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Aula 05 – COMO LER AS ESCRITURAS SAGRADAS

Texto Base: Atos 8:26-30


 
“E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês?” (Atos 8:30).

INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos do tema: “Como ler as Escrituras Sagradas”. O objetivo é mostrar que a leitura
e o estudo da Bíblia são fundamentais para conhecermos o Deus da Bíblia, e para crescermos espiritualmente.
Há uma imperiosa necessidade de se ler a Palavra de Deus, foi por isso que Deus a mandou escrever. Deus
tudo faz com propósito (Ec.3:1) e, portanto, Deus não mandaria seus servos escreverem a Palavra se isto não
fosse necessário. Ora, algo que é escrito somente tem valor quando é lido, pois, se não for lido, será como se
não existisse. Deste modo, o simples fato de termos a Bíblia Sagrada, de temos uma Escritura revelada por
Deus é o suficiente para que entendamos que a leitura devocional da Palavra de Deus é imprescindível para o
nosso relacionamento com o Senhor. Todos os cristãos, sejam leigos, sejam clérigos, têm o dever de estudar
a Bíblia e buscar o seu conhecimento adequando de acordo com as normas de interpretação tecnicamente
reconhecidas.
Um cristão só adquire a maturidade cristã através da leitura e estudo da Palavra de Deus. Como filhos
de Deus não podemos afastar-nos jamais das Sagradas Escrituras, pois todos dependemos delas vitalmente.
Quanto mais as estudarmos, mais íntimos seremos de seu Autor. A oração é necessária para que falemos com
Deus, e o estudo das verdades sagradas fará com que Deus fale conosco, comunicando-nos sua vontade e
sua Pessoa.
Precisamos ler e estudar a Bíblia, nos alimentar dela para crescermos fortes no Senhor. O que mais se
vê nos dias de hoje são crentes que oram em línguas estranhas, profetizam na vida das pessoas, pregam com
tanto entusiasmo que impressionam a muitos, mas quando as tempestades vêm, eles não resistem e caem
por falta de alimento sólido, por não conhecerem as Escrituras e nem o poder de Deus que é revelado em sua
própria Palavra.

I. A BÍBLIA PRECISA SER INTERPRETADA


1. A importância da exegese

Há uma diferença entre Exegese e Eisegese. Na Exegese o leitor extrai da


Bíblia o sentido pretendido pelo autor; na Eisegese, o leitor injeta na Bíblia o sentido
que ele considera ser o correto. O vocábulo “exegese” significa “exposição,
explicação”. O sentido da exegese é extrair, conduzir para fora como um comentário
crítico que analisa o texto no contexto original e o seu significado na atualidade; não
é simplesmente uma exposição textual. Os princípios da exegese são conhecidos
como hermenêutica - a ciência da interpretação. A interpretação correta, por
conseguinte, vem de dentro da Bíblia. Ela mesma expõe aquilo que o Espírito Santo
pretende dizer no seu contexto original. Dessa forma, para não fazer o texto
significar aquilo que Deus não pretendeu, bem como para compreender o real
significado das palavras inspiradas, é necessário um minucioso exame das
Escrituras (2Tm.2:15), utilizando-se das línguas originais usadas, dos fatos
históricos, da cultura e dos recursos usados no texto sagrado.

