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extensão universitária e planejamento urbano e regional

PA R A A L É M DA SA L A D E A U L A
PA R A A L É M DA SA L A D E A U L A

extensão universitária e planejamento urbano e regional

[ organização
Camila D’Ottaviano
João Rovati

FAUUSP
PA R A A L É M DA SA L A D E A U L A

extensão universitária e planejamento urbano e regional

[ organização
Camila D’Ottaviano
João Rovati

FAUUSP . ANPUR . 2017


© 2017 FAUUSP
revisão
Camila D’Ottaviano
João Rovati

projeto gráfico
Paula Custódio de Oliveira

impressão e encadernamento
LPG - FAUUSP
Coord. José Tadeu de Azevedo Maia

1ª edição: novembro de 2017

“O único lugar que existe é o dia de


P221 amanhã. A nossa utopia é fazer
alguma transformação já.”
Para Além da Sala de Aula. Extensão Universitária e Planejamento Urbano e
Regional/ Organização: Camila D’Ottaviano, João Rovati. - 1º ed. - São Paulo: José Saramago, 2005
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e Associa-
ção Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional,
2017.

146 p. : il; 26,5x20cm

ISBN (impresso): 978-85-8089-112-6


ISBN (digital): 978-85-8089-115-7

1. Extensão Universitária. 2. Planejamento Urbano. 3. Planejamento Regio-


nal. 4. Ensino. I. D’Ottavino, Camila. II. Rovati, João.

à memória do amigo RODRIGO SIMÕES


6 . A Extensão Universitária na ANPUR: um primeiro ciclo
Camila D’Ottaviano . João Rovati

12 parte um
14 1 OS TERRITÓRIOS DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
João Rovati . Camila D’Ottaviano

26 2 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM TEMPOS DE CRISE


Fabiana Dultra Britto

36 3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA


Maria Arminda do Nascimento Arruda

48 parte dois
50 4 EXTENSÃO EM PRELÚDIO. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR
Karina Leitão . Caio Santo Amore

68 FICHAS OFICINAS DE PRÁTICAS URBANAS

92 5 A EXTENSÃO NA FAUUSP
Coletivo Caetés . FAU Social . Grupo de Construção Agroecológica
112 6 A EXTENSÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO: construção de diálogo entre favela e academia

Coletivo LabLaje
122 7 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO XVII ENANPUR
João Rovati . Caio Santo Amore . Regina Lins

[sumário
138 . posfácio . Luciana Lago

140 . sobre os autores

144 . crédito imagens


A Extensão Universitária na ANPUR: um primeiro ciclo 7

a extensão universitária na ANPUR:


um primeiro ciclo

Ca m i l a D ’ O t tav i a n o
J o ã o R o va t i
8 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária na ANPUR: um primeiro ciclo 9

A
Associação Nacional de Pós-Graduação regional, arquitetura e urbanismo, geografia, pelo Grupo de Trabalho 3 – Os rumos do Ensino e Este livro, contudo, não pretende apenas registrar
e Pesquisa em Planejamento Urbano e economia, demografia e administração pública. Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais e sua e sistematizar as discussões e atividades de
Regional foi criada em 1983 por iniciativa Assim, desde 1986, os Encontros Nacionais da relação com a sociedade civil: permanências e extensão ocorridas no XVII ENANPUR. Busca
de cinco programas de Pós-Graduação1. Desde ANPUR (ENANPUR) – e, desde 2002, também os desafios, coordenado por Luciana Lago, aprovada também a consolidação do espaço de discussão
então, a ANPUR buscou congregar os centros Seminários de Avaliação do Ensino e Pesquisa em na Assembleia da Associação realizada em Porto da Extensão Universitária, com todos os seus
de pesquisa brasileiros mais atuantes na área Planejamento Urbano e Regional2 (SEPEPUR) – têm Alegre em maio de 2016. desdobramentos, no interior da ANPUR.
dos estudos urbanos e regionais, tanto por sua reunido centenas de pesquisadores, professores,
produção científica stricto sensu quanto por sua estudantes e outros atores3, para debater nossa Experiências de extensão, é claro, foram O livro está dividido em três partes.
relevância na avaliação ou proposição de políticas produção científica e nossas políticas de ensino, pontualmente debatidas em diversos Encontros
públicas locais, regionais e nacionais direcionadas pesquisa e pós-graduação. da ANPUR. Mas, nos parece sintomático que uma Na Parte I, reunimos artigos que retratam as
às questões territoriais. Em 1986, com o intuito de discussão mais específica e consistente sobre discussões ocorridas na Sessão Especial do
propiciar a troca e o debate acerca da produção Este livro, antes de tudo, é um registro dessa as relações entre sociedade civil e Extensão XVII ENANPUR intitulada Planejamento Urbano
científica nacional nesse campo, a ANPUR realizou caminhada. Ele resume um ciclo de debates Universitária em planejamento urbano e regional e Regional no Brasil Contemporâneo, ou, mais
o seu primeiro Encontro Nacional, em Nova singular, sobre um tema até hoje pouco valorizado apenas tenha ocorrido 30 anos após a realização especificamente, em sua Mesa III, Pesquisa, Ensino
Friburgo, no Rio de Janeiro. Mudanças Sociais no por nossa Associação: a Extensão Universitária – do primeiro ENANPUR. e Extensão em Planejamento Urbano e Regional.
Brasil e a Contribuição da Ciência e Tecnologia para ciclo iniciado em maio de 2016, durante a realização
o Planejamento Regional, Urbano e Habitacional foi o do VIII SEPEPUR, em Porto Alegre, e concluído em Também pela primeira vez, e com base em No capítulo Os territórios da Extensão Universitária,
tema geral desse primeiro Encontro, que, sabemos maio de 2017, em São Paulo, no XVII ENANPUR. experiências variadas de Extensão Universitária, ressaltamos a necessidade de avançar na
hoje, consolidou-se como um dos principais o XVII ENANPUR promoveu Oficinas de Práticas discussão (quase inexistente, infelizmente)
(senão o principal) fóruns nacionais de discussão Em 2017, portanto, mais de 30 anos após a Urbanas, realizadas no final de semana que a propósito das especificidades da Extensão
das questões relativas ao planejamento urbano e realização do primeiro ENANPUR, pela primeira antecedeu o Encontro. As oficinas foram Universitária no campo do planejamento e dos
regional. vez uma Sessão Temática do Encontro foi integral desenvolvidas e organizadas por professores, estudos urbanos e regionais.
e exclusivamente dedicada ao debate da Extensão pesquisadores e alunos de graduação e pós-
A ANPUR, ao longo dos anos, ampliou Universitária, a Sessão Temática 11 – A Extensão graduação, e apoiadas por diversos grupos de No capítulo A Extensão Universitária em tempos
significativamente o número e o espectro de Universitária como perspectiva de atuação social e pesquisa e extensão, movimentos sociais e de crise, Fabiana Dultra Britto, Pró-reitora de
instituições a ela associadas e filiadas. Reunimos pedagógica para além da sala de aula, coordenada entidades de assistência ou assessoria técnica Extensão Universitária da Universidade Federal
hoje mais de 70 programas, sediados em todas por Caio Santo Amore, João Rovati e Regina Lins. com atuação na Região Metropolitana de São da Bahia (UFBA), aborda o importante papel da
as regiões do Brasil, de áreas tão diversas como A criação dessa Sessão foi fruto das discussões Paulo. Elas tiveram como objetivo central extensão para a afirmação da dimensão pública
planejamento urbano e regional, desenvolvimento e encaminhamentos propostos no VIII SEPEPUR o desenvolvimento de atividades de leitura da universidade brasileira e para o estreitamento
ambiental e urbana e práticas de planejamento das relações entre Universidade Pública e
e projeto, em contextos que frequentemente sociedade. Em função de sua experiência como
envolvem processos amplamente participativos de pró-reitora, aponta também as fragilidades e
1
reconhecimento de problemas, tomada de decisão desafios enfrentados pela Extensão Universitária
Os cinco programas fundadores eram, na época, assim denominados: Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Estruturas Ambientais Urbanas da Faculdade
e elaboração de propostas associados à paisagem frente ao nosso atual momento político, onde o
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da e à produção da cidade. A ideia era proporcionar que acreditávamos serem definições consolidadas
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco e aos participantes das oficinas uma vivência rapidamente foram se transformando em dúvida e
Mestrado em Planejamento Urbano da Universidade de Brasília.
2
sensível e “pé-no-chão” da metrópole paulistana. incerteza.
Por vezes denominado Seminário de Avaliação do Ensino e Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais.
3
O primeiro ENANPUR (1986) contou com a presença de 110 participantes; há mais de uma década esta presença envolve mais
de 1000 participantes.
10 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária na ANPUR: um primeiro ciclo 11

