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Texto 3 - Reduzindo Danos e Ampliando A Clínica
Texto 3 - Reduzindo Danos e Ampliando A Clínica
2 , N ú m e r o T e m á t i c o , 2 0 1 2 P á g i n a | 37
Resumo
Neste trabalho problematizamos o desafio de cumprimento do direito universal ao
acesso em saúde para usuários de álcool e outras drogas no Brasil. Para isso
apresentamos alguns vetores que interferem na produção de saúde para esta população.
Analisar os desafios do campo da saúde nos conduziu à necessidade de compreender
alguns vetores construídos historicamente e ao mesmo tempo nos conduziu à
necessidade de avaliar como estes vetores se atualizam no contemporâneo. Além destes
aspectos cabe ressaltar o trabalho conceitual que propôs uma análise histórica do
conceito de universalidade e dos diferentes sentidos que ele pode assumir.
Palavras Chave: Drogas, Universalidade, Rede de Saúde, Redução de Danos.
Abstract
In this paper we problematize the challenge of fulfilling the right to universal access to
health care services by alcohol and other drugs users in Brazil. To do that, we present
some factors that interfere with the health status of these persons. Analyzing the
challenges in the health field led us to the need to understand how these factors were
historically constructed and at the same time how they are contemporary updated.
Besides these aspects it is worth noting the conceptual work that proposed a historical
analysis of the different meanings that the concept of universality can take on.
Key Words: Drugs, Universality, Health Care Sistem, Harm Reduction.
Resumen
En este trabajo problematizamos el desafío de cumplir el derecho universal al acceso a
la salud para usuarios de alcohol y otras drogas en Brasil a partir de la perspectiva de la
reducción de daños. Para esto, presentamos algunos vectores que interfieren en la
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producción de salud para esta población. Analizar los desafíos del campo de la salud
nos condujo a la necesidad de comprender algunos vectores construídos históricamente
y, al mismo tiempo, la necesidad de evaluar como estos vectores se actualizan en lo
contemporáneo. Además de estos aspectos, cabe destacar el trabajo conceptual que
propuso un análisis histórico del concepto de universalidad y de los diferentes sentidos
que puede asumir.
Palabras clave: Drogas, Universalidad, Red de Salud, Reducción de Daños.
simplificações que essa breve exposição o que não pode no campo da saúde,
pode produzir, pretendemos com ela especificamente no que diz respeito a
apenas extrair aspectos que não se atenção aos usuários de álcool e outras
distanciam tanto das nossas realidades drogas. É esse tipo de imagem
em saúde. formatada que faz com que uma parcela
A abstinência, como condição da sociedade civil, gestores, juristas,
para o acesso ao serviço, foi posta pela familiares, acreditem que a RD, por não
equipe de saúde da família, de modo dizer “NÃO AS DROGAS”, estaria
muito distinto do modo como ela é inevitavelmente dizendo “SIM AS
posta em clínicas e serviços DROGAS”. Associando-a com a
especializados. Mas em ambos os casos, imagem de um bando de usuários
a abstinência comparece como regra, usando drogas livremente pelos
norma que define uma fronteira entre o estabelecimentos de saúde. Se por um
dentro e um fora do sistema e ao mesmo lado esta operação não passa de um
tempo um limite entre a cura e a ataque banal a RD, por outro ela revela
doença, entre o normal e o patológico. uma característica emergente que a RD
São estas imagens polarizadas que traz para o campo das drogas: fazer
vemos começarem a se formar: contra surgir novas regras diferentes da regra
ou a favor; sim ou não; tudo ou nada; da abstinência e de atrelar a saúde a
abstinente ou drogadito; para no limite uma terceira via que possibilite escapar
nos esbarramos com a dualidade bem e do esquema jurídico do contra ou a
mal. A polarização produzida no campo favor, do lícito e ilícito.
das drogas reconhece duas posições e Quando a abstinência é tomada
possibilidades extremas. É neste jogo de como regra única e superior, ela acaba
polarizações e antagonismos que a RD por destituir outras possibilidades de
acaba muitas vezes confundida com o regras. Isolada como única regra, torna
polo oposto a abstinência Se à outras possibilidades de regras em não-
abstinência corresponderia a faceta do regras, logo, num “vale tudo”. Quando
“NÃO AS DROGAS”, a RD acabaria um determinado regime de saber-poder
sendo arrastada para a faceta oposta, a erige o “vale nada” como condição,
do “SIM AS DROGAS”. Acusada de toda e qualquer alternativa a esta
incentivar o uso de drogas, a RD se proposta hegemônica é taxada como
enredada neste esquema binário em que “vale tudo”. Mas é exatamente neste
o campo da justiça define o que pode e ponto que a RD se ergue como uma
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drogas não alcançaram seu objetivo conectados não deixarão de ser díspares
inicial e que por isso é preciso revê-la. entre si. “A lógica da estratégia é a
A que outros objetivos, que não o fim lógica da conexão do heterogêneo e não
das drogas, a política de guerra as a lógica da homogeneização do
drogas se destina? A finalidade da contraditório.” (pp. 58).
guerra as drogas não era simplesmente a Racismo e teoria da
extermínio do consumo e produção de degenerescência foram as bases
drogas sobre o planeta. Como uma conceituais para que a medicina
estratégia inviável de saída se fortaleceu impusesse desde o século XVIII a
e ganhou mais consistência na justa internação compulsória como meio para
medida em que seus objetivos expressos tratamento. As primeiras iniciativas
fracassavam? anti-drogas de interesse internacional
Apontar as contradições da foram capitaniadas pelo bispo e
guerra às drogas não é nada mais do que advogado Charles Brent após sua
identificar um estado de coisa, não chegada na Filipinas. Tido como um
podendo ser o fim de uma análise dos principais articuladores da
crítica. Sobretudo numa modalidade de Comissão Internacional do Ópio, se vê
governo em que contradição não é em seu discurso oficial a articulação
sinônimo de fraqueza, nem mesmo de entre moral religiosa e racismo,
fracasso. Não se trata de abordar a verificada na carta enviada pelo bispo
história a partir dos erros e ao presidente Roosevelt, em que
contradições, mas de buscar identificar condenava um governo cúmplice da
que regimes de verdade dão sustentação busca de ópio por raças degeneradas.
as falhas e contradições. É nesse (Escohotado, 2005; Araujo 2012). O
sentido, que Foucault (2008) propõe problema geral do racismo e das raças
substituir a lógica da dialética pela da degeneradas foi o alicerce biopolítico
estratégia. A lógica da dialética é uma que sustentou a associação entre drogas
lógica que põe os termos contraditórios e ameaça a espécie humana. O Estado
para definir uma solução unificadora, Moderno não inventou o racismo, mas
que supera as contradições e constituiu seu uso dentro do regime biopolítico
uma unidade. A lógica das estratégias é ganha contornos inovadores. A
uma lógica que permite analisar os associação entre hábito cultural (de
meios pelos quais termos heterogêneos “raças inferiores”) e ameaça geral a vida
são conectados e que mesmo foi a matriz discursiva para que diversas
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