2. As limitações dos leitores


Alguns cristãos pensam que estudar a Bíblia é apenas tarefa de teólogos e pastores. Não apenas os
pastores ou professores e alunos de teologia precisam estudar a Bíblia, Deus espera que todos nós nos
utilizemos dos recursos necessários para o conhecimento de Sua Palavra. Todavia, assim como havia com o
eunuco de Candace, há uma limitação enorme de inúmeros leitores da Bíblia em fazer uma interpretação
correta da Bíblia – “E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês? E ele
disse: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se
assentasse” (Atos 8:30-31). Se Filipe não tivesse resolvido o problema da limitação do eunuco, certamente,
ele faria interpretação muito equivocada do texto que estava lendo, como ainda ocorre hoje com os judeus,
que se equivocam ao interpretá-lo. Como bem disse o pr. Douglas Baptista, “toda vez que lemos a Bíblia,
estamos interpretando, isto porque todos os leitores são também intérpretes, mas nem sempre o
‘entendimento’ daquilo que lemos reproduz a verdadeira ‘intenção do Espírito Santo’”. Em virtude de nossa
inclinação ao erro (Rm.8:7), precisamos usar métodos propícios que nos auxiliem na interpretação das
Escrituras Sagradas, com a indispensável ajuda do Espírito Santo.
Também, por causa da natureza humana pecaminosa, é comum as pessoas introduzirem sentidos
particulares (eisegese) ao conteúdo bíblico ao invés de buscarem o sentido no texto (exegese). As
pressuposições humanas, isto é, as visões interesseiras podem influenciar na interpretação do texto. Por isso,
não poucas vezes, existem aqueles que se aproximam da Bíblia apenas para comprovar o que já defendem,
sem deixar que Deus fale, pelo Seu Espírito, através do texto. Oremos e peçamos ao Senhor que, conforme
Ele fez com os discípulos no caminho de Emaús, possamos compreender, interpretar e aplicar a verdade
bíblica de acordo com Sua revelação (Lc.24:44-45).

3. A natureza das Escrituras


A natureza das Escrituras Sagradas compreende dois princípios importantes: o divino e o humano.
-A natureza divina da Bíblia.  Do lado divino, Deus é o seu autor; logo, ela é inspirada, inerrante e
infalível. No seu todo ou em qualquer parte a Bíblia é o conjunto dos documentos de Deus para o homem.
Todos esses documentos são testemunhos da vontade de Deus revelada ao longo da história do povo hebreu
e do povo cristão. Com efeito, porém, apesar da diversificação de assuntos, as Escrituras são proféticas e se
combinam entre si em cada detalhe. Algumas vezes, há diferença no método de apresentação; contudo, o
conteúdo plenário é cronológico: cada acontecimento encontra-se perfeitamente em seu lugar. Tudo está
onde devia estar. Nada está fora do lugar. De Gênesis ao Apocalipse, há uma só unidade e harmonia de
entrelaçamento em cada detalhe das Escrituras. Jamais mentes puramente humanas, sem serem tocadas pelo
Espírito de Deus, conseguiriam, partindo de pontos diferentes no tempo e no espaço, convergir para um
mesmo lugar e chegar numa mesma conclusão. É realmente o que afirma Pedro em sua segunda Epístola,
quando diz: “Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação.
Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram
inspirados pelo Espírito Santo” (2Pd.1:20,21).
-A natureza humana da Bíblia.  Foram cerca de 40 autores da Bíblia, durante um período de 1.500
anos, durante mais de 40 gerações. Os seus autores estavam envolvidos nas mais diferentes atividades - reis,
camponeses, filósofos, pescadores, poetas, estadistas, agricultores, boiadeiros, médicos, estudiosos etc.
Apesar de tudo e de todos, não houve, nenhuma sequer, contradição nas Escrituras. Tudo se harmoniza de
acordo com o pensamento geral e a tese principal. Apesar da diversidade de épocas, autores, gêneros
literários e tópicos tratados, há uma surpreendente unidade em seu conteúdo, cujo tema principal é Jesus
Cristo, o Filho de Deus que veio a este mundo para salvar os pecadores (1Tm.1:15). Ele aparece através de
figuras, profecias por todo o Antigo Testamento. Aonde quer que abramos a Bíblia, ali Ele está; seja no texto
presente ou no imediato e, como realidade histórica, no Novo Testamento, consolidando todas as predições
que falavam a Seu respeito no Antigo Testamento.
Tendo em vista que as Escrituras Sagradas possuem particularidades que não podem ser ignoradas,
como, por exemplo, as narrativas, as poesias, as crônicas, as profecias e as parábolas, é preciso que elas
sejam interpretadas, sob a orientação do Espirito Santo, observando as regras gramaticais e o contexto
histórico e literário de quando foram escritos.