No capítulo Políticas Públicas de Cultura e Extensão O capítulo A Extensão na FAUUSP foi escrito de representaram uma possibilidade importante de O trabalho desse GT foi o estopim de todas as
Universitária, Maria Arminda do Nascimento forma conjunta por três dos coletivos4 de alunos reconstrução do conhecimento científico, a partir discussões e debates presentes neste livro. O outro
Arruda, ex-Pró-reitora de Cultura e Extensão de graduação atuantes na FAUUSP: Caetés, FAU da transposição dos muros da Universidade e agradecimento é dirigido a nossos colegas de
Universitária da Universidade de São Paulo, reflete Social e Grupo de Construção Agroecológica. Já o do uso desse conhecimento “na luta cotidiana diretoria da ANPUR, Geraldo Magela Costa, Jupira
sobre as dificuldades de afirmação das atividades capítulo A extensão na Pós-Graduação: construção pelo bem comum”, desafiando nossas certezas Gomes de Mendonça, Pedro Vasconcelos Maia
de Cultura e Extensão Universitária frente à lógica do diálogo entre favelas e a academia, é de autoria consolidadas e fortalecendo os laços entre ensino, do Amaral, Ana Claudia Duarte Cardoso e Fabrício
de produção cientificista, cada vez mais presente do único coletivo de pós-graduação atuante na pesquisa e extensão. Leal de Oliveira, que nos apoiaram integralmente
em nossas universidades. O artigo aponta para a FAUUSP, o LabLaje. A inclusão desses relatos no quando idealizamos a publicação deste livro.
necessidade de superação do entendimento da livro, restritos à FAUUSP, nos pareceu pertinente, É importante destacar que todos os textos são
Extensão Universitária como mera atividade de pois, além de parceiros sobremaneira importantes autorais e apresentam exclusivamente a opinião Esperamos que este livro seja uma pequena
prestação de serviços e de difusão de atividades na organização das Oficinas de Práticas Urbanas, de seus autores e não uma posição da ANPUR ou semente de uma intensa e profícua discussão
de pesquisa strictu sensu. a experiência do ENANPUR fez com que esses mesmo de sua Diretoria sobre o tema. no âmbito da ANPUR, sobre o delineamento e
grupos refletissem sobre suas próprias práticas e as perspectivas da Extensão Universitária em
A Parte II reúne quatro textos que relatam atuação dentro e fora Universidade. Ao finalizar, gostaríamos de fazer dois planejamento e estudos urbanos e regionais e
atividades e discussões realizadas durante o XVII agradecimentos especiais. Um deles dirigido à sobre a atuação possível dos pesquisadores e de
ENANPUR e algumas das experiências de extensão O último capítulo do livro, A Extensão Universitária Luciana Lago, que aceitou nosso convite, em 2016, outros profissionais nesse campo. Lembrando
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da no XVII ENANPUR, apresenta uma leitura para coordenar, durante o VIII SEPEPUR, o Grupo Paulo Freire, esperamos sobretudo que os
Universidade de São Paulo. crítica dos trabalhos apresentados na Sessão de Trabalho 3 – Os rumos no Ensino e Pesquisa conceitos, ideias e experiências debatidos aqui
Temática 11 do XVII ENANPUR. De autoria dos em Estudos Urbano e Regional e sua relação sejam fonte do esperançar. Seguimos, pois, na luta
O capítulo Extensão em prelúdio. Crônica das coordenadores dessa Sessão, o artigo aborda com a sociedade Civil: permanências e desafios. cotidiana por um Brasil mais justo e democrático.
Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR, e resume os diferentes conceitos de extensão
escrito por Karina Leitão e Caio Santo Amore, faz veiculados naquela ST, ressaltando a importância
um relato delicado e poético da experiência das dos desafios políticos implicados nesse debate
Oficinas de Práticas Urbanas. Com a apropriação conceitual. Camila D’Ottaviano e João Rovatti
da musicalidade de Vinícius de Moraes e Baden outubro 2017
Powell, e com seu mapa afetivo das oficinas, o A última parte do livro é um “posfácio afetivo”,
artigo retrata o interesse despertado pela atividade escrito por Luciana Lago, protagonista do ciclo
no contexto do último ENANPUR e reflete sobre a de valorização da extensão registrado neste
importância da extensão na formação de nossos livro. Ela aponta de forma clara e sucinta como
estudantes. as discussões realizadas durante o ENANPUR

