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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.

Texto base: FONTANA, Roseli ; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho Pedagógico. São Paulo:
Editora Atual, 2008.
Deane Monteiro Vieira Costa
Doutora em Educação pela UFES

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

A Escola tem uma longa história. Em cada período histórico ela assume novas
características quanto a funções, funcionamento, ideias e concepções que embasam suas
práticas. As transformações dessas características sempre se relacionaram a mudanças da
sociedade: mudanças econômicas, políticas, sociais e ideológicas.
O que acontece na escola é, assim, determinado por uma diversidade de fatores o
que faz com que a educação escolar seja objeto do interesse de pesquisas de várias
ciências: a psicologia, a economia, a sociologia, a história, entre outras.
Cada uma delas, de acordo, com suas especificidades, produz análises de aspectos
determinados da educação escolar, sem que nenhuma consiga (ou mesmo pretenda)
isoladamente dar conta da complexidade da prática pedagógica.
A psicologia é apenas uma entre as ciências que concorrem para a reflexão sobre
a educação escolar. Sendo uma das ciências que estudam o homem, a psicologia tem se
ocupado de uma grande variedade de temas: a afetividade, o desenvolvimento da criança,
a velhice, a aprendizagem, as relações sociais e institucionais, a deficiência mental, as
relações de trabalho, a saúde mental, entre outros.
Muitas das pesquisas e teorias psicológicas que têm servido à prática pedagógica
não foram elaboradas com esse objetivo. Assim, as questões e interesses dos psicólogos
são às vezes mais abrangentes e às vezes mais restritos do que aqueles colocados pelos
agentes do processo educacional. Esse dois âmbitos, o psicológico e o pedagógico,
raramente coincidem, portanto não podem ser confundidos.
Considerando que o papel social da escola é essencialmente definido pelo processo
de transmissão/assimilação do conhecimento, entendemos que as contribuições
fundamentais da psicologia à prática pedagógica são aquelas que podem lançar luz sobre
alguns aspectos do “ensinar e aprender”.

1. A ABORDAGEM INATISTA-MATURACIONISTA

Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: “Eles ainda não tem maturidade para
aprender a ler”; “Meu filho tem uma aptidão incrível para a matemática”; “A Marina é
tão inteligente! Puxou ao pai!”.
Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abordados pela
psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a fatores biológicos no
desenvolvimento da criança. Essa perspectiva, que estamos denominando inatista-
maturacionista, parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são mais
importantes para o desenvolvimento da criança e para a determinação de suas capacidades
do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.
Na psicologia, Teóricos dessa perspectiva supõem que, do mesmo modo que a cor
dos olhos, aptidões individuais e inteligência são características herdadas dos pais e,
portanto, já estão determinadas biologicamente quando a criança nasce. Ou então que, à
maneira do crescimento das partes do corpo, o desenvolvimento do comportamento e das
habilidades da criança é governado por um processo de maturação biológica,
independentemente da aprendizagem e da experiência.

