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HEMOCULTURA E SEGURANÇA DO PACIENTE: A IMPORTÂNCIA DA FASE

PRÉ-ANALÍTICA

Fernanda Hélia Lucio¹, Alessandra Marques Cardoso²*

1. Biomédica, Especialista em Microbiologia Clínica e Medicina Laboratorial pela Pontifícia


Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
2. Biomédica, Doutora e Mestre em Medicina Tropical e Saúde Pública, com área de
concentração em Microbiologia (UFG); Professora Adjunta da Escola de Ciências Médicas,
Farmacêuticas e Biomédicas da PUC Goiás; Biomédica da Secretaria Estadual de Saúde de
Goiás (SES-GO).

*Autor correspondente: Alessandra Marques Cardoso. Endereço: Rua Tambuqui, Quadra 175,
Lotes 2 e 3, Apto. 604, Residencial Tambuqui, Parque Amazônia, Goiânia-Goiás, CEP:
74.835-530. Telefone: (62) 8469-1569; E-mail: alemarques5@yahoo.com.br

Resumo

Um dos principais exames laboratoriais para diagnóstico de sepse é a hemocultura. Contudo,


vários fatores podem interferir no resultado final desse exame, colocando em risco a
qualidade e veracidade do laudo liberado. A positivação de hemoculturas é uma ocorrência
frequente no ambiente nosocomial, entretanto nem sempre essa positividade é verdadeira,
podendo deflagrar-se um resultado falso positivo, o qual poderá induzir um tratamento
errôneo por parte da equipe médica assistente, colocando sob suspeita a qualidade de análise
do laboratório clínico e, acima de tudo, colocando em risco a estabilidade e a vida do
paciente. A avaliação e execução adequada de todo o processo, desde a fase pré-analítica,
pode garantir a qualidade final do exame e resguardar a segurança do paciente quanto à
assistência à saúde. Além disso, assegura ao médico assistente informações condizentes para
o tratamento adequado do assistido.

Palavras-chave: Hemocultura, Antissepsia, Segurança do paciente, Fase pré-analítica.


Abstract

One of the main laboratory tests for the diagnosis of sepsis is blood culture. However, several
factors can and will affect the final result of the review, jeopardizing the quality and veracity
of the report released. The assertiveness of blood cultures is a frequent occurrence in
nosocomial environment, however this is not always positive is true, and can trigger up a false
positive result. A final report false positive may lead to an erroneous treatment by the
assistant medical team, putting on suspicion analyzing quality of clinical laboratory and,
above all, putting at risk the stability and life of the patient. The evaluation and proper
execution of the entire process, from pre-analytical phase, can guarantee the final quality of
the examination and to protect patient safety with regard to health care. It also ensures
consistent information to the attending physician for proper treatment of assisted.

Key words: Blood culture, Antisepsis, Patient safety, Pre-analytical phase.

INTRODUÇÃO

A hemocultura é considerada um dos principais exames para diagnóstico de sepse em


pacientes hospitalizados. Entretanto, para que o resultado dessa cultura seja satisfatório, faz-se
necessário cumprir os procedimentos recomendados para coleta da amostra clínica (1). O
termo sepse designa a ocorrência de infecção na corrente sanguínea, tanto por agentes
bacterianos quanto fúngicos (2).
A presença de bactérias viáveis na corrente sanguínea é denominada bacteremia. Esse
fenômeno tem grande significado clínico, uma vez que está diretamente relacionado a altos
índices de morbidade e mortalidade. A bacteremia pode ser classificada em bacteremia
primária e bacteremia secundária (3).
A qualidade das amostras de hemoculturas pode ser prejudicada pela técnica de coleta,
gerando erros de interpretação do resultado final da cultura (4). O processo de antissepsia
precedente à coleta de sangue para a realização de hemocultura é um fator primordial para um
resultado fidedigno, desde a interpretação do laudo final até a intervenção clínica do médico
assistente ante o resultado apresentado (1).
O uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) é um procedimento
indispensável no processo de barreira contra contaminação de amostras clínicas. As luvas, por
exemplo, devem ser utilizadas desde o início do preparo do paciente para a realização da
coleta, e deve ser substituída sempre que o procedimento com aquele paciente for finalizado.
A utilização das luvas diminui em até 50% o risco de contaminação da amostra clínica, uma
vez que o próprio profissional de saúde pode inocular algum agente contaminante na amostra
em questão (5).
Dessa forma, o presente estudo objetivou estabelecer um paralelo, através da revisão
da literatura científica especializada, entre a importância dos processos pré-analíticos na
realização do exame de Hemocultura e a Segurança do Paciente. A meta foi instruir e orientar
de forma clara, precisa e eficaz, os profissionais da área de saúde que desenvolvem seus
ofícios no âmbito laboratorial, levantando questões desde a responsabilidade profissional
(conduta responsável) até implicações jurídicas na assistência à saúde (segurança do
paciente).
Trata-se de uma revisão bibliográfica, com levantamento de artigos nos bancos de
dados LILACS, MEDLINE, SciELO, Google Acadêmico, PUBMED e ANVISA.