4
Os coletivos são uma das formas de organização dos alunos da FAUUSP; são grupos organizados de forma “autônoma e
horizontal” que têm na Extensão Universitária uma de suas principais frentes de atuação.
[ parte
um
1 OS TERRITÓRIOS DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
João Rovati
Camila D’Ottaviano

2 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM TEMPOS DE CRISE


Fabiana Dultra Britto

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA


Maria Arminda do Nascimento Arruda
João
Cam Rovati
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16 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Os territórios da Extensão Universitária 17

A realidade social, objetiva, rotineiras de ensino e pesquisa? Uma forma Como ficou evidenciado nas falas de Fabiana
que não existe por acaso, particular de militância política? Ou simplesmente Dultra Britto, Maria Arminda do Nascimento Arruda
mas como produto da ação dos homens, uma “extensão provisória da universidade” (e, e Edna Castro, na mesa especial Pesquisa, Ensino
também não se transforma por acaso. muitas vezes, improvisada) para fora de seus e Extensão em Planejamento Urbano e Regional
Paulo Freire1 muros? realizada no XVII ENAPUR, o debate sobre o
significado da extensão para nossas universidades

C
São muitos os territórios da extensão no Brasil. já tem um acúmulo importante. Mas, como também
omeçamos com uma pequena história. surgirem muitas indagações e dúvidas, mas
Eles traduzem escolhas políticas contraditórias ficou evidente naquela mesa, esse acúmulo não se
Durante o XVII ENANPUR, na mesa redonda também algumas certezas. Este artigo descortina
e uma grande diversidade de temas, abordagens, compara com a caminhada que já fizemos no que
Crise e perspectivas das lutas sociais, o algumas dessas dúvidas e certezas, como forma
ênfases, objetivos, fontes de financiamento. Cada se refere ao ensino e à pesquisa, especialmente no
ativista argentino Juan Grabois2, ao falar sobre de alimentar o debate sobre a importância e os
um desses aspectos tem sido objeto de disputas plano teórico.
Extensão Universitária, disse que precisávamos desafios atuais da Extensão Universitária no Brasil
e controvérsias. Por assim dizer, de um extremo
achar um nome melhor para definir essa atividade, e, de modo especial, sobre suas potencialidades e
a outro, cabem aí da consultoria remunerada à Um primeiro desafio a ser enfrentado no âmbito
tão importante para nossas universidades. Em especificidades no campo do planejamento e dos
militância comprometida com uma determinada da ANPUR, portanto, é reconhecer, sintetizar
forma de anedota, perguntou então se quando estudos urbanos e regionais.
causa social. Em nossa área, por exemplo, são e divulgar a reflexão acumulada em outros
convidamos alguém a nossa casa para jantar
denominadas “atividades de extensão” desde ambientes universitários, isto é, “fora” do campo do
fazemos uma “extensão” da nossa mesa, ou se o
uma convencional prestação de serviço para a planejamento e dos estudos urbanos e regionais.
chamamos para sentar conosco, para compartilhar
elaboração de um plano diretor até ações diretas
a mesa que temos. Assim como Grabois, Os territórios da Extensão Universitária
de solidariedade a movimentos de ocupação de Nosso segundo desafio é orientar este debate a
entendemos que essa é uma das questões centrais
imóveis ameaçados pela violência policial. partir de alguns propósitos claros.
sobre a qual temos que nos debruçar: como fazer De modo geral, nos debates e textos sobre Extensão
com que as atividades que incluem a “sociedade”, Universitária apresentados no XVII ENANPUR3,
Parece-nos, portanto, que a primeira questão a ser Por um lado, trata-se de fortalecer a extensão como
o lado de lá do “muro” das nossas universidades, tivemos a impressão que a delimitação do que é
debatida no contexto da ANPUR é: o que afinal ação política e espaço público, locus privilegiado da
sejam incorporadas de forma efetiva ao dia a dia a extensão é algo dado, implicitamente definido.
entendemos por Extensão Universitária? interação entre universidade e sociedade pautado
de nossas instituições? Como se todos soubéssemos exatamente sobre
pela prática da democracia, pelo combate aos
o que estamos falando. Mas o que realmente
Esse debate, é claro, deve ser levado com rigor, preconceitos e às desigualdades sociais, pelo
O nosso envolvimento crescente com atividades é a extensão? Assistência ou assessoria
mas, sem qualquer viés diletante. Porque com diálogo e parceria fraterna entre “diferentes”, pela
relacionadas à Extensão Universitária, seja técnica? Prestação de serviço? Divulgação de
ele não se deve buscar “o” conceito “definitivo” de experimentação com vistas ao enfrentamento
como docentes de cursos de arquitetura e conhecimento? Transferência de saberes? Espaço
extensão e, muito menos, uma definição normativa de problemas relevantes para a população mais
urbanismo, seja como diretores da ANPUR, viu de experimentação para nossas atividades
abstrata, desvinculada da nossa história e das vulnerável e pobre do país, pela procura e invenção
nossas práticas. Esse esforço conceitual precisa de um conhecimento que transforma.
ser feito principalmente para que, ao falarmos de
Extensão Universitária, saibamos com quem e
sobre o que estamos falando.
1
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 41
2
Advogado, liderança da Confederación de Trabajadores de la Economía Popular (CTEP), assessor especial do Papa Francisco e
professor do curso de Direito da Universidade de Buenos Aires.
3
Ver, em especial, os artigos relativos à Sessão Temática 11 - A Extensão Universitária como perspectiva de atuação social e
pedagógica para além da sala de aula, publicados nos ANAIS do XVII ENANPUR, e o Capítulo 7 - A Extensão Universitária no
XVII ENANPUR..
18 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Os territórios da Extensão Universitária 19

