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HE RME NÊ U T I CA A P O ST Ó L I CA

Aprendendo a ler a Bíblia com seus autores

Aula I

A BUSCA
PELA LÓGICA
AUTORAL
“Portanto, em última análise, deveríamos voltar à Bíblia para
aprender como estudá-la.”¹ - Abner Chou

Ao contrário do que muitos pensam, os profetas do Antigo Testamento


não eram simples homens iletrados e totalmente ignorantes quanto às
Escrituras. Eles possuíam um modo de interpretá-las e eram, de fato,
intérpretes e teólogos. Podemos dizer que os apóstolos do Novo
Testamento continuaram utilizando o mesmo método que eles para
escreverem suas epístolas. Portanto, é importante estudarmos essa forma
de interpretar a Bíblia para que seja também a nossa.

INTRODUÇÃO

A RELAÇÃO ENTRE A SANTIFICAÇÃO


E A HERMENÊUTICA
É de suma importância entendermos a relevância que uma hermenêutica
correta tem na vida do cristão, uma vez que ela está diretamente
conectada com a sua santidade em Cristo. Vejamos alguns textos bíblicos que
mostram essa relação:

1 CHOU, Abner, La Hermenéutica de los Escritores Bíblicos. Grand Rapids: Editorial Portavoz, 2019, p.14.

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“Bem-aventurado aquele que não anda no conselho dos ímpios,


não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos
zombadores; pelo contrário, seu prazer está na lei do SENHOR, e
na sua lei medita dia e noite.” (Sl 1.1,2)

O salmista diz que o justo, descrito no versículo 1, tem prazer e satisfação


na lei do Senhor e nela medita dia e noite. Temos aqui uma relação entre
santidade (do justo) e hermenêutica (o meditar na lei).

“Guardei a tua palavra no meu coração para não pecar contra ti.”
(Sl 119.11)

De acordo com o versículo acima, a chave para a santidade é


guardar a palavra no coração. Esse é o fundamento do estilo de
vida de abstinência do pecado.

“Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para


ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça;
a fim de que o homem de Deus tenha capacidade e pleno preparo
para realizar toda boa obra.” (2 Tm 3.16,17)

Essa passagem diz que nós podemos estar prontos, aptos e completos para
todo tipo de atividade, caso sejamos instruídos e corrigidos pela Palavra,
ou seja, a Bíblia é suficiente para nos preparar para qualquer situação que
venhamos enfrentar.

“Seu divino poder nos tem dado tudo que diz respeito à vida e à
piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua
própria glória e virtude” (2 Pe 1.3)

O texto acima nos leva a concluir que vida e santidade nos são dadas
gratuitamente por meio do pleno conhecimento de Cristo, e isso envolve
uma relação direta com a Palavra.

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Esses são alguns dos versículos bíblicos que apontam claramente para
a relação que existe entre a santidade e a hermenêutica. Veja na tabela
abaixo um resumo dos versículos e suas explicações:
Sl 1.2 Conexão entre o justo e seu ato de meditar na lei.

Sl 119.11 Guardar a Palavra no coração é a chave para a santidade.

2 Tm 3.16,17 A Bíblia nos prepara para todo tipo de situação.

2 Pe 1.3 Vida e santidade são dadas por meio do conhecimento de Cristo.

HERMENÊUTICA

A IMPORTÂNCIA DE LER E INTERPRETAR


AS ESCRITURAS

“Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.” (Jo 17.17)

Ter uma Bíblia em casa, ouvi-la em áudio ou decorar versículos não é


suficiente, não é o caminho para a santificação. É necessário que haja um
envolvimento com a Palavra de forma que ocorra uma hermenêutica. Isso
implica em leitura, interpretação e entendimento das Escrituras.

“Desse modo leram no livro, na Lei de Deus, esclarecendo o que


liam e explicando o seu sentido para que o povo entendesse a
leitura.” (Ne 8.8)

Nessa passagem de Neemias, vemos que a lei não foi apenas lida, mas
interpretada e explicada a todo povo. Todos deviam compreender o que
estava sendo lido, para que tivessem suas vidas transformadas. Sendo
assim, a hermenêutica não deve ser tratada como um assunto simplório
ou de pouca importância, nem mesmo deve ser vista como um assunto

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simplesmente acadêmico, intelectual e opcional. Ela tem um papel


essencial e central na vida do cristão, pois está diretamente ligada à sua
santificação.

