álvares Cabral às terras que vieram a ser o Brasil. A diversidade cultural, no entanto,
sua singularidade, conformariam uma comunidade, ainda que com conflitos, mas sem violências com certeza, é um patrimônio mundial e de cada uma de nossas nações, no concerto internacional ainda
desconsertado.
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“A transculturação não nega a permanência ou a reiteração de singularidades ou Nessa perspectiva, cabe-nos examinar as possibilidades e dificuldades da construção
identidades. Ao contrário, muitas situações de interdependência e tensão favorecem a de outras probabilidades para a existência humana na convivialidade (multiculturalidade)
recriação dessas e outras particularidades. Acontece que a transculturação pode propiciar e seus impactos específicos na formação do sujeito humano para assumir suas diferentes
a decantação de elementos, traços ou potencialidades insuspeitados antes do intercâmbio “ singularidades (etnia, gênero, idade, profissão, sexo, ideologia, geografia e história) num
(IANNI, 2000, p. 77). diálogo mais agradável (interculturalidade), no qual todos possamos crescer humanamente
e inserir-nos no conjunto da humanidade a partir do debate da diversidade cultural, da inter/
Esses traços ou potencialidades insuspeitados nos mostram que algo novo sempre multiculturalidade como provável situação, condição da pós-modernidade/mundo. Desde
pode acontecer e alentam nossas esperanças nas probabilidades e possibilidades de uma nossas diferenças (identidades), é necessário perscrutar possibilidades de convivência e
inter/multiculturalidade crítica. Os cenários passam, pois, a ser caracterizados por um crescimento conjunto para fazer face aos desafios atuais, tanto no interior de nossas nações
mosaico multicolorido de diferentes traços ou um coral de múltiplas vozes. Surgem, portanto, como em suas inter-relações (multi/interculturalidade-mundo pós-moderna).
vários grupos culturais baseados em diferentes recortes étnicos, de classe, gênero, idades,
orientações sexuais, políticas e opções profissionais, entre outras possibilidades, no interior
desse amplo e profundo processo de transculturação. Isso gera a diversidade cultural não
2. As exigências do contexto sociológico
apenas entre as nações, mas no interior de cada nação e mesmo no interior de um mesmo Talvez se possa, como fazem alguns, identificar a configuração atual provocada pelas
grupo cultural. Pode nos dar argumentos para lutar por outras formas de convivência entre transculturações como uma situação de eclosão de “uma revolução cultural nuclear” a partir de
os diferentes, mas embarcados numa mesma aventura de construção de nossa humanidade três mudanças nodulares. Essas estão ocorrendo, para se colocar um marco, desde 1968, no
individual e coletiva. mundo inteiro: “mudanças de atitudes diante da instituição pública, revisão da moral individual,
Essa configuração da sociedade hodierna leva a tentativas de compreensão de nosso refação do estatuto da família” (COELHO, 2000, p. 30). Trata-se de uma revolução múltipla em
mundo, ainda que dominado pelo capitalismo como modo de produção e processo civilizatório. seus aspectos, ao contrário das anteriores, e ao mesmo tempo indivisível em seus efeitos e
Percebe-se que esse domínio não é absoluto nem impede ações de transformação com objetivo final. (...). É uma autêntica revolução porque voltou atrás para recuperar a dimensão
outras possibilidades de modos de pensar, agir e emocionar-se. Esse mundo está permeado corporal da existência negada pelo cristianismo e por suas versões materialistas. Mas suas
de tensões, contradições, ambigüidades, portanto, eivado de possibilidades de superar-se. contradições não são maiores que as das outras revoluções culturais que a precederam. E,
Essas são decorrentes de uma mescla de cristianismo, islamismo, budismo e confucionismo, como não unitária, fundamentalista ou integrista, tem condições de ir mais longe. Existiu uma
animismo, além das diferentes ciências e tecnologias, bem como dos múltiplos interesses revolução cultural em ‘maio de 68’ e a revolução se fez. Não se fez do mesmo modo por toda
expressos nos diversos modelos ideológico-políticos de organização da economia, de exercício parte, fez-se mais num lugar do que em outro, mais ali do que aqui. Mas se fez (COELHO,
do poder e produção/apropriação do saber. 2000, p. 33).
Tudo isso tem provocado diversas implicações socioculturais, econômicas, políticas, Essa revolução, permeada de contradições e ambigüidades – mas, como afirma
interpessoais e subjetivas, conformando vários processos civilizatórios. “Eles se desenvolvem, Coelho, nem maiores nem menores que as contradições e ambigüidades das anteriores
entrecruzam, tensionam, mutilam, fertilizam e transfiguram, em geral tendo por referência o revoluções -, está a desencadear mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito,
capitalismo, mas sempre produzindo e reproduzindo ideologias, utopias e nostalgias” (IANNI, aspectos de nossas identidades que surgem de nosso “pertencimento” a culturas étnicas,
2000, p. 95). Por isso, podemos, como nos convida Ianni, fazer outra leitura da existência dos raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. ... as identidades modernas estão
povos na história. sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas. ... complexidades que a noção
de descentração, em sua forma mais simplificada, desconsidera. ... O próprio conceito com o
“A história dos povos e coletividades, das nações e nacionalidades ou das culturas qual estamos lidando, “identidade”, é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido
e civilizações pode ser lida como uma intrincada, contínua, reiterada e contraditória história e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto
de um vasto processo de transculturação, de par com a ocidentalização, a orientalização, a à prova (HALL, 2000, p. 8).
africanização e a indigenização. Um processo sempre permeado de identidades e alteridades, Encontramo-nos no interior de situações muito complexas e plurais. De um lado, aponta
tanto quanto de diversidades e desigualdades, mas compreendendo sempre o contato e o
intercâmbio, a tensão e a luta, a acomodação e a mutilação, a reiteração e a transfiguração”
(IANNI, 2000, p.99-100). 24 - Trata-se de algumas versões do cristianismo. Não creio, porém, que seja a mensagem de Jesus Cristo
responsável por esse desprezo ao corpo que se desenvolveu em algumas culturas do Ocidente.
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para a globalização do mundo; de outro, para a diversidade gerada pela transculturação. identitários existentes dentro de uma sociedade, para que de forma racional, consciente e
Corremos, então, o risco de já nos encontrarmos face à fragmentação da humanidade, em vez operativa assumam os desafios que a aceitação da presença desse espectro imenso de
de estarmos diante de uma multiculturalidade. Por isso, não tem sido fácil assumi-las do ponto possibilidades representa para a vida social em geral, e para os processos educativos, em
de vista intelectual nem político, entretanto não podemos deixar de fazê-lo. Essas situações particular (RODRÍGUEZ-LEDESMA, 1998, p. 112).
se transformam em questões de sobrevivência, em qualquer parte da pós-modernidade/ É preciso, pois, examiná-la sob todos os ângulos e de uma maneira distinta. Para
mundo, mais especialmente em países como os da América Latina, África e Ásia. Neles, uma isso, é preciso adotar, como propõe Ianni (2000, p. 95), uma “outra perspectiva na análise da
extrema concentração de renda se desenvolve em meio a um mar crescente de misérias, cultura”: “cabe experimentar a perspectiva aberta pela idéia de contato, intercâmbio, permuta,
de exclusões ou inclusões perversas no sistema mundo. Poder-se-ia formular a questão aculturação, assimilação, hibridação , mestiçagem ou, mais propriamente, transculturação”.
nos termos em que o faz Rodriguez-Ledesma para o caso do México. Não é fácil assumir Essa perspectiva se aproxima da proposta de Rodríguez-Ledesma (1998, p. 112), para
plenamente a pluralidade que conforma nosso mundo, e no caso particular de nosso país, quem “falar de definições culturais dos conceitos que, graças à hegemonia de uma particular
os diversos elementos identitários que convivem aqui e agora em uma sociedade marcada concepção do mundo ocidental e moderna, se pretendem ahistóricos, é começar a romper
tanto pelo atraso econômico como pela ausência total até muito pouco tempo, das mínimas justamente essa noção de universalidade”.
condições para o exercício de uma vida política democrática; ambos elementos definitórios É necessário realizar, portanto, sobre o termo cultura, um processo de recognição que
coexistem dentro de uma conformação social caracterizada historicamente pela existência de o apreenda em sua complexidade e em seus interstícios mais recônditos, percebendo suas
uma grande diversidade cultural (RODRÍGUEZ-LEDESMA, 1998, p. 111). dimensões pessoais, interpessoais, locais, regionais e universais. Esse é o desafio acadêmico.
E como ainda insiste Rodríguez-Ledesma (1998, p. 112-113): É importante captá-las em suas inter-relações dialéticas, escapando dos localismos asfixiantes
e universalismos estéreis.
“A complexidade do problema significa, entre outras coisas, um ponto cardeal: o Esse processo de recognição colocar-nos-á em outra rotação para nos situar no contexto da
reconhecimento e a aceitação da existência de outro equiparável em valor e valores a nós pós-modernidade/mundo, pois a valoração e a admissão da existência de diferentes ulturas,
próprios. Mas este é tão somente um aspecto do tema. O outro, talvez o mais problemático, é de diferentes grupos da sociedade que não compartilham necessariamente nossa apreciação
o conformado na atual discussão sobre o pluralismo e a tolerância. (...). Isso significa que, ao sobre tudo o que nos define, é, apenas, iniciar a concepção e compreensão dos temas que,
reconhecer o outro, estaremos reconhecendo-nos a nós próprios. Conceber a existência do desde duas décadas, estão presentes com maior assiduidade na reflexão sociopolítica;
outro é avançar na comprensão e admissão de nossa própria historicidade. Se o outro existe pluralidade, tolerância, interculturalidade e, no que corresponde a essas reflexões, ao mais
e com ele certos valores diante da vida, da morte, do amor, da educação, do progresso, enfim, geral da democracia (RODRÍGUEZ-LEDESMA, 1998, p. 112).
frente a tudo que é concebido como sua existência, possibilita que nós próprios percebamos A questão da diversidade cultural evidencia, portanto, o problema das (im)possibilidades
os limites históricos, geográficos, políticos, numa palavra, culturais do nosso próprio sistema da convivência (inter/intra) grupal das diferenças etno-culturais, de gênero, de religiões, de
de valores.” perspectivas políticas, bem como da necessidade de urgentemente reduzir as desigualdades
econômico-sociais e superação das exclusões histórico-culturais. No limite, tratar-se-á
De fato, não é fácil admitir que nosso próprio sistema de valores é relativo. Nossa da construção de uma democracia ou processo de democratização (SOUZA, 1999) cuja
formação nos convenceu de que nossos valores são os valores. Se não fora os valores, expressão seria uma sociedade inter/multicultural crítica. Os problemas a serem enfrentados
buscaríamos outros. Guardadas todas as precauções, proporções e as especificidades diuturnamente, inclusive nos processos educativos, serão:
conjunturais, essa problemática se revela o tema para a nossa existência pessoal, coletiva
e acadêmica, especialmente, para responder às exigências que possam ser identificadas * Como as singularidades individuais e grupais vão conviver, sem ser essa convivência
para os processos educativos na busca da formação humana do sujeito humano (nosso uma mera justaposição (pluriculturalidade), mas a conformação de uma comunidade humana
projeto histórico). em sua singularidade convivendo pelo diálogo (interculturalidade) de tal maneira que todos
É uma problemática muito complexa “que, paraticamente, contém tantas facetas como ganhem e possam se enriquecer material e culturalmente (multiculturalidade)?
problemas de identidade e diversidade cultural na sociedade tanto no nível mundial como *Então, como conceber e manejar o problema das identidades socioculturais que,
nacional, que, evidentemente, não é casual que se tenha evidenciado nas últimas décadas” ao configurar as singularidades, geram as diferenças e, muitas vezes, as desigualdades
(RODRÍGUEZ-LEDESMA, 1998, p. 112). Nas Ciências Humanas/Sociais, de modo particular econômico-sociais e as exclusões histórico-culturais?
na Antropologia, na Sociologia e na Pedagogia, torna-se imprescindível assumir a problemática
constituída pelo tema da diversidade cultural, isto é, da amplia gama de possíveis círculos 25 - Ver García-Canclini, 2001.
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3. Identidade X Diversidade na pós-modernidade/mundo nutre de desejos e medos tecidos pelas necessidades de sociabilidade e segurança, amparo
e certezas - nos leva à superação da perspectiva de análise herdada do Iluminismo. Essa
Inicialmente, é importante salientar que não se está a buscar uma convivência sem perspectiva analítica busca compreender a identidade a partir de um núcleo ou essência do
conflitividade; mas a entrar em uma luta pela redução, ao máximo, das desigualdades e ser para fundamentar nossa existência como sujeitos humanos. Essa posição, por sua vez,
exclusões (SANTOS, 1995), provocadoras de violências e antagonismos que estão se se baseava numa concepção de pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado,
tornando insuportáveis. Portanto, temos que pensar uma identidade cultural, seja de um unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação. Esse indivíduo estava
indivíduo ou de uma coletividade, não importa o tamanho, como uma construção a partir da constituído por “centro” que conforma um núcleo interior, que emergia pela primeira vez
convivência com as diferenças singularizadoras e não desequalizadoras de todas e quaisquer quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente
naturezas. Não se trata, na construção das identidades, de buscar uma espécie de marca o mesmo – contínuo ou “idêntico” a si mesmo – ao longo da existência do indivíduo. O centro
distintiva com a qual se nasce ou como de uma roupa da qual não pudéssemos nos livrar e essencial do eu era a identidade de uma pessoa (HALL, 2000, p. 9-10).
que elimina a possibilidade de pertencer a outros grupos identitários. Evidentemente, isso não A essa noção filosófica de sujeito, a reflexão sociológica desvela a crescente
é assim, e, justamente, porque os indivíduos pertencem (ou podem fazê-lo) simultaneamente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não é
a diversos âmbitos identitários, a definição do sentido da identidade deve fazer-se em função autônomo e auto-suficiente. É formado na relação com outras pessoas importantes para ele,
de características analíticas sociológicas e políticas específicas (RODRÍGUEZ-LEDESMA, que medeiam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – uma cultura – dos mundos que
1998, p. 113). ele/ela habita.
Trata-se, pois, da construção efetiva de um sujeito social e individual capaz de G. H. Mead, C. H. Cooley e os interacionistas simbólicos são, na sociologia, de
administrar e organizar as diferentes dimensões da experiência coletiva e das singularidades acordo com Hall (2000, p. 11), as figuras-chaves que elaboraram esta concepção interativa
que essa vai configurando. Segundo Dubet (1989, p. 536), A identidade social não é dada da identidade e do eu. De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica
nem é unidimensional, mas resulta do trabalho de um sujeito que administra e organiza as clássica da questão, a identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade. O sujeito
diversas dimensões de sua experiência social e de suas identificações. O sujeito social é ainda tem um núcleo ou essência interior, que é o eu real, mas este é formado e modificado
aquele que reúne os diversos níveis da identidade de maneira que se produza uma imagen num diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que esses mundos
subjetivamente unificada de si mesmo. oferecem.
Ao citar Dubet, entende Rodríguez-Ledesma que a identidade sociocultural é resultante Essas duas concepções de identidade/sujeito, ainda segundo Hall (2000:12), estão
da elaboração de um sujeito individual ou coletivo que maneja sua diversificada experiência sofrendo mudanças. O sujeito, previamente vivido como detentor de uma identidade unificada
social e múltiplas identificações. Por isso, conclui: “as identidades se constroem, constituem- e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
se, a partir da participação de uma série de características definidas socialmente. Dessa forma, identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Esse processo produz o sujeito
um único indivíduo pode compartilhar diversas formas identitárias” (RODRIGUEZ-LEDESMA, pós-moderno, conceituado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.
1998, p. 113). Essas situações, constatações, figurações, levam Rose (1998, p. 33) a afirmar que
Atualmente, todos nós e cada um de nós, individualmente, compartilhamos, no interior Essas novas formas de pensar e agir não dizem respeito apenas às autoridades. Elas
dos processos de mudança, diversas experiências que nos levam a viver diferentes formas afetam cada um/a de nós, nossas crenças pessoais, desejos e aspirações: em outras palavras,
identitárias. Esses processos de mudança - experimentados na pós-modernidade/mundo, nossa ética. As novas linguagens empregadas na construção, compreensão e avaliação de
tomados em conjunto - representam transformações tão fundamentais e abrangentes que nós mesmos e dos outros têm transformado as formas pelas quais interagimos com nossos
estão a transfigurar a própria pós-modernidade/mundo. As identidades no seu processo de chefes, empregadores, colegas de trabalho, maridos, esposas, amantes, mães, pais, filhos/
conformação têm que manejar milhares de imagens, informações e situações. Entretanto, as e amigos/as. Nossos mundos mentais têm sido reconstruídos: nossas formas de pensar
esses mesmos processos que rompem os antigos laços de pertença e enraizamento dão e falar sobre nossos sentimentos pessoais, nossas esperanças secretas, nossas ambições e
lugar à busca de uma instância que integre os diversos aspectos da vida social em uma decepções. Nossas técnicas para administrar nossas emoções têm sido revolucionadas. Nós
identidade coletiva. Essa busca já não se deixa expressar em termos de progresso histórico nos tornamos seres intensamente subjetivos.
ou de interesse de classe nem se reconhece no discurso individualista-utilitário do mercado. Todos esses questionamentos/construções levam Hall (2000, p. 9) a constatar que
Nutre-se de desejos e temores que nos remetem às necessidades de sociabilidade e segurança, estamos a participar de um tipo diferente de mudança estrutural consolidando, digo eu, uma
amparo e certeza, enfim, de sentimentos compartilhados (LECHNER, 1992, p. 22). sociedade pós-moderna/mundo. Essa mesma sociedade, ainda que predominantemente
Essa busca de uma instância integradora da vida social (identidades coletivas) - que se fragmentadora dos indivíduos e dos grupos, pode apontar em outras direções. As paisagens
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culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, ..., no passado, nos não apenas individual, mas grupal e coletiva, como insiste Lechner, acima citado. Essa
tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão reivindicação do direito à diferença passa a significar “o reconhecimento e o respeito de sua
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios cultura, e o direito de seus membros a preservá-la, a fazê-la florescer e desenvolvê-la de
como sujeitos integrados. Esta perda de sentido de si estável é chamada, algumas vezes, de maneira criativa, e a viver segundo os planos de vida que cada um eleja de acodo com essa
deslocamento ou descentração do sujeito (HALL, 2000, p. 9). cultura, sem deixar por isso de participar na vida nacional” (OLIVÉ, 1999, p. 15). Isso implica,
No interior dessa multidimensionalidade das transformações, corre-se um risco de ao mesmo tempo, a obrigação de reconhecer e respeitar o direito dos outros, na medida,
banalização da questão das identidades, tornando-a um slogan ou num mero ornamento de inclusive, em que somos os outros para eles e queremos, enquanto outros, ser reconhecidos
discursos oficiais. Isso leva Rodríguez-Lesma (1998, p. 115) a afirmar: e respeitados. Se eu tenho direito, sou um eu, uma singularidade, o outro também é um eu,
Atualmente, de forma lamentável, o problema das identidades está correndo o risco uma identidade, com os mesmos direitos que eu.
de converter-se em um lugar comum no interior da reflexão política em nosso país, isto é, em
um dos conceitos de moda nos discursos dos funcionários, tal como aconteceu com os de 4. Diversidade X Direitos Humanos na pós-modernidade/mundo
“transição”, “democracia” ou, em determinado momento, “solidaridade”.
De outro lado, a riqueza cultural - que representa a existência das identidades e as No interior de todas as transformações, “existe uma tendência crescente a universalizar
possíveis relações entre essas diferentes identidades - podem nos levar, se criarmos espaços de de maneira efetiva os direitos humanos, ao abrir-se a possibilidade de julgar genocidas e
interlocução dos diferentes, a superar os perigos da fragmentação e de disputas intermináveis crimes contra a humanidade em países distintos daqueles em que foram cometidos” (OLIVÉ,
e oposições destruidoras, ou de redução a uma celebração móvel das diferenças, pela atuação 1999, p. 15). Assim, a pós-modernidade/mundo proporciona as condições que podem permitir
no sentido de construir a inter/multiculturalidade crítica. “a construção de uma sociedade planetária na qual participem as diversas culturas do mundo,
Se formos capazes de avançar nessa construção, a identidade será formada e em um processo no qual cada uma enriqueça a sociedade global e ao mesmo tempo se
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou beneficie do intercâmbio e da cooperação com as outras” (Id: 16).
interpelados nos sistemas culturais que construímos, nos quais vivemos e poderemos existir Essa multiculturalidade, entretanto, só será possível se desenvolvermos a
humanamente. Estaremos a fazer uma importante construção de caráter histórico e não interculturalidade, ou seja, o diálogo entre culturas que possibilite a sua confrontação e,
biológico das identidades individuais e sociais. portanto, o florescimento e o desenvolvimento criativo das diferentes culturas em presença,
Em cada um de nós, há identificações contraditórias que nos empurram em diferentes inclusive das nacionalidades.
direções, de tal modo que nossas identidades estão sendo continuamente deslocadas. No Não podemos deixar, no entanto, de perceber que essas são apenas possibilidades
entanto, não se foge da necessidade de uma narração que nos garanta o sentimento de uma que necessitam da ação individual e coletiva, nessa direção, para efetivar-se. Por outro lado,
identidade unificada desde o nascimento até a morte. Ainda que essa não seja uma cômoda os riscos de não-concretização existem. Apesar de todas as ambigüidades e incertezas em
estória sobre nós mesmos, não pode deixar de ser uma confortadora narrativa do eu. que nos encontramos, tanto do ponto de vista intelectual quanto político, essas mesmas
Os sistemas de significação (significados e sentidos) e representação cultural se ambigüidades e incertezas não nos impedem de perceber que esse processo vai conformando
multiplicam: somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de transformações culturais que podem, pelo seu volume e densidade, bem como pela sua
identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos acumulação, começar a configurar mudanças sociais significativas.
temporariamente -, mas psicologicamente não podemos deixar de experimentar uma certa As transformações sociais que vão se dando pelas mais diferentes ações com âmbitos
identidade que se expressa pela narrativa do eu. e alcances muito diversificados, inclusive projetos de intervenção social de apoio aos setores
Certamente, encontramo-nos diante das mais amplas conseqüências da hipótese que populares, provocam o redirecionamento de processos sociais que, no entanto, não têm os
Marx e Engels já haviam aventado em O manifesto comunista. Segundo eles, a modernidade mesmos alcances nem atingem os mesmos âmbitos. Também não se situam todos no sentido
seria “o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições da construção do diálogo entre culturas (interculturalidade) na direção da uma multiculturalidade
sociais, a incerteza e o movimento eternos”. Essa revolução, não apenas econômica e como característica das instituições, comunidades e nações. Por isso, é possível identificar
política mas, sobretudo, uma revolução cultural nuclear, transforma “todas as relações fixas e transformações de curta, média e longa duração, assim como de naturezas distintas (técnicas,
congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções”, além de envelhecer culturais, éticas, estéticas, ideológicas) em muitas divergentes direções.
“todas as relações recém-formadas ... antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido De qualquer maneira, essas transformações sociais se opõem à direção que muitos
desmancha no ar”. governos tentam imprimir à construção e desenvolvimento da sociedade em seus países
Por outro lado, essa situação leva à reivindicação do direito à diferença (identidade) “como um processo tendente a impor uma única cultura”. Por isso, já estão em curso, no
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interior das nações e no âmbito internacional, outras ações e outros projetos que indicam e dispostos a cooperar no desenvolvimento de uma sociedade multicultral e a admitir a
ajudam a reconhecer que a nação é pluricultural, “e que seu desenvolvimento pode enriquecer- possibilidade de fazer as mudanças necessárias em sua própria cultura para a convivência
se com essa diversidade se se apoia o florescimento de todas as culturas que a compõem harmoniosa com os outros” (OLIVÉ, 1999, p. 20).
e se sentam bases sólidas para que todas cooperem no projeto comum de desenvolvimento Os problemas se configuram, pois, do ponto de vista da pesquisa, da teoria social e
nacional” (OLIVÉ, 1999, 16-17). da ação coletiva, nas questões das relações entre as singularidades culturais (identidades
O sonho é que “em um mundo multicultural, os direitos humanos devem construir-se grupais, diferenças culturais), numa cultura nacional e na pós-modernidade/mundo; e nos
na interação transcultural” (Id: 17). E, assim, podem ser criadas as condições para superar problemas das relações entre as individualidades (identidades pessoais, diferenças individuais)
conflitos específicos entre culturas concretas ... reconhecer o direito das outras culturas a na convivência grupal e societal. Enfim, configuram-se nos desafios que apresentam uma
presevar-se, a florescer e evoluir, e devem admitir, ao mesmo tempo, que isso é compatível situação de diversidade cultural, permeada pelos problemas das relações de poder, para
com a participação de todas na construção e o desenvolvimento de sociedades mais amplas, oportunizar as condições do diálogo entre culturas sem dominações (interculturalidade:
de autênticas sociedades multiculturais – nos âmbitos nacional e global (OLIVÉ , 1999, p. 18). possibilidades de diálogo entre as diferentes culturas ou traços culturais) e, portanto,
Para a proposta da construção da inter/multiculturalidade crítica tomo de empréstimo a probabilidades/potencialidades de uma multiculturalidade (convivência valorizadora das
hipótese de León Olivé (1999, p. 18): “a possibilidade de um autêntico diálogo, a cooperação e a diferentes culturas, promovidas, respeitadas, responsáveis, em desenvolvimento, florescentes)
solidaridade entre as culturas, o respeito à identidade de cada uma e seu direito à sobrevivência na pós-modernidade/mundo.
e ao florescimento, esse modelo multicultural também defende o máximo respeito à autonomia Em uma pergunta, talvez se pudesse formular o problema da seguinte maneira: a
e à dignidade dos indivíduos” pluriculturalidade pode proporcionar a interculturalidade e, a partir dessa, configurar
Essa hipótese se baseia na suposição epistemológica de que “a realidade ‘se deixa’ sociedades nacionais e uma sociedade internacional multiculturais, nas quais os indivíduos
conhecer de muitas maneiras diferentes. Mas não é qualquer coisa que pode passar por e os grupos desenvolvam ao máximo suas identidades e o prazer da convivência dos
conhecimento”. Por outro lado, há uma fundamentação ética para um “modelo pluralista” que diferentes, enriquecendo a todos material e simbolicamente (transculturalidade)?
se alicerça na tese de que não há normas morais de validez absoluta para julgar como corretas
ou incorretas as ações das pessoas, nem há critérios absolutos para avaliar as normas e os
sistemas normativos. De saída, isso não significa que qualquer ação possa justificar-se de
um ponto de vista moral. Em síntese, o modelo pluralista defende que há uma diversidade de
pontos de vista, de formas legítimas de conhecer e interagir com o mundo, e de conceber o
que é moralmente correto. Mas disso não se conclui que tudo esteja permitido. Pelo contrário,
veremos que, de acordo com esse pluralismo, a realidade impõe constrangimentos muito
fortes em relação ao que é correto crer e do que é possível e correto fazer. Daí se segue que,
em certas circunstâncias, seja possível comparar, por exemplo, conhecimentos e propostas
para a ação e que, em função de fins específicos sobre os quais se pode entrar em um acordo
membros de diferentes culturas, seja razoável sustentar que algumas dessas propostas sejam
preferíveis a outras (OLIVÉ, 1999, p. 19).
Essa perspectiva ética implica um compromisso dos diferentes grupos culturais que
constituem um Estado, uma nação, as nações, seus partidos políticos e o governo, assim
como as diferentes instituições econômicas e culturais com a construção de múltiplas
configurações da humanidade do ser humano. Caso contrário, dificilmente se poderá
avançar na construção da multiculturalidade. Revela-se também fundamental a atuação das
instituições, especificamente educativas (escolares e sociais), na medida em que contribuem
para a construção de subjetividades capazes de suportar outros tipos de convivência com
mentalidades abertas e competentes para o diálogo com os diferentes.
Os indivíduos e os diferentes grupos sociais estão desafiados a desenvolver atitudes
capazes de aceitar “a diferença, (para que) sejam respeitosos das outras culturas e estejam
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TEMA 6: 1.Os conhecimentos que educadores e educandos, professores e alunos
adquirem nos processos educativos (escolares ou não-escolares), podem ser úteis para o
O PROBLEMA PEDAGÓGICO NA DIVERSIDADE CULTURAL
crescimento humano de todas as mulheres e de todos os homens. Por isso, a educação,
inclusive a escolar, é um direito inalienável de todos os seres humanos.
A pergunta que conclui o tema anterior revela e releva a importância e a complexidade 2.Crianças, adolescentes, jovens e adultos, homens e mulheres, aprendemos com
de que se reveste o debate pedagógico e o posicionamento sobre os processos educativos, os conflitos sociocognitivos gerados entre os saberes que cada um já possui e as informações
escolares ou não, na diversidade cultural caracterizadora da pós-modernidade/mundo . Torna- que podem ser recebidas nos diferentes ambientes sociais e educativos (escolares, não-
se imprescindível para todos a tematização das possibilidades e da transcendência de uma escolares). Apenas no confronto de saberes, que conformam processos de ressocialização
educação que não apenas leve em conta essa problemática, mas a transforme em conteúdos (recognição e reinvenção), aprendemos, construímos novos saberes e adquirimos condições
básicos de aprendizagem para efetivar suas probabilidades de construção do humano individual de construir novas formas de convivência.
e coletivo. Está em causa, portanto, o problema da construção de formas de convivência Se nos colarmos nessas perspectivas e assim organizarmos os Centros de Cultura e
que garantam uma existência agradável e alegre a humanidade pela criação das condições os Círculos Culturais, ampliam-se as probabilidades de avançarmos na construção da inter/
da multiculturalidade através da ampliação das potencialidades da interculturalidade como multiculturalidade crítica. Os saberes assim produzidos “são múltiplos e intrincados, ao mesmo
condições de uma construção humana do ser humano e de suas sociedades. tempo que surpreendentes e fascinantes os processos socioculturais que se desenvolvem
Diante desse possível cenário, os questionamentos que têm sido apresentados pelos pelo mundo, tanto atravessando territórios, fronteiras, mares e oceanos como mesclando
debates das chances de uma educação inter/multicultural crítica (STOER; CORTESÃO, culturas e civilizações, ou modos de ser, agir, sentir, pensar e imaginar” (IANNI, 2000, p.
1999) se revelam fundamentais; talvez mais: fundantes porque repõem o problema central da 93), permitindo-nos perceber que esses processos socioculturais são dinâmicos, mutáveis e
existência humana em outras perspectivas históricas e culturais. desafiantes ao tempo que realizadores do humano do ser humano.
Essas perspectivas implicam uma transformação radical das sociedades e das escolas, O debate pedagógico, nesse contexto, pode se orientar no sentido de se perguntar
no sentido assumido na obra de Paulo Freire (1967, 1992, 1996), ou seja, as possibilidades sobre os manejos possíveis dos processos socioculturais no interior de processos educativos
da construção de uma sociedade substantivamente democrática, de uma escola como não-escolares ou de uma escola pública, a serem organizados como um Centro Cultural nos
Centro de Cultura e de aulas como Círculos Culturais. O Centro de Cultura e os Círculos quais se ampliem as possibilidades de seus sujeitos como seres humanos e profissionais de
Culturais podem proporcionar condições da percepção e da ação humanas numa direção que um mundo diferente.
maneje as singularidades ou identidades individuais e grupais, portanto, as diferenças não O problema se caracteriza, avoluma-se e desafia-nos pela presença - nos diferentes
somente como desigualdades, diversidades, fragmentações, mas à maneira de um coral de âmbitos educativos - de educandos que “foram socializados noutros valores, de acordo
múltiplas vozes, polifônico, resultante de “processos civilizatórios que são, simultaneamente, com outras regras, tiveram outro tipo de vivências, têm outros conhecimentos e possuem
coexistentes, justapostos, polarizados, adversos, interdependentes e cúmplices, conforme o outros interesses, outras inquietações, outras formas de estar na vida” (CORTESÃO, 2000,
jogo das forças sociais ou a pompa e as circunstâncias” (IANNI, 2000, p. 90). p. 19). Os espaços educativos ocasionam a presença simultânea de identidades diferentes.
Trata-se, enfim, de relações de poder entre indivíduos, grupos, classes, etnias, gêneros, Como garantir sua convivência sem que cada um necessite superar suas singularidades? É
idades, em suas diferentes figurações, configurações e transfigurações culturais, na economia, importante garantir o crescimento pessoal, dos grupos culturais e das nacionalidades. Torná-
na política e nos saberes. Assim, problematizam-se, na versão de Paulo Freire, as chances los florescentes e mais ricos, material, espiritual e simbolicamente.
de uma educação em liberdade para a libertação de todos e todas, como possibilidade de Parece não haver necessidade de superar as singularidades pessoais, grupais e
crescimento humano e não obstáculo à convivência humana. nacionais, mas de buscar aprofundá-las, constituindo comunidades humanas polifônicas e
A hipótese é a de que a Educação, inclusive a escolar, pode contribuir com a multicoloridas (se as desejamos). Precisa-se perceber que, “a despeito das incursões nas
construção da humanidade do ser humano. Essa hipótese se desdobra em duas outras, relações políticas, econômicas, sociais e culturais exteriores, predomina o empenho em
que lhe são complementares e a concretizam, como apresentamos, na Introdução deste livro esclarecer o que é, o que pode ser ou o que deverá ser o nacional” (IANNI, 2000, p. 94) e
e a retomamos: o pessoal. Poder-se-á, então, superar o caráter excludente que tem tido a construção das
singularidades ou das identidades, na conformação de comunidades nas quais se possa viver
a plenitude das diferenças em suas inter-relações expansivas.
26 - As reflexões que seguem reproduzem resultados da análise que realizei de pesquisas do CIIE (Centro de
Investigação e Intervenção Educativas), linha de pesquisa n. 3, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Evidencia-se que o problema não é a identidade como uma realidade ou convicção. O
Educação da Universidade do Porto, Portugal (SOUZA, 2002, capítulo 4). problema é que esse tema, muito presente na literatura e na sociologia, assim como em outras
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produções culturais, freqüentemente predomina sobre outros temas, dilemas ou horizontes. isso que chamamos “ser humano”, no fluxo de uma tradição concreta. (...). As diversas formas
Sendo assim, o predomínio do nacional em muito do que é reflexão ou fabulação pode de pensamento, crenças, sentimentos, valorações constituem outras tantas formas de vida,
representar uma limitação; inclusive no que se refere à inteligência do que poderia ser o como interpretações diversas de realização da existência humana. Nem pensamento, nem
nacional (IANNI, 2000, p. 94). a ação dos humanos jamais partem do zero. Pelo contrário, encontram na tradição, em SUA
A questão situa-se não apenas na identidade nacional, mas, também, similarmente, na tradição no espaço para uma das modulações possíveis da natureza humana.
pessoal e na comunitária. Como podem o ser nacional, as identidades grupais e o ser pessoal, Se cada tradição representa um espaço para as modulações possíveis da natureza
desde diferentes critérios, não representar um obstáculo à idéia de uma sociedade inter/ humana, o risco é cada grupo social pensar que apenas a sua é a única verdadeira tradição
multicultural crítica? Como não desprezar a questão nacional e a identificação das pessoas com humana. Esse é o problema dos valores: cada indivíduo e cada grupo humano pensam que
uma nação? Trata-se de gerar uma outra direção para a nacionalidade (sem nacionalismos) seus valores são os valores. Então, quando se confrontam, os conflitos são inevitáveis,
que pode oferecer as condições do crescimento da individualidade e da convivência para a mesmo porque, além dessas questões, também se apresentam os problemas de poder e de
construçao do ser pessoal no concerto comunitário, da identidade comunitária na nacional e hierarquias. Logo, parece que faz sentido o pressuposto de Henri Giroux, norte-americano da
da nacional no concerto das nações ou na pós-modernidade/mundo. teoria crítica da educaçao, ao indicar que a escola é uma arena de lutas, desde que também se
A caracterização da pós-modernidade/mundo como uma diversidade cultural e o pense em espaços educativos que não sejam apenas o escolar, mas também outros projetos
debate sobre as probabilidades de uma sociedade multicultural pela constituição de relações e processos educativos. E, nesse caso, como ele propõe, a Pedagogia adquire a dimensão de
interculturais têm, pois, que equacionar a questão das inter-relações nacionais num mesmo uma forma política cultural. Segundo Giroux (1994, p. 95), as escolas são formas sociais que
Estado ou entre nações-Estados autônomos no concerto mundial. Passa, então, a ser, ampliam as capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervirem na formação de
juntamente como todos os outros temas indicados até aqui, questões substantivas dos suas próprias subjetividades e a serem capazes de exercer poder com vistas a transformar as
conteúdos de todos os processos educativos (escolares ou não). Como indica o mexicano condições ideológicas e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento
Rodríguez-Ledesma (1998, p. 113) “é aqui onde, justamente, o sentido da educação e o do poder social e demonstrem as possibilidades da democracia.
sistema escolarizado deverão, uma vez mais, assumir o desafio da reflexão e de colocar em Essas disputas, presentes em quaisquer projetos e processos educativos, escolares ou
prática as lógicas para que o discurso se converta em ação práctica de incidência direta e não, acirram-se quando sujeitos populares neles se inserem, pois “a cultura popular representa
geral”. não só um contraditório terreno de luta, mas também um importante espaço pedagógico onde
Ademais, como insiste Carlos Fuentes (1997, p. 125), outro mexicano, Prêmio Nobel são levantadas relevantes questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade
de Literatura, uma dimensão essencial do magistério é ensinar a cada aluno que ele não está e da experiência do aluno” (Giroux, 1994, p. 96). Em relação a isso, ainda existem, contudo,
sozinho. Que ele está no mundo. Que está com outros. O professor tem que ser agente contra muitos preconceitos acadêmicos e, sobretudo, disputa de espaços das outras formas culturais.
a discriminação e os preconceitos. Ao aluno, o professor afirma: “tu existes. Tu es único”. Por isso, esses preconceitos terão que ser enfrentados e superados, numa síntese mais ampla
Mas, ao mesmo tempo, ensina-lhe a reconhecer a existência e a qualidade do outro indíviduo. e desafiadora.
Inclusive, à criança, ao jovem, ao aluno: “reconhe-te a ti mesmo para que reconheças a teus Trata-se, na verdade, da realização de confrontos entre as diferentes culturas que
companheiros, mas, também, com humanidade, aqueles que não são nem pensam como tu. conformam a diversidade cultural da pós-modernidade/mundo, em nível local, regional, nacional
Esse posicionamento de Fuentes pode ser aproximado da proposta do pesquisador espanhol e internacional. Especificamente no nível local, um espaço privilegiado para esse confronto
Ortega-Ruíz (1998, p. 70), da Universidad de Murcia. Ele analisa a questão do ponto de é a educação, inclusive a educação escolar. Nessa, os processos de ensino-aprendizagem
vista da educação em valores e, reconhecendo a diversidade cultural como um valor a ser devem estabelecer o confronto entre a cultura científica, a cultura de massa e a cultura
promovido, indica que o problema é como realizar essa difícil simbiose entre desenvolvimento popular, na busca de construir novos saberes, novas instituições e novas subjetividades,
tecnológico e identidade cultural; como integrar ciência e tecnologia no mundo da vida, novas sociedades .
valores, tradição e cultura de cada povo ou comunidade. (...). O acelerado progresso no bem- Creio que a perspectiva em que me coloco pode ajudar na realização de quaisquer
estar que experimenta a sociedade moderna é impensável sem a aportação da ciência e da processos educativos, inclusive os escolares, nomeadamente os não escolares. A concepção
tecnologia. Mas tampouco pode-se desconhecer o desenvolvimento tecnológico da cultura, de educação como processos e experiências de ressocialização (recognição e reinvenção),
isto é, o desenvolvimento humano que necessariamente o deve animar, porque, ao idolatrar- orientados a aumentar e consolidar capacidades individuais e coletivas dos sujeitos populares
se uma técnica efémera, entra-se inevitavelmente num processo de desintegração do homem mediante a recuperação e recriação de valores, a produção, apropriação e aplicação de
como ser cultural. conhecimentos que permitam o desenvolvimento de propostas mobilizadoras, se me apresenta
Insiste Ortega-Ruíz (1998, p. 71) que é nas estruturas de acolhida que se torna viável com um alto potencial intelectual e prático.
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A ressocialização dos sujeitos populares ou subalternizados (crianças, adolescentes, dos dois conhecimentos (formais e informais) em confronto, e que o novo conhecimento
jovens e adultos) se dá a partir do confronto das visões e das práticas pessoais e coletivas construído seja útil à intervenção social transformadora da escola, da educação em outros
desses sujeitos com outras visões e práticas. Numa palavra: a partir de processos e âmbitos, que não o escolar, e das próprias relações sociais.
experiências de recongição e reinvenção. Portanto, a ressocialização ocorre pela aquisição de Correia (1999) propõe, para superar as possíveis posições equivocadas, o paradigma
uma nova compreensão da realidade que vai sendo, individual e coletivamente, transformada da interpelação em oposição aos paradigmas da exterioridade e da continuidade no qual “as
e reconstruída numa outra perspectiva, adquirindo figuração ou configuração e interpretação lógicas da exterioridade e da continuidade se subordinem às preocupações relacionadas com
diferentes. a gestão de uma conflictualidade que não anule, mas seja interpelante das diferenças” (p.
Constitui-se, assim, como um processo de diálogo, de confronto, conflitivo ou não, 133). Para ele, o diálogo entre os saberes formais e informais não pode preocupar-se apenas
quase sempre tenso, entre culturas ou entre traços culturais, no interior de uma mesma cultura. com a eficácia cognitiva da acção da escola, nem pode ser apenas limitado a uma relação
Na escola, esse confronto se dará entre o que genericamente se poderia denominar cultura dialogante entre Escola e Família que melhore o clima de aprendizagem mantendo intacto
popular (saberes dos educandos e de seus grupos de referência) e os saberes científicos, ou os fundamentos do currículo escolar. O paradigma da interpelação subentende por um lado
entre saberes informais e saberes formais (CORREIA, 1999). que se reabilitem as potencialidades formativas do conflito cognitivo e por outro lado que
Tal perspectiva exige, segundo Correia, pesquisador do CIIE, outra concepção e outras se reconheça que a comunidade está sempre presente através dos alunos, razão pela qual
formas de tratamento das “relações entre os saberes formais e os saberes informais” (1999, as relações que se estabelecem com a comunidade derivam prioritariamente das relações
p. 129). Essa não é, porém, uma tarefa fácil a ser cumprida pelas instituições escolares e por pedagógicas e sociais que ela estabelece com os alunos. Essa perspectiva implica que a
seus educadores. O habitus desenvolvido é o de que como fiel depositária dos interesses do escola se pense como uma cidade a construir, ou seja, que se pense não só como espaço de
Estado, a Escola evitou a invasão dos saberes não escolares e a incursão do mundo da vida formação de cidadão, mas principalmente como um espaço de exercício de uma cidadania
através de mecanismos de exclusão à sua entrada ideologicamente legitimados pelo interesse que não se limite à aprendizagem da disciplina e das regras, mas que institua uma cultura dos
do Estado que, paradoxalmente, incluíam os interesses dos próprios excluídos (CORREIA, direitos e da participação democrática (CORREIA, 1999, p. 133-134).
1999, p. 130). Defende, além da potencialidade formativa do conflito cognitivo e da mudança dos
Esse habitus de excluir a invasão da escola pelos saberes não escolares há que ser fundamentos do currículo escolar, como maneira de concretizar essa alternativa, a adoção
quebrado. Se não o for, torna impossível qualquer renovação e inovação das escolas de de “um pensamento reticular” que seja capaz de atribuir “uma atenção acrescida à gramática
educação básica. Tem, portanto, que ser construída outra concepção das relações entre das formas de vida e à erupção das heterogeneidades e insira analiticamente a escola numa
saberes informais e formais na busca do estabelecimento de outro habitus. Isso exige outra rede de relações que a transcendem e que ela deve procurar qualificar, contribuindo para sua
concepção de conteúdos básicos de aprendizagem. Os conteúdos básicos de aprendizagem diversificação, densificação e o enriquecimento” (CORREIA; 1999, p. 134).
passam a ser o confronto entre os saberes populares ou informais e os eruditos, formais ou Esses processos e experiências de ressocialização podem acontecer em diferentes
científicos na busca da construção de um novo saber escolar. Os dois tipos ou formas de práticas pedagógicas. Não é apenas na educação escolar que elas podem se realizar. Elas
saber passam a integrar os conteúdos educativos, e não apenas o saber formal ou erudito é podem ocorrer a partir das religiões, da política e têm encontrado um espaço privilegiado nos
conteúdo a ser trabalhado nos processos educativos escolares. diversos movimentos sociais populares (SOUZA, 1999). Além disso, é possível também se
Diante dos temas, assuntos, problemas em estudo, tem que se realizar o confronto darem na escola, desde que esta se oriente por um processo de reinvenção de si mesma pela
entre os conhecimentos científicos e os saberes populares ou do senso comum sobre esses percepção de suas contradições, ambigüidades e possibilidades. Creio que a tematização
temas em estudo a fim de se construir um novo saber sobre eles. Esse novo saber constituirá da diversidade cultural, das possibilidades da interculturalidade e das probabilidades da
o conteúdo dos processos educativos. multiculturalidade será um bom conteúdo para essa reinvenção e recognição da instituição
Por outro lado, parece que, caso se queira ser conseqüente, nesse confronto dos escolar, bem como de outras agências educativas.
conhecimentos (dos educadores, dos educandos e das ciências) face aos temas ou problemas Nesse sentido, é pertinente examinar o debate sobre as probabilidades da