II. PRESSUPOSTOS PENTECOSTAIS PARA LER A BÍBLIA


1. Autoridade da Bíblia
Para nós adeptos do movimento pentecostal clássico, a Bíblia Sagrada é a Palavra de Deus; ela é o
produto final da causalidade divina e da agência profética. Portanto, a Bíblia é o Livro imbuído de autoridade
divina. Deus moveu os profetas de tal modo que seus escritos fossem por ele expirados. Em outras palavras,
Deus falou pelos profetas e está falando em seus escritos. Haja vista a sua origem divina, ao ler a Bíblia temos
como pressuposto sua inerrância, infalibilidade e confiabilidade, e tudo o que está narrado em suas páginas
sagradas é útil para o nosso ensino, edificação e maturidade espiritual, conforme afirma o apóstolo Paulo –
“Porque tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito...” (Rm.15:4). Portanto, a Bíblia sagrada é
nossa autoridade final em questões de fé e prática; acatamos suas doutrinas, que desde o princípio da Igreja
são praticadas, dentre elas o Batismo no Espírito Santo e o exercício dos dons espirituais. Como afirma o
apóstolo Paulo, “toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir,
para instruir em justiça” (2Tm.3:16).

2. A iluminação do Espírito Santo


Para compreensão das Escrituras Sagradas é imprescindível a iluminação do Espírito Santo. Iluminação
é a atuação do Espírito na vida da pessoa, que o capacita a discernir as verdades da Palavra de Deus. O ser
humano toma conhecimento da salvação por meio das Escrituras, mas somente o estudo racional não é
suficiente para o entendimento da revelação escrita de Deus, é imprescindível que haja a iluminação do
coração e da mente pelo Espírito Santo. Sem a atuação do Espírito Santo na vida dos apóstolos, certamente,
não teríamos as Escrituras do Novo Testamento. Por isso, Jesus prometeu enviá-lo – “o Espírito Santo, que o
Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”
(João 14:26).
O apóstolo Paulo argumenta que “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo nos abençoou com todas
as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para
que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele; nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo,
para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça; temos a redenção
pelo sangue de Jesus, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça (Ef.1:3-7); enfim, temos o
Céu, temos a vida eterna, a felicidade plena (João 14:2,3; Fp.3:20). Mas para o crente compreender toda esta
riqueza espiritual, um estudo racional não é suficiente; todas estas bênçãos só são perceptíveis na vida do
crente quando ele está sob o sobrenatural de Deus, quando ele tem a iluminação do Espírito Santo para
enxergar com os olhos da fé todas estas maravilhas de Deus. Portanto, é preciso iluminação espiritual,
advinda do Espírito Santo da graça, para que enxerguemos esta realidade. Devemos, pois, pedir a Deus que
abra o nosso entendimento a fim de que saibamos que somos o povo mais abençoado e o mais feliz da terra,
pois temos uma gloriosa e viva esperança que não deve ser abalada pelas circunstâncias adversas.
À medida que lemos e estudamos a Bíblia, o Espírito nos concede a compreensão dos ensinos
sagrados. Mas é bom conscientizarmos de que a iluminação não aumenta e nem altera o conteúdo sagrado;
apenas elucida o que já foi revelado pelo Espírito Santo. Não há nova verdade a ser acrescentada sobre o
texto bíblico; há, sim, nova iluminação, ou seja, são-nos mostrados novos aspectos da verdade que são
relevantes para a nossa situação atual. A verdade é apenas uma, as aplicações dessa verdade é que são
diversas. Somos incumbidos de entender a verdade e, sob a unção do Espírito de Cristo, aplicá-la. Não fomos
chamados para descobrir novas verdades, mas para ensinar as velhas e maravilhosas verdades de forma
nova, pois elas são atemporais e sempre necessárias em nossa geração.