A HEMOCULTURA E SUA IMPORTÂNCIA CLÍNICA

A hemocultura é considerada um dos procedimentos de maior importância realizados


no laboratório de microbiologia clínica, sendo sua realização recomendada em todos os casos
em que haja suspeita de bacteremia. Dessa forma é considerada um dos exames mais
importantes para o diagnóstico de infecção na corrente sanguínea, porém, para uma correta
interpretação do resultado obtido com a cultura dessa amostra, faz-se necessário um cuidado
especial com a coleta do material. Sendo assim, é imprescindível a realização de um processo
adequado de antissepsia da pele (1,2,6).
A realização da hemocultura visa o isolamento de micro-organismos viáveis presentes
inadequadamente na corrente sanguínea, seguindo da identificação e pesquisa de
suscetibilidade dos mesmos para, a partir de então, proceder a assistência terapêutica mais
adequada. Contudo, no decorrer dessa rotina, é comum evidenciar-se a realidade das
contaminações das amostras clínicas (5).
A bacteremia é representada pela presença de micro-organismos viáveis na corrente
sanguínea, desencadeando subsequentemente um processo de Infecção da Corrente Sanguínea
(ICS). É em casos como esse, por exemplo, que a hemocultura tem um papel fundamental e,
em caso de positividade verdadeira, pode passar a ter valor preditivo de infecção (3),
denominando-se sepse (2). Quando as bacteremias não são contidas, pode haver o
desenvolvimento do processo de infecção grave na corrente sanguínea (7).
As bacteremias podem se originar de fontes diferentes, e de acordo com sua origem,
segue sua classificação. A sepse contínua ocorre quando o foco primário da infecção é o
ambiente intravascular, e a sepse intermitente, quando o foco primário das infecções se
encontra em sítios distais, sendo a corrente sanguínea o tecido secundário de infecção (2).
Segundo Araújo (2012), as bacteremias podem ainda ser subdividas em outros quatro
segmentos distintos: bacteremia transitória, bacteremia intermitente, bacteremia contínua e
bacteremia de escape (3).
As bacteremias transitórias são definidas pela rapidez com que ocorrem, sendo
passageiras e com duração de poucas horas ou até mesmo de minutos; sua origem se dá
através da manipulação de abscessos e/ou outros tecidos potencialmente infectados (3).
Bacteremias intermitentes se caracterizam por sua manifestação em intervalos
variáveis de tempo, na presença de febre e cujo foco de infecção não esteja ainda, algumas
vezes, indicado (3). Sua ocorrência se dá quando o sítio de infecção (foco primário) seja
distal, tais como trato urinário, tecidos moles, pulmões (2). Em situações onde o foco
infeccioso já tenha sido identificado, sugere-se a coleta de amostra clínica referente ao sítio
em questão concomitantemente à coleta de hemoculturas (4).
Já as bacteremias contínuas, por serem primárias, isto é, seu foco de infecção primário
já é a corrente sanguínea, são bastante específicas. Estão presentes, por exemplo, em casos de
endocardite e infecções associadas a cateter intravascular (2).
As bacteremias de escape podem ser consideradas as mais preocupantes de todas as
citadas anteriormente. Isso porque elas se caracterizam pela presença de micro-organismos
viáveis na corrente sanguínea, mesmo quando o paciente já está sob antibioticoterapia.
Significa que o micro-organismo em escape conseguiu sobreviver ao antimicrobiano
utilizado, mesmo apresentando-se sensível a ele no início do tratamento. Todo esse processo
pode representar agravamento do estado clínico do paciente (3).
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), as infecções da
corrente sanguínea podem ser divididas em Infecções Primárias da Corrente Sanguínea e
Infecções Secundárias da Corrente Sanguínea. As infecções primárias podem ainda ser
subdivididas entre as infecções primárias da corrente sanguínea laboratoriais e as infecções
primárias da corrente sanguínea clínicas. Isto é, aquelas hemoculturas que são positivas e
aquelas cujo diagnóstico se dá somente pela avaliação clínica do paciente, o que gera certa
subjetividade (8).
A SEGURANÇA DO PACIENTE

“Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro”, foi o tema do


documento publicado por “O Instituto de Medicina (IOM)”, em 1999. Nesse documento foi
apresentada a preocupação em relação à segurança do paciente durante a assistência em saúde
e subsequente, sua relação com a qualidade do processo. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) estima que dezenas de milhares de pessoas sofram danos à saúde durante
procedimentos de assistência à saúde. Segundo a Classificação Internacional de Segurança do
Paciente (ICPS), o termo erro diz respeito a todo o processo onde há falhas de execução de
um plano de ação (erro de ação) ou quando outro plano, diferentemente do plano original, é
desenvolvido (erro de omissão). A ausência de processos que promovam a segurança do
paciente na assistência à saúde e seu devido cumprimento cria uma distância significativa
entre os resultados possíveis e os resultados alcançados nessa assistência prestada (9).

INCIDENTES NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Quando se trata de segurança do paciente, alguns aspectos devem ser considerados,


entre eles, a ocorrência de incidentes. Por incidente pode-se entender um evento ou
circunstância que gerou ou poderia ter gerado danos ao paciente. Esses incidentes estão
representados na Figura 1 e podem ser divididos em: Incidente que não atingiu o paciente,
também denominado Near miss; Incidente sem dano, quando o paciente é atingido pela ação
danosa, porém não é prejudicado, não sofrendo dano à sua saúde; e Incidente com dano ou
evento adverso, quando o paciente sofre o dano e deste, decorre consequências à integridade
do paciente (9).
Figura 1 – Incidentes relacionados ao cuidado de saúde com base na ICPS.

Fonte: Proqualis (2012). Adaptado.