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Foi nessa linha de preocupação com as diferenças individuais que se
desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo de avaliar a inteligência.
Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisador francês Alfred Binet (1857-1911),
interessou-se especialmente pela mensuração da inteligência através de testes.
Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não depende das
informações ou das experiências adquiridas no decorrer vida do indivíduo. Segundo ele,
as principais características da inteligência seriam as capacidades de atenção, de
julgamento e de adaptação, de comportamento a objetivos. Essas capacidades, segundo
Binet, não podem ser apreendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas.
Assim, a inteligência é vista como um atributo do indivíduo fixado pela hereditariedade
e, como tal, variável de uma pessoa para outra.
Mas, se as pessoas são diferentes uma das outras nas suas aptidões, traços de
personalidade ou de inteligência, existem também muitas semelhanças entre elas. A
maioria dos bebês, por exemplo, torna-se capaz de se sentar antes que possa se arrastar,
engatinhar e depois andar. Essas sequências parecem se repetir sempre em relação à
maioria das crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvimento
humano. Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisadores desde as primeiras
décadas do século passado. Um dos primeiros psicólogos a se interessarem por essa
questão foi Arnold Gesell (1880-1961), os Estados Unidos. Ele se preocupou com a
evolução da criança, do nascimento aos 16 anos e estudou as formas que seu
comportamento vai tomando no decorrer dessa evolução.
Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez que
defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de aprendizagem, ou de
experiência, na evolução do comportamento da criança. Para ele, o que explica a
existência de um padrão de desenvolvimento comum à maioria das crianças é o processo
de maturação biológica inerente às transformações por que passa o comportamento da
criança.
Tanto Binet quando Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvimento
psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se em descrever
comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária. No entanto, Binet, por sua vez,
preocupava-se com aqueles comportamentos que, numa determinada idade, pudessem ser
tornados como indicadores do nível de inteligência da criança. A evolução ou o
desenvolvimento dos comportamentos considerados típicos não o interessaram de modo
especial, mas sim a capacidade da criança de realiza-los na idade tida como adequada.
Mas, apesar das diferenças, podemos dizer que Binet e Gesell estabeleceram
padrões de comportamento com a finalidade de avaliar a inteligência ou o
desenvolvimento da criança. O pressuposto de que os fatores biológicos (hereditariedade
e maturação) são os mais decisivos na determinação da inteligência e do desenvolvimento
leva a supor que tais padrões de comportamento são independentes de fatore externos ou
do contexto social em que as crianças vivem.
Se o ritmo e a sequência do desenvolvimento são biologicamente determinados,
qual a sua relação com os processos de aprendizagem? Antes de responder a essa
pergunta, é importante lembrar que os pesquisadores da abordagem inatista-
maturacionista não tinham como objetivo o estudo da aprendizagem. No entanto, ao
destacar o papel de fatores internos na determinação da inteligência e do
desenvolvimento, essa abordagem considera que aquilo que a criança aprende no decorrer
da vida não interfere no processo de desenvolvimento.
A ideia de que a criança é portadora dos atributos universais (biológicos) do
gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia à educação fazer aflorar esses
atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do educando de modo harmonioso.

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Tal concepção teve o mérito de chamar a atenção para as especificidades da criança, para
as características, habilidades e capacidades dos educandos, colocando em destaque
noções como prontidão, maturidade, aptidão.
É fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, por exemplo) e testes de
inteligência têm sido amplamente utilizados para a avaliação de crianças em idade
escolar, penalizando muito delas. Os resultados de tais testes têm, historicamente,
impedido que inúmeras crianças tenham acesso ao conhecimento e à própria
escolarização, ao fornecerem indicadores de sua “imaturidade” ou de seus “déficits” de
inteligência.

2. A ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA

Ao contrário do inatismo-maturacionismo, a abordagem comportamentalista destaca


a importância da influência de fatores externos, do ambiente e da experiência sobre o
comportamento da criança. Enquanto aquela abordagem enfatiza o papel de fatores
biológicos internos, como a hereditariedade e a a maturação, o comportamentalismo parte
do princípio de que as ações e as habilidades dos indivíduos são determinadas por suas
relações com o meio em que se encontram.
John Broadus Watson (1878-1958) foi o fundador do movimento comportamentalista
(ou behaviorista, do inglês behavior, que significa “comportamento”) na psicologia. Ele
definiu a psicologia como a ciência do comportamento, como um ramo objetivo e
experimental das ciências naturais.
O fato de incluir a psicologia entre as ciências naturais deve-se à crença na
existência de uma continuidade entre o animal e o homem. Ou seja, para todos os
comportamentalistas, embora o comportamento do homem difira do dos animais em razão
de um maior refinamento e complexidade, ambos podem ser explicados pelos mesmos
princípios. Desse modo, o comportamento humano não é privilegiado como objeto de
pesquisa: no comportamentalismo, estudam-se tanto o comportamento humano quanto o
comportamento animal.
Desse modo, o que interessa à psicologia, entendida como uma ciência natural e
objetiva é a relação entre estímulos e respostas – fatos exteriores que podem ser
empiricamente observados. O que ocorre no interior do organismo entre um dado
estímulo e uma dada resposta não pode ser observado e, portanto, não interessa aos
psicólogos comportamentalistas.
Imaginemos um pequeno animal silvestre bebendo água na beira de um riacho.
Ao captar um ruído de passos de animal no mato, ele sai correndo. Na linguagem
comportamentalista, diremos que o ruído (estímulo) provocou, no animal, uma resposta:
o ato de correr. Nesse exemplo, o comportamento do animal é explicado pela relação
entre o estímulo (o ruído) e a resposta desencadeada por ele (correr), e não a partir de
determinado estado interno do organismo.
Assim, os problemas de que se ocupa o comportamentalismo são: prever a
resposta, quando se conhece o estímulo, e identificar o estímulo, quando se conhece a
resposta. Ou seja, o estudo do comportamento deve possibilitar o conhecimento das
relações estímulo-resposta, das quais ele é resultado. Assim, cabe ao comportamento
descobrir quais são os estímulos que provocam determinado comportamento.
De acordo com essa concepção, o comportamento animal ou humano é sempre
uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que se processam no ambiente.
Essa postura ambientalista, opõe-se a qualquer tipo de inatismo. Para Watson, não
existem aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos ou hereditários. O que
existe é certa propensão para responder a certos estímulos de uma forma determinada.