em estudo, não se deve validar um ou outro dos saberes em presença. Ao contrário, deve-se multiculturalidade e as possibilidades da interculturalidade a partir da diversidade cultural,
buscar suas oposições, composições, na construção de compreensões e posicionamentos confrontando-o com o pensamento de Paulo Freire e identificando sua contribuição a esse
novos em relação aos temas e problemas em estudo. Sobre eles, enquanto cidadãos, todos debate, na perspectiva da ressocialização como versão de uma teoria da educação tendo em
poderão intervir. A busca é a construção de um novo conhecimento que supere as limitações vista a construção da escola adequada às camadas da classe trabalhadora (SOUZA, 2000).
A suposição teórica da reflexão e da investigação empírica para uma Sociologia da
27 - Ver essa questão desenvolvida mais amplamente em Souza (2002). Educação (Escolar e Não-Escolar), sua hipótese substantiva, é que a diversidade cultural
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pode possibilitar o diálogo intercultural na construção de processos educativos, TEMA 7:
inclusive escolares, que garantam o êxito acadêmico e crie as condições do sucesso
UMA POSSÍVEL PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA
social às camadas da classe trabalhadora. Tal desbobramento contribuirá para a efetivação
da pós-modernidade/mundo como uma sociedade inter/multicultural, numa palavra, em
A DIVERSIDADE CULTURAL
processo contínuo de democratização, transcultural.
N essa perspectiva, temos, em Pernambuco, Brasil, por meio da atuação do NUPEP
(Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação
Popular) do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), formulado
(SOUZA, 2003, p. 4-7), como abaixo segue, uma Proposta de Educação que afirmamos ser
para a Educação de Adultos, mas que parece servir para quaisquer processos educativos.
Hoje, no âmbito do NUPEP/UFPE, trabalha-se com uma proposta pedagógica que
resulta da contribuição teórica de Paulo Freire confrontada com o debate pedagógico hodierno
como indicada nos parágrafos acima. Seu fundamento e nossa inspiração é uma concepção de
educação como atividade cultural e de desenvolvimento da cultura. Proposta que perspectiva
contribuir com a construção da humanidade do ser humano em suas diferentes feições
masculinas, femininas, adultas, infantis, juvenis, idosas, adolescentes, rurais e urbanas,
rurbanas, negras, mestiças, brancas, no interior de suas orientações sexuais e ideopolíticas,
entre tantas outras possíveis identidades.
A hipótese substantiva do seu trabalho é que a diversidade cultural pode possibilitar um
diálogo inter e intracultural na construção de processos educativos com as camadas populares
ou setores subalternizados das sociedades nacionais e da sociedade mundial que respondam
aos desafios da pós-modernidade/mundo. Construção de uma educação que, compreendendo
as diversas implicações da diversidade cultural, trabalhe pelo diálogo entre as culturas
(interculturalidade) por meio de sua realização na prática pedagógica. Isso virá contribuir, a
partir da experiência da interculturalidade nas instituições educativas, com a construção da
multiculturalidade. Experiência que, certamente, repercutirá em todas as relações sociais dos
indivíduos e grupos que a tenham vivenciado. Nossa aposta é que a multiculturalidade possa
vir a ser a característica fundamental de uma sociedade democrática expansiva.
Partimos do pressuposto de que a sociedade atual, em suas feições locais, nacionais e
internacional, ainda não é multicultural nem predomina a interculturalidade, daí a insistência com
que alguns pesquisadores chamam a nossa atenção para os problemas do multiculturalismo
benigno, da interculturalidade invertida. Nesse sentido, a contribuição de Paulo Freire
se torna significativa. Por isso, para evitar esse mal-estar, trabalhamos com os construtos
freireanos (aparato conceitual) que passo a explicitar. A sociedade hodierna se caracteriza
como uma diversidade cultural ou pluriculturalidade. As experiências de interculturalidade e
multiculturalidade são muito reduzidas. Trata-se, portanto, de expectativas.
A posição de Freire dimensiona a seriedade e as preocupações necessárias ao
tratamento dessa problemática assumindo-se pós-moderno crítico. Esse posicionamento pós-
moderno crítico face à diversidade cultural na busca da construção da interculturalidade e
multiculturalidade é desafiante e necessita de uma criteriosa análise e uma prática conseqüente
a fim de que não se confunda justaposição de culturas ou dominação de uma cultura sobre
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várias com uma situação multicultural, de multiculturalismo ou de multiculturalidade construída é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica decisão, vontade política,
pela interculturalidade. mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins comuns. Que demanda,
A necessidade de retomada da radicalidade, da criticidade e sua prática, a distinção portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos. Que demanda uma nova
entre uma pós-modernidade progressista e uma conservadora, neoliberal - rejeitando essa ética no respeito às diferenças.
última -, a reafirmação da opção pelos excluídos, subordinados (FREIRE, 1992) que orienta a O estabelecimento de fins comuns para a convivência das culturas implica um
crítica e lhe dá direcionalidade, não dão margem a nenhuma dúvida. Como afirma inicialmente, amplo debate entre elas de tal maneira que possam decidir e desenvolver uma vontade
política, organizada e mobilizada, numa ação intercultural crítica, que garanta o respeito e o
“A Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido é um livro enriquecimento mútuo das culturas ou traços culturais em presença: a intermultliculturalidade.
assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não há esperança. Uma defesa da tolerância, Indica, por outro lado, Freire (1992, p. 151) que a construção da unidade na diversidade
que não se confunde com a conivência, da radicalidade; uma crítica ao sectarismo, uma tem de ser a eficaz resposta dos interditados e das interditadas, proibidos de ser, à velha
compreensão da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora, neoliberal” regra dos poderosos: dividir para reinar. Sem unidade na diversidade não há como sequer as
(FREIRE, 1992, p.12). chamadas minorias lutarem pelos direitos mais fundamentais, mais, se se pode dizer, mínimos,
quanto mais superar as barreiras que as impedem de ‘ser si mesmos’ ou ‘minorias para si’,
Nessa perspectiva, encontramo-nos atualmente em uma situação de diversidade mas com as outras e não umas contra as outras.
cultural ou pluriculturalismo, não ainda em uma situação de multiculturalidade, enquanto Há, portanto, uma complexa exigência para essa luta: a mobilização e a organização
uma configuração social consolidada e caracterizadora da pós-modernidade/mundo. dos oprimidos, excluídos, explorados, dominados, subordinados, interditados, uma nova ética
Ele pensa que a multiculturalidade não pode existir “como um fenômeno espontâneo”, de respeito entre os diferentes. É necessário, pois, que se constituam como forças culturais
mas apenas se for “criado, produzido politicamente, trabalhado, a duras penas, na história” novas, ou seja, novos movimentos sociais. Pois a luta pela unidade na diversidade, sendo,
(FREIRE, 1992, p. 157). Estamos diante de um fato social: a diversidade cultural ou a pluralidade obviamente, uma luta política, implica a mobilização e a organização das forças culturais
de culturas (pluriculturalidade). Essa pode ser tomada como uma das características da pós- em que o corte de classe não pode ser desprezado, no sentido da ampliação e no do
modernidade/mundo, fruto dos processos de globalização vividos, sobretudo, nos últimos aprofundamento e superação da democracia puramente liberal. É preciso assumirmos a
cinqüenta anos, os quais provocaram as diferentes e novas transculturações em toda a Terra, radicalidade democrática para a qual não basta reconhecer-se, alegremente, que nesta ou
mas que ainda não permitem caracterizar a sociedade atual como multicultural produzida pela naquela sociedade, o homem e a mulher são de tal modo livres que têm o direito até de
interculturalidade. As diferentes culturas ou traços culturais de uma mesma cultura nacional, morrer de fome ou de não ter escola para seus filhos e filhas ou de não ter casa para morar.
ainda se encontram justapostas/os ou em situações de dominação e subalternidades como O direito, portanto, de morar na rua, o de não ter velhice amparada, o de simplesmente não
condição predominante. O desafio é transformar essa pluriculturalidade ou diversidade ser (FREIRE, 1992, p. 157).
cultural, através do diálogo crítico entre as culturas e das culturas (interculturalidade), numa A finalidade da luta dessas forças culturais, mobilizadas e organizadas em novos
multiculturalidade. movimentos sociais, será radicalizar a democracia, ou seja, levar as exigências democráticas
A multiculturalidade só acontecerá como resultado de uma construção desejada política, às últimas conseqüências, como revelou pesquisa comparativa que realizei sobre as
cultural e historicamente. É diferente da pluriculturalidade que não é resultado de uma ação representações sociais da democracia, nesses movimentos, no Brasil e no México (SOUZA,
intencional, voluntária e politicamente construída. A multiculturalidade, como resultado de um 1999).
processo consciente de diálogo entre culturas ou de traços culturais numa mesma cultura Fica claro, portanto, que, para Freire, a multiculturalidade e a interculturalidade não são
(interculturalidade), se caracterizará como “invenção da unidade na diversidade. Por isso é situações espontâneas, não são fatos sociais, não são dados estatísticos, pelo menos não se
que o fato mesmo da busca da unidade na diferença, a luta por ela, como processo, significa trata ainda da condição predominante da pós-modernidade/mundo. São ainda desejos, utopias,
já o começo da criação da multiculturalidade” (FREIRE, 1992, p. 157). metas de alguns poucos grupos sociais, especialmente dos novos movimentos sociais. Não
As justaposições de culturas, resultantes dos processos de globalização, que se pode ainda identificar como sendo a situação caracterizadora da pós-modernidade/mundo.
configuraram a pós-modernidade/mundo, não caracterizam per se um mundo multicultural nem Essa posição difere dos achados de Forquin (1989, p. 153) ao estudar a sociologia
intercultural. Indicam apenas uma situação de diversidade cultural ou uma pluriculturalidade, da educação britânica na qual o termo multiculturalismo possui ao mesmo tempo um sentido
além de configurar um desafio à convivência dessas diferentes culturas ou traços culturais descritivo e um sentido normativo ou prescritivo. Entende-se em primeiro lugar como a situação
em presença. Segundo Freire (1992, p. 157), é preciso reenfatizar que a multiculturalidade objetiva de um país no qual coexistem grupos de origem étnica ou geográfica diversa, falando
como fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço de diferentes culturas não línguas diferentes, podendo não partilhar as mesmas crenças religiosas nem os mesmos
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valores ou modo de vida no conjunto da pós-modernidade/mundo e, inclusive, interior de uma mesma nação.
Para Paulo Freire, também assumo essa posiçao, o multiculturalismo não se refere a O posicionamento de Paulo Freire sobre a questão da multiculturalidade, como indicado
essa justaposição. Aí teríamos uma situação de pluriculturalidade ou de diversidade cultural e acima, ao mesmo tempo, nos aponta elementos metodológicos para a análise das situações
não de multiculturalidade. A multiculturalidade se constitui a utopia, a esperança de uma nova concretas de diversidade cultural. Atente-se para sua argumentação (FREIRE, 1992, p. 156):
configuração da convivência humana (em suas dimensões econômica, política, religiosa e
gnosiológica), nos novos cenários mundiais. Isso só será possível, porém, se forem construídas “A multiculturalidade é outro problema sério que não escapa igualmente a essa espécie
de acordo com as exigências éticas acima enunciadas. de análise. A multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no
A globalização atual, provocadora das diversas transculturações que se vêm verificando poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada de mover-se cada
nos últimos quinhentos anos, especialmente, ao longo dos últimos 50, não provoca uma cultura no respeito uma da outra, correndo o risco livremente de ser diferente, sem medo de
unidade na diversidade de culturas, mas provoca uma diversidade cultural ou pluriculturalidade ser diferente, de ser cada uma ‘para si’, somente como se faz possível crescerem juntas e não
que tende, predominantemente, à fragmentação cultural como tem sido identificada por vários na experiência da tensão permanente, provocada pelo todo-poderosismo de uma sobre as
pesquisadores, entre eles, Wallerstein (1996), Ianni (2000), o próprio Paulo Freire (1992, demais, proibidas de ser.”
1993, 1996). Os diferentes movimentos sociais têm denunciado permanentemente essa
problemática. Vejam-se os protestos que têm se dado por ocasião de diferentes reuniões Esse princípio metodológico para análise da situação predominante na pós-modernidade/
internacionais. mundo, proposto no posicionamento de Freire sobre a multiculturalidade, parece contribuir
Não esquecer que o fenômeno atualmente denominado de globalização tem sua para a identificação das possibilidades de relações entre culturas (justaposição, dominação,
divulgação a partir do “surto vertiginoso das transformações tecnológicas” que não apenas submissão, assimilação, predomínio, guetização, fragmentação, diálogo), no interior da atual
abole a percepção do tempo: ele também obscurece as referências do espaço. Foi esse diversidade cultural. Esse princípio pode nos ajudar a olhar, sem daltonismos culturais ou
efeito que levou os técnicos a formular o conceito de globalização, implicando que, pela veleidades assimilacionistas, tanto as situações internacionais, como nacionais e locais
densa concectividade de toda a rede de comunicações e informações envolvendo o conjunto do contexto de pós-modernidade/mundo, tanto as relações entre os movimentos sociais e/ou
do planeta, tudo se tornou uma coisa só. Algo assim como um único e gigantesco show. políticos (antigos ou novos), como as relações econômicas e de saberes, no interior de nossas
Assistindo a esse espetáculo a partir de nossa perspectiva brasileira – entretanto, com algum nações, o concerto/desconcerto das nações.
senso crítico -, podemos concluir que ou a peça é uma comédia tão maluca que não dá para Ajuda-nos, ainda, a perceber as relações de gênero, de idades, de profissões, religiosas,
rir, ou é um drama em que nos deram o papel mais ingrato. Porque o fato é que as mudanças subjetivas, ideológicas. E, especificamente, leva-nos olhar o interior das instituições educativas,
tecnológicas, embora causem vários desequilíbrios nas sociedades mais desenvolvidas que inclusive da escola e, também, da sala de aula para perceber o tratamento dado à diversidade
as encabeçam, também canalizam para elas os maiores benefícios. As demais são arrastadas cultural e às formas de trabalhar suas relações. Assim, poder-se-á identificar as perspectivas
de roldão nessa torrente, ao custo da desestabilização de suas estruturas e instituições, da - que estão a ser criadas - de interculturalidade na direção da construção de situações de
exploração predatória de seus recursos naturais e do aprofundamento drástico de suas já multiculturalidade e será possível interferir sobre elas, confirmando-as, redirecionando-as,
graves desigualdades e injustiças (SEVCENKO, 2001, p. 20-21). ampliando-as, consolidando-as.
Na acepção de Ianni (2000), vimos que as transculturações provocadas pela globalização No interior da sala de aula ou nas atividades educativas não-escolares, esse princípio/
não têm eliminado as singularidades, de certa forma as têm promovido. A globalização tem conceito freireano de multiculturalidade pode, inclusive, contribuir para identificar o tipo de
provocado ou acirrado, simultaneamente à inter-relação dos povos, das culturas, das relações relações entre os diferentes alunos provenientes de culturas distintas e perceber as relações
comerciais e simbólicas, sua particularização, as culturas locais, as oposições étnicas, de entre as diferentes versões escritas e as diversas versões orais de uma mesma cultura nacional.
classe, de gênero, entre outras, como resultado das transculturações que têm acontecido. Ao Essa é uma questão central, mas pouco trabalhada nos processos educativos escolares e até
mesmo tempo, portanto, e ato contínuo, tem surgido uma multiciplicidade de situações culturais mesmo não-escolares. Por isso, está a exigir uma compreensão maior e mais profunda para
justapostas, dominadas, subalternas, predominantes, subordinadas, rebeldes, emergentes, reorientar seu manejo e garantir a aquisição da cultura letrada alfabeticamente pelas pessoas
predominantemente ágrafas.
28 - “ce terme de ‘multicultualisme’ possède à la fois un sens descriptif et un sens normatif, ou prescriptif. On
Mantendo-se no horizonte utópico do projeto pedagógico, Paulo Freire não abre mão
entend d’abord par là la situacion ‘objectif’ d’un pays dans lequel cexistent des groupes d’origine etnique ou de seu realismo crítico. Não desconhece, portanto, que seu desejo de uma relação dialógica
géographique diverse, parlant des langues différentes, pouvant ne pas partager les mêmes adhésions religieuses entre culturas, seu sonho de interculturaldiade, e a possível construção da multiculturalidade
ni les mêmes valeurs ou mode de vie”.
não eliminam as tensões permanentes que atravessam essas mesmas relações, assim como
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suas ambigüidades, conflitos, contradições e as múltiplas possibilidades tanto positivas quanto a duras penas, na história (FREIRE, 1992, p. 157).
negativas. Releva-se a complexidade da percepção, da análise e das perspectivas de se trabalhar
Não ignora, também, as negatividades, fraquezas ou debilidades da cultura, presentes a questão da pluriculturalidade, tendo em vista a utopia da interculturalidade e a sempre
em todas e quaisquer culturas ou traços culturais de uma mesma cultura. Chama-nos a atenção inconclusa construção de situações de multiculturalidade. Por isso insiste Freire na necessidade
sobre essa problemática, especialmente baseado nos escritos de Amílcar Cabral (FREIRE, da “compreensão crítica das chamadas minorias de uma cultura” sem reduzir esse processo
1992, p. 147-148). de compreensão às “questões de raça e de sexo”, mas incluindo nela “a compreensão ... do
As tensões presentes entre culturas ou traços culturais de uma mesma cultura corte de classe”. E arremata,
nacional, numa situação de multiculturalidade, são, no entanto, de qualidade diferente das Em outras palavras, o sexo só não explica tudo. A raça só, também. A classe só, igualmente. A
existentes numa situação de justaposição, dominação, submissão, assimilação, fragmentação, discriminação racial não pode, de forma alguma, ser reduzida a um problema de classe como
configurações possíveis nas relações entre culturas. Para Freire (1992, p. 156), o sexismo, por outro lado. Sem, contudo, o corte de classe, eu, pelo menos, não entendo o
fenômeno da discriminação racial nem o da sexual, em sua totalidade, nem tão pouco o das
“A tensão necessária, permanente, entre as culturas na multiculturalidade é de natureza chamadas minorias em si mesmas. Além da cor da pele, da diferenciação sexual, há também
diferente. É a tensão a que se expõem por ser diferentes, nas relações democráticas em que a ‘cor’ da ideologia (FREIRE, 1992, p.156).
se promovem. É a tensão de que não podem fugir por se acharem construindo, criando, Percebem-se, assim, as perspectivas analíticas e operativas com que Paulo Freire
produzindo a cada passo a própria multiculturalidade que jamais estará pronta e acabada. trata a questão da multiculturalidade e suas implicações para os processos educativos.
A tensão, neste caso, portanto, é a do inacabamento que se assume como razão de ser da Essas perspectivas são construídas como exigência de uma interpretação crítica, de uma
própria procura e de conflitos não antagônicos e não a criada pelo medo, pela prepotência, compreensão transformadora do contexto da pós-modernidade, um pós-modernismo libertador
pelo “cansaço existencial”, pela “anestesia histórica” ou pela vingança que explode, pela e crítico. Implica a presença do conceito de classe social nas análises compreensivas dessas
desesperação ante a injustiça que parece perpetuar-se.” situações permeadas pelas questões étnico-culturais, de gênero, de idades, de opções
ideológico-políticas, religiosas, de orientação sexual, entre outros recortes.
Duas novas noções aparecem na sua teoria da multiculturalidade: a de inacabamento Trata-se de construir a unidade na diversidade, de lutar pelo sonho possível, pela utopia
de sua construção e a de tensão não antagônica entre as culturas. Percebe com clareza a necessária que, para Freire, implica sua concepção de interculturalidade e multiculturalidade,
complexidade da questão da multiculturalidade e da multiplicidade de elementos que levam pela superação da guetização e do assimilacionismo na interação crítica entre culturas ou
a tantos diferentes recortes nas questões culturais. Entende Freire (1992, p. 156-157) ser traços culturais; numa palavra, do enriquecimento das diferentes culturas e ou traços culturais
preciso também deixar claro que a sociedade a cujo espaço por motivos econômicos, sociais, em presença. Enfim, poder-se-á chegar à construção de uma sociedade democrática não
históricos, chegaram outros grupos étnicos e aí se inseriram em relação subordinada, tem apenas representativa, mas, também, e quiçá, sobretudo, participativa.
sua classe dominante, sua cultura de classe, sua linguagem, sua sintaxe, sua semântica de
classe, seus gostos, seus sonhos, seus fins, seus projetos, valores, programas históricos.
Trata-se de situações distintas: a diversidade de uma sociedade nacional e a diversidade
de uma sociedade que, aparentemente unitária, se diversifica pela entrada, de migrantes.
Mas, ainda que diferentes, não deixam as sociedades nacionais de apresentar situações
conflitivas de assimilação, dominação, submissão, justaposição, predominância nas relações
entre seus diferentes traços culturais em presença. Às vezes tão violentas quanto as que se
verificam entre culturas muito diferentes porque em todas estão permeadas pelos problemas
das relações de poder, das formas do exercício de poder. De quaisquer formas, em uma ou
em outra sociedade, é possível perceber, claramente,
Sonhos, projetos, valores, linguagem que a classe dominante não apenas defende como
seus e, sendo seus, diz serem nacionais, como exemplares, mas também, por isso mesmo,
‘oferece’ aos demais através de n caminhos, entre eles, a escola e não aceita recusa. É por
isso que não há verdadeiro bilingüismo, muito menos multilingüismo, fora da multiculturalidade
e não há esta como fenômeno espontâneo, mas criado, produzido politicamente, trabalhado,
74 75
TEMA 8: informal e não formal) (TRILLA-BERNET, 1998, p. 23) é praticamente consensual. Afonso
(1992), no entanto, agrupa, como dissemos no parágrafo anterior, essas três modalidades em
OS FENÔMENOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
duas, as escolarizadas e as não-escolarizadas (não-formal e informal), propondo uma ampla
caracterização de cada um desses âmbitos.
E ssas perspectivas parecem poder contribuir com a superação do imperialismo da
educação escolar ao qual, praticamente, todos os olhares sociológicos, inclusive os implicados “Por educação formal, “entende-se o tipo de educação organizada com determinada
pedagogicamente, se voltaram. E procura-se restabelecer a importância da educação escolar seqüência e proporcionada pelas escolas” enquanto que a designação educação informal
sem exageros. A maioria dos estudos em Sociologia da Educação tem se dedicado à análise “abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um
da escola e dos fenômenos sociais que se dão no seu interior ou para sua organização e processo permanente e não organizado”. Por último, a educação não-formal, “embora obedeça
manutenção, ou até mesmo para sua reforma, mas sem buscar arrebentar com seus também a uma estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa levar a
enquadramentos excessivamente burocratizados e rotineiros. Têm sido, portanto, os amplos uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal
processos sociais para a organização dos sistemas de ensino (políticas de escolarização) ou no que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos
os processos que se passam na instituição escolar ou apenas no espaço da sala de aula, a de aprendizagem a cada grupo concreto” (AFONSO, 1992, nota 2, p. 86-87).
chamar a atenção da maioria dos estudiosos.
Inclusive, estabeleceu-se uma diferenciação entre os estudos dos fenômenos que É importante perceber que os diferentes fenômenos educativos passam a ser olhados
denominam macro (Sociologia da Educação) e os estudos dos fenômenos meso e/ou micro como algo importante para as novas condições geradas pela sociedade a partir dos anos
(Sociologia Educacional). 1960 que adquirem um papel significativo, inclusive, no debate sobre os rumos da própria
Entre as contribuições durkeimianas ao estudo da relação entre educação e sociedade sociedade, nos últimos decênios. Esses fatos têm levado muitos sociólogos, entre tantos
e a adoção do termo “sociology of education” em um artigo publicado por W. Brookover em outros estudiosos, a se debruçarem sobre a genericamente denominada educação não-
1949, transcorre um período que Jerez Mir (1990) denominou de preformação da sociologia escolar, tentando entendê-la pela identificação de suas peculiaridades e potencialidades, pois,
da educação. A chamada “educacional sociology” (sociologia educacional), desenvolvida a ao mesmo tempo, ela emerge como demanda da própria sociedade em suas multifacéticas
partir dos departamentos de pedagogia de universidades norte-americanas, respondu a uma dimensões.
autêntica revolução que experimentou o sistema educativo norte-americano no começo do E, ao trabalhar pela constituição de uma sociologia, implicada pedagogicamente, como
século (vinte) e à sua função de preparação das massas trabalhadoras para a crescente o faz a Universidade do Minho, denomina-a de Sociologia da Educação Não-Escolar enquanto
economia industrial. Durante a primeira década do século, sob a influência de John Dewey, aquela que “deverá caracterizar-se por atender, preferencialmente, aos contextos onde
a sociologia educacional surgiu como alternativa à orientação essencialista e metafísica possam ocorrer processos relevantes de educação e aprendizagem não formal” (AFONSO,
dominante na pedagogia (JEREZ MIR, 1990, p. 358). A partir dessa nova perspectiva, a 1992, p.87).
educação é contemplada como um processo ativo e crítico fundamental para a coesão social As demandas socioeducacionais ultrapassam, hoje, os limites da escola, ainda que
e o fortalecimento da demcracia, uma orientação, portanto, que se aproxima de Durkheim na muitas sociedades, no concerto das nações, não tenham resolvido tanto os problemas da
visão positivista da escola como instrumento de desenvolvimento moral e social. Para Dewey universalização da educação primária e secundária, com qualidade, mas também universitária.
a importância da aprendizagem e da experiência para a atividade humana, do ensino da auto- Vão se multiplicando as intervenções e ações educativas em âmbitos, meios e organizações
disciplina e da autonomia como fundamentos da formação de indivíduos livres e capazes de diferenciadas do sistema social na pós-modernidade/mundo. Começam a se divulgar termos
pensar e atuar por si mesmos” (BONAL, 1998, p.22-23). como educação continuada, permanente, ao longo de toda a vida (DELORS, 1996; DH, 2002 ;
Diferenciação que não parece procedente teoricamente, mas que se estabeleceu ApF, 2002; MELO et al, 2002). São diferentes áreas sociais e múltiplas práticas intervencionistas
historicamente e que não tem mais sentido na atualidade. Afonso (1994) situa todas as análises denominadas, por vários autores, de intervenções socioeducativas que resultam do nível
(micro, meso, macro) dos fenômenos educacionais, escolares e não-escolares, como objeto de conscientização e de organização da sociedade civil e, como tal, o seu número e a sua
de estudo do âmbito da Sociologia da Educação. Incluem-se, pois, como objeto de estudo da qualidade variam na razão inversa do grau de anomia que se regista entre as populações
Sociologia da Educação, os amplos processos educacionais que se dão fora da escola que o consideradas. Em regimes de natureza autoritária são necessariamente combatidas e
mesmo Afonso denomina de educação não-escolar na qual inclui os fenômenos denominados reprimidas, como pólos de subversão, como embriões de pode alternativo. Por outro lado, os
de educação não-fomal e informal. Estados que assumem abertamente a sua função de motores de democra cia participativa
Essa concepção tripartite do universo da educação (educação formal, educação têm procurado apoiar decidida e sistematicamente estas expressões de criatividade social,
76 77
reconhecidas como indispensáveis alicerces do verdadeiro desenvolvimento socioeconómico g) prevenção e tratamento das toxicomanias e do alcoolismo;
(COMISSÃO, 1988, p. 127-128). h) prevenção da delinquência juvenil, reeducação dos dissocializados;
E as definem como um conjunto de iniciativas coerentemente integradas e onde se i) atenção a grupos marginalizados (imigrantes, minorias étnicas, encarcerados e ex-
inclui necessariamente uma valência educativa, tendo como objectivo a capacitação de presidiários);
determinado grupo populacional para uma participação consciente e eficaz na resolução de j) promoção da condição da mulher;
um problema social e\ou económico que o afecta (COMISSÃO, 1988, p. 127). k) educação de adultos;
São múltiplas as intervenções socioeducativas presentes em todo tecido social que l) animação sociocultural (apud MACHADO, 2001).
se organizam frente a quaisquer problemas socioeconômicos e culturais que levaram Trilla-
Bernet (1998, p.30), um estudioso espanhol do fenômeno, a caracterizá-las como um “conjunto Petrus (1994) destaca de maneira positiva a Educação Não-Escoar, denominando-a
de processos, meios e instituições específica e diferenciadamente organizados em função de educação social, e também Quintana-Cabanas (1988, p. 33) o faz caracterizando-a como
de objetivos explícitos de formação ou de instrução que não estão diretamente dirigidos à a educação que “pretende ajudar o indivíduo a converter-se em um autêntico ser social, isto
obtenção de graus próprios do sistema educativo regulamentado”. É distinta da escola, mas é é, uma pessoa perfeitamente socializada”. Esse, porém, é o papel de quaisquer educações.
um ato planejado, intencional e apresenta organização específica, remata Machado (2001). Por outro lado, essa denominação cria um outro inconveniente, que é levar a pensar-se que
Vê-se, portanto, uma tentativa de caracterizá-las identificando seu objeto, mas, ainda há uma educação que não seja social, inclusive a escolar (que também é social). Destaca-se,
negativamente, referenciadas à escola, pelo que elas não fazem daquilo que é julgado como entretanto, uma positividade, ou seja, não reduz a educação social apenas a ações sobre a
tarefa própria da escola (fornecer graus). Essa tarefa, como afirma Max Weber (1982, p. inadaptação social, como poderia se interpretar a partir do texto do próprio Quintana-Cabanas
278), foi capturada pela “burocratização do capitalismo, (que) com sua exigência de técnicos, (1988, p. 147-165). A educação não escolar passa a compreender as diversas e diferentes
funcionários preparados com especialização, etc., generalizou o sistema de exames em todo intervenções socioeducativas (COMISSÃO, 1988, p. 127-130). Segundo ainda Petrus (apud
o mundo”. MACHADO, 2001), a educação não-escolar ou social:
Em Portugal, há que se analisar a atuação da Unidade de Educação de Adultos
(UEA) da Universidade do Minho, especialmente seus projetos de intervenção, formação e a) é compreendida como sinônimo de correta socialização;
investigação e pela criação da cadeira Sociologia da Educação Não-Escolar na Universidade b) pressupõe intervenção qualificada de profissionais, a ajuda de recursos e presença
do Minho , nos cursos de graduação e pós-graduação em Educação e as experiências do de determinadas circunstâncias sociais;
Algarve (MELO, 2003). c) refere-se, também, à aquisição de competências sociais;
Na Espanha, segundo Petrus (1994), outro estudioso do fenômeno, o debate sobre a d) representa o conjunto de estratégias e intervenções sociocomunitárias no meio
Educação Não-Escolar começa com a discussão sobre as questões da inadaptação social social;
relativamente à ajuda educativa a pessoas ou grupos que configuram a realidade social e) é concebida como formação social e política do indivíduo, como educação política
menos favorecida. Mais um espanhol, Quintana-Cabanas (1988, p. 342-344), chega a fazer do cidadão;
um elenco de 13 âmbitos de inadaptação social, sendo cada um desses âmbitos internamente f) atua na prevenção dos desvios sociais;
heterôgenos e muito complexos, nos quais a intervenção socioeducativa se faz presente: g) define-se como trabalho social, entendido, programado e realizado a partir de uma
perspectiva educativa e não meramente assistencialista;
a) atenção à infância com problemas de abandono, ambiente familiar desestruturado; h) é definida como ação educadora da sociedade.
b) atenção à adolescência com problemas de orientação pessoal e profissional, de
tempo livre, férias; A denomição de educação social, em diferentes caracterizações, estatui o carácter
c) atenção à juventude em relação a emprego, associativismo, voluntariado, política social de todos e quaisquer processos educativos. Senão, vejamos a partir do que Quintana-
de juventude; Cabanas (1988, p. 26) afirma: “a pedagogia social é a ciência da educação social de indivíduos
d) atenção à terceira idade ou adulto maior, idoso; e grupos, e da atenção aos problemas humano-sociais que podem ser tratados a partir de
e) atenção aos deficientes físicos, sensoriais e psíquicos; instâncias educativas”. Por isso, ela é:
f) pedagogia hospitalar;
30 - Afonso (1989, 1994, 2001, 2003); Lima (1982, 1986, 1994, 2000); Lima; Sancho (1994); Guimarães; Silva;
29 - Ver também as Declarações finais das quatro CONFINTEAs anteriores. Sancho (2000).
78 79
a) o estudo e o cuidado pedagógicos do processo de socialização dos indivíduos; conceitualmente mais adequado - ainda que possa, por causa do senso comum e alguns
b) a descrição e a regulação científicas do que chamamos `trabalho social`em seus acordões judiciários, prestar-se a alguns equívocos -, falar de ressocialização relativamente
aspecto pedagógico (p. 25). às seguintes socializações que experimentamos os seres humanos a partir da primeira.
Nada, portanto, de assimilacionismos nem de reducionismos. Cada uma com suas
A partir dessa caracterização básica da pedagogia social que afirmo ser de todas e singularidades, “tanto a educação formal como a não-formal possuem elementos estructurais
quaisquer pedagogias, esse estudioso propõe que “a socilogia da educação se ocupe da análise próprios e específicos que determinam sua respectiva idoneidade para contribuir com a
e descrição das circunstâncias sociais que confluem na educação”, atribuindo à pedagogia a realização de determinados objetivos” (TRILLA-BERNET, 1998, p. 33), mas, ao mesmo tempo,
tarefa de ensinar “a preparar os indivíduos para a vida social e a intervir educativamente inter-relacionadas. Enquanto fenômenos educativos, as funções educativas que abarca a
em algumas circunstânias sociais especificamente conflitivas para a qualidade básica da educação não-formal vão desde numerosos aspectos da educação permanente (incluindo
vida humana de certos grupos sociais” (p. 26). Para ele, citando Rossner (1977, p. 56) , certos meios de alfabetização de adultos, programas de expansão cultural, etc), a tarefas de
o trabalho social realiza ações educativas terciárias. Por educação terciária “entende-se a complentação da escola; desde atividades próprias da pedagogía do ócio, a outras que estão
educação corretiva, que promove a ressocialização (socialização terciária), a qual tende a relacionadas com a formação profissional. A educação não-formal atende ao mesmo tempo a
superar os defeitos da dissocialização” (p. 27). Estamos, novamente, frente ao risco de objetivos de formação cívica, social e política, ambiental e ecológica, física, sanitária, etcétera
entender educação social apenas como aquelas ações pedagógicas que se dão sobre os (TRILLA-BERNET, 1998, p. 31).
problemas de inadpatação social, já discutida. E muito distante da concepção de educação Trata-se, pois, de um amplo expectro que cobre a genericamente denominada educação
como ressocialização enquanto processos de recongição e reinvenção de todos os seres não-formal, além de sua diversidade métodos, procedimentos e instituições que a realizam.
humanos ao longo de toda a vida que proponho . A diversidade não é menor em relação aos métodos, procedimentos e instituições que são
Na direção de uma ampliação da concepção de educação social para todos e utilizados na educação não-formal. Há sistemas individualizados e coletivos, uns que são
quaisquer processos educativos a própria citação que Quintana-Cabanas faz de Alejandro presenciais e outros a distância, as vezes implicam o uso de sofisticadas tecnologias e em
Sauvisens (1969) nos estimula. Pois, para Sauvisens a educação social é a “condução ou outras ocasiões se recorre a instrumentos muito artesnais e rudimenares, há atividades
auxílio encaminhado ao desenvolvimento das faculdades sociais do ser humano e a seu minuciosamente programadas e outras nas quais apenas se parte de uma definição muito
exercício adequado na comunidade dos humanos, a fim de cumprir seus fins individual e genérica de finalidades (TRILLA-BERNET, 1998, p. 31).
coletivo” (p. 113). Ao citar essa idéia de Sauvisens, Quintana-Cabanas (1988, p. 167) conclui: As modalidades não-formais “facilitam em grande parte a seleção e adaptação dos
“O objeto da educação social é o desenvolvimento das disposições sociais do ser humano conteúdos aos territórios em que se desenvolvem e aos objetos que vão tratar” (TRILLA-
(sua sociabilidade), levando-o a uma boa socialização, isto é, a uma integração na sociedade BERNET, 1998, p. 35). Essa deve ser a luta para que toda educação, inclusive a escolar,
(socialidade) para a qual deve efetuar uma adequada aprendizagem de papéis” . flexibilize a conformação de seu conteúdo, pois toda educação, enquanto educação social se
Sendo assim, “a educação social pretende ajudar o indivíduo a converter-se em um caracteriza pelo desenvolvimento de uma melhor compreensão da situação do ser humano no
autêntico ser social, isto é, em uma pessoa perfeitamente socializada”, segundo Quintana- contexto e desse mesmo contexto. Compreender-se, compreender o contexto, nele intervir de
Cabanas (1988, p. 33) o qual conceitua a educação social como “a ajuda ao desenvolvimento forma transformadora no sentido do crescimento humano da sociedade e do ser humano, ao
social do indivíduo a fim de que esse viva corretamente os aspectos sociais de sua vida, tanto intervir na direção da mudança social a favor das maiorias sociais, humanizar-se e, portanto,
no nível interpessoal como no nível comunitário, cívico e político” (p. 167). garantir as condições do crescimento intelectual de todos os seres humanos, em todos os
Pode-se dizer, ainda segundo Quintana-Cabanas (p. 17-171), que o objeto da quadrantes da Terra, pelo domínio maior dos dispositivos da cultura escrita alfabeticamente,
educação social é a socialização do indivíduo. Mas, se por isso se entende a adapatação hoje fundamental, e ainda desenvolver as riquezas da cultura oral. Esse horizonte conforma e
a “sua” sociedade, o fato pode ser, como reconhece o próprio autor, muito discutível a partir sintetiza as finalidades de todos e quaisquer processos educativos.
do ponto de vista pedagógico (isto é, a partir da formação do indivíduo), enquanto “essa tem Ainda que aqueles que estão a construir uma definição específica para a educação
que ser humanamente boa”. Por isso, como veremos, prefiro denominar, porque me parece
33 - SAUVISENS, Alejandro. Memoria docente. Madrid: Inéd. 1969.
31 - ROSSNER, Lutz. Erziehungs: und Sozialarbeitswissenschaft. Munchen: Ernst Reinhard.1977
34 - Decreto do Governo Espanhol publicado no BOE de 10 de Outubro de 1991 cria a Diplomatura en Educación
32 - Cunho o conceito re ressocialização para as socializações posteriores à primeira que é o conjunto da Social para a formação de profissionais no campo da educação não-formal, a educação de adultos (incluindo a
recognição e reinvenção cuja objetivo é o ser humano cada vez mais socializado. Deseja-se que a cada processo terceira idade), a inserção social de pessoas desadaptadas, a inserção de pessoas com deficiências e a ação
de ressocialização emerga um ser humano mais socializado. Ver Tema 4 deste Livro. socioeducativa.
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adjetivada de social, inclusive por conta da existência de uma licenciatura denominada de denominar-se de preventiva e de tratamento. As ações do segundo tipo são aquelas que
educação social , tenham dificuldade em fazê-lo, como é o caso dos espanhóis citados nas se dirigem diretamente a pessoas ou coletivos em situação de conflito a quem se tenta
reflexões deste Tema. Um outro espanhol, Artur Parcerisa (2002) ao propor uma didática para ajudar em sua formação, com vistas a ir minimizando a situação em que se encontram no
a educação social retoma a tarefa de defini-la. Para Parcerisa (2002, p. 17; 18), a educação que compete aos aspectos educativos, com a finalidade de que possam chegar a resolver a
social seria “o conjunto de processos formativos que têm como sujeitos prioritariamente a situação problemática. Mas as ações preventivas são também muito importantes. Trata-se
pessoas ou coletivos em situação de conflito social” ou “o conjunto de processos formativos daquelas ações dirigidas a coletivos (mais ou menos amplos) que têm como finalidade ajudar
não-formais que têm como sujeitos prioritariamente a pessoas e coletivos em situação de à autoformação de seus membros e a que se criem ou reforcem situações e contextos que
conflito social e a coletivos com risco de encontrar-se nessa situação”. Como se todas as favoreçam o desenvolvimento comunitário e de cada uma das pessoas que fazem parte do
situações em que vivem o ser humano não fossem conflitivas, ambíguas e contraditórias. Sem, grupo social em questão” (PARCERISA, 2002, p. 16-17).
no entanto, desconhecer as especificidades e a relevância de considerar as determinadas Definições vinculadas intimamente com as que apresenta Jaume Trilla um dos maiores
situações conflitivas às quais se refere Parcerisa. batalhadores da educação social como uma educação específica ou modalidade educativa
objeto da também particular pedagogia social. Para Trilla, segundo o uso consuetudinário
“O sintagma educação social está constituído por dois vocábulos. O primeiro deles vigente na Espanha, “o âmbito referencial da pedagogia social estaria formado por todos os
pode entender-se de diferentes maneiras; o conceito de educação como processo parece processos educativos que compartilham, pelo menos, dois dos três atributos seguintes:
o mais adequado. Trata-se de um processo constituído por dois componentes intimamente
interrelacionados: o ensino e a aprendizagem. Esse processo deve comportar uma transformação 1.dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos;
ou mudança nas capacidades da pessoa, já que a aprendizagem comporta uma mudança. O 2.têm como destinatários privilegiados a indivíduos ou coletivos em situação de
processo educativo se conceberá como um processo formativo, entendendo que o conceito de conflito social;
formação se refere à educação do conjunto de capacidades da pessoa. O segundo vocábulo 3.têm lugar em contextos ou por meios educativos não-formais” (TRILLA, 2002,
(social) limita o campo que o primeiro abarca. Tal como exposto, entendo que a educação p. 37).
social deve ter por objetivo ajudar ao desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa,
incidindo nas mais deficitárias na perspectiva da formação integral. Não considero adequado, Diante dessa diversidade de compreensões e para evitar maiores desentendimentos
consequentemente, que o adjetivo social se refira apenas a algumas daquelas capacidades. que alcances teóricos, optamos por manter o dimensionamento tripartite do universo
Por outro lado, considero que a educação social tem que ser situada no âmbito da educação dos processos educativos, afirmando que todos são sociais e que todos, com exceção do
não-formal. Portanto, a educação social é uma educação não-formal, independentemente de processo da primeira socialização do bebê humano, são, ao mesmo tempo, processos de
que se considere que os profissionais daquela podem e deveriam intervir também no âmbito ressocialização com a finalidade de atingir o máximo de socialização dos sujeitos humanos
da denominada educação informal. Resta por esclarecer se todos os âmbitos da educação com vistas a sua humanização individual e coletiva. Nessa perspectiva, pareço coincidir com
não-formal podem ser considerados próprios da educação social. Talvez esse seja o aspecto Petrus (2002), outro firme defensor de uma forma específica de educação chamada social,
mais difícil de determinar. quando afirma que a educação é una: “a educação é global, é social e se dá ao longo da vida”
(p.77); “somente quando esses forem abordados a partir de pespectivas globais poderemos
A educação social pode identificar-se como aquela que se destina (sujeitos protagonistas falar com propriedade de educação” (p. 78). E mais: “as outras educações, as mal chamadas
do processo de formação) prioritariamente a pessoas e coletivos em situação de conflito ‘educaçoes não-formais ou informais’ podem ser tão formais, ou mais, que a própria escola.
social. Nessa delimitação há dois termos com uma certa ambiguidade: prioritariamente De fato, existe apenas uma educação. E o que Deus uniu qua não o separe a Universidade”.
e conflito social. Por conflito social se pode entender qualquer tipo de problemática que
dificulta a interrelação e/ou a inserção social da pessoa (população carcerária, terceira idade, “Consciente, possivelmente, dos inconvenientes que se derivam da clássica divisão
dependência de drogas, deficiências psíquicas). O prioritariamente refere-se à destinação entre educação formal, não-formal e informal, o professor Trilla, principal divulgador em nosso
da educação social. Essa deve se dirigir, em primeiro lugar, aquele tipo de pessoas e/ou país (Espanha) dessas denominações, não duvida em afirmar que a escola é uma forma, não
coletivos, mas, secundariamente, à população em geral (centros cívicos, museos, educação a única, de educação. ‘A escola é um momento do processo educativo global dos indivíduos e
ambiental)”. das coletividades’, diz em sua obra La educación fuera de la escuela, afirmando em seguida
que em alguns casos a escola não é o espaço mais propício para solucionar determinados
A intervenção do educador ou da educadora social tem duas dimensões que podem problemas educativos (TRILLA, 1998, p. 17).
82 83
Em certo sentido, pensamos, a educação social nasceu para contemplar objetivos TEMA 9:
educativos não assumidos pela escola (ou, talvez, a escola tenha nascido para para completar
EDUCAÇÃO ESCOLAR E NÃO ESCOLAR
a educação social)” (PETRUS, 2002, P. 77-78).
COMO PROCESSOS DE RESSOCIALIZAÇÃO
Para superar esses debates, indico que as educações, a educação, é a ação sobre Os saberes, construídos nos processos educativos (escolares ou
todoas as situações humanas conflitivas, contraditórias e ambíguas ao tomá-las como não) podem contribuir de maneira significativa para a ressocialização de
conteúdos básicos de aprendizagens, através dos processos de ressocialização escolares adolescentes, jovens, crianças e adultos que participam de organizações
e não-escolares, em diferentes âmbitos e circunstâncias, para nos constituirmos como sociais ou que iniciem sua escolarização ou a retomem. A ressocialização,
mais humanos. Afinal nossa vocação, como gostava de recordar, poeticamente, Paulo enquanto processo de recongição e reinvenção permanentes, garante
Freire, é sermos cada vez mais humanos num mundo que pode ir se humanizando. Um ser a educação ao longo de toda vida, isto é, a luta pela construção da
humano individual e coletivo construindo-se humanamente pela transformação das relações humanidade do ser humano.
económicas, políticas, institucionais e interpessoais. Na conquista de uma relação um pouco
mais harmoniosa consigo mesmo, com os outros e com a natureza, numa sociedade em
democratização. Construir um ser humano mais socializado, mais humano, portanto, justo,
P ara alguns pesquisadores e muitos ativistas sociais, é mais ou menos consensual que
estamos permanentemente nos refazendo, produzindo-nos, construindo-nos. Isso por causa
verdadeiro, democrático, respeitoso de si mesmo, do outro, da natureza, sabendo conviver
de nosso fundam¬ental inacabamento e da busca de formas mais agradáveis de convivência
com as diferenças na diferença e na complementariedade. Claro que ainda “a sociedade
humana. Por isso, não é suficiente a socialização que vivemos na primeira infância. Serão
humana não existe” (PETRUS, 2002, p. 71). Mas, para trabalhar por sua construção existe
necessários outros processos de socialização. Os processos de socialização que vamos
um tipo de educação, porque também existem outras educações que dificultam, quando não
experimentar ao longo de nossa existência/experiência, depois do processo vivido na primeira
impedem, a sua constituição.
infância, denominamos de RESSOCIALIZAÇÃO.