A hermenêutica é essencial para a santificação do cristão.

No que diz respeito àquele que exerce o ministério da Palavra, sua


aprovação diante de Deus passa pelo processo hermenêutico, ou seja, pela
experiência de aprender a ler e interpretar as Escrituras de forma correta.

“Procura apresentar-te aprovado diante de Deus, como obreiro


que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da
verdade.” (2 Tm 2.15)

A palavra aprovar nesse texto tem o sentido de um selo, uma


confirmação, de Deus sobre o obreiro, constituindo-o como alguém que
vai em seu nome. O contexto dessa passagem é o Dia do Senhor, a volta
de Cristo. Por isso as palavras aprovar e envergonhar estão diretamente
relacionadas, uma vez que no dia do Senhor os ministros da Palavra
poderão ser aprovados ou envergonhados. A chave para ser aprovado é
manejar bem a palavra da verdade. O verbo manejar tem o sentido de
dividir, cortar, discernir e entender o que está sendo lido na Palavra.
Resumindo:

1. Santidade e hermenêutica têm uma relação direta,


isto é, na medida que lemos e entendemos a Palavra
nós somos santificados.
2. Ministério e hermenêutica possuem uma conexão. O
obreiro é aprovado e não tem do que se envergonhar,
quando interpreta corretamente a Palavra.

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COMO TER UMA HERMENÊUTICA CORRETA

ENTENDENDO O MÉTODO
HISTÓRICO-GRAMATICAL

O método hermenêutico que endossamos para a interpretação básica


das Escrituras é o histórico-gramatical. Esse método é a forma literal de
interpretar a Bíblia, respeitando, contudo, o estilo literário do texto. Não
podemos confundi-lo com uma abordagem literalista.
Observe abaixo o sentido básico do método histórico-gramatical:

Histórico: Busca compreender a época, características


geográficas, políticas, sociais, culturais etc. do texto
bíblico.
Gramatical: Busca compreender o significado das
proposições contidas no texto em seu contexto original e
suas implicações para os dias atuais.

Outras definições:
“Este método submete o texto bíblico à análise racional quanto ao
seu conteúdo, e literária quanto à sua composição. Essa abordagem
parte do pressuposto que a Bíblia é documento inspirado por Deus e
testemunha suas ações entre os homens, conduzindo-os à
salvação.”²

“O método histórico gramatical tem por objetivo achar o


significado de um texto sobre a base do que suas palavras
expressam em seu sentido simples, à luz do contexto histórico em
que foram escritas.”³
2 Retirado do site https://exegeserbiblica.webnode.com.br/news/metodologia-historico-gramatical/.
3 KUNZ, Claiton André, Método histórico – gramatical. Um estudo descritivo. p. 1.

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Os autores bíblicos do Antigo e Novo Testamento, quando interpretavam


outras porções das Escrituras, se valiam desse método. Nesta disciplina
usaremos esse recurso como pano de fundo para atingirmos nosso objetivo,
o qual não é exatamente fazer um estudo sobre hermenêutica e suas leis,
mas entender a forma como os profetas e apóstolos interpretavam as
Escrituras. Nossa intenção é fazer desse método o nosso modus operandi
ao lermos e interpretarmos a Bíblia.

Lendo a Bíblia como um processo racional e devocional


Uma hermenêutica correta é sempre uma ação moral. Olhar para a Bíblia
e enxergá-la como a própria Palavra de Deus é uma forma de honrá-lo; é
saber perfeitamente o que a Escritura representa e valorizá-la de acordo
com o que ela diz sobre si mesma. Há quem questione a sua autoria,
dizendo: Se a Bíblia foi escrita por homens, como é possível chamá-la
de Palavra de Deus e a ler a partir de sua inerrância? Se é a Bíblia
completamente sobrenatural, qual é o papel de seus autores humanos no
processo de escrita?

