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Janeiro
Assassinato de Edward Stammers Young
ASSASSINATO
Na estação do Sampaio, na esquina das ruas da Conceição e Treze de Maio, sob o n.
21, existe um pequeno armazém de molhados com três portas para aquella rua e uma
para a de Treze de Maio. Do lado d´esta e com a entrada independente fica a casa de
morada do dono do armazém, Eduardo Young, que alli residia com sua mulher Joanna
Borges Young e com cinco filhinhos menores.
Pois bem, este homem, que era bastante estimado por quantos o conheciam, e que
vivia placidamente no seio de sua família, adorando os cinco pequenitos que ora ficam
na orphandade, foi ante-hontem, por volta de 1 hora da noite, mysteriosamente
assassinado em seu armazém.
Vamos narrar o facto, que ouvimos contado pelas próprias palavras de sua mulher,
que por mais de uma vez, emquanto conversava com o nosso companheiro, chorava,
beijando os filhinhos.
Foi assim: seu marido, que chegára á casa ás 8 horas da noite, vindo do bilhar do Sr.
Costa, tomou chá e descançou em um pequeno sofá que existe na sala de visitas.
Cumpre notar que esta sala se communica por uma porta com os fundos da venda.
Depois de descançar e de ler alguma cousa, recolheu-se ao seu quarto.
Ella fez o mesmo. Alta noite, pórem, como ouvisse chorar seu filho mais pequeno,
que tem apenas 48 dias de nascido, acordou seu marido para accender a vela.
Enquanto elle o fazia, perguntou á sua mulher: “Não ouves rumor?”, ao que ella
respondeu que sim. Então desconfiou que estivessem tentando arrombar a porta da
venda e tomou depressa de um facão que tinha no quarto, dirigindo-se para a venda.
Momentos depois ouviu Joanna esta palavra “ladrão” pronucniada por seu marido, e
mal havia vestido uma saia para ir á venda saber do que se passava, viu voltar seu
marido cambaleando com a mão esquerda sobre o peito. Sem dizer palavra amparou-
se o infeliz Eduardo no leito, cahindo momentos depois no chão, sem pronunciar uma
só palavra.
Allucinada com o que presenciava, sahiu Joanna de casa a gritar por socorro e
batendo em casa de alguns vizinhos mais próximos, a quem rogava chorando, que
fossem vêr seu marido, que estava morto. Esquivaram-se, porém, quantos ella rogava
de virem ajudal-a a curar seu marido, que talvez ainda estivesse com vida. Muito
tempo depois acudiu um vizinho, que foi prevenir a auctoridade do que havia ocorrido.
Joanna conta toda esta scena com a maior calma, dizendo pórém que não ouviu
nenhum tiro. Emtanto o ferimento produzido em Eduardo no peito e do lado esquerdo
é de projectil de arma de fogo, e este é corroborado por alguns visinhos, que declaram
haver escutado mais ou menos á hora do crime a detonação de uma arma de fogo.
O cadáver foi removido ás 8 horas da manhã, e hontem mesmo foram ouvidas pelo
delegado algumas testemunhas.
Cabem aqui alguns esclarecimentos sobre a vida de Eduardo, que foram fornecidos
ao nosso companheiro por sua mulher.
Casou-se com Eduardo há 12 annos, e durante este tempo tem sempre vivido na
maior harmonia. De Santos, onde elle negociava com café, vieram para cá, e há três
mezes havia seu marido comprado o armazém por cinco contos de réis.
O negocio, porém, corria mal, tanto que elle procurava traspassal-o, o que provam
diversos annuncios que fez neste sentido.
Ante-hontem por exemplo fechou-o seu marido ás 3 horas da tarde e sahiu de casa.
Voltou ao escurecer, jantou e tornou a sahir, para ir ao bilhar do Sr. Costa, de onde
voltou á noite.
Disse mais Joanna, que seu marido era estimado e tinha por maior amigo um Vieira,
que ella não sabe onde é empregado.
Elle era filho da Inglaterra e se achava há muito tempo no Brasil ; contava 36 annos
e usava somente bigode.
O começo da sua vida no Brasil foi a agricultura, e em diversas fazendas dos nossos
Estados, onde foi administrador, poude fazer o pequeno pecúlio que o levou a
negociar em Santos, ´e ultimamente aqui.
Ella é filha de S. Paulo, conta vinte e poucos annos. E´ uma senhora baixa, magra e
nervosa. Fala bem, demonstra mesmo ter recebido alguma educação intellectual.
Eduardo foi autopsiado no necrotério pelo Dr. Moraes de Brito, medico legista.