Noção de Ressocialização
As ressocializações ajudarão na nossa humanização ou desumanização. A
ressocialização implica a transformação de nossas formas de pensar, de fazer e de nos
emocionarmos. As mudanças nas formas de pensar, as mudanças nas nossas formas de
compreender a nós mesmos, aos outros, a natureza, a cultura e as instituições sociais,
conceituamos como RECOGNIÇÃO. As mudanças nas emoções, nas formas de agir,
alcunhamos de REINVENÇÃO. Os processos recognitivos e de reinvenção conformam o
processo mais amplo de ressocialização. Como indicamos na Introdução e retomamos aqui
analiticamente, na verdade a ressocialização são múltiplos processos que se dão mediante
o confronto entre conheceres, fazeres e sentires de uma pessoa ou de um grupo
cultural com os de outras pessoas ou grupos culturais cujos resultados são novos
conhecimentos, emoções e ações tornando cada um dos envolvidos mais socializados,
culturalmente enriquecidos simbólica e materialmente. Numa palavra, mais humanos.
A finalidade pois da ressocialização são pessoas e grupos humanos expansivamante mais
socializadas/os e capazes de viver multiculturalmente pela interculturalidade.
Esses processos são experimentados, simultaneamente, no cotidiano de nossas vidas
e em alguns momentos excepcionais ao longo de toda nossa existência. A suposição é a de
que a escola e os conhecimentos escolares também podem possibilitar profundos processos
de ressocialização. Essa contribuição não seria dada apenas por atividades de educação não-
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escolar. expressões assinalam os propósitos e os embaraços que constituem as fronteiras do ‘discurso’
Diante dos fatos da inconclusão do ser humano e de sua vocação de SER MAIS, como no uso. O conceito de recognição é um conceito com o qual e a respeito do qual devemos
os entende Paulo Freire, a prática educativa está obrigada a buscar cotidianamente sua própria pensar (BERTHOFF, 1990, p. XXI).
renovação, uma refundamentação. Inclusive porque essa inconclusão não se manifesta da Ann Berthoff encontra, no relato de Paulo Freire abaixo transcrito, as bases para a
mesma maneira em todos os seres. Uma é a da mulher, outra é a do homem. Diferente, a formulação do conceito de “processos recognitivos”, através dos quais mulheres e homens
inconclusão do agricultor da do operário; a da dona de casa em relação à da agricultora. Uma, ressignificam seu mundo, o mundo, compreendendo-o de uma nova maneira, mais ampla e
a do europeu; outra, a do africano e asiático. A do brasileiro do Nordeste ou do Sul é diferente consistente. Dão um sentido novo à compreensão, interpretação e explicação anteriores. O
da do japonês. Uma, a do morador e/ou da moradora dos bairros populares das cidades relato de Freire, escrito depois de uma visita pedagógica a um Círculo Cultural em São Tomé
grandes e médias; outra, a das pequenas cidades. e Príncipe, África, analisado por Berthoff, está formulado nos seguintes termos:
A convivência, por exemplo, na Universidade, durante o momento presencial de
formação, juntando pessoas de diferentes regiões do estado de Pernambuco, mostra a Visitamos um Círculo de Cultura numa pequena comunidade pesqueira chamada Monte
multiplicidade de costumes, hábitos e jeitos de pensar, emocionar-se, fazer e temer. Mário. Tinha-se como geradora a palavra bonito, nome de um peixe, e como codificação um
Essa multiplicidade, a sua convivência, mostra os desafios do trabalho educativo. Mostra expressivo desenho do povoado, com sua vegetação, as suas casas típicas, com barcos de
também suas dificuldades. Cada um sempre se pensa melhor do que o outro. E quase nunca pesca ao mar e um pescador com um bonito à mão. O grupo de alfabetizandos olhava em
quer conviver com os diferentes. “Nossos costumes são muito diferentes; não me parece silêncio a codificação. Em certo momento, quatro entre eles se levantaram, como se tivessem
ter sido acertado juntar todos”, dizia um participante de um curso que ministrei. Não havia combinado, e se dirigiram até a parede em que estava fixada a codificação (o desenho do
abertura para sentir o outro, escutá-lo, conviver, pensar juntos. Participar de um processo de povoado). Observaram a codificação de perto, atentamente. Depois, dirigiram-se à janela da
recognição e de reinvenção. Ressocializar-se. sala onde estávamos.Olharam o mundo lá fora. Entreolharam-se, olhos vivos, quase surpresos,
A lingüista norte-americana, Ann Berthoff, ao escrever, em 1990, um prefácio para o e, olhando mias uma vez a codificação, disseram: “É Monte Mário. Monte Mário é assim e não
livro de Paulo Freire e Donald Macedo (1990), Alfabetização - leitura do mundo, leitura da sabíamos (FREIRE, 1991, p. 43-44).
palavra, afirma que a obra de Paulo Freire pode ser sintetizada nas noções de recognição e
reinvenção. Para Ann Berthof, essa representação é o ato fundamental da mente, a recognição. Toda
Examinando o significado dessas duas noções, descobre-se que elas podem ser mulher e todo homem (é uma questão de sobrevivência) têm que o realizar permanentemente.
fundidas num conceito que as englobe e supere, que é o de ressocialização (SOUZA, 1994). Caso contrário, atrofiam-se e morrem. Morrem espiritualmente e mesmo fisicamente. Escapar-
Pensamos que a busca da humanidade do ser humano provoca sucessivas necessidades lhe-ão o gosto de viver e de conviver, o sentido da existência, se não o realizam.
de mudanças em nossas ações, emoções e pensamentos. E essas mudanças conformam O comentário de Freire sobre esse relato representativo é que a codificação permitiu
processos e experiências de ressocialização. Passamos, a partir dessa descoberta, a aos participantes do Círculo de Cultura conseguir alguma distância em relação ao próprio
trabalhar com a hipótese de que a Educação de Adultos são processos e experiências de mundo e começassem a reconhecê-lo. Tomando o comentário de Freire, Berthoff (1990, p. XXI)
ressocialização (recognição e reinvenção) orientados para aumentar e consolidar capacidades afirma que a interpretação do significado da história prepara-nos para reconhecer, ademais,
individuais e coletivas dos sujeitos populares por meio da recuperação e recriação de valores, que ela representa a dialética essencial de toda investigação científica; mostra-nos como a
e da produção, apropriação e aplicação de conhecimentos que permitam o desenvolvimento concepção modela a formação de conceitos; como olhar e olhar novamente é a própria forma
de propostas sociais mobilizadoras. Essas propostas podem contribuir para a transformação e configuração da exploração criativa e do pensamento crítico; como a observação é o ponto
da realidade social e pessoal pela produção de novos conhecimentos. de partida indispensável para uma pedagogia do saber.
O princípio da ressocialização é reconceituado como processos essenciais de recognição Pensa Berthoff (1990, p. XXI) que essa história é “uma parábola dos caminhos do
e de reinvenção, identificados como síntese do pensamento de Paulo Freire por Ann Berthoff. olhar da mente, da imaginação: enquanto a imaginação não for proclamada um direito nato
Para Berthoff (1990, p. XX), o processo de “recognição impõe uma consciência crítica ativa do ser humano, não será concebível qualquer libertação. A história assim é uma parábola da
por meio da qual se apreendem as analogias e desanalogias e todos os demais atos da pedagogia do saber” .
mente são executados, aqueles atos de nomear e definir, por meio dos quais construímos o Para os intelectuais, professores ou assessores de movimentos sociais populares, os
significado”. processos de recognição implicam a capacidade de identificar e respeitar o que os populares
Na verdade, faz sentido dizer que a cognição é dependente da recognição, porque sabem, o seu conhecimento, mas, ao mesmo tempo, a competência de, a partir desse saber e
nunca vemos, simplesmente: vemos como, em termos de, com respeito, à luz de. Todas essas do saber científico do qual devem ser portadores, ajudá-los a construir um novo saber (realizar
86 87
a recognição e reinvenção). Respeitar não é deixar alguém na situação em que se encontra a Igreja tradicional e a Igreja liberal, modernizante, à “outra linha da Igreja ... tão velha quanto
relativamente às emoções, aos pensamentos e às ações. É questioná-lo, problematizar seus o cristianismo mesmo - a profética”. Essa tríade - tradicional/liberal-modernizante/profética
pensamentos, ações e emoções. É desafiar o outro a superar-se, a ir adiante. A crescer - pode servir como paradigma das dispostas dialeticamente no livro citado: autoritarismo/
humanamente. domesticação/mobilização; atitudes que são ingênuas/astutas/críticas; e pedagogias que são
Requer, pois, competência e habilidade para avaliar os diversos tipos de situações burguesas-autoritárias-positivistas/laissez-faire/radicalmente democrática.
para desafiar o outro, os seus saberes e ajudá-los se apropriarem dos mecanismos capazes Mais estimulante é outra tríade com um termo médio duplo: as atitudes pedagógicas
de torná-los construtores de seu conhecimento e de sua própria reinvenção como sujeitos caracterizadas por neutralidade/manipulação ou espontaneidade/práxis política. Metade das
epistêmicos, cidadãos, profissionais, amantes, companheiros, políticos e históricos, tornando- controvérsias que campeiam na educação podia ter um fim se pudesse desenvolver uma
se indivíduos e membros de uma coletividade (pessoas). consciência crítica da significação daquele “ou” (BERTHOFF, 1990, p. XXII-XXIII).
Introduzir novos elementos na cultura em que se foi socializado provoca deslizamentos A ressocialização dos trabalhadores e das trabalhadoras, das cidades e dos campos,
que permitem vivenciar uma nova experiência. Experimentar outras formas de fazer e de dizer adolescentes, adultos e jovens, dar-se-á, pois, pela capacidade que tiverem os professores
vai configurando uma outra cultura, possibilitando uma nova socialização. de provocar a recongição e a reinvenção. Significa que eles e elas vão adquirir uma nova
A principal reinvenção que os educadores devem, vez por outra, se propor é compreensão da realidade e vão, individual e coletivamente, lutar pela transformação dessa
precisamente diferenciar autoridade de autoritarismo e saber como encontrar isso em mesma realidade. Essa realidade transformada vai adquirir outra configuração e interpretação.
todos os “discursos”, em todas as construções de significado. Respeito é o correlato, como A socialização do bebê humano se dá através da palavra e da ação. A linguagem é uma
indicamos, de recognição e reinvenção. A expressão disso para Paulo é sempre o desafio, o das instituições sociais na qual homens e mulheres mergulhamos ao sermos socializados.
questionamento, a problematização, e nunca a atitude repetitiva ou sentimentalesca. Ninguém escapa de seu ambiente cultural e histórico. Esse se encontra condicionado pelas
A reinvenção exige, do sujeito que reinventa, uma abordagem crítica da prática formas de convivência que organizam a produção, feição histórica do trabalho humano, o
e da experiência a ser reinventada. Crítica, para Freire, significa sempre interpretar a poder e o saber. Essas são condicionadas pela organização do trabalho e conformam as inter-
própria interpretação, repensar os contextos, desenvolver múltiplas definições e tolerar as subjetividades das pessoas e as instituições sociais, bem como sua linguagem, seus valores.
ambigüidades, de modo que se possa aprender a partir da tentativa de resolvê-las. E significa Satisfaz ou nega seus desejos, suas necessidades, seus interesses.
a mais cuidadosa atenção ao nomear o mundo. Todo “discurso” tem embutido em si, em Nesse sentido, a linguagem é a primeira instituição cultural do ser humano e é instituinte
certo grau, a história de seus propósitos, mas Freire nos lembra seguidamente, também, seu da pessoa humana, pois, quando o indivíduo se inicia nas atividades produtivas, já vem
caráter heurístico: nós podemos sempre perguntar “E se...?” e “Como seria se...”, como nos condicionado pela linguagem de seu grupo social. O lugar do trabalho se constitui um outro
mostra Berthoff (1990, p. XXII). âmbito no qual o ser humano encontra a possibilidade de uma nova socialização, inclusive
Representando, assim, o poder de conjetura, a linguagem oferece o modelo de com as mudanças de vida e, quase sempre, da própria linguagem. A pessoa adquire outros
transformação social: “a reinvenção da sociedade que exige a reinvenção do poder”. A traços culturais. Essa interrelação dialética entre trabalho e poder será expressa através de
reinvenção é o trabalho da mente ativa; é um ato de conhecimento pelo qual reinventamos discursos dos sujeitos que manifestam simbolicamente suas experiências e a compreensão
nosso “discurso” na prática. Freire nunca se deixa levar por sonhos ilusionistas. Seus sonhos que delas constrói.
são construídos por uma imaginação crítica e inventiva, exercida – praticada - no diálogo, na As pessoas experimentam suas experiências como sentimento e lidam com esses
nomeação e renomeação do mundo, o que orienta sua reconstrução. É sempre utópico, ou sentimentos na cultura como normas, obrigações familiares e de parentesco, deveres
seja, desafiador. Desafio a superar-nos e ajudar o outro a superar-se (BERTHOFF, 1990, p. profissionais e sociais, bem como reciprocidades. Tudo isso adquire o status de valores e
XXII). se manifestam por meio de formas mais elaboradas, nas artes ou nas convicções religiosas
Um modo de manter-se alerta para a significação das distinções sobre que insiste Paulo (THOMPSON, 1981, p. 189).
Freire é pensar sobre elas em trios. No livro Ação cultural para a liberdade, Freire justapõe O processo de ressocialização é, pois, a colocação do sujeito histórico-epistêmico
35 - “Através da codificação, aqueles quatro participantes do Círrculo ‘tomavam distância’ do seu mundo e o
individual ou social em polêmica com sua cultura, com suas experiências anteriores. Ajudar
re-conheciam. Em certo sentido, era como se estivem ‘emergindo’ do seu mundo, ‘saindo’ dele, para melhor a questioná-las, a buscar desvendar seus mistérios, suas implicações é o primeiro passo da
conhecê-lo. No Círculo de Cultura, naquela tarde, estavam tendo uma experiência diferente: ‘rompiam’ a sua ressocialização. Mergulhar as pessoas em outras experiências, ajudá-las a tomar a palavra,
‘intimidade’ estreira com Monte Mário e punham-se diante do pequeno mundo da sua quotidianidade como
sujeitos observadores” (FREIRE, 1991, p.44).
reaprender a palavra para expressar as novas experiências, dizer sua palavra porque, ao
formulá-la, expressa a nova cognição que está sendo construída sobre a natureza, o mundo,
36 - Pedagogia do saber é o nome que Berthoff atribui ao pensamento de Paulo Freire sobre a educação. seu eu, a sociedade, os outros, a própria cultura. Isso é processo de recognição.
88 89
A ressocialização dos diversos segmentos das diferentes camadas das classes sociais Exige-se, portanto, uma fundamentação para a nova prática e da nova teoria da educação
do Brasil, da América Latina, da União Europa, da África, da Ásia e da América do Norte, tem não-escolar e escolar para nos tornarmos cada vez mais competentes na prática da recognição
encontrado nos movimentos sociais, nas organizações políticas e econômicas um espaço e reinvenção (ressocialização). Essa fundamentação, na América Latina, pensamos encontrar
privilegiado, mas também poderá vir a encontrá-lo nas experiências de educação não-formal na Educação Popular, enquanto uma ampla teoria de todos os processos educativos que
e nas próprias escolas, desde que essas se ressignifiquem. podem ser vivenciados em quaisquer modalidade, âmbito ou agência educativa, visualizada
Trata-se, portanto, de processos e experiências de intercomunicação e interação no quadro acima (SOUZA, 1994). Para a União Européia, por influência da UNESCO
que possam garantir a recuperação, socialização, valorização, produção e apropriação de especialmente da OCDE essa fundamentação estaria na teoria da Educação Permanente.
valores e conhecimentos: recognição e reinvenção. Construir saberes no sentido indicado na Retomemos alguns conceitos, no interior da Teoria da Educação Popular, para que
Introdução deste texto. possamos melhor utilizá-los nos processos de investigação sociológica que podemos fazer
Constituir-se-á como um exercício emancipatório e intercultural do poder-conhecer- em algumas instituições de educação escolar e de educação não-escolar, a fim de testarmos
emocionar-ter para ser, por meio do desenvolvimento das habilidades lingüísticas, a apreensão da realidade que queremos transformar, observar, pesquisar e formular, tentando
argumentativas, decisórias, éticas, políticas e técnicas. Isso nos situa no seio da cultura antes fazer uma distinção entre Educação Permanente e Educação Popular.
em construção na história (SOUZA, 1998). Muitas dessas ideias são trrabalhadas no que
denominamos na América Latina de Educação Popular, na Educação de Adultos, na Educação
de Jovens e Adultos no Brasil. Muitas delas, também, se fizermos uma leitura crítica, vamos
encontrar na DH e na ApF da V CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de
Adultos). São úteis, certamente, para todos e quaisquer processos de educação não-escolar,
mas, também, escolar.