“Sabei antes de tudo que nenhuma profecia das Escrituras é de


interpretação particular. Pois a profecia nunca foi produzida por
vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus,
conduzidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.20,21)

O que é a Bíblia?
A Bíblia é um livro de dupla autoria. Como diz o texto: “homens falaram
da parte de Deus, conduzidos pelo Espírito Santo”. Sendo assim, uma das
ênfases de qualquer leitura bíblica deve ser humana, ou seja, deve ser feita
uma leitura racional de todos os elementos que compõem a humanidade
presente no texto. Porém, essa não deve ser a única abordagem das
Escrituras, já que os autores bíblicos falaram da parte de Deus, inspirados
pelo Espírito Santo. Por isso, a leitura das Escrituras deve ocorrer sob
a ação do Espírito e em submissão a ele, através da oração e do espírito
atento à voz do Senhor.
Portanto, diante da Bíblia é preciso unir a mente racional e lógica, os

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princípios gramaticais de interpretação de texto, os princípios filosóficos


e históricos entre outros, com um coração devoto e piedoso, que depende
do Espírito Santo para compreender o que está escrito nela. Essas duas
abordagens devem andar juntas.

Para uma interpretação correta, a Bíblia sempre


deve ser lida de maneira racional e devocional.

A responsabilidade hermenêutica
Os últimos dois princípios apresentados possuem implicações sérias,
se descartados ou ignorados. Por exemplo, se alguém enxerga a Bíblia
como sendo um livro apenas sobrenatural, que foi passado aos homens
como um ditado ou de forma psicografada, provavelmente, desprezará a
interpretação de texto básica. Isso poderá levá-lo a uma interpretação
errada das Escrituras ou até mesmo crer em heresias. Por outro lado,
se a hermenêutica for considerada apenas um processo humano, sem a
dependência do Espírito Santo e sem um coração devoto, o que se terá ao
final é apenas um conhecedor de teorias, cujo coração não se permitiu ser
afetado e transformado. O grande problema é que a hermenêutica cor-
reta está completamente ligada à santidade, portanto, se é feita de forma
errada ou incompleta, certamente, afetará fortemente uma das bases do
ensinamento bíblico.

Heresia jamais conduzirá à santidade.

Existe, portanto, o que podemos chamar de responsabilidade hermenêutica


que todo cristão possui de interpretar corretamente a Bíblia, a fim de
alcançar santidade. Isso envolve um engajamento racional e devocional.

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A verdadeira hermenêutica
A própria Bíblia estabelece regras de como ela deve ser interpretada.
A hermenêutica dos profetas do Antigo Testamento foi seguida pelos
apóstolos do Novo Testamento e, consequentemente, deve ser seguida por
nós. Essa é a hermenêutica verdadeiramente cristã.

“Se nos negamos a ajustar nossa exegese ao padrão seguido pelos


apóstolos, estamos negando na prática o caráter autoritativo de sua
interpretação bíblica, e agir assim é atacar o mesmo núcleo central
da fé cristã.”4 - Silva

Dito isto, surgem inúmeras questões e dúvidas sobre como esse modo de
interpretar as Escrituras funciona e como deve ser aplicado. Por exemplo:
• Como entender a intenção do autor bíblico, utilizando o estudo
gramatical e histórico?
• Como relacionar a interpretação do texto com a teologia?
• Como é possível extrair um princípio de um texto, e como saber se
o autor pretendia comunicar uma certa ideia teológica?
• O que se deveria aprender a partir das histórias bíblicas? Como
entender o sentido real delas?
• Será que em todos os textos do Antigo Testamento deveríamos ler
Cristo nas entrelinhas, mesmo que não falem sobre ele?
• Qual deveria ser a ponte entre o que o texto diz e a teologia que
devemos concluir?