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COMPORTAMENTOS E APRENDIZAGEM
Para o comportamentalismo, a aprendizagem é um tema centra. Ao enfatizar a
influência dos fatores externos e ambientais, essa concepção teórica afirma que o
mais importante na determinação do comportamento do indivíduo são as suas
experiências, aquilo que ele aprende durante a vida. Aliás, podemos dizer que o
comportamentalismo confunde-se com uma teoria da aprendizagem, uma vez que
sua preocupação básica é explicar como os comportamentos são aprendidos.
Burrhus Frederic SKINNER (1904-1980), outro importante comportamentalista,
cujo trabalho deu continuidade a algumas das formulações de Watson, distingue dois
tipos de aprendizagem: por condicionamento clássico e por condicionamento operante.
A aprendizagem por condicionamento clássico envolve um tipo de
comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado. Ela envolve uma reação do organismo ao meio e não uma ação do
organismo sobre o meio. Digamos que alguém dê um sopro em seus olhos. Você
automaticamente irá piscar. Piscar é uma reação, uma resposta aprendida. No entanto, se
toda vez que alguém sopra em seus olhos soa uma campainha, pode chegar um momento
em que você piscará ao ouvir tal campainha, mesmo na ausência do sopro. Dizemos,
então, que você aprendeu a piscar quando ouve determinado som.
Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo
condicionado, porque, por si mesmo, ele não provoca a reação de piscar, mas apenas
quando é associado a outro tipo de estímulo (o sopro) que automaticamente desencadeia
tal reação.
Já a aprendizagem por condicionamento operante se dá de forma bastante
diferente, apoiando-se não em reações provocadas por estímulos, mas em
comportamentos emitidos pelo próprio organismo que são seguidos por algum tipo de
consequência. Se o comportamento é seguido por uma consequência agradável, ele tende
a se repetir. Ao contrário, se a consequência for desagradável, o comportamento tem
menos probabilidade de se repetir. Essas consequências, chamadas pelos
comportamentalistas de reforçadores, “modelam” o comportamento dos indivíduos,
sendo responsáveis pela criação dos hábitos.
Segundo a concepção de Skinner, a grande maioria dos comportamentos das
pessoas é aprendida por condicionamento operante. A birra de uma criança, por exemplo,
é um comportamento aprendido. Se a criança chora e esperneia e a mãe (ou outro adulto)
lhe dá algo que ele deseja (como um doce, um brinquedo, um refrigerante), o
comportamento da criança é reforçado e tende a se repetir em outras ocasiões.

DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO: A INFLUÊNCIA DO


COMPORTAMENTALISMO NA ESCOLA

A ênfase dada pelos comportamentalistas à questão da aprendizagem é resultado


do pressuposto de que ambiente e a experiência são determinantes do comportamento. Os
processos e fatores internos ao indivíduo não são levados em conta, e o próprio
desenvolvimento é explicado como decorrente da aprendizagem.
Melhor dizendo, para os comportamentalistas, desenvolvimento e aprendizagem
são processos coincidentes. Aquilo que chamamos de desenvolvimento nada mais é do
que o resultado das aprendizagens acumuladas no decorrer da vida do indivíduo. Por isso,
os dois processos não se distinguem.