O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR? (PROCESSOS E EXPERIÊNCIAS DE


RESSOCIALIZAÇÃO:
{RECOGNIÇÃO, REINVENÇÃO})
PARA QUÊ? (AUMENTAR E CONSOLIDAR
CAPACIDADES INDIVIDUAIS E
COLETIVAS), numa palavra: CONTRIBUIR
COM A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE
DO SER HUMANO dos subalternizados
DE QUEM? (DOS SUJEITOS HUMANOS, especialmente
populares)
COMO? . (RECUPERAÇÃO, RECRIAÇÃO DE
VALORES INDIVIDUAIS E COLETIVOS)
. (PRODUÇÃO, APROPRIAÇÃO,
APLICAÇÃO DE CONHECIMENTOS)
COM QUE MEIOS? (DESENVOLVIMENTO DE PROPOSTAS
MOBILIZADORAS DE TRANSFORMAÇÃO
DA REALIDADE: MODELO SOCIAL
DEMOCRATIZADOR).
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TEMA 10: que o reduziu a processos de reciclarem de mão-de-obra. Tem, pois, funcionado muito mais
EDUCAÇÃO PERMANENTE como uma proposta ideológica que teórica, tentando camuflar as relações de poder que estão
imbutidas nas propostas desses documentos oficiais.