SEGURANÇA DO PACIENTE: INCIDENTES, CONTAMINAÇÃO E QUALIDADE


DA AMOSTRA CLÍNICA

Os incidentes nos serviços em saúde trazem uma questão que vai além do tratamento
final conferido ao paciente. Têm-se aí implicações éticas, sociais e ainda jurídicas, que
resguardam os direitos e a segurança do paciente (10). Processos judiciais podem ser movidos
em casos onde seja constatado dano ao paciente e negligência da assistência em saúde (11).
No que tange à equipe de diagnóstico laboratorial, a atenção quanto à coleta da
amostra clínica e sua devida identificação configura fator sine qua non no processo geral. Se
instalado erro de identificação do espécime clínico em questão, possivelmente haverá erro de
omissão, o que pode configurar um resultado final adverso ao real (9,12).
Resultados positivos de hemocultura nem sempre representam a certeza da correta
realização dos procedimentos de coleta e a real condição clínica do paciente. Esses casos
devem ser devidamente avaliados, pois podem refletir erro do processo que culminou em
contaminação da amostra clínica na fase pré-analítica (8).
A pele é o tecido de maior extensão do corpo, sendo por isso a parte com maior
exposição externa, isto é, com maior contato com meio exterior. Assim, com esse contato
constante, está sujeita a diversos tipos de interações, incluindo aquelas com micro-organismos
diversos presentes no ambiente. Fato esse que leva à colonização natural desse tecido tanto
por bactérias quanto por fungos (11).
A essa colonização natural da pele dá-se o nome de microbiota, que pode ser dividida
em microbiota transitória e microbiota residente. A microbiota transitória se caracteriza pela
presença de micro-organismos colonizadores da superfície da pele, patogênicos ou não, cuja
remoção se dá facilmente através da utilização de água e degermantes. Entretanto, alguns
desses micro-organismos podem provocar infecções relacionadas à assistência à saúde. A
microbiota residente, por sua vez, é caracterizada pela presença de micro-organismos em
camadas mais profundas da pele, sendo resistentes à remoção por métodos simples de
higienização, fazendo-se necessária a utilização de antissépticos. Entre os micro-organismos
considerados residentes, estão os estafilococos coagulase-negativos (11).
Há ainda um terceiro grupo descrito, denominado microbiota infecciosa. Nesse grupo
incluem-se aqueles micro-organismos de fato patogênicos, cuja ação certamente desenvolverá
uma patologia clínica. Nele estão presentes, por exemplo, o Staphylococcus aureus e
estreptococos beta-hemolíticos (11).
Visto isso, uma coleta de amostra clínica de sangue para a realização de hemocultura
deverá obedecer a critérios próprios de coleta, tendo vistas a diminuição de fatores
contaminantes desse espécime clínico. A presença de microbiota contaminante na amostra
cultivada ocasionará falhas no processo de diagnóstico, gerando um resultado falsamente
positivo, promovendo o desencadeamento de erro por todo o processo seguinte relacionado ao
tratamento do paciente (12).

IDENTIFICAÇÃO, COLETA SEGURA E TRANSPORTE DA AMOSTRA CLÍNICA

Cada amostra coletada deverá ser devidamente identificada. O objetivo da correta e


legível identificação das amostras clínicas é evitar a ocorrência de incidentes na assistência ao
paciente. Cada amostra deverá ser identificada de forma segura, no corpo do recipiente,
jamais na tampa, contendo nome completo do paciente, leito, registro interno, data e hora da
coleta e nome de quem a realizou. Todos os dados possíveis devem ser anotados, oferecendo
maior confiabilidade ao serviço prestado (12).
O profissional responsável pela coleta deve ser devidamente treinado para o ofício,
tendo como base todas as diretrizes de cuidados individuais e com o paciente. Como cuidados
individuais entende-se o uso de Equipamentos Individuais de Proteção (EPI’s), que são
barreiras de proteção exigidas para cada procedimento a ser realizado. Deve-se considerar
toda amostra clínica como potencialmente infectante, de forma que todos os processos de
manuseio da mesma devem ser precedidos de medidas de segurança individuais e coletivas.
Além disso, o ambiente onde se realiza a coleta deve permanecer adequado, evitando-se a
contaminação dos colegas de trabalho que virão subsequentemente (12).
O transporte dos espécimes clínicos deverá ser realizado imediatamente ao laboratório,
obedecendo-se o tempo de estabilidade da amostra. A atenção com a viabilidade do micro-
organismo é determinante para a realização da cultura microbiológica. Pode-se considerar
como fatores determinantes o tempo de transporte e o acondicionamento da amostra (12).

AS INFECÇÕES RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA À SAÚDE E A IMPORTÂNCIA