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A ideia de que os comportamentos humanos são aprendidos em decorrência de
contingências ambientais e a noção de modelagem do comportamento têm influenciado
as práticas educativas. De acordo com SKINNER, ensinar é planejar/organizar essas
contingências de modo a tornar mais eficiente a aprendizagem de determinados conteúdos
e habilidades. A utilização de reforçadores e a organização da aprendizagem por pequenos
passos são princípios decorrentes dessa abordagem.
Uma das marcas deixadas pelo comportamentalismo na educação escolar foi a
valorização do planejamento do ensino, tendo chamado a atenção para a necessidade de
se definirem com clareza e operacionalmente os objetivos que se pretende atingir, para a
organização das sequências de atividades e para a definição dos reforçadores a serem
utilizados (elogios, notas, pontos positivos, prêmios, etc.).

3. A ABORDAGEM PIAGETIANA

As peculiaridades do pensamento e da lógica das crianças despertam o interesse de


Jean Piaget (1896-1980), que se preocupou principalmente com a questão de como o ser
humano elabora seus conhecimentos sobre a realidade, chegando a construir, no decorrer
de sua história, sistemas científicos complexos e com alto nível de abstração. Ela
acreditava que muito da resposta a essa indagação poderia ser encontrado no estudo do
desenvolvimento do pensamento da criança.
Procurando compreender como o homem elabora o conhecimento, Piaget
desenvolveu o que chamou de psicologia genética. A palavra genética, que ele próprio
aplicou à sua psicologia, refere-se à busca das origens e dos processos de formação do
pensamento e do conhecimento. O centro de seu trabalho e de todos os seus estudos é
o desenvolvimento do conhecimento.
A formação de Piaget em Ciências em Ciências Naturais levou-o a buscar
compreender o conhecimento com base na biologia. Em sua concepção conhecer é
organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas
experiências com os objetivos do conhecimento.
No entanto, a experiência não é a mesma coisa que conhecimento. Este pressupõe a
organização da experiência num sistema de relações. Por exemplo, a humanidade
atravessou alguns milênios sem perceber a relação entre vida e calor do sol; conhecer algo
a respeito do calor solar seria inserir o calor sentindo na pele num sistema de relações que
permite compreendê-lo como condição de existência da vida. Mas como se dá a inserção
de um objeto de conhecimento num sistema de relações?
Segundo PIAGET, isso ocorre fundamentalmente por meio da ação do indivíduo
sobre o objeto. Ao agir sobre o meio, o indivíduo incorpora a si elementos que pertencem
ao meio. Através desse processo de incorporação, chamado por Piaget de Assimilação, as
coisas e os fatos do meio são inseridos em um sistema de relações e adquirem significação
para o indivíduo.
Segundo esse modelo, a inteligência é um caso particular de adaptação biológica. Um
organismo adaptado ao meio é aquele que mantem um equilíbrio em suas trocas com o
meio. Ou seja, é aquele que interage com o ambiente mantendo um equilíbrio entre suas
necessidades de sobrevivência e as dificuldades e restrições impostas pelo meio. Essa
adaptação torna-se possível graças aos processos de assimilação e de acomodação ( que,
juntos, constituem o mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.
Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incorporar os dados
da experiência. É também acomodação, pois os novos dados incorporados acabam
por produzir modificações no funcionamento cognitivo da pessoa. Logo, a
“adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é exatamente o equilíbrio

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progressivo entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar”. Ao
mesmo tempo em que, por meio do processo de assimilação/acomodação, o indivíduo
adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobre ele), o seu próprio
funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organizando. Uma das primeiras
formas de organização cognitiva é o esquema.
A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvimento
cognitivo da criança. De acordo, com PIAGET, os esquemas de ação ampliam-se,
coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se interiorizar, transformando-
se em esquemas mentais e dando origem ao pensamento. Esse desenvolvimento
contínuo dos esquemas se dá no sentido de uma adaptação cada vez mais complexa
e diferenciada à realidade.
O processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piagetiana, de fatores
internos ligados à maturação, da experiência adquirida pela criança em seu contato com
o ambiente e, principalmente, de um processo de auto-regulação que ele denomina de
equilibração.