A s perspectivas apontadas no tema anterior é o que na América Latina denominamos


Os argumentos predominantes para justificá-la quase que se reduzem as questões
de ordem económica, especialmente do trabalho, de modo especifico do emprego. Assim,
de Educação Popular (próximo tema) que inspira, informa e fundamenta a discussão das a imagem de uma educação e formação iniciais como utensilhos suficientes de uma
diferentes dimensões dos processos educativos (formal, não-formal e informal). Na União empregabilidade vitalícia está agora ultrapassada. A educação permanente e a formação
Européia, por influência dos documentos da UNESCO (Organização das Nações Unidas para contínua tornam-se indispensáveis para apoiar os percursos profissionais que se constroem
a Educação, a Ciência e a Cultura) e especialmente da OCDE (Organização Desenvolvimento de forma bem mais complexa do que no passado, com um desenvolvimento da mobilidade
Econômico), os debates deveriam ser feitos, e alguns afirmam que assim o é, no interior do e das mudanças importantes nos locais de trabalho, devidas à inovação tecnológica ou às
debate da Educação Permanente. alterações na organização do trabalho (CRESSON, 1996, p. 12).
Em relação à concepção de educação permanente, é necessário relembrar seu E mais, a relevância das açoes de formação contínua na empresa, a atualidade
nascimento no interior das CONFINTEAs a partir do Relatório Faure de 1972 para a UNESCO, dos conteúdos transmitidos e a proximidade com o posto de trabalho em mudança são os
ainda que algumas reflexões nesse sentido já se encontrassem nos documentos das anteriores. elementos que conferem à formação contínua, a nível empresarial, um peso especial como
Segundo TRILLA-BERNET (1998, p. 51), a UNESCO o considera um conceito mais amplo, forma de educação e formação ao longo da vida. O perigo que justamente alberga a formação
genérico e totalizador. De fato, não é uma classe, ou um tipo, ou um setor da educação. É profissional contínua, de haver uma clivagem cada vez maior entre as qualificações transmitidas
mais uma construção teórica sobre o que deveria ser a própria educação. É a idéia que a torna pelos promotores, distanciados da realidade económica, e entre os conhecimentos, aptidões
algo contínuo e inacábavel, algo que cobre toda a biografia da pessoa. E. Faure e sua equipe e formas de comportamento necessárias ao mundo do trabalho, ameaça tornar-se cada vez
consideravam que ”o conceito de educação permanente se estendia a todos os aspectos do maior (GRUNEWALD, 1996, p. 40).
fato educativo; engloba a todos, e o todo é maior que a soma das partes. Na educação não se Como mostra Rui Canário, um movimento que aparentemente se destinava a provocar
pode identificar uma parte diferente do resto que não seja permanente. Dito de outra maneira: todo um reordenamento dos processos e das organizações educativas é capturado pelos
a educação permanente não é um sistema, nem um setor educativo, mas o princípio no qual economicismos, reduzindo enormemente seu alcance. Afirma que:
se funda a organização global de um sistema e, portanto, a elaboração de cada uma de suas
partes” (TRILLA-BERNET, 1998, p. 51). “Tomando à letra os discursos, a definição de prioridades e até a atribuição de meios
Concebido nesses termos, o conceito de educação permanente poderia - se o financeiros, por parte dos responsáveis políticos europeus, a insistência na importância
relacionamos às contradições, conflitos e ambigüidades das relações sociais permeadas dos estratégica da educação e da formação ao longo da vida poderia ser hoje interpretada como
antagonismos das classes sociais, como ainda afirma Trilla-Bernet (p. 52) - ser um importante um regresso e uma valorização dos velhos ideais da educação permanente. A publicação,
conceito do discurso pedagógico. Por outro lado, não se pode esquecer que, atualmente, o pela Comissão Europeia, do livro branco “Ensinar e aprender. Para uma sociedade cognitiva”
discurso pedagógico só perde em esquisofrenia para o discurso de acabar com a pobreza das apareceria, justamente, neste contexto, como a expressão de um interesse renovado e,
Reuniões de Cúpula dos Governos do Mundo. A esquisofrenia em que se debate o discurso aparentemente, consensual pela educação, entendida como um processo continuado que
pedagógico é evidente. De um lado, ampliam-se suas bases epistémico-antropológicas; atravessa toda a existência humana”(CANÁRIO, 2002, p.88).
de outro, afunda-se no tecnicismo e na formalização exagerada dos processos educativos
da alfabetização à pós-graduaçao a pretexto da qualidade e da competência, via exames Por certo, como reconhece Trilla-Bernet (p. 52-53), são diversas as razõess que se
nacionais de cursos. Todos os discursos pedagógicos, hoje, uns mais outros menos, estão há de buscar interpretar esse fato. Existem as demográficas e sociais, as econômicas e as
enredados nessa doença. relacionadas com as tecnologias produtivas. Há fatores culturais, científicos e psicológicos,
No entanto, é importante recordar as condições de eclosão do discurso da educação e também tem que se referir à função puramente retórica ou ideológica do próprio conceito.
permanente, na segunda metade do século passado, ainda que a expressão seja anterior, pois Así, Gadotti explica o conceito de educação permanente como “expressão da consciência
aparece, em 1919, no informe do Comitê de Educação de Adultos do Ministério de Educação tecnocrática”, como “racionalização produtivista e mecanismo de dependência sociocultural,
da Inglaterra. Há até quem queira ver antecedentes da idéia em Lao-Tse e em Platão, ou
nas utopias medievais e em Comenius. Exageros à parte o conceito é uma produção da
37 - GADOTTI, Moacir. L’éducation contra l’éducation: l’oubli de l’éducation au travers de l’éducation
modernidade, tanto que foi completamente acaparado pela ideologia dominante do capitalismo permanente. Lausana: L’Age d’Homme. 1979.
92 93
como instrumento ao serviço da despolização das massas. No entanto, creio que ele também faz uma análise reducionista do fenômeno do
Por outro lado, reconhece o mesmo Trilla-Bernet (p. 53) que os fenômenos que esvaziamento do conceito de educação permanente nas práticas que se autodenominaram
justificam a proposta da educação permanente estão na base dos discursos que justificam de educação permanente. Pois esquece os embates das classes dominantes pelo controle
a atual eclosão da educação não-formal: “ao fim e ao cabo, a potenciação dos mídias que das atividades educacionais (pesquisa, intervenção e docência). Se o acontonaram, como
compreende a educação não-formal não é senão a consequência necessária da pretensão reconhece, às práticas educativas escolares, não foi apenas por defeito dos educadores e das
de tornar realidade o conteúdo moderno da idéia de educação permantente”. E mais, Se instituições educativas mas porque efetivamente a proposta não era uma “ideia estratégica de
nos ativermos às conepções amplas e totalizantes de educação permanente, toda função fazer do conceito de educação permanente um princípio reorganizador de toda a actividade
educativa de qualquer meio, setor ou sistema educativo há de orietar-se por ela. A educação educativa”. Não creio que se trata apenas de três efeitos perversos, ainda que sejam relevantes.
de adultos, a educação do tempo livre, a formação profissional, a educação ambiental, etc., Observemo-los, então:
estariam incluídas nos marcos da educação permanente (TRILLA-BERNET, p. 53).
No entando, como indica Canário (2000, p. 87), o movimento da educação permanente 1) O primeiro corresponde a reduzir a educação permanente ao período da educação
emergiu, no início dos anos setenta, num contexto de ruptura e de crítica com o modelo escolar, post escolar. É nesse sentido que o conceito de educação permanente foi frequentemente
cuja expansão quantitativa acelerada, nos anos 1950 e 60 havia conduzido ao impasse: a utilizado como sinonimo de educação de adultos. Assim se explica a criação, em Portugal, no
crise mundial da educação. A publicação, pela UNESCO, de um relatório sobre a educação início dos anos 1970, da Direcção Geral da Educação Permanente, ou a criação, no domínio
que enfatiza, por oposição a uma lógica de acumulação de conhecimentos, um processo de da saúde, dos Departamentos de Educação Permanente (orientados para actividades de
“aprender a ser” (FAURE, 1972) representa um ponto de viragem no pensamento sobre a formação profisssional contínua).
educação. 2) O segundo consistiu em confundir um processo de formação permanente, com a
Inicialmente, como ainda nos mostra Canário (2000, p. 87), encarado como um processo tendencial extensão da forma escolar ao conjunto da existência das pessoas. Em vez de um
contínuo que, desde o nascimento à morte se confunde com a existência e a construção da processo de educação permanente, como havia sido anunciado, fomos confrontados com a
pessoa, a perspectiva da educação permanente aparece como um princípio reorganizador de perpetuidade da escola, transformando o planeta numa gigantesca sala de aula.
todo o processo educativo, segundo orientações que permitiriam superar a dominância quase 3) O terceiro traduziu-se, paradoxalmente, por uma desvalorização dos saberes não
exclusiva das concepções e práticas escolarizadas. Esta reorganização e reequacionação do adquiridos através de modalidades escolares de educação. É o saber adquirido por via
processo educativo tem como ponto de referência central a emergência da pessoa como sujeito experiencial, a partir de situações não formalizadas que se vê, assim, relegado para um plano
de formação e tem como base três pressupostos principais: o da continuidade do processo secundário. Trata-se de uma ideia totalmente contraditória com o conceito de aprender a ser
educativo, o da diversidade e o da sua globalidade. Pressupostos que se materializam em que estrutura os ideais da educação permanente (CANÁRIO, 2000, p. 88-89).
processos de aprendizagem que resultam da combinação de situações e modalidades de
formação diferenciadas quanto ao seu nível de formalização e quanto à relação com os outros Rui Canário reconhece, no entanto, que, efetivamente, esse processo de “alargamento
e com o mundo. A educação permanente, assim concebida, enfatiza a sua dimensão cívica, a todas as esferas da vida social das actividades de educação deliberada, com base
indissociável da construção de uma cidade educativa. na continuidade e reforço de uma lógica escolarizada”, respondeu a uma “perspectiva de
A hipótese que podemos levantar é a de que esse movimento da educação permanente sobredeterminaçao da educação por uma lógica de carácter económico que, cumulativamente,
foi captaneado pelo UNESCO para reduzir o impacto de movimentos da sociedade civil que induz uma visão redutora e pobre dos fenómenos educativos” (CANÁRIO, 2000, p. 89).
vinham adquirindo grande repercussão, na sociedade internacional, provenientes de diversas Nesse sentido, assumindo outra perspectiva, uma perspectiva cultural sem ser
correntes de pensamento crítico, também contestatárias da forma escolar de educação. culturalista, parte da sociedade civil da América Latina, especialmente intelectuais e movimentos
Ainda que não seja essa a hipótese de Rui Canário, ele também reconhece o impacto dessas sociais e políticos que se posicionam pela tansformação das relações sociais no interior de um
correntes críticas, afirmando que é o caso, por exemplo de Ivan Ilich (1971) que, de uma forma projeto de emancipação humana (SOUZA, 1999) fez outro caminho, ainda que seus governos
radical, desenvolveu, em nome de uma “ideia” de sociedade, uma argumentação sistemática tenham seguido a mesma trilha que Canário identifica na Europa. Esses setores sociais latino-
sobre a necessidade de acabar com a instituição escolar . Noutro contexto, e de um outro americanos têm tendencialmente trabalhado com o conceito de educação popular.
ponto de vista, o pedagogo brasileiro Paulo Freire sistematizou uma crítica filosófica e política
à concepção do que designou por “uma concepção bancária de educação”, opondo-lhe uma
educação libertadora susceptível de ajudar a ler e a transformar o Mundo (Freire, 1977, 1987)
(CANÁRIO, 2002, p.87).
94 95
TEMA 11: Estudo da Educação nos Países em vias de Desenvolvimento) da Holanda. Esse evento
congregou nove pesquisadores de oito países latino-americanos. Tomo especificamente tomo
EDUCAÇÃO POPULAR
os documentos de seu Seminário de 1995, realizado em Santiago de Chile .
Esses processos se conectam com uma tradição de educação popular que vem se
O s caminhos dos movimentos de educação, identificados como de educação popular desenvolvendo a partir das experiências e reflexões de Paulo Freire no Nordeste brasileiro e,
na América Latina, não são homogêneos nem lineares desde o começo, no final da década em seguida, no mundo, e se vêem, hoje, desafiados por novas tarefas, colocando-nos diante
de 1950 (SOUZA, 2004), até o momento atual. Adquiriu diferentes veredas e se desenvolveu de realidades diferentes, de outros sujeitos e de cenários emergentes.
desigualmente, de tal maneira que a instituição que tentou direcioná-lo, o CEAAL (Conselho de Em artigo publicado na revista Em Aberto do INEP , afirmava, referindo-me a outras
Educação de Adultos da América Latina), vem desenvolvendo um esforço de refundamentação pesquisas das quais participei, que a educação popular apresentava-se pujante e com muitas
- quaisquer que sejam as concepções que esse termo possa vir a ter - da educação popular perspectivas. Essas evidências, a partir de pesquisas de campo, são confirmadas pela análise
desde 1994 (SOUZA, 1998; SOUZA, 2002). dos processos que tomo como objeto empírico para a feitura deste capítulo e mostram como
Tento uma reconstrução do processo de refundamentação da educação popular a partir a proposta político-pedagógica, denominada entre nós de educação popular, tem enfrentado
de três movimentos simultâneos (SOUZA, 1998). O primeiro é a dinâmica desencadeada, a crise de paradigmas científicos e sociais apontando para novas perspectivas existenciais,
desde a III Assembléia Geral do CEAAL, realizada em 1994, em La Habana, Cuba. Trata-se do sociais e educativas, capazes de enfrentar o terceiro milênio. Não se trata de propostas
Programa de Refundamentación de la Educación Popular coordenado, desde Santiago do acabadas, mas de intuições que continuam sendo experimentadas, como confirmam o Encontro
Chile, pela Secretaria Geral do CEAAL , que escolho como objeto empírico para sua análise de Intercâmbio do GT Educação Popular da ANPED, realizado no Centro de Educação da
o Seminario Internacional sobre la Refundamentación Político-Pedagógica de la Educación UFPB, coordenado por seu Curso de Mestrado, nos dias 16 e 17 de junho de 1997, e a
Popular en la Transición al Siglo XXI, acontecido em Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, de 15 a 17 quantidade de investigações apresentadas no XIII Encontro de Pesquisa Educacional do
de julho de 1996. Esse Seminário pretendia dar um balanço das realizações do Programa até Nordeste, especificamente nos grupos Educação Popular e Educação e Movimentos Sociais,
aquele momento. Desse evento participei, acompanhando todos os debates e pronunciando acontecido em Natal, nos dias 18 a 20 de junho de 1997.
uma palestra sobre a refundamentação da educação popular e a formação do educador. Nesse conjunto de práticas e pesquisas em Educação Popular, pode-se identificar a
Outro evento importante nesse âmbito foi a Assembléia Geral do CEAAL, realizada em sua grande contribuição aos atuais debates científicos na área da educação, tanto no Brasil
Cartagena de Indias, na Colômbia, de 25 a 30 de maio de 1997. Esse se propunha ser o ponto quanto na América Latina e no Mundo. Debates que se caracterizam pelo aprofundamento
culminante do processo de refundamentação da educação popular, iniciado na Assembléia de das questões educacionais e implantação de reformas educativas em todo o mundo, a
la Habana, e o lançamento de sua plataforma para o terceiro milênio . exemplo da que se encontra atualmente em curso no Brasil, tendo a Lei nº9.394/96 que
O segundo processo foi vivido pelos Seminários Internacionais: Universidade e Educação pretende “revolucionar” a educação escolar no país, como sua disciplinadora. Essas reformas
Popular. Em relação a esse processo, refiro-me especialmente ao IV Seminário, realizado em educacionais têm todas como inspiração o Documento da Conferência Mundial de Educação
João Pessoa e coordenado pela UFPB, de 26 a 30 de julho de 1994 . E, finalmente, o terceiro para Todos que, sendo uma iniciativa do Banco Mundial, incorporou tradicionais reivindicações
processo é desencadeado pelo Programa de Sistematización de la Educación Popular e propostas dos movimentos docentes e dos praticantes da educação popular. Essas propostas
en América Latina, criado no ano de 1991, sob a Coordenação do CESO (Centro para o foram reinterpretadas, segundo os interesses do capital mundializado, mas ainda poderão
servir para um novo impulso no campo educacional.
39 - O CEAAL realizou, entre os dias 25 a 31 de maio, em Cartagena de Indias, Colômbia, sua IV Asamblea General
y IV Encuentro Latinoamericano de Educadores Populares, onde se reafirmou a vigência da educação popular
como proposta político-pedagógica e como movimento de educadores comprometidos com a transformação da
América Latina e Caribe, além de elaborar sua agenda para os próximos três anos.