Por outro lado, trata-se de combater firmemente a que o “mercado” remunera ou patrocina. Nem acaso. Mas não devemos canonizar Paulo Freire. Na tentativa de encontrar resposta para algumas
ideia de que “tudo o que não é ensino e pesquisa deveria ser uma ação “improvisada”, feita para Sua vasta obra deve também ser objeto da crítica. dessas questões, buscamos apoio justamente
é extensão”; e de não dar trégua à recorrente “quebrar-o-galho” dos que não podem pagar por Pois então, nesta “exploração de novos territórios”, em Paulo Freire. Pedimos desculpas pela longa
utilização dessa definição notavelmente fluída este ou aquele curso, consultoria ou serviço. não teria chegado a hora de “reler” Paulo Freire? citação:
para justificar “complementações” de rendimentos De procurar em sua busca algumas das chaves e
pessoais, o “financiamento” das universidades, Compreendemos tudo isso. Certo: precisamos lacunas que nos conduziram até aqui? Um dos saberes primeiros, indispensáveis
sejam elas públicas ou privadas, e ambíguas ações considerar e avaliar cada ação de extensão em a quem, chegando a favelas ou a realidades
“filantrópicas”. seu contexto. Não devemos “julgá-las”, jamais, sem Nosso país vive um momento delicado. O mesmo marcadas pela traição a nosso direito de ser,
conhecê-las “de perto”. acontece com o ensino superior e, de modo pretende que sua presença se vá tornando
O Brasil é um país continental e profundamente especial, as universidades públicas. As incertezas convivência, que seu estar no contexto vá virando
diverso, nos planos geográfico e social. Nossas Mas, não são aqueles os territórios da extensão. se avolumam. A extensão, ou uma certa definição estar com ele, é o saber do futuro como problema
instituições universitárias não se situam nem A extensão deve explorar outros terrenos, que de extensão, está em xeque4. E isto ocorre e não como inexorabilidade. É o saber da História
se localizam em espaços sociais e territoriais agora apenas descortinamos ou ainda sequer justamente quando nós, no âmbito da ANPUR, como possibilidade e não como determinação.
abstratos. Um “curso de capacitação”, envolvendo conhecemos. E que por isso não podemos nomear apressamos o passo para ir a seu encontro. O mundo não é. O mundo está sendo. Como
ou não alguma forma de remuneração, pode ter um ou definir. Espaços onde são gestadas e praticadas subjetividade curiosa, inteligente, interferidora
sentido político completamente diferente em um políticas contra-hegemônicas, onde ganham força Paulo Freire, em quase todos os seus livros, chama na objetividade com que dialeticamente me
ou outro “canto” deste imenso país. O mesmo se os setores mais fragilizados da sociedade e ganha a atenção para três questões centrais: fala-nos relaciono, meu papel no mundo não é só o de
pode dizer das atividades de extensão que prestam corpo e sentido o conhecimento que, no exercício da importância do conhecimento para a ação quem constata o que ocorre, mas também o de
algum tipo de serviço, assistência ou assessoria da autonomia, quer transformar. transformadora; da necessidade da ação dialógica quem intervém como sujeito de ocorrências. Não
técnica. Não nos parece possível propor qualquer para o conhecimento; e da práxis como forma de sou apenas objeto da História, mas seu sujeito
“recorte” mais preciso nesse âmbito. Mas, parece- Retomando a figura usada por Juan Grabois: a atuação na e para a sociedade. igualmente. No mundo da História, da cultura,
nos possível e absolutamente necessário debater extensão (ou “isso que deveria ter outro nome”) não da política, constato não para me adaptar mas
o sentido político dessas ações – entendendo o “convida” qualquer um a sentar em sua mesa; mas, Nós, nas universidades, no exercício de nossa para mudar. No próprio mundo físico minha
político, aqui, como tudo o que implica algum tipo aos que acolhe, com eles dialoga fraternamente e capacidade crítica, frequentemente apontamos os constatação não me leva à impotência. O
de escolha cidadã com relação à vida em sociedade. oferece o que tem de melhor. “erros dos outros”. Raramente falamos dos nossos conhecimento sobre os terremotos desenvolveu
próprios erros. E somos muitos os que afirmamos toda uma engenharia que nos ajuda a sobreviver
O que propomos é que se debata a extensão a partir Este pequeno texto não tem qualquer pretensão o compromisso com um conhecimento voltado a eles. Não podemos eliminá-los mas podemos
de uma opção política ao mesmo tempo clara e acadêmica. Evitamos, pois, as citações e notas para uma “ação transformadora”. Mas, afinal, o diminuir os danos que nos causam. Constatando,
abrangente, que tenha como marco a constatação de rodapé. Mas será preciso fazer uma ou outra que estamos efetivamente fazendo nessa direção? nos tornamos capazes de intervir na realidade,
de que o mundo e a sociedade em que vivemos exceção. Porque, por exemplo, em quase tudo Muito, talvez, sobretudo no plano das chamadas tarefa incomparavelmente mais complexa e
precisam ser abordados criticamente. E precisam o que acabamos de escrever, há “algo” de Paulo “micropolíticas”. Mas, não teríamos tempo ou geradora de novos saberes do que simplesmente
ser transformados. Freire. “capacidade” para nos articular e buscar juntar a de nos adaptar a ela. É por isso também que
forças? Ou já não conjugamos o verbo esperançar? não me parece possível nem aceitável a posição
Desse ponto de vista, na extensão, o processo Com satisfação, constatamos que Paulo Freire foi Já não acreditamos na possibilidade de atuar ingênua ou, pior, astutamente neutra, de quem
é mais importante do que o “produto”, isto é: a o autor mais citado nos trabalhos apresentados na como força social? estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo,
extensão jamais deveria reproduzir as práticas Sessão Temática dedicada à extensão realizada no
consagradas pelos cursos, consultorias e serviços XVII ENANPUR. Isto certamente não aconteceu por