DA FASE PRÉ-ANALÍTICA DA HEMOCULTURA

As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são uma realidade


preocupante na assistência à saúde. Podemos defini-las como todo e qualquer acometimento
infeccioso a que seja submetido o paciente, tanto em assistência hospitalar, ambulatorial ou
domiciliar, desde que este esteja associado, de alguma forma, a algum procedimento
assistencial terapêutico ou diagnóstico (13,14).
São consideradas infecções hospitalares aquelas em que o paciente é acometido dentro
da unidade de assistência ou ainda aquelas que se desenvolvem posteriormente à alta, porém
em decorrência da permanência do paciente na instituição de saúde (14,15).
O aparecimento das infecções hospitalares é favorecido por muitos mecanismos, um
deles, e talvez o mais simples, porém determinante, é o contato dos profissionais da
assistência à saúde com o paciente. O potencial de contaminação partindo dos profissionais e
a vulnerabilidade do paciente são aspectos determinantes para o desencadeamento do
processo infeccioso. A falta de adoção do hábito de lavar as mãos por parte dos assistentes em
saúde tem sido motivo de grande preocupação no tange o cuidado com o paciente (16).
A estimativa de IRAS no Brasil é motivo de grande preocupação, sendo considerada a
quarta causa de mortalidade em Unidades de Terapia Intensiva nos serviços de assistência à
saúde (13,17) e podem estar associadas a doenças graves, intervenções e a complicações
graves (15). São consideradas IRAS associadas ao ambiente hospitalar, aquelas cuja
manifestação dos sintomas se deu em até 72 horas após a admissão do paciente na instituição
de saúde e cujo rastreamento dos sintomas anteriores a esse período de admissão não seja
possível (14).
Hemoculturas inesperadamente positivas ou com apenas uma amostra positivada de
duas ou mais coletadas, sendo a positividade ocasionada por micro-organismos pertencentes à
microbiota da pele, são consideradas potencialmente contaminantes. A antissepsia correta da
pele antes da coleta das amostras de hemocultura é de fundamental importância, pois é uma
das formas mais determinantes para se evitar a contaminação da amostra clínica em questão,
evitando-se, consequentemente, erros de interpretação do laudo final (3).

HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS

Os profissionais de saúde devem entender a higienização das mãos como


procedimento ético, uma vez que essa medida preventiva pode interferir diretamente na
qualidade do processo de cuidado conferido ao paciente, sendo medida determinante para a
segurança da sua integridade. Tendo por princípio essa necessidade, os protocolos de
higienização devem ser seguidos cuidadosa e frequentemente por esses profissionais (11).
A higienização das mãos, além de medida reconhecidamente prioritária pelo
Ministério da Saúde (MS) por reduzir com eficiência o risco de IRAS, contribui ainda com
questões de interesse econômico para a instituição de assistência à saúde (16). A prevenção de
infecções hospitalares reduz os gastos da instituição, o que permite o investimento de recursos
em áreas adequadas (15).
O grande problema encontrado no processo de higienização das mãos não é a eficácia
ou não dos antissépticos e sim o comprometimento dos profissionais de saúde. As mãos
desses profissionais podem veicular micro-organismos patogênicos aos pacientes, uma vez
que elas poderão estar contaminadas (11).
Especialmente no que tange à coleta de amostra clínica para realização de
hemoculturas, as medidas adequadas de antissepsia são fundamentais para a diminuição dos
casos de culturas falso positivas, isto é, contaminadas. Se adotadas adequadamente, as
medidas de antissepsia contribuirão com a redução de custos de uma forma geral, incluindo
testes de identificação e suscetibilidade, além de medicamentos e tempo de internação
desnecessários, dado cada caso (5).
Segundo a ANVISA, em situações onde as mãos dos profissionais de saúde estejam
visivelmente sujas, preconiza-se a lavagem com água e sabão. Esse processo recebe o nome
de degermação. Nos casos onde a sujeira não seja visível, basta a aplicação adequada de
antissépticos, como o álcool, por exemplo, em concentrações de 60% a 80% (18).
Alunos do curso de Enfermagem de uma universidade de São Paulo realizaram uma
pesquisa sobre a importância da higienização das mãos no ambiente nosocomial. O estudo
teve como objetivo reforçar a importância da higienização correta das mãos e, após cada
período estipulado na pesquisa, avaliar o cumprimento do procedimento pelos participantes
do estudo. Participaram da pesquisa alunos do segundo, terceiro e quarto períodos do curso de
enfermagem, sendo que os alunos do segundo período receberam as instruções pertinentes ao
ato de higienizar as mãos adequadamente e foram avaliados quanto à execução correta do
processo de acordo com que progrediam para os períodos subsequentes (16).
O resultado obtido após a conclusão do estudo supracitado foi que os participantes
deixavam de executar corretamente o processo de higienização das mãos à medida que
progrediam nos períodos da graduação. Algumas hipóteses foram levantadas para justificar o
motivo pelo qual a instrução se perdeu ao longo do tempo. Entre elas, foi citado o tempo
decorrido entre a instrução e o final do processo de avaliação; outra, o fato de os alunos
estarem há algum tempo em período de estágio e a falta de supervisão direta, poderia ter
levado à banalização da importância do procedimento. Assim, a pesquisa concluiu a
importância da educação continuada dos profissionais envolvidos nos processos de assistência
à saúde, fato que poderá contribuir substancialmente no processo de redução de IRAS (16).

EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL E ANTISSÉPTICOS

Os equipamentos de proteção individual exigidos para o profissional da saúde (19),


segundo o manual de Medidas de prevenção de Infecção Relacionadas à Saúde, publicado
pela ANVISA em 2013 são gorro, máscara, avental e luvas estéreis. A utilização das luvas
não descarta a necessidade do procedimento de higienização das mãos (18).
Para um resultado eficiente da cultura sanguínea devem ser observados pontos muito
importantes, que precedem a realização de fato do exame microbiológico. Entre eles, a
simples e eficaz medida de lavagem das mãos e a antissepsia adequada da pele do paciente
(12).
A antissepsia é caracterizada pela inibição de crescimento dos micro-organismos ou
mesmo sua eliminação e deve ser realizada, obviamente, com a aplicação de produtos
químicos denominados antissépticos (5,18).
Os antissépticos são substâncias de ação inespecífica que devem ser utilizadas
externamente e que têm por objetivo a eliminação tanto quanto possível de micro-organismos
colonizadores da pele, destruindo e/ou impedindo temporariamente seu desenvolvimento
(5,18). São agentes biocidas capazes de inibir o crescimento de micro-organismos em tecidos
vivos, pele e mucosa (20).
Os antissépticos e desinfetantes têm papel importante no controle e prevenção das
infecções e contaminações (20). Recomenda-se que os antissépticos sejam suaves e de baixo
custo. Ainda, que não sejam tóxicos e possuam ação antimicrobiana imediata, com efeito
residual ou persistente (11).
No que diz respeito à antissepsia da pele, podem ser utilizados vários antissépticos de
ação rápida e eficaz, tais como tintura de iodo, povidona iodada, clorexidina aquosa e
clorexidina com base alcoólica (5). No Quadro 1 estão os principais antissépticos utilizados e
seus respectivos espectros de ação, segundo o Centers for Disease Control and Prevention
(CDC).

Quadro 1 - Espectro antimicrobiano e características de agentes antissépticos utilizados para


higienização das mãos.
EDUCAÇÃO CONTINUADA DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

O somatório de todos os esforços para a conquista da qualidade deve ser motivado


periodicamente através da implantação da educação continuada nas instituições de assistência
à saúde (14).
Os programas de Educação Permanente em Saúde (EPS) ou Educação Continuada
(EC) tem por objetivo aprimorar as atividades desempenhadas pelos profissionais de saúde,
além de permitir a identificação de fatores limitadores do desempenho adequado dessas
atividades, oportunizando, dessa forma, a correção daquilo que se faz necessário. São, por
assim dizer, práticas de ensino-aprendizagem (21). Todo o procedimento relacionado à EC
deverá ser devidamente registrado (22), sendo de responsabilidade do empregador a
continuidade desse processo de educação (19).

RECOMENDAÇÕES PARA A COLETA ADEQUADA DE HEMOCULTURAS

Ainda hoje na realidade hospitalar, existe um problema sério e não raro, que é a
contaminação de hemoculturas pelo processo de coleta (5).
Ao se realizar um diagnóstico por hemocultura, deve-se atentar para fatores que
podem ser determinantes. Entre eles, a coleta de duas amostras clínicas, em sítios anatômicos
diferentes. O objetivo dessa medida é evitar interpretações errôneas quanto à possiblidade de
aparecimento de amostras contaminadas, isto é, falso-positivas. Concomitante a isso, faz-se
necessária a aplicação de técnica adequada de antissepsia (12).