3. O valor da experiência
A chave para que tenhamos experiências com Deus é a qualidade do relacionamento que mantemos
com Ele. Deus quer manifestar-se de maneira pessoal a cada um de nós. Ele deseja que nós tenhamos uma
experiência própria e pessoal com Ele. O Deus do universo, de toda a terra e da Igreja, almeja ser o nosso
Deus também, o nosso Pastor e Rei. Para isto, precisamos conhecê-lo, ter um relacionamento e experiências
pessoais com Ele.
No movimento pentecostal várias experiências espirituais são manifestadas como, por exemplo, o
batismo no Espírito Santo e o exercício dos dons espirituais. Através de uma pesquisa analítico-bibliográfica,
constata-se que essas experiências têm como propósitos a divulgação do Evangelho, assumido como missão
da Igreja, bem como a realização de milagres, tais como aconteciam no princípio da Igreja.
Alguns segmentos evangélicos interpretam mal o valor dessas experiências. Com frequência, os
pentecostais são injustamente acusados de colocar a experiência acima da autoridade da Palavra de Deus.
Porém, como bem diz o pr. Douglas, um dos princípios hermenêuticos ensina o crente a “interpretar a
experiência pessoal à luz das Escrituras, e não a Escritura à luz da experiência pessoal”. Significa que, por
mais importante que seja a experiência pessoal, ela não é a autoridade final da nossa fé. As experiências
precisam do aval das Escrituras para ser validadas. Toda e qualquer experiência que contraria os preceitos
bíblicos deve ser desconsiderada. Paulo asseverou que, se um anjo do céu vos anunciar outro evangelho, tal
experiência deve ser rejeitada (Gl.1:8).
O apóstolo Paulo afirma que “toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para
redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente
instruído para toda boa obra” (2Tm.3:16,17). Aqui, o apóstolo mostra que “toda Escritura” é útil para o nosso
ensino; isto demonstra que a Bíblia deve ser aplicada ao nosso viver diário. Explicando melhor:
ü  A Palavra de Deus é “útil para repreensão”. Quando a lemos, ela nos fala claramente de coisas em
nossa vida que desagradam a Deus. Ela também é proveitosa par refutar erros e responder ao
tentador.
ü  A Palavra também é “útil para a correção”. Ela não apenas destaca o errado, mas apresenta como
pode ser corrigido. Por exemplo, o texto bíblico não afirma apenas: “aquele que furtava não furte
mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom para que tenha com que acudir
ao necessitado” (Ef.4:28). A primeira parte do versículo é para repreender, e a segunda, para
corrigir.
ü  Enfim, a Bíblia é útil “para instruir em justiça”. A graça de Deus nos ensina a viver uma vida piedosa,
mas a Palavra de Deus descreve em detalhes o que constitui uma vida piedosa. Por meio da
Palavra, “o homem de Deus” pode ser “perfeito” ou experiente. Ele é plenamente preparado ou
equipado com tudo o que precisa para produzir toda boa obra (2Tm3:17), que é o objetivo de sua
salvação (Ef.2:8-10).
Portanto, a Bíblia sagrada é a autoridade máxima da Igreja no aspecto doutrinário e para a devida
disciplina. Somente ela é que pode autenticar, e até mesmo corrigir, a experiência ou a prática da Igreja, caso
seja necessário (2Tm.2:42). Logo, nem a experiência nem a tradição da Igreja podem estar acima da
autoridade da Palavra de Deus.

III. REGRAS BÁSICAS DE INTERPRETAÇÃO


1. A Escritura é sua própria intérprete
Dentre as seis regras de interpretação da Bíblia, estudadas na hermenêutica, a primeira é: a Bíblia
interpreta a própria Bíblia; ou seja, a Bíblia explica a si mesma. Sempre que encontramos um determinado
pensamento ou conceito num determinado texto bíblico, devemos confrontá-lo com a própria Bíblia, a fim de
que não sejamos induzidos a erro. É por isso que um texto isolado, solitário, jamais poderá oferecer base para
uma doutrina bíblica como, por exemplo, o texto de Juízes 7:8 que fala dos trezentos homens de Gideão. Por
que haveremos de passar por uma “corrente de trezentos pastores” para obter uma bênção? A simples leitura
do texto em que se fala dos trezentos homens de Gedeão é suficiente para nos mostrar quais os ensinos
bíblicos que se fazem a respeito e que nada têm que ver com “correntes” ou coisa parecida. Os triunfalistas
sempre dão às suas pregações materialistas e megalomaníacas uma roupagem bíblica. Assim, não faltam
imagens e narrativas bíblicas para ilustrarem as suas “campanhas” e os seus “movimentos”. Um dia é a
“campanha da derrubada das muralhas de Jericó”; outro dia o “jejum de Moisés”; depois vem “os trezentos de
Gedeão”, e não esqueçamos dos “trinta valentes de Davi”.
Uma noção ainda que superficial das regras da chamada “hermenêutica”, ou seja, da ciência da
interpretação da Bíblia, é suficiente para desbaratar e desmontar todas estes besteiróis criados pelos
triunfalistas, e que têm enganado a muitos. O problema é que a grande maioria dos crentes não lê a Bíblia e
os poucos que a leem não têm a mesma prudência demonstrada no diálogo entre Filipe e o eunuco (At.8:26-
40). Neste texto, verifica-se que, de um lado, o evangelista Filipe tinha a preocupação não só de anunciar a
Palavra de Deus, mas de fazê-la entendida por quem a ouvisse, enquanto do outro lado, o eunuco também
era um leitor atento, alguém que, além de querer ler, queria entender o que estava lendo e estava disposto a
ouvir a explicação a respeito do que está escrito.
Meditar na Palavra de Deus, envolve, portanto, dois pontos: a leitura e o entendimento. Ora, a leitura
só caminha até o entendimento se houver a explicação. Foi, por isso, que os apóstolos se dedicaram, com
prioridade, ao ministério da Palavra (At.6:2,4), e que Jesus constituiu mestres para o aperfeiçoamento dos
santos (Ef.4:11,12). Somente se cada crente for ensinado convenientemente na Palavra, de modo a ter uma
vida devocional diária de meditação nas Escrituras, como também motivado a participar das reuniões de
ensino da Igreja Local, é que poderemos escapar da armadilha do triunfalismo, como, de resto, de toda e
qualquer falsa doutrina.