40 - Educación Popular - Refundamentación. APORTES 46. Santafé de Bogotá: CEAAL y Dimensión Educativa,
1996.

41- IV Asamblea General del CEAAL. Memorias. Cartagena de Indias, Colombia, mayo, 25-30, 1997. 43 - CESO PAPERBACK No. 22. Cultura y política en educación popular: principios, pragamatismo y
negociación. CESO: La Haya, 1995.
42 - Seminário Internacional: Universidade e Educação Popular (4.; 1994: João Pessoa). Memórias do IV
Seminário Internacional: Universidade e Educação Popular. João Pessoa, 26 a 30 de julho de 1994. João 44 - SOUZA, João Francisco de. Perspectivas da educação popular na década de 90. Em Aberto 56. Brasília:
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1995. INEP, out./dez. 1992, p. 31-41.
96 97
a) A educação popular e a pedagogia das maiorias da população no continente latino-americano é o desafio maior das ações
coletivas tanto escolares quanto dos movimentos sociais. Apenas assim podem contribuir
Como indicam tanto os pesquisadores do CESO quanto o Programa de com a transformação social na perspectiva dos interesses da maioria da população. Essa
Refundamentación do CEAAL e os Seminários Universidade e Educação Popular, a contribuição se materializa não apenas nas esferas consideradas privadas e íntimas, na vida
trajetória da Educação Popular, ligada a princípios que valorizam a participação, a relação cotidiana, mas incide também nos âmbitos macrossociais, garantindo os passos necessários
entre conhecimento e ação, a capacidade efetiva dos saberes para a solução de problemas, à construção de uma democracia latino-americana. Dessa forma, a dimensão pedagógica da
entre outros, covertem-na em uma referência obrigatória para a análise e percepção de novas prática organizativa das ações coletivas é ela mesma uma contribuição insubstituível para a
soluções no campo educativo e social. Essas ênfases, porém, levaram e podem continuar produção da cidadania entre as camadas da classe trabalhadora. Cidadania reinterpretada na
a levar a dois possíveis desvios: a sobrepolitização dos discursos da Educação Popular e perspectiva da transformação da realidade que aponta para a democracia como um modelo
os preconceitos com as atividades de pesquisa, de reflexão e de uma possível queda no libertador a partir de uma posição política a serviço do reordenamento do conjunto das relações
ativismo (CESO, 1995, p.13-14). Esta constatação nos remete diretamente aos problemas das sociais.
concepções de educação e especificamente a possíveis concepções de Educação Popular. Uma pedagogia que assume como sua utopia a construção dessa democracia
Ou seja, ao problema da Pedagogia, enquanto reflexão e teoria dos processos educativos enquanto forma de vida e sistema social, contém, como seus temas constitutivos, o poder e
(SOUZA, 1987). o desenvolvimento integral do ser humano e da sociedade. Estes, além de suas dimensões
Na dimensão pedagógica, identificam-se, entre outros, três grandes problemas além econômicas, implicam o fortalecimento da capacidade de gestão e de participação (Souza,
da formação/capacidades da educadora e do educador: a própria teoria educacional, a 1992). Propõe-se, assim, a educação popular atingir todos os âmbitos da vida das pessoas e
qualidade e o resultado dos processos educativos e a relação pedagógica. Problemas que das coletividades, contribuindo para que sua existência seja digna e dignificante para todos,
estão necessitando de maior compreensão não apenas dos educadores populares, mas dos sem exceção, e capaz de ampliar os horizontes pessoais e coletivos de tal maneira que se
educadores de qualquer modalidade educativa. É a educação em todas as suas dimensões e garantam formas de vida expansivas. Não se pode restringir seu campo de ação ao escolar
modalidades que se encontra face a uma necessidade de reinvenção, como reconhe Thimothy nem ao social, mas interferir em todos como forma de garantir essa vida expansiva.
Ireland:
b) A Educação Popular e a escola, especificamente a escola pública
A educação latino-americana passa por um período de profunda refundamentação que, Esse tema esteve ausente da prática e da reflexão dos educadores populares por mais
apesar das incertezas que gera, também cria a oportunidade para se abrir novos rumos de ação. de duas décadas, mas, nos últimos anos, tem ocupado o pensamento e sua ação de muitos.
Neste contexto, a Educação Popular também se vê atingida por esse clima de instabilidade e Vários educadores populares, em diferentes países da América Latina, têm se empenhado
de incertezas, sentindo-se ao mesmo tempo historicamente provocada a posicionar-se perante na luta pela garantia de uma escola pública de qualidade para todos, além de alguns terem
os desafios da atualidade, até porque os períodos de crise também podem inspirar atitudes se desempenhado como autoridade educacional. Essa intervenção requer uma pesquisa
propositivas em busca de sua superação (ANAIS, 1995, p. 10). comparada e poderia lançar luzes significativas para a compreensão desses processos.
De qualquer modo, parece, hoje, ser consenso a necessidade da intervenção e do
Nessa perspectiva, na nova conjuntura mundial, revela-se a importância do envolvimento potenciamento dessa intervenção dos educadores populares no âmbito da educação escolar,
da Universidade com os processos de refundamentação da educação a fim de “contribuir não sobretudo da escola pública. Esta perspectiva entra no campo das articulações da Educação
somente para o debate sobre os rumos históricos da Educação Popular e suas concepções Popular com outras práticas sociais. Este campo é identificado como uma necessidade de
metodológico-teóricas, mas também aprofundar a atualidade de sua relação com as diferentes garantir as relações da Educação Popular com outros domínios, como, por exemplo, com
expressões de Educação Popular ” (ANAIS, 1995, p. 11). a Educação Básica, particularmente no que se refere à escola pública, na perspectiva
Assim, a Educação Popular se situa numa perspectiva estratégica (mais além de suas universalizante (escola para todos, gratuita e de boa qualidade), assumida por todos os países
distintas concepções), sendo sempre uma opção que surge da conjunção dialética de vários participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien
fatores sociais (econômico-ideológicos) e pedagógicos inserida na práxis cotidiana de sujeitos (Tailândia) (ANAIS,1995, p. 11).
coletivos e da escolarização popular. A Educação Popular se compreende como dinamizadora A escolarização das camadas da classe popular se transforma numa questão central
do aspecto organizativo pelo potenciamento da dimensão educativa própria não só das ações para a educação popular e é nesta área que também se torna urgente a atuação dos educadores
sociais mas também do processo didático escolar. populares que atualmente retomam um contato mais íntimo com os problemas vividos no
A concreção de espaços de reflexão na busca das soluções coletivas para os problemas processo de escolarização da maioria.
98 99
c) A questão da aprendizagem o confronto sistemático, intencional, tecnicamente organizado, jamais serão superadas as
limitações tanto do saber científico quanto do saber popular. Não significa, entretanto, que se
É fundamental ordenar os processos de aprendizagem que vêm sendo construídos superarão todas as antinomias.
nas experiências da educação popular tanto no interior dos movimentos sociais quanto na O pensamento científico e o pensamento popular são antinômicos, têm contradições
busca da escolarização popular. Esses processos se revelam pessoais, coletivos e históricos entre si, mas não são dicotômicos como se quis fazer crer. As antinomias permitem relações
mesmo que, como não poderia deixar de ser, manifestem dinâmicas próprias de acordo com e correspondências. Possibilitam a superação, pelo menos, de algumas contradições. A
cada contexto específico. Mas todos exigem e vão configurando um pensamento que não dicotomia impede quaisquer tipos de vínculo entre pólos que se negam. Conduz à substituição
surge apenas da lógica - seja ela dialética, metafísica, instrumental ou comunicativa - mas de uma forma por outra, mas não oportuniza uma inter-relação nem um mútuo enriquecimento.
das intuições da vida, da cultura e da luta pela transformação das condições existenciais. Tratados como antinômicos, já que de fato o são, e não como dicotômicos, que não são,
E, sobretudo, colocam os dominados, subordinados e explorados nas cenas principais dos abrem as condições de possibilidade de um processo de superação. Criam-se, assim, as
palcos da vida e da história. possibilidades de se construir sínteses mais abrangentes, consistentes e compreensivas,
Esses se tornam autores sociais pela publicização de suas demandas, de suas permitindo ações mais eficazes e eficientes. São, portanto, processos de aprendizagem de
propostas e lutas pela concretização dos seus desejos mais profundos de se tornarem pessoas alcances amplos (SOUZA, 1996).
e comunidades plenas de vida, no interior das inúmeras contradições que experimentam. Essa visão de aprendizagem não nega os processos de ensino-aprendizagem vividos na
Aprendizagem que, fazendo-se coletivamente, garante as suas expressões individuais, forjando prática escolar, mas os supera. Apresenta elementos que vão além dos processos escolares,
a individuação das pessoas que vão se firmando como membros de uma coletividade, que vão incorporando-os numa síntese mais ampla, tanto em relação aos sujeitos e procedimentos,
perdendo, em âmbitos ainda reduzidos mas crescentes e significativos, seu isolamento e/ou quanto aos seus objetivos e suas razões.
anonimato.
As dicotomias criadas, historicamente, entre as expressões acadêmico/profissional
d) A Educação Popular e as mudanças no discurso político, e a
e popular/espontânea do pensamento têm, nos processos de educação popular, um
necessidade de resgatar a dimensão popular que a tem caracterizado
locus privilegiado para sua superação, pela construção de um novo saber que integre as
positividades das formas anteriores (científica e popular). Estes confrontos originam formas Como afirmam alguns autores colombianos, examinando a trajetória do Programa de
de representações sociais diferentes, ou seja, um novo saber. Refundamentación do CEAAL, a opção pela democratização levou ao reconhecimento de
Nesses processos de aprendizagem, criam-se as condições de possibilidade de cada sujeitos sociais não predominantes e à ampliação das agendas temáticas que hoje expressam
um manifestar seus pensamentos, compará-los, superá-los, numa nova síntese possibilitadora o alternativo e o emancipador, assim como à redução da predominância do paradigma classista
de decisões coletivas. Aprendizagem que se faz, portanto, num processo de confronto de sem negá-lo. Trouxe, ao mesmo tempo, um certo distanciamento do “popular”, reduzindo-se,
saberes que se dá na transformação das necessidades populares em demandas sociais e inclusive, as referências aos sujeitos individuais e coletivos empobrecidos de nossos países.
no qual se elaboram propostas para sua satisfação. Transformam-se esses processos em Deu-se o mesmo com a dimensão utópica da Educação Popular por conta da redução da
experiências significativas para as pessoas neles envolvidas. aposta em modos alternativos de organização social. Afirma-se, no entanto, a necessidade de
Emerge, assim, uma compreensão dos processos de produção de saberes nas retomar e priorizar os sentidos do popular na Educação Popular (CENDALES, 1996, p. 117-
ações coletivas. Entende-se que não se trata apenas da transmissão de conhecimentos dos 118).
intelectuais aos populares e muito menos da imposição de um saber aos trabalhadores ainda Chamam esses autores a atenção no sentido de não esquecer que o caráter popular
que, em alguns casos, se encontrem processos de comunicados e não de construção de da denominação da educação tem tido, desde o começo, um sentido mais substantivo que
saberes. Também não se trata de um ato de recepção do saber popular pelos intelectuais. adjetivo, na medida em que se refere não apenas aos setores populares “beneficiados” e
É, de fato, uma construção. Construção de novos saberes que está sendo encarada sujeitos das propostas educativas, mas também ao sentido do sujeito social e do caráter dos
por muitos intelectuais e populares como um processo de confronto de saberes existentes projetos políticos que se buscam fortalecer a partir das práticas educativas (CENDALES, 1996,
(populares, científicos, religiosos, técnicos) no qual se dá uma recognição que reelabora os p. 119). E concluem que, se é verdade que não pretendem reivindicar, para os moradores dos
significados anteriores e constrói coletivamente outras representações sociais ou saberes e bairros periféricos, operários e camponeses, a condição de sujeitos exclusivos ou vanguardas
também uma reinvenção. Criam-se novas formas de fazer política e outras ações coletivas. dos processos de mudança social ou de construção democrática, não aceitam a exclusão
Essa concepção de aprendizagem se revela como um caminho ou instrumento para deles nesses processos.
a superação das dicotomias criadas entre o pensamento científico e o saber popular. Sem E mais, a reconceptualização da Educação Popular está intimamente relacionada
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com a incorporação da amplitude dos aspectos da diversidade cultural ao seu discurso.Com religiões e meios sociais numa convivência plural. Ser pessoa, dizer sua palavra, requer
isto, estamos querendo dizer que embora a questão da diversidade cultural tenha estado processos de formação, na ação e na reflexão, complexos, amplos e consistentes. São
sempre presente nos discursos dos Movimentos Sociais Populares, actualmente, ela tem um fenômenos culturais que se aprendem e apreendem socialmente e exigem processos
estatuto bem diferenciado para ser compartilhado e negociado por diferentes e diversas forças educativos situados e datados. Uma formação que se concretiza tanto pela escolarização
discursivas (CARVALHO, 2003, p. 155) quanto pela ação social no confronto entre intelectuais e populares no próprio curso das ações
e) A Educação Popular e a importância da democratização para os movimentos sociais e em sua avaliação (SOUZA, 1996).
Assim, a educação popular não perde sua perspectiva estratégica nem seu caráter
Uma democracia exige a ampla participação de todos os setores sociais, mas, sua político, mas garante o significado e a importância da dimensão especificamente pedagógica
condição sine qua no é a ação organizada dos setores tradicionalmente identificados como que a caracteriza como uma práxis educacional. Compreende-se como uma dimensão
populares. Isso de tal modo que os movimentos sociais populares, como pude concluir a partir intrínseca da construção da democracia na América Latina, portanto, uma problematização
de uma pesquisa realizada no Brasil e no México, identificam-na como possibilidade de sua permanente do futuro coincidindo com o desafio fundamental de nos fazermos humanos. Pois,
atuação livre de quaisquer perseguições políticas e/ou policiais. Emerge, assim, a democracia, como nos ensina o eterno mestre Paulo Freire, “a desproblematização do futuro, não importa
ao mesmo tempo, como uma questão institucional e processo de ação social. Entendem a em nome de quê, é uma violenta ruptura com a natureza humana social e historicamente
democracia, simultaneamente, como parte da questão do sistema político e construção de construindo-se” (1997, p. 82).
suas implicações nos âmbitos pessoal, interpessoal, institucional, econômico e cultural, como E mais, assume a herança de todos os movimentos de educação popular, em suas
revelou essa pesquisa (SOUZA, 1996). feições reformistas e/ou revolucionárias, espalhados por toda América Latina, especificamente
A importância da democracia, para os movimentos sociais populares, revela-se em seis pelo Brasil, que, com o golpe militar de 1964, foram desbaratados.
dimensões: o deslocamento do eixo do debate democrático, a compreensão da democracia Quase todos se firmavam por uma crítica às campanhas de alfabetização e às escolas
como possibilidade da luta organizada pela qualidade de vida dos trabalhadores, como que não conseguiam atender os setores populares (SOUZA, 1994). Permanecem apenas
possibilidade de articulação popular e ainda como desenvolvimento integral da pessoa humana, aqueles que fazem uma revisão de sua atuação ou que já se opunham aos movimentos
revelando-a, finalmente, como uma construção em aberto e processos de construção de uma educativos chamados de revolucionários. Assim, permanece o MEB (Movimento de Educação
outra cultura cívico-política. de Base) nos estados em que modificou sua linha de trabalho. A Cruzada ABC (Ação Básica
Trata-se de um foco distinto da maioria das discussões sobre a democracia, por não Cristã) tentou ocupar o vazio dos movimentos destroçados até, praticamente, a criação do
enfatizarem as relações entre sistema, regime, governo e eleições. Não as negam, mas elas MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), em 1967, pelo regime militar brasileiro,
não aparecem de maneira contundente, mesmo que seus aspectos tenham sido objeto explícito instalado pelo golpe de Estado em 1964, que buscava instrumentos de legitimação junto à
das entrevistas . E mais, todos os entrevistados estavam à época envolvidos, nos dois países, classe trabalhadora.
com exceção de uma organização rural mexicana, com processos eleitorais e as administrações A partir de então, esse MOBRAL reina soberano, no campo educacional, na área da
públicas. Esta situação sugere que a democracia não é apenas questão da existência ou alfabetização dos trabalhadores e das trabalhadoras, até 1985, quando foi substituído pela
não de um sistema e/ou regime político que admita (m) eleições periódicas, rotatividade de Fundação Educar, no primeiro governo civil depois do golpe militar.
autoridades, funcionamento de um parlamento e garantia de algumas liberdades, como as de Agora a Educação Popular está sendo compreendida como uma proposta pedagógica.
imprensa e expressão. E mais, revelam que o sentimento é uma condição fundamental das Proposta pedagógica que implica uma concepção de educação, a configuração de finalidades
aprendizagens e da ação que constroem a democracia. Ganha corpo a idéia de que se deve
construir, “desde lo social”, todos os direitos humanos e um espaço público onde mulheres e
45 - Uma das questões do roteiro da entrevista em profundidade era “visão sobre o governo, a sociedade e suas
homens possam afirmar-se em todas as suas dimensões. ações, assim como as relações entre os governos e as organizações”.
A pessoa ou o sujeito individual, sendo uma intersubjetividade, funda o fazer dos
movimentos sociais populares, sejam eles amplos ou restritos, políticos ou de massa, cristãos 46 - Movimento criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em convênio com a Presidência
da República para alfabetizar as populações rurais do Nordeste, do Centro Oeste e Norte do País, em 1961, a
ou ateus, mistos ou temáticos. Nesse sentido, a pessoa adquire o status de noção e sujeito fim de não deixar o campo aberto aos comunistas.
de um processo de democratização capaz de decidir, coletivamente, a modernidade a ser
construída. Ganham importância crescente, nessa perspectiva, as questões mais essenciais 47 - Instituição criada pelo Colégio Evangélico Agnes Erskane, ligado aos norte-americanos em 1960 para se
opor ao Movimento de Cultura Popular (MCP) de intelectuais, estudantes universitários e sindicalistas para
da existência humana: o pensar, o fazer e o sentir do sujeito. Abrem-se outros horizontes ao o desevolvimento da cultura popular e alfabetização de crianças e adultos considerado de esquerda pelos
tempo em que se tentam superar as barreiras das diferenças, racionalidades, especialidades, evangélicos.
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educativas, a conformação de conteúdos educacionais e a elaboração de dispositivos de rege pelos seguintes princípios:
diferenciação pedagógica (SOUZA, 2002) cujo horizonte político é a libertação das maiorias de i)a compreensão crítica da realidade para a sua transformação (humanização);
nossas populações e a humanização do ser humano. Como conclui Rosangela Carvalho, ao ii) o diálogo de saberes entre os sujeitos que participam do acto educativo;
analisar em sua tese os alcances da expressão, a educação popular é entendida do ponto de iii) o educador e a educadora como animadores;
vista da sua prática discursiva na América Latina, e, em paticular no Brasil, como uma prática iv) o opção ética pelos sectores populacionais de condições de humanização mais precárias;
discursiva engajada politicamente, comprometida com os segmentos sociais que sofrem v) e a auto constituição de sujeitos autónomos.
diferentes processos de marginalização e diferentes formas de exclusão social. No dizer de Estes são princípios que, no discurso do MST, aparecem sob os pilares da justiça
seus representantes “a educação popular surgiu inspirada no pensamento de Freire e outros, social, da radicalidade democrática e dos valores humanos (CARVALHO, 2003, p 158-159).
como uma educação com o povo, alternativa à educação oficial, muitas vezes alienante e Emerge, portanto, como a grande teoria orientadora e possível garantia dos processos
opressora”, como uma educação que se propõe superar tradicionais dicotomias tais como “a de educação escolar e não escolar COMO PROCESSOS DE RESSOCIALIZAÇÃO, entre
distância entre conhecimento popular e ou vulgar e conhecimento científico, entre trabalho os quais se elencam muitas atividades de Educação de Adultos mas também de muitos
manual e trabalho intelectual, entre o objetivo e o subjetivo, entre a prática e a teoria, entre processos de escolarização das camadas populares e até de universidades. É uma teoria
o trabalho e a educação, a ciência e a vida” . É uma educação que “tem origem na tradição de formação humana do sujeito humano, comprometida, sobretudo, com a emancipação das
de rebeldia das camadas oprimidas da população que não se submetem a sua condição e maiorias oprimidas, exploradas, subordinadas, desiludidas de nossos continentes.
reagem de diversas formas na busca de outras condições de vida e trabalho” . A educação
popular “é uma perspectiva, uma metodologia, uma ferramenta de apreensão, compreensão,
interpretação e intervenção propositiva, de produção e reinvenção de novas relações sociais EDUCAÇÃO POPULAR COMO EDUCAÇÃO LIBERTADORA
e humanas” (CARVALHO, 2003, p. 156).
A Educação Popular passa a servir de fundamento a inúmeras atividades de organização Os estudos que tenho realizado me mostram as possibilidades de outras perspectivas
popular, de promoção humana, das comunidades eclesiais de base, a projetos produtivos e para a Sociologia da Educação e, portanto, de uma análise implicada pedagogicamente dos
de profissionalização, ao novo sindicalismo latino-americano, especialmente brasileiro, entre fenômenos educativos, processos educacionais e práticas pedagogicas, escolares e não-
tantas outras iniciativas. escolares (informais e não-formais), a partir das elaborações desenvolvidas pelas reflexões
No nível da América Latina, organizou-se o CEAAL (Conselho de Educação de Adultos), sobre os Movimentos Sociais Populares, a Educação Popular, como construídas na América
em 1982, no exílio, por um grupo de intelectuais latino-americanos, tendo como Presidente Latina nos últimos quarenta e cinco anos (SOUZA, 1987; 1999; 2000; 2002; 2002a; 2003),
Paulo Freire. A base de atuação do CEAAL foi a nova teoria educacional, Educação Popular, bem como das formulações dos Movimentos da Educação Intercultural/Multicultural (STOER,
que vinha se desenvolvendo e que se encarregou de divulgar por toda a região e consolidar 2001; SOUZA, 2002). Todas essas produções (práticas e formulações), como não poderiam
como um amplo movimento de educadoras e educadores com influência em todo o mundo. deixar de sê-lo, estão eivadas não só de conflitos, ambigüidades, contradições e imprecisões
Atualmente, entre os estudiosos e praticantes da Educação Popular, amplia-se o debate mas também de perspectivas e horizontes alvissareiros.
sobre a importância da escolarização das trabalhadoras e dos trabalhadores das cidades e Não tenho dúvida de que a diversidade de posições sobre a multiplicidade de formas,
dos campos para que possam lutar de forma mais organizada por sua humanização. Durante começos, origens, perspectivas, atuações, o carácter e as tarefas dos Movimentos Sociais
muito tempo (1964-1985, mais ou menos), as práticas que se autodenominavam de educação Populares, da Educação Popular, da Educação Inter/Multicultural, nas últimas décadas,
popular não se realizavam com a escolarização. Eram o que se chamavam educação não- contribuíram para reorientar a produção da Sociologia da Educação. A multiplicidade e
escolar, não-formal, processos organizativos, produtivos, entre tantas outras atividades. mulidimensionalidade das reflexões sobre essas práticas têm enriquecido enormemente o
Pode-se concluir que, atualmente, a EP, na América Latina, em diferentes versões, se reportório sociológico, inclusive da Sociologia da Educação. São suas possibilidades de luta