4 Silva, Text Form and Authority, p.164

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Um desafio: compreender as citações do Antigo


Testamento contidas no Novo Testamento
Todas as questões acima estão ligadas à questão hermenêutica citada
até aqui. Porém, provavelmente, o ponto mais complexo esteja em como
interpretar as citações do Antigo Testamento no Novo Testamento.
Antes de dar alguns exemplos do quão desafiador pode ser esse ponto,
é interessante compreendermos sua relevância, visto que esse tipo de
citação ocorre com mais frequência do que se imagina. Na verdade,
aproximadamente, a cada 20 palavras no Novo Testamento uma é citação
direta do Antigo Testamento, e a cada 10 palavras uma é citação indireta.
O desafio, portanto, é compreender a lógica do autor neotestamentário ao
fazer tal citação e como ele a interpretou. Vejamos alguns exemplos:

“‘e todos beberam da mesma bebida espiritual, porque bebiam da


rocha espiritual que os acompanhava; e essa rocha era Cristo.’” (1
Co 10.4)

Como foi que Paulo concluiu que a rocha, citada no livro de Números, era
Cristo, se no texto original não se faz menção alguma disso?

“José levantou-se durante a noite, tomou o menino e a mãe, e


partiu para o Egito; e permaneceu lá até a morte de Herodes, para
que se cumprisse o que o Senhor havia falado pelo profeta: Do
Egito chamei o meu Filho.” (Mt 2.14,15)

Esse versículo está em Oséias 11.1: “Quando Israel era menino, eu o amei,
e do Egito chamei o meu filho”. Se o versículo original não está falando
claramente de Cristo, como Mateus pôde concluir que o texto possuía
conexão com tal evento da vida de Jesus? Que processo hermenêutico o
levou a fazer essa relação?

“Cumpriu-se, então, o que havia sido falado pelo profeta Jeremias:


Tomaram as trinta moedas de prata, preço do que foi avaliado, a
quem certos filhos de Israel avaliaram, e deram-nas pelo campo do
oleiro, assim como me ordenou o Senhor.” (Mt 27.9,10)
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Mateus diz que a passagem está em Jeremias, todavia esse texto se


encontra em Zacarias 11.13, que diz: “O SENHOR me disse: Lança isso ao
oleiro, esse belo preço pelo qual fui avaliado por eles. E peguei as trinta moedas
de prata e as lancei ao oleiro no templo do SENHOR.”. O texto não fala sobre
Judas ou sobre um traidor. A questão que fica é: Que método hermenêutico
foi usado por Mateus para escrever dessa forma?
Deve-se tomar cuidado para não cair no erro em alegar que esses autores
bíblicos erraram na escrita e na interpretação das passagens.
Se verdadeiramente acreditamos na inerrância das Escrituras, uma vez
que todo processo de escrita foi inspirado e controlado por Deus, alegar
isso seria desonrar o Senhor e sua Palavra.
Vejamos mais exemplos:

“Pois todos os que são das obras da lei estão debaixo de maldição.
Porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece na
prática de todas as coisas escritas no livro da lei.” (Gl 3.10)

Paulo utiliza um texto do Antigo Testamento (Dt 27.26) em que diz que as
pessoas estão debaixo de maldição por não cumprirem a lei, para condenar
aqueles que não estavam cumprindo a lei no seu tempo. Aparentemente os
contextos estão desconexos e Paulo pareceu confuso. A questão é: o que
fez Paulo citar essa passagem para exortar a igreja da Galácia?

“Porque no livro de Salmos está escrito: Fique deserta a sua


habitação, e não haja quem nela habite; e: Outro tome o seu lugar.”
(At 1.20)

Nessa passagem Pedro cita Salmo 109.8 para argumentar que outro
apóstolo deveria ser escolhido pela igreja para ocupar o lugar de Judas,
sendo que a passagem veterotestamentária não faz referência alguma a
Judas.
Afinal, como podemos interpretar os textos bíblicos corretamente e
descobrir a hermenêutica que os apóstolos utilizaram em casos como os
que vimos até aqui? Será que existe algo mais do que o método gramatical
histórico para que nossa hermenêutica seja realmente correta?