PROTOCOLO DE COLETA DE SANGUE PARA HEMOCULTURAS

O primeiro passo para a realização da coleta da amostra clínica deve ser a correta
instrução do profissional da saúde. Ele deve reconhecer os procedimentos de segurança e
coleta a serem seguidos e as providências que deverão ser tomadas diante de qualquer
situação que se lhe apresente. Ter conhecimento sobre a amostra clínica a ser coletada, o
tempo de transporte da mesma e as ações a serem desenvolvidas em caso de acidentes com a
amostra, reconhecendo-as como potencialmente infectante. O profissional de coleta deverá ser
devidamente treinado e, periodicamente, reciclado (12).
O início da correta realização das hemoculturas dá-se com a identificação da amostra
clínica:
a) Feito isso, o profissional de saúde deverá realizar a higienização das mãos e se
paramentar adequadamente, fazendo uso dos EPI’s indicados para cada caso;
b) Devidamente protegido, o profissional então entrará em contato com o paciente,
explicando o procedimento que será realizado, procedendo em seguida a escolha
do local para a punção;
c) Realizar a antissepsia do local com o antisséptico padronizado pela instituição de
saúde: Álcool 70%, Clorexidina 0,5%, Iodo Polivinilpirrolidona (PVPI). A
antissepsia deverá ser realizada com algodão e antisséptico em movimento
circulares por cerca de 30 segundos e repetir o processo com novo algodão e
antisséptico para garantir a higienização correta do local de punção, evitando-se
dessa forma, a contaminação da amostra clínica. Uma vez realizado o processo de
antissepsia, o local da coleta não deverá mais ser tocado;
d) A coleta da amostra deverá obedecer aos critérios estipulados pelo laboratório de
microbiologia responsável, observando o frasco adequado para a inoculação do
sangue coletado e o volume ideal a ser coletado, tendo em vista a metodologia
utilizada e as especificações técnicas de cada caso. Obter o maior volume indicado
pelo fabricante (observando-se as condições individuais do paciente), pois dessa
forma aumenta-se a chance de isolamento do micro-organismo, se presente;
e) A coleta deve ser realizada preferencialmente por acesso venoso, uma vez que
sangue arterial não contribuirá para a captura de micro-organismos;
f) Preferencialmente, coletar antes da administração de antibióticos. Caso não seja
possível, coletar antes da próxima administração de antimicrobiano;
g) Observar se o paciente está em pico febril, pois é nesse momento do episódio
febril que há a maior destruição microbiana, o que dificulta o isolamento e
recuperação dos mesmos. Neste caso, proceder às coletas assim que detectado o
início do episódio febril;
h) Determina-se a coleta de duas amostras ou mais, de sítios anatômicos distintos,
com vistas a eliminar casos de crescimento de contaminantes. Além disso,
favorece a recuperação de micro-organismos em sítios diferentes;
i) Nos casos de solicitação de hemocultura de sangue de cateter, coletar amostra
pareada de sangue venoso periférico. Assim, se tornará possível a distinção de
infecção relacionada ao cateter ou não, levando-se em conta a positividade e o
tempo de positividade das amostras clínicas em questão;
j) A amostra clínica deverá ser encaminhada imediatamente ao laboratório de
microbiologia, à temperatura ambiente, obedecendo ao seu tempo de estabilidade
(3,12).

QUALIDADE DA AMOSTRA E O RESULTADO FINAL

A qualidade da amostra é o primeiro passo para que o laboratório de microbiologia