48 - VÍO-GROSSI, Francisco. Educação popular para uma democracia latino-americana: bases do programa 50 - CALADO, Alder JÚLIO. Educação popular nos movimentos sociais do campo: potencializando a relação
CEAAL. In: Série Educação Popular e Democracia 1: Educação popular para uma democracia na América macro-micro no cotidiano como espaço de exercício da cidadania. In: BRAYNER, Flávio; SOUZA, João Francisco.
Latina. Recife: Representaçáo do CEAAL no Brasil. 1989. p 23-39. Recife: 5-21. 1989. A dúvida e a promessa: educação popular em tempos difíceis. Recife: NUPEP-UFPE; Edições Bagaço. 1999.
p 17-37.
49 - SOUZA, João Francisco. Movimento popular: espaço de educação para uma hegemonia e produção de
conhecimento. In: Série Educação Popular e Democracia 1: Educação popular para uma democracia na 51 - CEAAL. Segundo Documento Base. V Assemblea General del CEAAL. México: Secretaria General. 2000.
América Latina. Recife: Representação do CEAAL no Brasil. 1989. p 23-39. p.13.
104 105
pela garantia da sobrevivência, com dignidade, das pessoas dos diversos segmentos das Weber apela para as ciências precisamente porque a crescente complexidade do
diferentes camadas da classe trabalhadora ou populares, dos sobrantes de nossas sociedades entorno que criamos, sua crescente diversificação e diferenciação, não só não permitiu que
nacionais e internacional, que têm permitido transcendência social, através da ação nos nosso caudal de saberes dissipassem todo vestígio de opacidade ou incerteza, mas reclama
âmbitos e dimensões mais inusitados, à produção sociológica (SANTOS, 2000). mais exatamente, hoje mais que nunca, uma complexificação correlativa dos saberes. Isso
Essas organizações populares, nos diferentes quadrantes da pós-modernidade/ seria uma condição necessária para enfrentar e atuar sobre um entorno cuja trama se torna
mundo, quase sempre denominadas de organizações civis, cidadãs, populares, culturais, em cada vez mais espessa e diversificada.
oposição à sua feição anterior mais sindical, classista, partidária, têm se revelado proativas,
propositivas e plurais. Apostam no futuro da humanidade e no seu próprio futuro a partir de Nesse raciocínio, seguindo a Carlo Donolo (1982), Arditi (1987) propõe a distinção
“novas perspectivas”. Mesmo que não abandonem nenhum dos elementos justos das lutas e entre “a sociedade e o social” a partir de “um esboço da natureza do tecido social em termos
formulações anteriores, sua insistência é no carácter democrático da nova forma de fazer, de de poder e resistência” ou “mistura mutante de conflitos latentes ou abertos, de dominação,
pensar e de sentir das organizações dos movimentos sociais populares e das pessoas que de negociação, de violência e desordem”. Nesta última formulação, já aqui na perspectiva de
delas participam. Touraine , entende a sociedade como a conquista de um espaçio no qual se cristalizaram
O estudo comparado que realizei dos movimentos sociais populares, Brasil/México institucionalmente as relações de poder de um projeto ordenador, de uma vontade que articula
(SOUZA, 1999), demonstra que os envolvidos nesses processos organizativos não vêem o fático com o normativo para conformar um domínio codificado e gobernável. Mas nenhum
oposição entre as diferentes características (especificidades) que estão assumindo as ações projeto pode alcançar o sonho totalizador de englobar e domesticar todo o fenômeno, relação
e as organizações sociais. Afirmam, no entanto, que só há futuro se souberem combinar as ou subjetividade no interior da “boa ordem” que instaura. (...). Daí também que toda “boa
lutas reivindicativas com as lutas gerais capazes de gerar “uma nova cultura social”. Sua orden” estea permanentemente ameaçada por um excesso que ultrapassa sua capacidade de
inserção nas lutas políticas gerais, as lutas democráticas, se dá a partir de ações concretas, controle (ARDITI, 1987, p. 181, 182).
para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento de alternativas sociais viáveis. Afirma um Denomina Arditi, seguindo Donolo, a “esse excesso ubícuo que habita no próprio
dirigente da organização Movimiento Vecino/México, uma das organizações que participou da território da ‘sociedade’, o social”. Esse é o terreno dos movimentos sociais populares que,
referida pesquisa: sintomaticamente, foi o solo fértil do surgimento de experiências que depois foram denominadas
por estudiosos de educação não-escolar, extra-escolar, não-formal, informal, e na América
Cremos que os tempos, nos quais tínhamos que pedir tudo ao governo, foram Latina permitiu a construção da Educação Popular, enquanto uma teoria da educação capaz
ultrapassados e, agora, por isso, propomos todo esse tipo de coisas, claro que à cidadania de fecundar uma amplo leque de experiências educativas, não-escolares, mas, também,
ainda falta cultura política, por isso estamos fomentando UMA NOVA CULTURA SOCIAL em escolares como mostramos no tema anterior.
nosso país e, nesse sentido, buscando resolver os problemas. Estamos construindo uma Então, “o ‘social’ é o espaço ubícuo do alternativo, e a ‘sociedade’ o espaço conspícuo
outra feição para o movimento popular. Estamos configurando-o através de novas caras (as do institucionalizado. Nesse caso, a sociedade aparece como anfitriã do ‘social`”. Ao tempo
diversas e diferentes organizações rurais e urbanas) num rosto mais transparente (a busca de em que, como “um arquipélago de relações de poder cristalizadas em relações, identidades,
novas formas de articulação). práticas e rotinas institucionais que surgem como ilhas no mar do ‘social´”, a sociedade seria,
então, também, “uma domesticação espacial e temporal e determinada de uma matéria
Ao contrário de certos cientistas sociais que vêem, no fenômeno da multiplicidade, a maleável, o resultado de um trabalho sobre a matéria do ‘social´”.
fragmentação, a perda de força e a dispersão, intelectuais e dirigentes participantes dessa Emerge assim o paradoxo da sociedade, de qualquer sociedade. De um lado, é
pesquisa, sem deixarem de perceber esses riscos, preferem apostar em outra direção. hospedeira do social e, de outro, tenta domesticá-lo pelo medo de que ele a transforme. O
Percebem, nesta “multidimensionalidade das composições e na diversidade de orientações”
não o apoio “a um processo de fragmentação e particularismo na ação social”, como afirmam
certos cientistas sociais (CALDERÓN; SANTOS, 1987, p. 189), mas possibilidades de uma 52 - “A partir de agora, a sociedade não será mais um princípio de unidade; será o resultado dos conflitos
sociais e das grandes orientações culturais que são seu entorno (enjeu). Não é mais uma essêencia senão um
ação social transcendente e de impacto político, além de expressão da complexificação do acontecimento. Assim como uma organização não é senão o estado instável e provisório das relações entre os
tecido social. E mais, buscam formas novas de articulação dessa multiplicidade. grupos sociais que possuem ou não possuem a autoridade nol interior de determinados limites, uma sociedade
Para os cientistas sociais compreendermos esses processos, teremos que complexificar por isso mesmo não é sanão uma mistura mutante de conflitos latentes ou abertos, de negociações, de dominação
imposta, de violência e de desordem. Não se pode compreender o ato através da sociedade à qual se pertenece;
nossos saberes, como é a proposta weberiana na interpretação de Arditi (1987, p. 176): há que partir dos sujeitos e dos conflitos que os opõem e através dos quais a sociedade se produz a si mesma”
(TOURAINE, 1979, p. 1034).
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grande perigo para os movimentos sociais populares é, então, sua domesticação. Foi nesse remeteriam, em última instância, a um centro fundante capaz de revelar a forma de unidade
paradoxo que à educação escolar foi imposta a burocratização, a mesmice, a improdutividade ou a identidade específica da sociedade. Também não se pode dizer que existe um lugar
para os setores sociais que não foram seus inventores. A escola foi domesticada. Saiu do privilegiado a partir do qual a sociedad se torna consciente ou crítica de si mesma a não ser
âmbito do social e circunscreveu-se no âmbito da sociedade. O interessante, porém, é que, que retornemos a Hegel. Já não há um lugar privilegiado, ou pelo menos já não há a priori,
na medida em que alguns movimentos sociais - como o da escola e o a social-democracia porque surgem muitos lugares diferentes a partir dos quais se lançam desafios, igualmente
europeia - se domesticam, outros vão surgindo, como os movimentos feministas, ecológicos, diversificados à boa ordem da sociedade estabelecida.
pacifistas, e os de educação não-escolar. Essas perspectivas poderão informar os trabalhos no interior de uma Pedagogia
Nesse sentido, Arditi (1993, p. 183) revela o paradoxal: “a fragilidade do diferente que que assuma como única finalidade da educação a construção humana do sujeito humano
se esforça por sobreviver ante as seduções do poder vem acomapanhada por uma certa como temos insistido neste texto e agora passamos a tecer algumas considerações mais
´fragilidade´ ou insegurança da ordem, que se esforça por sobreviver ante as ondas rebeldes detalhadas sobre a complexa e complicada questão dessa construção: a humanidade do
e inovadoras do mar do `social`”. ser humano. Pois é ela que poderá fornecer os elementos para uma análise sociológica de
Evidencia-se, assim, a importância de, aproveitando determinadas conjunturas, ampliar quaisquer processos educativos, não só os chamados de educação não-escolar, extra-escolar,
as possibilidades da produção de experiências históricas, de diferentes tipos, como as vividas informais, inter/multiculturais. Poderá, ainda, consolidar as perspectivas latino-americanas da
pelos movimentos sociais populares e da educação não-escolar, da educação inter/multicultural. refundamentação da Educação Popular (COSTA, 1998; SOUZA, 2000 a, 2003).
Pois, como irá se explicitando, eles têm permitido muitas transformações sociais de alcances
e níveis diversificados. Mudanças sociais significativas que alcançam segmentos e locais que
são básicos: as famílias, as comunidades, locais de trabalho, as áreas rurais, os bairros,
municípios, nos níveis pessoais, grupais e, também, institucionais. Em certas conjunturas têm
influenciado nas políticas governamentais e na reformulação de legislações com alcances
individuais, grupais e institucionais. Os grupos e organizações sociais participantes da
pesquisa, no Brasil e México, acima referida (SOUZA, 1999), conformadores de experiências
do social, no confronto com a atuação dos governos, partidos, igrejas, patrões e diferentes
preconceitos (sociedade), são significativos em seus contextos.
Sua capacidade vai sendo produzida nas próprias exigências de atuação dos grupos e
organizações dos movimentos sociais populares. Essa capacidade exige informações, saberes
e decisões que ampliam os horizontes existenciais e sociais de seus membros, aumentando
sua competência nos níveis e dimensões mais diferentes da vida pessoal e coletiva (SOUZA,
1999; RAZETO, 1999; SANTOS, 2000).
O que desejam é uma articulação a partir de algumas propostas de ações concretas
diante dos tremendos desafios experimentados para ampliar seu impacto no conjunto das
sociedades não só nacionais mas internacional, tipo Forum Social Mundial, inclusive em
suas versões regionais e nacionais. E ainda de eventos temáticos, como o Forum Mundial
de Educação, já em sua terceira versão. Busca-se não propriamente uma unidade, mas uma
articulação entre eles para que aumente a força de sua intervenção, assim como afinação das
reflexões.
Aproximam-se da posição de Arditi (1987, p. 180), ao citar Cacciari e Franck (1981):
a sociedade está se convertendo numa espécie de cidade povoada por uma pluralidade de
esferas ou setores especiais de atividades: esses podem estar ligados ou articulados entre
si, mas dificilmente podem estar contidos por uma esfera ou setor central. Já não tem sentido
pensar a pluralidade de identidades e relações sociais como metástases de um ponto ou lugar
único; tampouco caberia pensar a totalidade social em termos de círculos concêntricos que
108 109
TEMA 12: básicos de aprendizagem ou conteúdos educativos) é a construção da compreensão, da
AS FINALIDADES SOCIAS DA EDUCAÇÃO interpretação, da explicação da realidade natural e cultural. Esses resultam das análises das
realidades naturais e culturais, em diferentes níveis, a partir de diversos enfoques teóricos
em confronto com o saber da experiência feito. Esse processo analítico proporciona novas
A humanização ou desumanização do ser humano é uma tarefa de cada um de formulações compreensivas, interpretativas e explicativas das situações tomadas como objeto
nós, individualmente, e da humanidade no seu conjunto. É uma tarefa também de todas as de conhecimento pelos processos educativos. Esses conteúdos devem ser expressos nas
instituições de pesquisa, docentes, econômicas, religiosas e culturais. Essa construção é feita diferentes linguagens para entrar em interlocução nos diferentes e diversos âmbitos sociais.
a partir das diferentes organizações sociais que temos construído através dos tempos e dos Os conhecimentos construídos ou em construção só se realizam na comunicação.
espaços. Humanizar-se ou desumanizar-se são processos culturais, construídos socialmente Para isso, necessita-se da apropriação dos instrumentos essenciais para aprendizagem.
através dos tempos e dos espaços. Culturais, portanto, construções dos próprios seres Esses instrumentos essenciais para a aprendizagem (conteúdos instrumentais) serão
humanos. Não confundir essa proposta com um mal entendido ideal humanista de formação imprescindíveis para a expressão, nas diversas linguagens (verbais, artísticas e matemáticas),
que contempla uma educação monádica da personalidade limitada a si mesma. das compreensões em construção por educandos e educadores.
As possibilidades de humanização e desumanização encontram, como nos recorda Tudo isso, contudo, torna-se inútil se não se chega à elaboração de projetos de
Paulo Freire (1987, p. 30), sua raiz na inconclusão ou inacabamento dos seres humanos, transformação (conteúdos operativos) das situações que foram tomadas como objeto de
inscrevendo-os num permanente movimento de busca. Humanização e desumanização, conhecimento naquele específico processo educativo. Esses projetos são os conteúdos
dentro da história, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes operativos dos processos educativos. Ou seja, instrumentos de intervenção social. Nesse
de sua inconclusão. Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que sentido, a elaboração de tais projetos de transformação social (projetos de intervenção social
chamamos vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria negação. ou projetos de aperfeiçoamento de intervenções em curso), em âmbitos e alcances os mais
Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores. Mas diversificados desde o pessoal ao internacional, concretizam a dimensão social, política dos
afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua processos educativos. Essa é a dimensão política formadora mais significativa da educação.
humanidade roubada. A desumanização, que não se verifica somente apenas nos que têm Cria as condições da intervenção social. Esse produto deverá ser comunicado à sociedade,
sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, por diferentes meios, para que a contribuição da escola à transformação social adquira
é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação transcendência imediata. Garante-se, assim, aos educandos e educadores e à instituição
histórica . educativa, a competência da palavra, a palavra verdadeira que é criar as condições objetivas
Nós somos, pois, um projeto a ser construído cuja construção depende de nossas e subjetivas da transformação do mundo, das pesssoas e das instituições. Como afirma Freire
opções axiológicas. O problema central do ser humano é, pois, a sua construção humana (1994, p. 92-93):
ou a sua desumanização. É essa a resposta que temos de construir historicamente e para a
qual os processos educativos, escolares ou não, são decisivos. A questão da humanização se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é praxis, é transformar o mundo, dizer
ou desumanização será aprofundada no próximo item; aqui, vamos tecer mais algumas a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente
considerações sobre a educação enfatizando a questão da aquisição da cultura escrita. por isto ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato
A educação, inclusive a escolar, é encarada como um problema cultural, como uma de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
atividade cultural e um instrumento para o desenvolvimento da cultura, capaz de contribuir
com a democratização fundamental da sociedade, da própria cultura, e com o enriquecimento Assim sendo, “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para
cultural de seus diferentes sujeitos, especialmente dos sujeitos populares, na medida em que pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 1994, p. 93). É a tomada
se constitui um locus privilegiado para o confronto entre diferentes culturas ou traços culturais coletiva das realidades culturais e naturais como objeto de conhecimento dos processos
e elaboração de sínteses mais amplas, consistentes e provocadoras de novas perspectivas educativos, inclusive dos escolares que efetiva a dimensão política dessa ação cultural, sendo
existenciais. a especificidade dos processos educativos escolares trabalhar os instrumentos essenciais
Com esses horizontes, afirmamos que o conteúdo dos processos educativos (conteúdos para a aprendizagem (conteúdos instrumentais). Mas que sentido têm esses instrumentos
se não se desenvolveram os conteúdos educativos e não se possui a capacidade de formular
53 - Como você interpretaria essa citação do Livro, A pedagogia do oprimido, e quais as implicações para sua os conteúdos operativos?
vida pessoal e profissional?
110 111
Esquemática e operacionalmente se poderia representar essas idéias no seguinte interagir para ampliar suas possibilidades de intervenção no mundo, construindo sua história
gráfico: inseridos na história da humanidade. Esses processos podem ser emoldurados no seguinte
gráfico, desde que não se pense cada quadrante como homogêneo:
CULTURA MIDIÁTICA
CULTURA ORAL CULTURA ESCRITA

(comunidades predominantemente (comunidades predominantemente


SABERES POPULARES CONHECIMENTOS da palavra) do gráfico)
CIENTÍFICOS

PROG. DE ESCOLARIZAÇÃO APRENDIZAGEM DO CÓDIGO


POPULAR ALFÁBETICO

SABERES ESCOLARES

MENTALIDADE RURAL MENTALIDADE URBANA


Do ponto de vista didático, trabalha-se com a idéia de que o sujeito que aprende o faz a
partir de estruturas prévias e de uma maneira ativa, tomando como base as singularidades de
sua cultura específica, de origem ou de referência primeira. Não se põe apenas como receptor A aquisição ou ampliação do código alfabético para a escrita e a leitura, nesse contexto,
de informações. Mas reage e faz suas formulações. Por isso, os processos de aquisição da é um problema epistemológico (produção e direcionalidade da produção de conhecimentos),
leitura e da escrita do/no código alfabético devem levar em conta várias dimensões: a social, político (implicações em termos de autonomia, dominação, subordinação, opressão,
a afetiva, a ideológica, a política, a pessoal, a gnosiológica e a pedagógica na intersecção apoderamento e/ou em/a-poderamento [empowerment] dos grupos sociais sem poder e de
dos saberes populares, conhecimentos científicos e saberes escolares permeadas pelas relações mais amplas de poderes), social (interrelações macro e micro-culturais em que vivem
influências da cultura midiática. Não se pode, portanto, negligenciar os âmbitos socioculturais; os sujeitos aprendizes e ensinantes, a sociedade) e pedagógico (a formação humana do
especificamente, os valores vividos por aqueles que vão se apropriar do código alfabético sujeito humano no confronto de culturas ou traços culturais diferentes).
para ampliar sua leitura do mundo e da palavra. Nessa ação axiológica, buscar-se-á a construção de uma mentalidade mais complexa,
A oferta inicial deve coincidir com o nível de desenvolvimento e a mentalidade da superando as linearidades de cada um dos quadrantes, enquanto síntese de práticas sociais,
comunidade na qual se realizam os processos de aquisição da escrita e da leitura do/no e, portanto, das culturas/saberes nelas contidas.
código alfabético, seja esse nível considerado positivo, negativo, preconceituoso, atrasado ou A reflexão política pode ser feita sem se falar da aquisição dos códigos alfabéticos; a
condensação das visões escolásticas de escola que a própria instituição levou os diferentes conscientização se dá em processos de transformação cultural. A politização se faz através
segmentos sociais a introjetarem não só sobre ela própria, mas também sobre a sociedade da ação organizada e não das letras. Entretanto, parece poderem as letras contribuir para
e eles próprios. Caso contrário, como tem comprovado o fracasso de tantos programas e a compreensão da política e da economia, para a conscientização, bem como para as
projetos, não avançaremos nos objetivos explicitados pela escola, quase como exclusividade transformações culturais necessárias, ainda que o potencial político e econômico do domínio
de sua atuação, sobretudo, para os anos iniciais, mas não só. “Com efeito, o locus natural e da leitura e da escrita do/no código alfabético não esteja evidenciado para as maiorias da
único para aprendizagem e desenvolvimento do código escrito continua a ser, mesmo nesta população mundial acompanhada de suas carências econômicas, políticas, intelectuais e de
sociedade do audiovisual e do imediato, a escola e, dentro desta, privilegiadamente, a aula de prestígio social. E mais: até hoje, a maioria dos governos não tem efetivamente investido em
língua materna” (PEREIRA, 2000, p. 99). sua escolarização. Contudo, no contexto atual, essa escolarização está se revelando, para
Não se pode, no entanto, confundir oferta inicial com meta a ser conquistada. O desejo essas maiorias e mesmo para a configuração da pós-modernidade/mundo, imprescindível,
é que os participantes de um programa de alfabetização ou de elevação de escolaridade além de constituir uma questão de sobrevivência e de justiça social.
possam desenvolver o máximo de sua capacidade expressiva na cultura letrada e com ela O sistema de significação (significados e sentidos), os processos de sua produção,
112 113
suas produções e reproduções a serem documentados no código alfabético, sobretudo com as sociedade.
tecnologias mais avançadas das telecomunicações, tornam-se insubstituíveis. É uma questão A construção dessa proposta foi resultado de um longo caminho de análises e
de sobrevivência do ser humano e de consolidação ou não de seus processos de humanização. experiências, refletidas ao longo de mais de quarenta anos, sobretudo dos últimos 15 anos,
Sem construir os sentidos e significados para suas ações, emoções e pensamentos, o no interior do NUPEP/UFPE, tanto revendo a construção histórica dos diferentes conceitos
ser humano morre, inclusive fisicamente. E os códigos alfabéticos contribuem para essas e proposições da área da educação de adultos, como da EJA, de acordo com a legislação
construções, além de colaborarem para que elas se tornem mais complexas, para enriquecê- educacional brasileiral, fundamentada no que temos denominado, na América Latina, de
las e possivelmente ampliar sua competência comunicativa e interacional, possibilitando-lhes Educação Popular (LOVISOLO, 1990; SOUZA, 2001). Por outro lado, parece muito similar a
maior densidade. Numa palavra: constroem sua competência humana. propostas produzidas em outras latitudes, como aquela da França analisada por Rui Canário
Por outro lado, não se pode considerar os analfabetos como incultos nem propriamente (2000). Vejam-se os termos e as perspectivas apresentados por ele. Ainda que se trate de
iletrados e, muito menos, como carentes de sentidos e significados para suas ações, uma longa citação parace justificar-se para que se possa fazer uma comparação e perceber
pensamentos e emoções. São analfabetos, isto é, não dominam o código alfabético para sua simalaridades e diferenças. Afirma ele:
escrever e ler fluentemente. Conhecem outras escritas e mesmo a alfabética não lhes é
totalmente estranha. A não ser determinados e delimitados grupos sociais em comunidades Aquilo que, neste texto se defende é, precisamente, “fazer do adulto não um cliente,
muito isoladas em um ou outro território. mas transformá-lo num co-produtor da sua formação”, o que implica duas conseqüências:
Nesse sentido, o trabalho do NUPEP/UFPE pode, também, contribuir para potencializar a primeira é a de inverter o princípio de elaboração dos dispositivos educativos, “em vez
e concretizar a criação da cultura do sucesso escolar para os setores populares a partir do de procurar vender um produto pré-confeccionado, torna-se necessário co-produzi-lo com o
atual debate sobre o multiculturalismo e as possibilidades da interculturalidade. É possível que consumidor”; a segunda conseqüência é a de “romper com a lógica da disciplina”.
a escola ainda não tenha conseguido ter êxito, em termos de garantir o domínio do código Esta maneira de ver distingue-se claramente da corrente das pedagogias “activas” ou,
alfabético aos/pelos setores subalternizados da população mundial, por ter considerado de também chamadas, “não directivas”, na medida em que não se restringe a procedimentos
forma insuficiente a questão cultural, especificamente as diferenças entre a cultura oral e a que no espaço e no tempo escolares possam facilitar a transmissão de saberes de que sabe
cultura escrita na realização das atividades pedagógicas escolares, inclusive, no âmbito de uma (o educador) para quem não sabe (o educando). Deste ponto de vista, o trabalho educativo
mesma cultura nacional. É preciso, pois, que a escola se coloque na perspectiva da educação passa a incidir menos na aquisição de conteúdos e a incidir mais na compreensão do meio
como processos e experiências de ressocialização das culturas e dos seres humanos nas ambiente físico e social, bem como na construção de esquemas adequados de acção.
várias feições que vão adquirindo de acordo com os diferentes recortes de suas situações e A noção de experiência torna-se então central, relativamente a qualquer matéria
condições interpessoais, pessoais, comunitárias, nacionais e internacionais em resposta às objectiva. Centrar a educação no sujeito que aprende, construindo uma “pedagogia da pessoa
socializações que tenham vivenciado nas situações afetivas. Os resultados das socializações como totalidade”, passa então a significar:
condensados em nosso inconsciente, para se modificarem e se enriquecerem, necessitam de Tomar em consideração e trabalhar não apenas as suas aquisições académicas mas
questionamento, através de debates e novas experiências de ação. Numa palavra, precisam a maneira como ele constituiu a sua vida e as suas aquisições sociais. Nesta perspectiva,
de ressocializações a fim de nos tornar inter/multiculturais críticos. Democráticos. Humanos. o trabalho do educador apoia-se tanto nas representações como nos valores e aprender
Cada vez mais. corresponde a passar de representações como imagens concretas para conceptualizaoes
Na prática, a nossa práxis pedagógica e o nosso material didático se colocam um abstratas que permitam estabelecer relações entre os dados da experiência e a elaboração de
duplo desafio: o da formação contínua do educador e o da provocação ao educando para modelos; trata-se, portanto, de um movimento de des-construção de um sistema substituindo-
que superem sua visão escolástica de escola e de sociedade, bem como de si mesmos, de lhe uma base coneptual que permita ultrapassar os saberes-fazer adquiridos (BOGARD, 1991,
suas culturas e religiões. Deseja-se realizar esses processos através de um material que p. 22 apud CANÁRIO, 2000, 25-26).
exige revisão/formação contínua do educador e uma interação dialogante com o educando,
que suscite sua curiosidade epistemológica. Além disso, o material deve promover uma Temos, portanto, como desafio central que, parece coincidir, com a proposta do NUPEP/UFPE,
interação com as condições de vida, as aspirações, frustrações e desejos do aprendiz. Numa a contribuição da educação para a construção da pessoa como totalidade sendo o jovem ou
palavra: tomar as situações e condições existenciais (económicas, políticas, sociais, culturais, adulto produtor de sua formação.
religiosas, de poder, de riqueza e de saber, entre outras) como objeto de conhecimento. Sem
54 - Trata-se de um conjunto de 7 livros do professor e 53 livros do aluno em cinco áreas de conhecimento para
isso, os processos educativos e os materiais didáticos neles utilizados viram instrumentos garantir-lhes os conteúdos correspondentes ao Ensino Fundamental (8 anos de ensino primário na estrutra da
burocráticos desqualificados e desqualificadores sem sentido para professores, alunos e a educação escolar brasileira) na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
114 115
TEMA 13: de consciência” (CHARDIN, 1965, p. 322).
Vamos ler alguns trechos dessa obra, escrita entre julho de 1938 e junho de 1940, e
HOMINIZAÇÃO (PROCESSO NATURAL);
pensar sobre eles. Escreva o resultado dessa reflexão no seu Diário. Veja o que ele afirma na
HUMANIZAÇÃO/DESUMANIZAÇÃO (PROCESSOS CULTURAIS) apresentação da obra em 1947:

E m trabalho anterior (SOUZA, 2000, p. 33-34) faço uma reflexão que me parece Preeminente significação do Ser Humano na Natureza, e natureza orgânica da
pertinente reproduzir aqui, pois coloca o debate sobre as questões da humanização/ Humanidade: duas hipóteses que podemos tentar repelir de início; mas sem as quais eu não
desumanização num âmbito mais amplo. Por outro lado, informo que esse debate não está vejo como se há de poder dar uma representação coerente e total do fenômeno humano
vinculado, necessariamente, aos humanismos clássicos ou atuais, ainda que me pareça (CHARDIN, 1965, p. 3).
necessário um confronto de idéias nesse campo que desejo fazer em breve para garantir-lhe
maior consistência ao debate que vimos encetando. O que poderá significar a afirmação: “ser humano na natureza, e natureza orgânica da
Antes do surgimento do ser humano na Terra, a evolução (por força da natureza, dos humanidade”? Veja mais:
deuses ou deusas, ou de Deus) foi um processo de cosmogênese e de antropogênese.
O surgimento dos planetas e dos diversos seres vegetais e animais foi a preparação para Para dar ao Ser Humano seu verdadeiro lugar na natureza, não basta abrir nos quadros
a emergência do ser humano, criação de cenários para a existência desse ser. Não se da Sistemática uma seção suplementar, mesmo uma Ordem, mesmo um Ramo a mais. Pela
queira aqui identificar nenhum antropocentrismo disfarçado. O fato de serem cenários para a hominização, apesar das insignificantes mudanças do salto anatômico, uma nova idade
existência do ser humano não diminui sua importância. Pelo contrário, afirma a necessidade de começa. A Terra ‘muda de pele’. Melhor ainda, encontra a sua alma (CHARDIN, 1965, p. 191).
cuidarmos dele como de nós mesmos, de humanizá-los: preservar, promover e desenvolver o
meio ambiente natural e cultural. É a condição de nossa própria humanização. Não podemos Por que o autor afirma que com a “hominização ... uma nova vida começa” ou “a terra
existir sem ele. Somos parte dele. A natureza orgânica da humanidade e a humanidade da muda de pele” ou ainda “a terra encontra a sua alma”? Têm sentido essas afirmações? Por
natureza. quê? Que tem isso a ver com o processo educativo? E com a educação escolar? E a educação
O processo de cosmogênese e de antropogênese foi independente de nós. Mas, a não-escolar?
partir da hominização, ou seja, do surgimento, no cosmos, de um ser que age, emociona-se
e pensa, a evolução ou involução passa a ser uma tarefa desse ser. É um trabalho cultural, Do ponto de vista experimental que é o nosso, a Reflexão, como a própria
histórico e social. Ou seja, um trabalho dos seres humanos de forma organizada no tempo e palavra o indica, é o poder adquirido por uma consciência de se dobrar sobre si mesma e de
no espaço. É o processo de humanização ou de desumanização que se instala. Somos nós tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de sua própria consistência e do seu
os seus condutores, seus autores, seus protagonistas. próprio valor: já não só saber, mas saber que se sabe. Com esta individualização de si próprio
O Padre Pierre Teilhard de Chardin (1º/05/1881-10/04/1955), jesuíta francês e importante no fundo de si próprio, o elemento vivo, até aí espalhado e dividido sobre um círculo difuso
geólogo e paleontólogo, que foi membro da Academia de Ciências da França, ajuda-nos nesta de percepções e de atividades, acha-se constituído, pela primeira vez, em centro puntiforme
reflexão. Como componente do Serviço de Geologia da Universidade Chinesa, participou de onde todas as representações e experiências se enlaçam e se consolidam num conjunto
grandes expedições científicas, cujos resultados levaram à descoberta do primeiro Sinantropo consciente de sua organização (CHARDIN, 1965, p. 169).
e à série de importantes achados que tornaram Pequim um dos principais centros em trabalhos
de Paleontologia e de Pré-História. Em seu livro, O FENÔMENO HUMANO, escrito de um Analise bem a afirmação de que “a Reflexão ... é o poder adquirido por uma consciência
ponto de vista naturalista e manifestando um domínio extraordinário dos dados mais recentes de se dobrar sobre si mesma e de tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de
da ciências naturais, apresenta-nos uma ampla e belíssima síntese de todos os processos sua própria consistência e do seu próprio valor: já não só saber, mas saber que se sabe”.
acima apontados. Extraordinário! Não? A natureza torna-se um ser consciente, reflexivo. Um corpo consciente.
Essa obra é um verdadeiro poema científico; mostra-nos a evolução surpreendente do Uma consciência corporal. A biologia se fez antropologia, consciência, capacidade reflexiva.
mundo, ou melhor, da Terra, desde a matéria elementar até o resultado final dessa evolução, A hominização acontece. A cosmogênese e a antropogênese parem o ser humano... Como
o SER HUMANO, no seu desenvolvimento através do tempo e ainda no prosseguimento de usará esse ser – que nós batizamos de ser humano - a sua capacidade reflexiva, emocional
seu aperfeiçoamento no futuro (a busca da humanização). Essa humanização, para Chardin, e operativa? Está lançada a sorte: Humanizar-se ou desumanizar-se!!?? Afirmar-se como ser
se realiza segundo determinadas diretrizes a convergir para “um pólo supremo de atração e humano ou não ir além da mera animalidade! Como construir a humanidade do ser humano?
116 117
Entre tantas outras atividades e ações do ser humano que podem contribuir ou não para e coletiva, para todas as pessoas da pós-modernidade/mundo que desejam ser felizes. E é a
sua humanização - como a economia, a política, a religião -, a educação parece ser um fator razão de ser de todos e quaisquer processos educativos escolares, não-escolares (formais e
decisivo. Trabalhamos com a hipótese de que a educação, em todas as suas modalidades, não-formais).
formas, níveis, pode contribuir com o processo de humanização. Nessa perspectiva, de fato
a educação só acontece quando contribui para nossa humanização, para a construção da
humanidade de cada ser humano e da humanidade de toda a humanidade.
O Padre Chardin não desconhece, contudo, os problemas das relações entre as
concepções científicas da evolução e as interpretações da fé cristã. Por isso, procura demonstrar
que não há incompatibilidades entre uma fé esclarecida e uma concepção científica não
dogmática. No epílogo, ele identifica o Cristo como o pólo supremo de atração e consciência.
Afirma que:

Para animar a Evolução no decurso dos seus estádios inferiores, o pólo consciente
do mundo não podia agir, e isso é natural, senão velado de Biologia, sob forma impessoal.
É-lhe possível irradiar de Centro para centros, pessoalmente, sobre a coisa pensante que nós
viemos a ser pela hominização. Seria verossímel que não o fizesse?...Ou toda a construção
do Mundo aqui apresentada é vã ideologia; ou, algures à nossa volta, sob uma ou outra
forma, algum excesso de energia pessoal, extra-humana, deve ser discernível, manifestando
a grande Presença... se soubermos ver (CHARDIN, 1965, p. 323).

Que poderão significar essas idéias? Como as compreende? Claro que o padre insiste
em afirmar que vê o fenômeno cristão e a sua coincidência com o pólo supremo de atração e
de consciência não como crente convicto que é, mas como simples naturalista que também
o é (CHARDIN, 1965, p.329-330). No entanto não podemos pensar que não o faça, também,
na perspectiva de sua fé. Senão a força de atracão seria Maomé, Buda o Lao-Tsé. Mas, será
que, em sendo científica, poderia ter uma transcendência para todos os que somos ateus?
Como quer que seja, o ser humano surge na Terra como um projeto; portanto, algo a ser
construído porque inconcluso ou inacabado. Nenhum de nós pode, pois, viver sem formular
um projeto de vida que é ao mesmo tempo um projeto de sociedade, um projeto histórico.
Como afirma Raoul Giret (1996, p.13):

Je suis vraiment convaincu que l`Homme est un être de projet que ne peut vivre qu´en
prevoyant sa journée, son travail, ses vacances, l´avenir de ses enfants, sa retraite... et que le
désarroi de nombre de nos contemporains tient, en partie, à leur manque de confiance dans
l´avenir, leur avenir et celui de leurs enfantes. L´Homme ne peut pas vivre sans projet!

Vamos ao estudo das bases para elaboração de um projeto humano de vida, pessoal

55 - “Estou verdadeiramente convencido que o ser humano é um ser de projeto e não pode viver senão prevendo
sua caminhada, seu trabalho, suas férias, o futuro de seus filhos, sua aposentadoria… e que a angústia da
maioria de nossos contemporâneos provém, em parte, da sua falta de confiança no futuro, seu futuro e o de seus
filhos. O ser humano não pode viver sem um projeto!”.
118 119
TEMA 14: da atuação no meio (natural, geográfico, cultural, histórico) em que me encontro juntamente
com os outros. Esses outros, como EU, são sujeitos de direitos e deveres. Como eu, eles
A EDUCAÇÃO COMO UMA CHAVE
nasceram num determinado meio natural e cultural. Nesse meio, nós podemos nos humanizar
PARA A HUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO ou desumanizar pelas ações, aprendizagens, pensamentos e emoções que vamos fazendo/
O ser humano (todos e quaisquer seres humanos) é pleno de adquirindo ao longo de nossa vida.
possibilidades de humanização, mas também de desumanização. As aprendizagens vão acontecendo pelas reações que tenho ao que vejo e sinto em
relação ao que os outros e eu mesmo fazemos, dizemos e sentimos. Ao que a escola ensina. Ao

O s seres humanos nascemos INCONCLUSOS, INACABADOS, como nos relembra


que as Igrejas professam. Ao que os ricos fazem. Ao que os trabalhadores sofrem. Aos medos
que sentimos. Aos amores que vivemos. Essa reação pode ser de aceitação, de rejeição ou
Paulo Freire (1987). Ele faz dessa idéia a base de sua proposta pedagógica. E afirma que a de transformação. Quase sempre estão mescladas todas essas atitudes (aceitação, rejeição,
nossa vocação é SER CADA VEZ MAIS HUMANOS. Vamos nos tornando HUMANOS ou nos transformação) que vamos condensando numa nova perspectiva a partir de suas interrelações
desumanizando no decorrer de nossa vida, de acordo com as experiências que tivermos, com e novas construções culturais.
as condições que construirmos para nossa vida pessoal e a vida da coletividade. Por isso,
devemos nos EDUCAR AO LONGO DA VIDA . . NATURAL
A visão de Paulo Freire sobre essa educação ao longo da vida se justifica pela . no MEIO
inconclusão humana e pela busca contínua que fazemos com vistas à construção de um . CULTURAL
projeto humano para o conjunto da sociedade e para cada um de nós e dos grupos culturais EU +
aos quais pertencemos. Essa HUMANIZAÇÃO só pode ser construída coletivamente. O EU
(identidade) de cada ser humano se constrói na coletividade (NÓS). A humanização implica, . minha REAÇÃO a esse meio (Permite me
então, idéias, pensamentos, reflexões, ciências, artes (PENSAR), afetos, vontades, paixões, humanizar ou desumanizar. Garante minha
experiências (EMOCIONAR-SE), bem como atividades, ações, práticas (FAZER), no interior APRENDIZAGEM. Acontece minha
de determinadas relações sociais (MEIO CULTURAL) e de relações com a natureza (MEIO EDUCAÇÃO).
NATURAL). Essas relações sociais e com a natureza estão em permanentes mudanças,
transformações, para o bem ou para o mal. Nessa reação, vou me tornando EU; vou me humanizando ou desumanizando. O meu
Matutar sobre a HUMANIZAÇÃO do ser humano é pensar sobre um dos mais difíceis EU vai se conformando a partir de um determinado meio natural (o continente europeu, asiático,
problemas da vida. É pensar sobre a própria existência do ser humano, suas possibilidades e africano, americano, o rural ou urbano, a montanha, o litoral) e cultural (a cultura tradicional,
impossibilidades. Facilidades e dificuldades. Cada um de nós não apenas se julga humano, cultura moderna/pós-moderna, a cultura informática, visual, letrada, oral, maometana, católica,
pensa sempre que é O MAIS HUMANO de todos os seres humanos. As situações ou condições mulçumana, atéia) pela REAÇÃO/FORMULAÇÃO que eu vou tendo ao meio em que nasci
menos humanas ou as desumanidades são sempre de outras pessoas ou de outros lugares. ou vivo. E também de acordo com as reações às informações novas que vou recebendo na
Então, trabalhar com a hipótese de que a EDUCAÇÃO diz respeito à CONSTRUÇÃO escola, pela televisão, pelas religiões, etc. É a partir da reação que vou tendo ao meio (natural
DA HUMANIDADE DO SER HUMANO E DO PLANETA é uma tremenda complicação. É uma e cultural), a meu ambiente, que vou construindo as minhas formas próprias de PENSAR,
tarefa para os fortes, uma missão que “aos fracos abate e aos fortes exalta” . EMOCIONAR e FAZER. A reação é uma ação nova a partir da qual um novo pensar e um novo
O grande problema, pois, é a construção de minha identidade (EU) na convivência com emocionar se desenvolvem. Vou construindo minha natureza humana.
os outros, que também têm direito de construir sua identidade, sua humanidade (outros EU’s). O SER HUMANO é PESSOA pelo que tem em comum com os outros seres humanos.
Eu nasço num determinado meio natural e cultural e vou reagindo a esse meio. Nessa É INDIVÍDUO pela forma particular de pensar, de emocionar-se e de fazer de cada um frente
reação vou afirmando o meu EU. Mas não há nenhuma possibilidade de eu ME firmar fora ao mundo, às pessoas e às situações. A pessoa se individualiza. É uma singularidade. É
única. Tem um valor incomensurável. Será? Eu me distingo, no interior da coletividade de
56 - A idéia da educação ao longo da vida transformou-se na idéia de educação ao longo da vida reduzida quase pessoas, faço-me EU. Na SOCIEDADE, no NÓS é possível surgir o indivíduo, o Eu a partir
que exclusivamente às questões da reciclagem profissional e ao atendimento do mercado na difusão que foi dada
de “lo social”.
pela UNESCO (Organização das Nações Unidades para a Educação, Ciência e Cultura). Claro que o conteúdo
do relatório da pesquisa sobre a educação necessária ao século XXI, contido na obra “Educação: um tesouro
a descobrir” (DELORS, 1996), é um tanto mais complexo que esse reducionismo, mas não o deixa de sugerir. 57 - Gonçalves DIAS, poeta brasileiro, em seu poema Canção do Tamoio.
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A aprendizagem é interior, dá-se dentro de mim, mas tem que se exteriorizar. Por isso, e coletivas. Elas não surgem, pois, espontaneamente nem por vontade de Deus ou das
“ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho”. Os seres humanos se educam ao deusas. Mas das ações, dos pensamentos e das emoções dos seres humanos organizados.
enfrentarem coletivamente os problemas que a vida apresenta (Estou parafraseando Paulo São situações e/ou condições produzidas pelas ações dos seres humanos que, uma vez
Freire ). Mas a aprendizagem que se dá dentro de nós tem que aparecer, fazer-se visível, instituídas, condicionam, limitam e criam possibilidades de novas ações, pensamentos e
exteriorizar-se. Essa exteriorização se manifesta em atitudes, habilidades, capacidades e emoções. O pensar, o emocionar-se e o agir dos seres humanos são culturais e emoldurados
relações interpessoais e sociais. pelas situações por eles mesmos criadas. Podem, portanto, ser transformadas.
Na idéia de humanização está implicado o tipo de relações que temos e queremos ter Uma vizualizaçao possível, encontra-se abaixo e podemos ilustrar mais adequada
com a natureza e com os outros seres humanos. Os outros seres humanos, como eu, são situações ou condições menos humanas ou até desumanas e a luta para superá-las com a IX
pessoas e indivíduos. Cada ser humano é uma pessoa individual. E um indivíduo pessoal. As e a I Leituras Complementares.
relações que mantemos com os outros expressam os imaginários, os desejos, as paixões,
os sentimentos que temos e/ou queremos ter como pessoa, indivíduo, eu, mas também
como sociedade, coletividade, nós. Conforma uma maneira própria de emoção, de ação e
de pensamento. Essa perspectiva do ser humano (indivíduo, pessoa) e da sociedade (nós, SITUAÇÕES, CONDIÇÕES
coletividade) é integral (emoção, reflexão, ação). Só nessa multifacetada condição podemos
nos tornar humanos ou nos desumanizarmos. MENOS HUMANAS MAIS HUMANAS
Ao nos denominarmos de SERES HUMANOS, entre diferentes nomes que demos aos
outros animais (gato, cachorro, vaca, cabra, etc), passamos a criar uma ideologia sobre nossa AÇÕES ORGANIZADAS
HUMANIDADE. Quando afirmamos: “José não tem humanidade”, “Antonieta é desumana”,
fica evidente que temos uma ideologia sobre o que nos faz humanos. Então, ser humano não INDIVIDUAIS COLETIVAS
é apenas um nome que nos damos. É uma ideologia, ou seja, desejamos que o animal, o qual
denominamos de ser humano, tenha uma maneira própria de viver e de conviver. Tenha uma SITUAÇÕES, CONDIÇÕES
maneira humana de viver, de ser (fazer, emocionar-se e pensar). MAIS HUMANA
A palavra humanidade não significa, pois, apenas um substantivo comum, coletivo
dos seres humanos existentes no planeta Terra. O conjunto dos seres humanos da Terra. Na busca de construir sua humanidade, os seres humanos produzimos também os
Quando escrevemos, falamos ou lemos rebanho, entendemos apenas o conjunto de bois e conflitos, as contradições, as desumanidades. Defrontamo-nos com vários conflitos dentro
vacas de uma fazenda ou do mundo. Não acontece o mesmo com a palavra humanidade. de cada um de nós, com os outros, com as autoridades, nas famílias, nas igrejas. Enfim, nas
HUMANIDADE não é apenas o nome que damos ao conjunto dos seres humanos que habita o instituições de quaisquer naturezas. Não é um processo sem dificuldades. A construção de
planeta TERRA. Entendemos HUMANIDADE como a maneira própria de existir desse animal seres humanos capazes de viver a plenitude de suas possibilidades de pensar, de emocionar-
chamado SER HUMANO, ou, simplesmente, homem. É O JEITO PRÓPRIO DE SER GENTE! se e fazer-transformando situações menos humanas em situações mais humanas (PAULO
Tornar-nos HUMANOS é a finalidade de nossa EXISTÊNCIA. Humanos, independentemente VI) - desagrada aqueles que se beneficiam das situações desumanas ou menos humanas.
do sexo e do gênero, da cor, da religião ou da idade. IGUAIS NAS NOSSAS DIFERENÇAS: O conflito é parte integrante do processo de humanização. Por isso, temos que entender
pessoa-indivíduo! (SOUZA, 1999; 2000) . o papel dos conflitos na dinâmica das relações interpessoais, sociais, políticas, econômicas
É preciso não esquecer que eu só consigo pensar, fazer e emocionar-me na coletividade, e culturais. Temos, pois, que enfrentar os conflitos surgidos de forma positiva. Precisamos
na convivência com os outros seres humanos, com a natureza e a cultura, em situações e manejá-los de tal maneira que eles contribuam para o nosso crescimento pessoal e coletivo,
condições cotidianas, rotineiras e extraordinárias, bem como históricas. Numa palavra, nas para firmar o EU em nossa COMUNIDADE. Unidade comum, NÓS. Mas sem uniformidade.
relações sociais.
Essas situações podem ser identificadas como mais humanas ou menos humanas. 59 - Que tipo de vida estou levando? Que estou conseguindo fazer? Numa palavra, que HUMANO estou
Situaçõese/ou condições mais ou menos humanas que são resultados das ações individuais conseguindo ser? Estou sendo, ou não, construtor de um novo pensar? Como estou me emocionando? O que
ando fazendo? Como anda minha HUMANIDADE? Que espécie de membro da humanidade estou sendo ou
querendo ser?
58 - Pedagogia do oprimido (1987, p. 68): “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens
se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. 60- Ver 5ª lição do meu Livro (SOUZA, 2000).
122 123
Cada um do seu jeito (INDIVÍDUO). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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para todas e quaisquer educações. Se for uma idéia ampla e conistente, poderá ser inspiradora BAUTIER, Élisabeth; ROCHEX, Jean-Yves. Relação com os saberes e trabalho de escrita em Filosofia e Ciências
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