2. Princípios de interpretação bíblica


Do mesmo jeito que há quem defenda que o estudo da Bíblia é apenas para teólogos, há quem
argumente que a Bíblia não carece de interpretação. Esse é um equívoco, pois, na verdade, todos nós
interpretamos a Bíblia quando a lemos; ainda que seja uma leitura superficial, tenderemos a atribuir algum
sentido ao texto. Um problema a esse respeito é que, em algumas ocasiões, não atentamos para o texto e
nem para o contexto, mas apenas para versículos isolados, descontextualizados. Isso faz toda diferença no
processo interpretativo e pode conduzir a falácias em relação ao texto bíblico.
Um dos grandes desafios da interpretação é cultural. A Bíblia foi escrita para pessoas de outro tempo.
Quando, por exemplo, o apóstolo Paulo sentou-se para escrever a sua Carta aos efésios, ele não estava
pensando nos cristãos brasileiros. Sua atenção estava voltada para pessoas do século 1, que viviam dentro da
cultura greco-romana-judaica. O mesmo podemos dizer do autor do Apocalipse; quando João escreveu este
Livro sagrado, utilizou uma linguagem simbólica que era comum principalmente aos cristãos judeus de seu
tempo. Em sua época, eram comuns os escritos apocalípticos, que buscavam transmitir mensagens de reforço
na fé em linguagem cheia de imagens e significados ocultos. Hoje, quando lemos a Epístola aos Efésios ou o
Apocalipse, ficamos às vezes com dificuldades de compreender algumas expressões, mesmo utilizando dos
métodos clássicos de interpretação. Daí podemos inferir que a primeira tarefa do intérprete bíblico é entender
o que as Escrituras significaram para os seus primeiros destinatários. A partir desse ponto, é que podemos
estabelecer qual a aplicação para hoje.
Serão válidos para hoje o ósculo santo, o véu no rosto para a oração (1Co.11:13, 16:20)? Para
respondermos isso precisamos primeiro saber "o que significava o ósculo e o véu na sociedade daquele
tempo". Somente a partir daí é que poderemos transpor essa barreira cultural, e fazer das Escrituras algo vivo
para o homem do século vinte um. Para isso existem vários instrumentos disponíveis já em língua portuguesa:
dicionários e manuais, comentários bíblicos, livros dedicados a reconstruir os tempos bíblicos e atlas que
permitem-nos visualizar o arranjo político-geográfico dos tempos do Antigo e Novo Testamentos.
Ao interpretarmos um texto, fujamos da interpretação alegórica. O texto normalmente significa aquilo
que está escrito mesmo. Em algumas ocasiões iremos nos defrontar com figuras de linguagem. Por exemplo,
quando Jesus Cristo afirmou que é "a porta" (João 10:7), o bom senso nos diz que cabe aqui uma
interpretação simbólica. Outro exemplo: “Tomai, comei, isto é o meu corpo” (Mt.26:26); este texto, proferido
por Cristo, mostra que o “corpo” não está no sentido literal, mas no figurado.
Em outras situações, porém, devemos cuidar para não alegorizar aquilo que é literal. Certa feita um
pregador afirmou o seguinte sobre o casamento de Isaque relatado em Genesis 24. O pregador disse que o
servo de Abraão era um "tipo" do Espírito Santo, e que Rebeca é um símbolo da Igreja. Se formos utilizar tais
artifícios em nossa interpretação, poderemos transformar o texto bíblico naquilo que quisermos. Devemos