4
Ver, sobre isso, o artigo de autoria de Fabiana Dultra Britto, publicado neste livro.
20 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Os territórios da Extensão Universitária 21

o matemático, ou o pensador da educação. quase todos, inclusive os arquitetos “e urbanistas”, tem regido o dia a dia de nossas universidades. O urbanista italiano Bernardo Secchi, sem diminuir
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo admitem que a cidade, ou o urbano, ou o território, Com isso, de modo geral a extensão fica relegada a importância das ciências, lembra-nos que
e com os outros de forma neutra. Não posso por sua complexidade, demandam abordagens a um plano secundário, como algo a ser feito “se e cidades e territórios “pertencem inevitavelmente
estar no mundo de luvas nas mãos constatando multi-inter-trans disciplinares. A ANPUR é uma quando for possível”. à experiência cotidiana de cada um” e, por isso,
apenas. A acomodação em mim é apenas instituição que, desde a sua criação, manifesta “recaem no domínio da experiência sensível: o
caminho para a inserção, que implica decisão, essa mesma disposição. Acreditamos que a Extensão Universitária deva que vejo, toco ou escuto”8. Desse ponto de vista,
escolha, intervenção na realidade. Há perguntas ser uma prática necessariamente gestada para Secchi, “pensar que o mundo possa ser
a serem feitas insistentemente por todos nós e Por congregar instituições vinculadas a diferentes em conjunto com o ensino e a produção do subdividido por compartimentos, cada um sob
que nos fazem ver a impossibilidade de estudar disciplinas, na ANPUR temos alguma ideia sobre conhecimento científico-acadêmico. Contudo, a alçada de algum estudioso ou especialista,
por estudar. De estudar descomprometidamente o que se faz em termos de ensino e pesquisa, por intervir na realidade, como nos mostra Paulo não é um pensamento apenas ingênuo, mas é,
como se misteriosamente, de repente, nada exemplo, nos campos da geografia, da sociologia, Freire, só é possível a partir de um conhecimento principalmente, um pensamento equivocado”9.
tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e da economia, do direito. Mas pouco sabemos aberto à complexidade7 e comprometido, social,
distante mundo, alheado de nós e nós dele5. sobre o que se faz quanto à extensão no âmbito ética e politicamente. Daí a importância dos Parece-nos que a extensão, por sua dimensão
dessas disciplinas . processos que articulam diferentes disciplinas pública (e de espaço público10) é uma oportunidade
Sempre que escreve sobre a esperança, Paulo Freire científicas, sobremodo quando a estas agregam vicejante para o “pensar e agir juntos”, para a
nos faz sonhar. Mas, como vimos, jamais confunde Desde 2002, a ANPUR realiza bienalmente os também a contribuição das artes, da literatura, da superação de nossas disputas paroquiais, de
esse sonho com a “ilusão”, com “a posição ingênua seus SEPEPUR – curiosamente, ora denominados poesia, da história e da filosofia, como espaços nossas estreitas visões disciplinares e diletantes
ou, pior, astutamente neutra, de quem estuda, seja “seminários de ensino e pesquisa em planejamento de elaboração do sentido das nossas escolhas fronteiras epistemológicas e, sobretudo, dos
o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o urbano e regional”, ora denominados “seminários políticas cotidianas. projetos individuais que se afirmam em detrimento
pensador da educação”. de ensino e pesquisa em estudos urbanos e dos projetos coletivos. Desse ponto de vista,
regionais”. Mas, seja qual for a denominação Por isso entendemos que a valorização de como processo, a extensão é formação: sem abrir
desses seminários, ali a palavra extensão não abordagens multi-inter-trans disciplinares é tão mão da racionalidade implicada no conhecimento
comparece. Ato falho? importante para a extensão quanto o fortalecimento científico, é uma práxis orientada pela sensibilidade.
A Extensão Universitária no território de seus laços com o ensino e a pesquisa, dentro
A referência à Extensão Universitária sempre vem e fora dos muros das nossas universidades. Não Portanto, outro desafio cujo enfrentamento nos
Não temos cursos de graduação em planejamento acompanhada da definição sobre o tripé ensino- nos parece necessário justificar porque isto tem parece urgente, é o da inexistência de um debate
urbano, planejamento regional ou planejamento pesquisa-extensão, que supostamente sustentaria particular importância para a área do planejamento mais aprofundado sobre as especificidades da
urbano e regional no Brasil. Nessa área, temos as universidades brasileiras. No entanto, em e dos estudos urbanos e regionais. Extensão Universitária na área do planejamento e
algumas incipientes e valorosas experiências6. Há nossa prática cotidiana, sabemos que nesse tripé dos estudos urbanos e regionais.
aqui um outro debate conceitual, mas que sequer a extensão é o “primo pobre”. Quase sempre com
delinearemos. Partiremos de uma constatação: base num enfoque cientificista, a lógica produtivista

7
“Constatando, tornamo-nos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes
do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. Cf. FREIRE, op. cit., p. 76.
5 8
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 76. O grifo é O êxito das Oficinas de Práticas Urbanas incluídas na programação do XVII ENAPUR parece dar razão à Secchi – ver capítulos
nosso. reunidos na segunda parte deste livro.
6 9
Fazemos referências aqui às experiências pioneiras dos cursos de graduação em Urbanismo, da Universidade do Estado da Bahia “SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 19-20.
10
(UNEB), e do bacharelado em Planejamento Territorial, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Como também ressalta Fabiana Dultra Britto, no capítulo 2.
22 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Os territórios da Extensão Universitária 23