consiga liberar um laudo final fiel à realidade do paciente. Para que o resultado de todo o
processo de diagnóstico em microbiologia seja satisfatório, algumas medidas diretas devem
ser adotadas. O cuidado com a amostra clínica na sua identificação de forma correta e legível,
o transporte dessa amostra em tempo hábil e sua coleta representativa são de fundamental
importância para se alcançar a qualidade do processo final. Outro fator em destaque é a coleta
da amostra clínica antes da instituição da antibioticoterapia. A desatenção nessa área do
processo pode induzir a resultados falsamente negativos. Porém, caso o tratamento com
antimicrobiano já esteja em curso, a ANVISA recomenda que essa coleta seja efetuada antes
da administração da próxima dose (6,12).
A interpretação dos resultados obtidos com a hemocultura configura etapa de extrema
importância, uma vez que a positivação, se houver, poderá ser advinda de um processo de
contaminação dessa amostra clínica (6,8).
Resultados de amostras de hemocultura com crescimento de micro-organismos
pertencentes à microbiota residente da pele devem ser avaliados com critério. São
considerados prováveis contaminantes das amostras de hemocultura Staphylococcus
coagulase negativa (SCN), Micrococcus spp., bactérias corineformes, Propionibacterium
spp., Bacillus spp. Diante dessa possibilidade de positividade por micro-organismos
contaminantes pertencentes à microbiota, devem-se seguir as orientações de coleta de, no
mínimo, duas amostras extraídas de sítios anatômicos diferentes. Assim, devem-se interpretar
os resultados de amostras positivas da seguinte forma: duas amostras coletadas e apenas uma
positivada com SCN - não realizar antibiograma, pois se trata de provável contaminação.
Solicitar nova coleta imediatamente. Quando há positivação de duas amostras de hemocultura,
por SCN – se forem da mesma espécie, porém com resultados divergentes de antibiograma,
trata-se de uma possível contaminação de coleta. Repetir a hemocultura coletando-se nova
amostra (3,12).
Se duas amostras foram coletadas e as duas amostras positivarem com o SCN, cujo
antibiograma de ambos seja o mesmo, liberar laudo final com resultado da cultura e
antibiograma, e reportar a seguinte observação, determinada pela ANVISA (2010) no Manual
de Microbiologia Clínica para o Controle da Assistência à Saúde, “Bactéria da flora cutânea.
Instituir tratamento específico se houver evidências clínicas de infecção. Se o paciente estiver
com cateter, possível colonização” (3,12).
O número de amostras de hemoculturas ideal a ser coletado é de duas a quatro, pois
ampliando o espectro de pesquisa tem-se também ampliadas as chances de recuperação de
micro-organismos, caso presentes. Um ponto ainda a ser considerado é a interação entre a
equipe assistente do paciente e o laboratório de microbiologia. Os resultados obtidos devem
ser discutidos entre as equipes, nos casos em que haja dúvidas, intercorrências detectadas e
variação do laudo final com a clínica apresentada pelo paciente (12).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecendo a importância e a complexidade do processo diagnóstico das


bacteremias através da realização das hemoculturas, faz-se necessário um acompanhamento
desse processo desde seu início, na fase pré-analítica. Na esfera do processo pré-analítico são
encontrados pontos singulares, os quais devem ser explorados. Entre eles, o quesito segurança
do paciente. Esse termo é bastante utilizado em ambientes hospitalares, uma vez que engloba
todo o processo de manuseio do paciente até o resultado final de qualquer dos procedimentos
a este realizados. Sendo assim, a fase pré-analítica do processo de diagnóstico laboratorial é
fator determinante no resultado final, interferindo diretamente na segurança do paciente.
O primeiro passo para a obtenção de um processo diagnóstico satisfatório é a correta
execução dos protocolos previamente estabelecidos por cada instituição de assistência à
saúde. Esses protocolos podem ser desenvolvidos internamente, de acordo com a rotina
estabelecida pela unidade em questão, considerando-se as estatísticas e necessidades internas
do local, observando-se, evidentemente, as normas gerais de regulamentação dos processos
relacionados. Essas normas podem ser obtidas nos manuais lançados periodicamente pela
ANVISA, ou ainda através de notas técnicas publicadas pela mesma, cujo objetivo é o
esclarecimento dos profissionais e adequação dos processos.
Há que conscientizar os profissionais da saúde quanto à sua responsabilidade
profissional no trato com o paciente. Questão ética, que deve ser tratada de forma séria e
contínua, com objetivo de resguardar a integridade do indivíduo assistido, integridade do
profissional, integridade judicial da instituição, levando ao melhoramento, necessário e
alcançável, de todo o processo na assistência à saúde (considerando-se custos e qualidade
final) e controle das IRAS, tão crescentes no âmbito da saúde no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. SOUSA, M. A.; MEDEIROS, N. M.; CARDOSO, A. M.; CARNEIRO, J. R.


Microrganismos prevalentes em hemoculturas de pacientes da Unidade de Terapia Intensiva
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