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DÉDA, Francino Silveira. Diz Maria que é .... O IDEAL; Ano II, nº 64; p.03. 13 de julho de 1954.

Acervo Digital
do Laboratório de Ensino e pesquisa em História. LEPH; UniAGES; Paripiranga/BA

DIZ MARIA QUE É . . .

Nos primórdios dêste o século que já vai além do meado, havia em Patrocínio do Coité, um homem da plebe,
uma populaça, morador nas matas de “Cutia” e que vivia como serviçal nos sítios mais fartos de “Cotia”,
“Sabão”, “Raposa”, “Rochão” e etc.
Assim ia o pobre diabo levando a vida com mulher e um filho, servidos com os restos das mesas mais
fartas dos agricultores daquela região e aproveitando as sombras das safras de jaca, abundantes naquéles
sítios invariávelmente, ao menos um dia por semana, aparecia na Vila para as farras custumeiras o velho
Serafim. Baixinho já velho, cabelos encanecidos, barbas e cabelos crescidos, claréu de pindoha grudado e
com pômulos avolumados, de côr brancas, mas, encardida pela falta de banhos; olhos azuis; um tanto roufenho
e meio tato. Era casado com uma pobre mulher, também de cor branco um olho zerê, um tanto pálida, mas,
de configuração perfeita e formas arredondadas. Chama-se Maria. Não era ela uma “Maria vai com as outras”;
sabia agir por conta própria; era muito mais moça que o Serafim e um tanto vivaz. Maria, por muito tempo vinha
suportando as agruras da vida e a companhia insípida daquele velhindo bêbado e rascador.
O velho Serafim, era o gacejo da meninada, quando pelas ruas da Vila, passava cambaleante. Não
era um seráfico; de tudo zangava-se; também não era um satã, porque a sua zanga não ia além de bobagens
para fazer rir e por algumas vezes lembrar de alto a baixo, a mãe da pessôa que o insultasse.
Não vinha o Serafim a Vila, para voltar logo; passava sempre o dia beirando os balcões e as garrafas
das lojas do Terêncio, do capitão Jacinto ou do capitão Calaça, onde ‘alimentava a caldeira” com bôa dose de
“pinga”, a troca de lôas e tadas tolas.
Levava quase sempre com êle, segura pela mão, uma pobre criança que nada tinha de parecida
consigo, a não ser a palidez e as pernas esqueléticas. Era uma criança pançuda, insquêmica, desnutrida e
talvez por isso, a ausência da hemoglobina do sangue circulante; olhos lânguidos e pretos, língua
esbranquecenta, cara suja, vestida numa camisola de “algodão da fábrica”, com placas sujo que demonstrava
o pó da terra vermelha do “Paripiranga”, aderido ao visco de jaca.
Certa vez deparei-me com o velho Serafim no Largo Dois de Julho e com mau espirito folgazão daquela
época e abelhudo como até hoje, perguntei:
--Sr. Serafim; porque não faz essa barba e não manda cortar esse cabelo? . . . O velho que gostava de
trovar, foi logo respondendo cantando sem ritmo e sem entonação adequada;
-- Eu num rapo minha barba
Nem qui me pague a dinheiro;
Pois a bíblia ta dizeno;
Que é pecado cortar cabelo. . .
E foi andando rua a fora com o menino arrastado pela mão e adeante o Amélio de Luzia com aquela
abelhudez do seu “Terencialismo” hereditário, perguntou-lhe:
“Seu” Sarafim ... – Êste menino é seu? . . .
E o velho um pouco entristecido, esquecido das trovas e das rimas; melancólico e lamentoso; tirou o
chapéu da cabeça e “com a fala entrecortada como que por um longo suspiro, respondeu:
-“DIZ MARIA QUE É .... “

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