Inicialmente, precisamos então fazer um “mea- Outra questão relevante é a concentração das A experiência mostra que a atuação das Quem faz Extensão Universitária quer viver a
culpa” (pessoal, é claro), uma autocrítica quanto atividades de extensão, e do próprio debate sobre universidades junto ao território, articulando experiência do conhecimento de “outra maneira”,
ao nosso próprio viés cientificista. a extensão, em cursos de graduação. Não existe conhecimentos a serviço da sociedade, tem uma diferente daquela que vive no dia a dia da sala de
espaço para a Extensão Universitária na nossa pós- potência enorme, mas é objeto de disputa. Cabe a aula. Se a filosofia é “o desejo de saber para viver
Como é ressaltado neste volume, esperamos três graduação, nem ao menos para analisá-la? Ou a nós trazer essa disputa para dentro do campo do melhor”, e se esse viver melhor “inclui poder dar
décadas para incluir a extensão na agenda dos exigência de produção acadêmico-científica na pós- planejamento e dos estudos urbanos e regionais, uma razão pessoalmente elaborada ou assumida
ENANPUR. Como já observamos acima, a palavra graduação praticamente elimina as possibilidades reafirmando a natureza política da extensão e de nossas crenças, valorações e ações”11, então
extensão jamais foi incluída na denominação de desenvolvimento de atividades de extensão por a dimensão pública da instituição universitária. a extensão é também um lugar para a prática do
dos nossos SEPEPURs (ou teria sido dali nossos pós-graduandos? Contudo, como mostram Desse ponto de vista, pensar e praticar a extensão filosofar.
“excluída”?), um momento importante, de reunião os relatórios de atividades enviados ao Sistema significa refletir sobre a própria universidade;
dos representantes dos programas membros da CAPES, particularmente no que se refere ao item significa repensar-fazendo o sentido mesmo do A visão da extensão como sendo “tudo o que não é
ANPUR, onde o debate sobre a extensão sempre “inserção social”, sabemos que muitos programas conhecimento, valorizando seu impulso crítico e ensino e pesquisa” (ou mera “assistência técnica”,
foi relegado a eventuais e pontuais discussões nos de pós-graduação praticam algo que denominam transformador. pautada pelo “levar o conhecimento a quem não
Grupos de Trabalho. Cabe-nos indagar o que isso “extensão”, especialmente sob a forma de cursos, tem”) a fragiliza. E enfraquece sobremaneira a
poderia significar. Que a Extensão Universitária consultorias e relações de intercâmbio, e que às dimensão pública de nossas universidades e
não é relevante para a área de planejamento e vezes incluem entre suas atividades de extensão instituições de ensino superior, sejam elas públicas
estudos urbanos e regionais? Que o debate sobre até mesmo a simples presença de professores A Extensão Universitária como compromisso ou privadas.
extensão não deveria fazer parte da agenda de em bancas realizadas fora de suas universidades
uma associação de pós-graduação? Ou ainda que, ou unidades acadêmicas. Aliás, a propósito, cabe Retomando (e parodiando) Paulo Freire, Considerando-se a extraordinária diversidade
para a ANPUR, no tripé ensino-pesquisa-extensão, também perguntar: como tem sido abordada a entendemos que a extensão não é, está sendo. geográfica e social do Brasil, a extensão pressupõe,
esta última de fato ocupa um lugar secundário ou extensão nas avaliações da CAPES, tão valorizadas Porém, mesmo nesse “estar sendo”, existem sempre, o diálogo, a liberdade e a tolerância, isto é,
mesmo irrelevante? por nossos programas de pós-graduação? algumas certezas e compromissos que devem ser a convivência na diversidade teórica, metodológica
retomados e reafirmados. e epistemológica. Na extensão, é essa diversidade
Ao longo deste período, de pouco mais de um ano Em síntese, como Associação, mas também agregadora que fundamenta a elaboração da
de debate e reflexão sobre a Extensão Universitária como profissionais e educadores que entendem a A ação transformadora só se dá quando extensão, nossa ação e que promove a conceptualização
na ANPUR, também foi possível constatar a Extensão Universitária como prática fundamental ensino e pesquisa de fato acontecem de forma que, embora sempre provisória e parcial, é
presença forte e preponderante, nessa discussão, na formação dos profissionais do planejamento e conjunta, articulada, compartilhada. compartilhada por seus diversos atores. Por isso,
de atores vinculados a cursos e programas de pós- dos estudos urbanos e regionais, temos pela frente a extensão que se pretende ação transformadora
graduação em arquitetura e urbanismo. Pouco dois grandes desafios: consolidar o debate e a A ação transformadora só se dá quando a extensão, tem um compromisso radical com as práticas
ou quase nada se discutiu sobre a extensão nas prática da Extensão Universitária no nosso campo no dia a dia, se abre para a experimentação e democráticas, com a promoção da justiça social,
demais áreas do nosso campo. Afinal, se existem, e, ao mesmo tempo, afirmá-la no âmbito da nossa para a diversidade; quando borra as fronteiras com o combate às desigualdades sociais e a
quais são as práticas de extensão valorizadas, por pós-graduação. disciplinares, as fronteiras do pensar “ou” fazer, da todo tipo de preconceito e a todas as formas de
exemplo, nos âmbitos da economia, da geografia, teoria “ou” da prática; quando, com base na reunião colonialismo.
na sociologia, na demografia? Quais são seus de individualidades autônomas e singulares e a
desafios e estratégias? partir da identificação de uma realidade que quer
transformar, agrega, constrói um projeto coletivo,
impulsiona um processo de formação.

11
CUPANI, Alberto. Filosofia da ciência. Florianópolis: EAD/UFSC, 2009, p. 13.
24 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional

Saramago disse um dia que sua utopia era “fazer


alguma transformação já”. Acreditamos que a
poesia nos ajuda a compreender melhor o mundo,
a nós mesmos e, inclusive, os nossos sonhos e
ilusões. Sobre as ilusões, escreveu um dia Mário
Quintana:

Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.


Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!