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Formulando a pergunta adequada


Ao olharmos para um texto bíblico, não é suficiente perguntarmos acerca
do contexto histórico ou do sentido das palavras. É necessário também
perguntar qual é a lógica que estava operando na mente do autor. De forma
simples, podemos chamá-la de histórico-redentiva.
Os autores bíblicos percebiam uma história se desenvolvendo, na qual
Deus estaria trabalhando para restaurar todas as coisas para que fossem
como no início, no jardim do Éden. Portanto, o que pairava na mente dos
escritores bíblicos é que a história das Escrituras seria um desenvolvimento
dessa realidade. Sendo assim, os apóstolos, ao escreverem os livros
canônicos, sabiam que estavam dando continuidade à revelação de Deus,
ou seja, as suas citações e interpretações veterotestamentárias seriam
porções do desenvolvimento dessa lógica histórico-redentiva.

O que está por trás da mente do escritor bíblico,


tanto ao escrever quanto ao interpretar outras
passagens, é a lógica histórico-redentiva.

Essa lógica relaciona todas as coisas com um único plano que se


desenvolve em toda a história e culmina na plenitude da redenção que
ocorrerá no fim desta era, quando Deus estabelecerá seu Reino na terra.
Essa mesma lógica deve operar em nossas mentes, quando lemos as
Escrituras e as interpretamos.

A EXISTÊNCIA DA HERMENÊUTICA PROFÉTICA


É claro para a maioria dos leitores bíblicos que os apóstolos tinham uma
lógica concreta de interpretação das Escrituras e que se vivessem nos dias
de hoje poderiam ser chamados de teólogos. Sabemos que eles caminharam
com Jesus e aprenderam dele sobre a Palavra.
Paulo, em Atos, cita suas origens e educação quanto à lei:

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“Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade.


Fui instruído de acordo com o rigor da lei de nossos pais, aos pés
de Gamaliel, sendo zeloso para com Deus, assim como o sois todos
vós no dia de hoje.” (At 22.3)

O que pode ser motivo de dúvidas é o fato de que os profetas do Antigo


Testamento não estavam tão distantes dessa realidade dos apóstolos.
Os profetas tinham uma hermenêutica estabelecida que foi apreendida e
continuada pelos escritores neotestamentários. Eles eram verdadeiros
exegetas.
Vejamos dois argumentos importantes relacionados à hermenêutica
profética:

Intertextualidade
A intertextualidade é um recurso linguístico que pode ser encontrado em
vários tipos de literatura, inclusive na Bíblia. Veja seu conceito segundo o
dicionário:

1. superposição de um texto literário a outro;


2. influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou
ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado;
3. utilização de uma multiplicidade de textos ou de partes de
textos preexistentes de um ou mais autores, de que resulta a
elaboração de um novo texto literário;
4. em determinado texto de um autor, utilização de referências ou
partes de obras anteriores deste mesmo autor.

Um dos argumentos em relação à veracidade da hermenêutica profética é


a utilização da intertextualidade em seus escritos. Claramente os profetas
tinham acesso e base em textos anteriores aos deles, citando ou fazendo
referência a eles em seus escritos. Obviamente, a maior parte dessas
citações fica implícita, mas se utilizaram do recurso da intertextualidade.

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Intencionalidade
Os profetas veterotestamentários não apenas citavam os autores bíblicos
anteriores a eles, mas eram intencionais em quem e a quais textos fariam
referência em seus escritos. Eles escolhiam trechos que estavam conectados
com a perspectiva e assunto que iam desenvolver. Também citavam
autores e passagens que tinham a mesma lógica histórico-redentiva que
estava atuando por trás de seu raciocínio.

CONCLUSÃO
Os profetas do Antigo Testamento não escreveram de forma aleatória ou
sem qualquer padrão hermenêutico. Eles eram verdadeiros exegetas e
começaram a desenvolver uma teologia no Antigo Testamento baseada
na lógica histórico-redentiva. Essa mesma hermenêutica foi continuada,
posteriormente, pelos apóstolos do Novo Testamento, o qual está
recheado de citações e interpretações veterotestamentárias. Sendo assim,
precisamos compreender essa hermenêutica para que seja também a nossa
forma de ler e interpretar as Escrituras. Essa é a verdadeira hermenêutica
cristã.

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