levar a Bíblia a sério. Os casos em que não estiver clara uma figura de linguagem, ou onde o estilo de
literatura não for claramente figurativo, tais como nos Salmos e no Apocalipse, devemos sempre interpretar
literalmente. O bom senso e a liderança do Espírito Santo nos garantirão bom resultado nessa empreitada.
Portanto, para a interpretação do texto, devemos estar atentos à voz do Espírito Santo, e, em oração, buscar
ouvir o que o Senhor tem a dizer e a obedecê-lo (Ap.2:11,17).
Outro princípio refere-se ao contexto, isto é, analisar os versículos que precedem e seguem o texto
que se estuda. Quando desconsideramos o contexto, estamos sujeitos a errar a nossa interpretação. Um
exemplo clássico é Ap.3:20: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta,
entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo". Muitos mestres e pregadores usam essa passagem
como uma espécie de apelo evangelístico. O convite do Senhor, no entanto, neste caso, não é dirigido aos
pecadores para que eles se arrependam e creiam no evangelho. O convite de Cristo aqui dirige-se aos crentes
orgulhosos; o versículo em questão faz parte da carta de Jesus à Igreja de Laodiceia (Ap.3:14).
A interpretação deve levar em conta toda a estrutura textual. Devemos levar em consideração o
contexto imediato e o remoto. Chamamos de contexto imediato tudo aquilo que está próximo ao texto
estudado (parágrafo e capítulo). Chamamos de contexto remoto tudo aquilo que está distante, mas ao mesmo
tempo abrange o texto estudado (seção, divisões maiores da obra e o livro como um todo). Devemos sempre
perguntar ao texto: qual o contexto próximo? O parágrafo está tratando de que tema? E o capítulo? E a
seção? Aqui estabeleceremos uma relação entre os elementos textuais, e estaremos mais aptos a discernir o
significado da passagem. Todo texto deve ser interpretado dentro do seu contexto. Como diz um ditado da
interpretação bíblica, "texto tirado de contexto é pretexto". Muitos usam textos deslocados para provar as
suas doutrinas preferidas. Não caiamos nesse ardil, pois a Bíblia precisa ser interpretada no seu todo, ou seja,
nenhuma doutrina pode basear-se em um único texto ou em hipóteses particulares (2Pd.1:20).
É bom enfatizar que todo o trabalho de interpretação bíblica deve começar com a oração. O verdadeiro
entendimento da Palavra advém, em primeiro lugar, desse contato íntimo e frequente entre o intérprete e o
Deus que inspirou as Escrituras. É necessário que nos cubramos com a proteção de Deus e convidemos o
Espírito Santo a ser o nosso Mestre. O Espírito Santo tem uma tarefa de ensinar-nos acerca de Cristo (João
16:13,14). Do mesmo modo, é Ele quem nos mostra as profundas revelações de Deus: "Mas Deus no-lo
revelou pelo Espírito, porque o Espírito a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus...
Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim, o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o
que por Deus nos foi dado gratuitamente" (1Co.2:10, 12). Em outro lugar a Escritura afirma que nosso
conhecimento advém do fato de possuir a unção do Espírito: "E vós possuís unção que vem do Santo, e todos
tendes conhecimento" (1João 2:20).