A CONCEPÇÃO SOBRE ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO

Desse modo, o desenvolvimento humano, para Piaget, é fundamentalmente um


processo de equilibrações sucessivas que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada
vez mais complexas e elaboradas. Esse processo apresenta períodos ou estágios definidos,
caracterizados pelo surgimento de novas formas de organização mental.
Os estágios se sucedem numa ordem fixa de desenvolvimento, sendo um estágio
sempre integrado ao seguinte. Além disso, cada estágio se caracteriza por uma maneira
típica de agir e de pensar e constitui uma forma particular de equilíbrio em relação ao
meio. A passagem de um estágio a outro, se dá através de um equilíbrio cada vez mais
completa. Ou seja, a criança passa de um estágio a outro de seu desenvolvimento
cognitivo quando seus modos de agir e de pensar mostram-se insuficientes ou
inadequadas para enfrentar os novos problemas que surgem em sua relação com o meio.
Essa insuficiência é compensada pela atividade da criança, que acaba por engendrar
modos mais elaborados de ação e pensamento.

OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

O PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR
O desenvolvimento cognitivo se inicia a partir dos reflexos que gradualmente se
transformam em esquemas de ação. Do nascimento até os 2 anos de idade,
aproximadamente, a criança passa do nível neonatal, marcado pelo funcionamento de
reflexos inatos (sucção e preensão), para outro em que ele já é capaz de uma organização
perceptiva e motora dos fenômenos do meio.
Nesse percurso o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. O indivíduo
e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações exteriores, e a permanência
dos objetos vai sendo construída. O brinquedo, que ao ser retirado da criança deixava de
existir para ela, passa a ser procurado. A criança começa a perceber que os objetos, as
pessoas, continuam existindo mesmo quando estão fora do seu campo de visão.

O PERÍODO PRÉ-OPERATÓRIO (dos 2 anos aos 7 anos)


Representando mentalmente o mundo externo e suas próprias ações, a criança os
interioriza. É nesse período que ela se torna capaz de tratar os objetos como símbolos de

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outras coisas. O desenvolvimento da representação cria as condições para a aquisição da
linguagem, pois a capacidade de construir símbolos possibilita a aquisição dos
significados sociais (das palavras) existentes no contexto em que ela vive.
Ao repartir o refrigerante com o irmão, a criança só considera a partilha justa se o
líquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmo que um deles seja visivelmente mais
estreito. Ela considera apenas uma dimensão do problema ( a altura do líquido no copo),
a mais evidente em termos perceptivos. Não é ainda capaz de raciocinar levando em conta
as relações entre as várias dimensões envolvidas (a largura e o formato do copo), e o tipo
de percepção que tem dos objetos determina o tipo de raciocínio que faz sobre eles.
O PERÍODO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS (dos 7 anos aos 11 anos)
É apenas no final do período pré-operatório, após equilibrações sucessivas, que o
pensamento da criança assume a forma de operações intelectuais. As operações são ações
mentais voltadas para a constatação e a explicação. A classificação e a seriação, por
exemplo, são ações mentais. Essas ações são sempre reversíveis, ou seja, têm a
propriedade de voltar ao ponto de partida. A reversibilidade do pensamento possibilita à
criança construir noções de conservação de massa, volume, etc... O pensamento reversível
pode ser definido como a capacidade de levar em consideração uma série de operações
que, revertidas, conduzem ao estado inicial.
É o que ocorre, por exemplo, com a noção de conservação de líquidos: uma
criança, num nível operatório, é capaz de compreender que a quantidade de refrigerante
contida em um copo permanece a mesma quando despejada em outro mais alto e mais
estreito, embora o nível de líquido se torne mais elevado. A criança torna-se capaz de
compreender o ponto de vista de outra pessoa e de conceitualizar algumas relações.
Portanto, é nessa fase que são estabelecidas as bases para o pensamento lógico, próprio
do período final do desenvolvimento cognitivo.

O PERÍODO DAS OPERAÇÕES FORMAIS (11 anos aos 15 anos)


O adolescente torna-se, enfim, capaz de pensar sobre o seu próprio pensamento,
ficando cada vez mais consciente das operações mentais que realiza ou que pode ou deve
realizar diante dos mais variados problemas. Essa consciência a propósito do próprio
pensamento “pode ser presumida pelo seguinte tipo, muito citado, de perguntas de
adolescentes: Eu me surpreendi pensando acerca do meu futuro, e aí comecei a pensar
por que estava pensando sobre por que eu estava pensando no meu futuro”.

DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO: A INFLUÊNCIA DA


ABORDAGEM PIAGETIANA NA ESCOLA

Vimos que, na concepção piagetiana, o desenvolvimento da criança é um processo


que depende essencialmente da equilibração, que é a capacidade natural de auto-
regulação do indivíduo. As estruturas cognitivas da criança são elaboradas e reelaboradas
continuamente a partir da sua ação (física ou mental) sobre o meio.
De acordo com esse quadro teórico, a aprendizagem praticamente não interfere no
curso do desenvolvimento. A ênfase nos processos internos e na atividade construtiva da
própria criança resulta em uma concepção que considera a aprendizagem como
dependente do processo de desenvolvimento. Ou seja, aquilo que a criança pode ou não
aprender é determinado pelo nível de desenvolvimento de suas estruturas cognitivas.
Segundo Piaget, tudo o que é transmitido à criança sem que seja compatível em seu
estágio de desenvolvimento cognitivo não é de fato incorporado por ela. A criança pode
imitar mecanicamente e externamente o adulto, mas não compreende (e, portanto, não
conhece) o que está fazendo.

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As formulações de Piaget têm tido grande influência sobre a prática pedagógica,
inclusive no Brasil. Ao destacarem o papel ativo da criança no processo de elaboração do
conhecimento, têm sido, responsáveis por ideias, como: o papel fundamental da escola é
dar a criança oportunidades de agir sobre os objetos do conhecimento; o professor não
deve ser aquele que transmite conhecimentos à criança, mas sim, um agente facilitador e
desafiador de seus processos de elaboração; a criança é quem constrói o seu próprio
conhecimento.

4. A ABORDAGEM HISTÓRICO-CRÍTICA

O interesse em explicar como se formaram, ao longo da história do homem, as


características tipicamente humanas de seu comportamento e como elas se desenvolveram
em cada indivíduo constitui a base do pensamento histórico-crítico em psicologia,
desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos, liderado por Lev Semenovich
Vygotsky (1896-1934).
O princípio orientador dessa abordagem é a dimensão sócio histórica do psiquismo.
Segundo esse princípio, tudo o que é especificamente humano e distingue o homem de
outras espécies origina-se de sua vida em sociedade. Seus modos de perceber, de
representar, de explicar e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em relação ao mundo,
ao outro e a si mesmo, enfim, seu funcionamento psicológico, vão se constituindo nas
suas relações sociais.
A criança, analisam Vygotsky e seus colaboradores, não nasce em um mundo
“natural”. Ela nasce em um mundo humano. Começa sua vida em meio a objetos e
fenômenos criados pelas gerações que a precederam e vai se apropriando deles conforme
se relaciona socialmente e participa das atividades e práticas culturais.
Desde o nascimento, a criança está em constante interação com os adultos, que
compartilham com elas seus modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar,
integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e acumulados historicamente.
As atividades que ela realiza, interpretadas pelos adultos, adquirem significado no sistema
de comportamento social do grupo a que pertence.
Nesse processo interativo, as relações naturais – herdadas biologicamente – de
resposta aos estímulos do meio (tais como a percepção, a memória, as ações reflexas, as
reações automáticas e as associações simples) entrelaçam-se aos processos culturalmente
organizados e vão se transformando em modos de ação, de relação e de representação,
caracteristicamente humanos.
“Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser homem”, escreveu Leontiev, um
dos psicólogos que integravam o grupo de Vygotsky.

O USO DE INSTRUMENTOS

Pode-se considerar instrumentos tudo aquilo que se interpõe entre o homem e o


ambiente, ampliando e modificando suas formas de ação. São instrumentos, por exemplo,
a enxada, a serra, o arado, as máquinas, usados no trabalho. Criados pelo homem para lhe
facilitarem a ação sobre a natureza, os instrumentos acabam modificando o próprio
comportamento humano, que deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada
apenas pela relação entre as necessidades de sobrevivência e o ambiente.
O USO DE SIGNOS
O signo é comparado por Vygotsky ao instrumento e denominado por ele
“instrumento psicológico”. Tudo o que é utilizado pelo homem para representar, evocar