Abandonemos, pois, nossas ilusões. Mas, sem


abrir mão dos nossos sonhos. Para nós, a utopia
extensionista é formar cidadãos comprometidos
com ações transformadoras do e no território:
agora, já!
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28 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária em tempos de crise 29

O
reconhecimento do papel da Extensão então, certo papel apaziguador dos conflitos O golpe militar de 1964, com seu aparato repressivo modos diferentes de condução da Política Nacional
Universitária está diretamente relacionado à capital/trabalho advindos do modo de produção a toda forma de luta reivindicatória de direitos de Extensão pelas suas Pró-Reitorias de Extensão,
compreensão do que lhe particulariza como capitalista2. civis e políticos, de soberania popular, autonomia expressando suas políticas locais. Num país de
atividade acadêmica, em cada diferente contexto universitária e liberdade intelectual, interrompe dimensões continentais, extremos geográficos
espaço-temporal. A primeira referência conhecida Na América Latina, onde as universidades mais processos, projetos e ações que pudessem correspondem, não raras vezes, a discrepâncias de
de um programa formal de Extensão remonta a antigas (Peru, 1551; México, 1553; Guatemala significar algum risco aos privilégios das elites regimes de temporalidade que atribuem sentidos
18711, na Universidade de Cambridge e, pouco e Chile, século XVII) surgem por iniciativa de sustentados à custa de exploração do trabalho e muito particulares às noções de passado, presente
depois, Oxford, por meio de cursos destinados ordens religiosas, para atender aos interesses segregação social e econômica. e futuro, interferindo sobre suas concepções (e
a trabalhadores – basicamente operários e das elites, reiterando segregações étnicas e práticas) de tradição, contemporaneidade e porvir,
mineiros. Posteriormente à Inglaterra, os cursos sociais, a defesa do vínculo da Universidade com Já na abertura política, em 1987, é criado o Fórum cuja tradução simplista em modulações lineares
de extensão espalham-se para Bélgica, Alemanha as classes trabalhadoras e movimento operário é de Pró-Reitores de Extensão das Universidades de atraso/avanço reitera preconceitos culturais e
e chegam, em 1892, aos Estados Unidos, onde impulsionada pela luta pela Reforma Universitária, Públicas Brasileiras (FORPROEX), cujo papel em acentua assimetrias socioeconômicas. O encontro
ganham contornos próprios ao modelo econômico a partir de 1918, e enfocada por todos os defesa do ensino público e da responsabilidade de Pró-Reitores egressos de contextos tão
de vocação liberal, enfatizando o sentido de movimentos revolucionários de esquerda do início social das universidades na luta contra díspares em suas condições de atuação rotineira,
transferência de tecnologia e de aproximação do século XX. desigualdades, firmou-se publicamente a partir quanto semelhantes em suas funções de gestores
da Universidade com o setor empresarial, pela da publicação, em 2012, da sua Política Nacional da Extensão Universitária, promove interlocuções
criação da American Society for the Extension of No Brasil, embora a extensão universitária já esteja de Extensão Universitária, resultante de processo desafiadoras de diálogo entre grupos cuja distância
University Teaching, na Universidade de Chicago. prevista desde o Decreto nº 19.851, de 11/4/1931, de construção participativa em curso desde 2009, muitas vezes produziu fissuras semânticas
Em 1903, é criado o programa Winsconsin Idea, na que estabeleceu as bases do sistema universitário com base na análise crítica do primeiro Plano irreconciliáveis.
Universidade de Winsconsin, tido como exemplar brasileiro, e tenha sido pauta dos Seminários Nacional de Extensão (PNE), formulado em 1999
pelo presidente Theodore Roosevelt, pela sua Nacionais da Reforma Universitária (1960 e 1962), para abarcar o decênio 2001-10. Enquanto entidade representativa dos gestores
contribuição decisiva ao avanço da tecnologia promovidos pela UNE3, seu impulso decisivo em de extensão das instituições públicas de ensino
agrícola americana. direção ao comprometimento das universidades Em seus encontros semestrais nacionais, o superior4, o FORPROEX atua mobilizando
com os setores populares é marcado pela criação FORPROEX promove discussões qualificadas relevantes discussões quanto ao papel da extensão
Iniciando-se, assim, como atividade de ensino do Serviço de Extensão Universitária, dirigido por sobre os princípios, parâmetros e diretrizes do no sistema universitário e realizando estudos cuja
informal, voltada aos bolsões de pobreza criados Paulo Freire, na Universidade do Recife. PNE, embasadas nas experiências particulares documentação produz forte impacto nas políticas
na esteira da consolidação da Revolução Industrial de cada universidade ao longo do seu processo educacionais, seja como fonte de referência
europeia, a Extensão Universitária cumpre, desde de assimilação dos conteúdos desse documento. para resolução de problemas específicos, tais
Os diferentes históricos institucionais e contextos como, a participação da extensão no sistema de
socioeconômicos das suas localidades favorecem avaliação e financiamento das universidades, e

1
Cf. DE PAULA, João Antônio. A Extensão Universitária: história, conceito e propostas. Interfaces – Revista de Extensão, v. 1, n. 1,
p. 5-23, jul./nov. 2013.
2 4
Cf. DE PAULA, op. cit. Importante ressaltar que diferentemente de outros Fóruns de Pró-Reitores, como os de Graduação, de Planejamento e de
3
O primeiro Seminário Nacional da Reforma Universitária, ocorrido em Salvador, resultou na Declaração da Bahia, em que se Desenvolvimento de Pessoas, o de Extensão só congrega instituições públicas, conferindo um perfil bastante específico às preocupações
afirmavam três objetivos: “1) a luta pela democratização do ensino, com o acesso de todos à educação, em todos os graus; 2) a e diretrizes estabelecidas em seus Planos Nacionais, até então, reconhecidos pelo MEC – que, desde as recentes mudanças de
abertura da Universidade ao povo, mediante a criação de cursos acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes sindicais equipe pós-golpe, no governo Michel Temer, já vem sinalizando mudanças drásticas na condução dos trabalhos de elaboração do
(nas Faculdades de Direito) e de mestres de obras (nas Faculdades de Engenharia), por exemplo; e 3) a condução dos universitários próximo Plano Nacional de Extensão, de modo a incluir representação das instituições de ensino superior privadas, sob o argumento
a uma atuação política em defesa dos interesses dos operários.” Cf. POERNER, apud DE PAULA, op. cit., p. 11. de que as matrículas universitárias em instituições públicas não representam mais do que 20% do total no Brasil.
30 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária em tempos de crise 31