3. Os perigos da hermenêutica pós-moderna


A hermenêutica pós-moderna é caracterizada pelo subjetivismo no processo de interpretação do texto
bíblico. Ela nega que existe um sentido absoluto para a verdade bíblica, e, portanto, busca rever ou
ressignificar a verdade revelada na Palavra de Deus. O maior perigo das correntes subjetivas é a falta de
compromisso com critérios objetivos que orientem e deem consistência ao processo interpretativo. A
interpretação pós-moderna, de modo geral, exagera a distância cultural entre o autor e o leitor, e dissocia de
modo injustificável o autor do seu texto. A obra iluminadora do Espírito Santo, revelada nas próprias
Escrituras, é desconsiderada. A dificuldade de interpretação se transforma em impossibilidade de
interpretação.
Nenhum segmento evangélico está livre da influência da hermenêutica pós-moderna. Ela afeta não
apenas a interpretação bíblica, também a prática eclesial; a vida cristã comunal e pessoal são áreas afetadas;
a doutrina, a teologia, a pregação, o ensino, a música, o culto, a evangelização, a ética e a moral cristã, tudo
é afetado. Portanto, concordo com o argumento do pr. Douglas, quando afirma:
Nossa ortodoxia refuta todo e qualquer método que nega a inspiração verbal e plenária da Bíblia e sua
consequente autoridade (2Pd.1.21). Assim sendo, o intérprete não pode criar outro cânon dentro do
cânon bíblico, ou seja, não cabe ao estudante fragmentar ou relativizar os textos inspirados. Não se
pode empregar métodos subjetivos focados no leitor em prejuízo do texto e do autor bíblico.
Ratificamos que as experiências devem ser submetidas ao crivo das Escrituras Sagradas (At.17:11). Por
fim, reconhecemos que as técnicas hermenêuticas não são infalíveis. Durante o processo de aplicação
dos métodos interpretativos necessitamos da iluminação do Espírito Santo (1Co.2:12).
Argumenta com sabedoria o Pr. Alair Germano:
No desejo de nos tornarmos aceitáveis pela erudição acadêmica universitária contemporânea, corremos
o risco de nos tornarmos acríticos e seduzidos pelos aplausos da academia pós-modernizada. A busca
por relevância entre os leitores e ouvintes contemporâneos, embora legítima, não pode comprometer a
verdade. A ênfase exagerada nos aspectos subjetivos da interpretação bíblica (experiência, êxtase,
intuição etc.), em detrimento dos aspectos objetivos histórico-gramaticais do texto, precisa ser
considerada com muita prudência, inteligência e coerência. A sabedoria que vem do alto, a humildade, o
temor reverente, a oração e a dependência do Espírito devem continuar fundamentando e norteando
todo o nosso pensar e fazer hermenêutico (Hermenêutica Pós-Moderna: Uma Breve Introdução aos
Novos Rumos e Riscos na Interpretação Bíblica Contemporânea).

CONCLUSÃO
Prezado irmão em Cristo, leia e estudo a Palavra de Deus; não seja um bebê o tempo todo. Não fique
satisfeito com um simples correr de olhos pelas páginas da Bíblia. Examine-a, leia e releia as passagens para
que se aproveite a verdade que se esconde nas páginas. Examine-a, faça perguntas e procure as respostas: o
que isto significa para mim? Só tem isso? Procure entendimento pelas palavras diferentes que notar. Pese
cada uma. Verifique outros versículos que têm a mesma palavra. Você pode atingir o significado. Forme o seu
próprio pensamento sobre o assunto.
Estude a Bíblia como um viajante que deseja obter um conhecimento completo e experimental de
outro país. Vá pelos vastos campos da verdade; desça a seus vales; suba suas montanhas de percepção; siga
suas correntes de inspiração; visite suas maravilhosas galerias de obras de arte.
Estude a Palavra como um garimpeiro escava a terra em busca de ouro, ou como um mergulhador
desce às profundezas do mar em busca de pérolas. A maioria das grandes verdades não está na superfície, e
por isso só podem ser trazidas à luz mediante trabalho paciente. Trate de entender as coisas profundas de
Deus.
Lembre-se: a Bíblia Sagrada é a nossa regra de fé e prática; é o mapa do viajor; é a espada do
soldado e o mapa do cristão. Leia-a para ser sábio, creia nela para estar seguro e pratique o que nela está
escrito, para ser santo. Ela contém luz para dirigi-lo, alimento para sustê-lo, e consolo para animá-lo.

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