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ou tornar presente o que está ausente constitui um signo: a palavra, o desenho, os símbolos
(como a bandeira ou o emblema de um time de futebol), etc.
Enquanto o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a modificação do
ambiente, o signo é internamente orientado, modificando o funcionamento psicológico
do homem.
De acordo com a concepção histórica-cultural, é importante considerar que a
utilização dos instrumentos e dos signos não se limita à experiência pessoal de um
indivíduo.
O PAPEL DO OUTRO E A INTERNALIZAÇÃO
A apropriação dos instrumentos e dos signos pelo indivíduo ocorre sempre na
interação com o outro. “O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa
através de outra pessoa” escreceu Vygotsky. “Essa estrutura humana complexa é o
produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre
história individual e história social”.
Desde o nascimento, a criança tem com o mundo uma relação mediada pelo outo e
pela linguagem. O adulto ensina a criança a utilizar os objetos – ele agita o chocalho
diante dela, ajuda-a a pegá-lo, ensina a chutar a bola. O adulto aponta, nomeia, destaca,
indica os objetos do mundo para a criança, ao mesmo tempo, que atribui significações
aos seus comportamentos. Quem já viu um adulto lidando com um bebê, sabe que o adulto
fala o tempo todo, dando nomes para os objetos, dirigindo a atenção da criança e
interpretando tudo o que ela faz.
A partir de suas relações com o outro, a criança reconstrói internamente as formas
culturais de ação e pensamento, assim, como as significações e os usos da palavra que
foram com ela compartilhados. A esse processo interno de reconstrução de uma operação
externa, Vygotsky dá o nome de internalização.
Desse modo, a abordagem histórico-cultural considera que toda função psicológica se
desenvolve em dois planos: primeiro, no da relação entre indivíduos e, depois, no próprio
indivíduo. O processo de desenvolvimento vai do social para o individual, ou seja, as
nossas maneiras de pensar e agir são resultado da apropriação de formas culturais de ação
e de pensamento.
DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO: A INFLUÊNCIA DA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL NA ESCOLA
Segundo Vygotsky, o conhecimento do mundo passa pelo outro, sendo a educação “o
traço distintivo fundamental da história do pequeno ser humano. A educação pode ser
definida como sendo o desenvolvimento artificial da criança. Ela é o controle artificial
dos processos de desenvolvimento natural. A educação faz mais do que exercer influência
sobre um certo número de processos evolutivos: ela reestrutura de modo fundamental
todas as funções do comportamento”.
Os processos de aprendizado transformam-se em processos de desenvolvimento,
modificando os mecanismos biológicos da espécie. Sendo um processo constituído
culturalmente, o desenvolvimento psicológico depende das condições sociais em que é
produzido, dos modos como as relações sociais cotidianas são organizadas e vividas e do
acesso às práticas culturais.
Em razão de privilegiar o aprendizado e suas condições sociais de produção no
processo de desenvolvimento, Vygotsky colocou em discussão os indicadores de
desenvolvimento utilizados pela psicologia da época. Segundo sua análise, o aprendizado
(atividade interpessoal) precede e impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de
desenvolvimento proximal, ou seja, processos de elaboração compartilhada.
Observar a atividade compartilhada da criança possibilita olhar para o seu futuro, pois
“o que é desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã –

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ou seja, aquilo que a criança é capaz de fazer com assistência hoje ela será capaz de fazer
sozinha amanhã”.
O PAPEL DA ESCOLARIZAÇÃO
O modo como Vygotsky concebia e analisava o desenvolvimento humano levou-o a
discutir explicitamente o papel da escolarização. Diferentemente, de outros psicólogos,
Vygotsky considerou as especificidades das relações de conhecimento produzidas na
escola, distinguindo-as das relações de conhecimentos cotidianas.
Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de possibilitar o contato
sistemático e intenso das crianças com o sistema de leitura e de escrita, com os sistemas
de contagem e de mensuração, com os conhecimentos acumulados e organizados pelas
diversas disciplinas científicas, com os modos como esse tipo de conhecimento é
elaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciências se utilizam
(mapas, dicionários, réguas, etc). Nessas situações compartilhadas com a professora, a
criança aprende significados, modos de agir e de pensar, e começa a elaborá-los. Ela
também re-significa e reestrutura significados, modos de agir e de pensar, e começa a se
dar conta das atividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando.
Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educação escolarizada e o professor têm um papel
singular no desenvolvimento dos indivíduos. A escola, possibilitando o contato
sistemático e intenso dos indivíduos com os sistemas organizados de conhecimento e
fornecendo a eles instrumentos para elaborá-los, mediatiza seu processo de
desenvolvimento.

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