na integralização curricular dos estudantes e de Na compreensão aqui defendida, a Extensão regras formais da pesquisa, escapando dos valores no limiar daquilo o que Paulo Freire denominou
carga horária docente, ou como fórum politico é o modo pelo qual a universidade afirma sua comumente mais cultivados nos ambientes de “equívoco gnosiológico do conceito”10: sendo
de resistência ao avanço do sistema privado e dimensão pública como instituição de ensino acadêmicos: o valor da autoria e do individualismo. a educação entendida por ele como prática da
mercantil de ensino no país5. público ou privado, por ser um campo de ação liberdade, a Extensão Universitária, por seu caráter
universitária que engendra processos de ensino É pela Extensão que a universidade tem a chance de pedagógico libertário, não pode ser entendida
Se por muito tempo a definição de extensão se e pesquisa pela experimentação constante de ser irrigada pelos movimentos sociais e populares, como mera prática de estender algo “desde a sede
reduziu a tudo que não fosse ensino ou pesquisa, a dinâmicas de convívio dialógico, cuja finalidade é pelos saberes não acadêmicos e pelas dinâmicas do saber até a sede da ignorância, para salvar com
partir de 2012, com a publicação do PNE, a Extensão colocar sua produção de conhecimento à serviço culturais da cidade, sendo ela própria um espaço e este saber, os que habitam nesta.”11
Universitária ganha uma definição afirmativa de da sociedade (seja na forma de produtos gerados uma esfera públicos por excelência7.
suas principais características diferenciadoras: ou processos desenvolvidos) visando expandir as Neste contexto de crise, cujo debate não apenas
condições participativas das populações externas Um tal papel estratégico na consolidação de já está em pleno curso entre nós nas nossas
A Extensão Universitária, sob o princípio à universidade, em particular, aquelas que vivem uma política interativa da universidade com a universidades e contextos regionais, mas ganhou
constitucional da indissociabilidade entre em situação de vulnerabilidade, exclusão e sociedade, que considera a extensão uma prática uma dimensão de radicalidade surpreendente
Ensino, Pesquisa e Extensão, é um processo discriminação de qualquer espécie. epistemológica do que Boaventura de Souza nesses últimos meses, com as ameaças
interdisciplinar, educativo, cultural, científico e Santos8 chamou de “ecologia dos saberes”9, reiteradas à autonomia universitária12, ressalta-se
político que promove a interação transformadora A Extensão é, portanto, uma forma de atuação ressente-se, contudo, de parâmetros éticos a necessidade de afirmar o papel da Extensão.
entre Universidade e outros setores da sociedade. 6
universitária que não se confunde nem se resume amplamente discutidos e negociados parte a parte,
ao que fazem e promovem a pesquisa e o ensino, caso a caso, de modo a evitar sua redução ao mero Pensar a Universidade em tempos de crise –
Embora pareça simples e óbvia, esta definição na medida em que pressupõe o desafio de produzir assistencialismo, ao fácil clientelismo e à perigosa quando falham os sistemas de financiamento e
ainda é objeto das interpretações mais variadas, conhecimento por meio de processos (e não usurpação. Envolvendo inevitavelmente a relação participação política – é pensar a radicalização
visto que não há consenso sobre o que se entende apenas atos isolados) de interação dialógica (e não com alteridade, a atividade extensionista se dá do seu sentido social, da sua missão pública
por indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e assimétrica), conjuntamente com populações não-
Extensão (muitas vezes simplesmente traduzido universitárias. Não se trata de assistencialismo
como “tripé da universidade”), nem sobre o que benevolente, mas de ação política de co-
seja “promover a interação transformadora entre protagonismo em dinâmicas sociais de finalidade
Universidade e outros setores da sociedade” comum. 7
ARENDT, Hanna. A condição humana. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.
8
(entendida qualquer atividade que a universidade SANTOS, Boaventura de Souza. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade.
São Paulo: Cortez, 2010.
faça extramuros, como participar de banca em A Extensão cumpre seu papel articulador entre 9
A ecologia dos saberes descrita pelo autor, seria “uma forma de extensão ao contrário, de fora da Universidade para dentro da
outra universidade, ou extra-aula, como exibição universidade e sociedade como um modo de Universidade” (SANTOS, op. cit., p.75), em que os diferentes saberes constituídos dentro e fora da Universidade seriam praticados
de filmes). produção de nexos sociais, e isso se faz em dentro dela, numa convivência ativa.
10
Ver: FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. Muito embora o contexto das formulações Paulo
condições espaço temporais que extrapolam as Freire neste livro seja o da “extensão agrícola” no âmbito da sociedade agrária chilena do final dos anos 60, encontram-se muito bem
restrições da sala de aula (duração e lugar) e às pontuados os dilemas da assimetria cultural implicados na atividade de extensão, pelo que o autor denomina “equívoco gnosiológico
do conceito”, afirmando o papel do educador extensionista no combate à presunção de transferência mecânica de “conteúdos
estendidos” e à “invasão cultural”, e na defesa de relações extensionistas da Universidade que contribuam para a emancipação dos
sujeitos e a solução técnica dos seus problemas cotidianos por meio da “superação da doxa pelo logos” (FREIRE, op cit., p. 20).
11
FREIRE, op cit., p. 15.
12
Para além das muitas intervenções diretas e indiretas já registradas sobre a autonomia das universidades federais, pelo controle da
5
Para melhor conhecimento dos temas tratados em cada reunião semestral do FORPROEX e dos seus documentos resultantes e liberação de orçamento por meio de destinação a rubricas específicas e condicionamento ao cumprimento de metas de crescimento
estudos realizados, remeto ao site da Rede Nacional de Extensão: https://www.ufmg.br/proex/renex/ e pela censura a manifestações de repúdio ao golpe parlamentar que afastou a presidente Dilma Roussef, remeto, particularmente,
6
Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições de Educação Superior Públicas Brasileiras. Política Nacional de Extensão ao recente caso de impedimento, por liminar judicial da Justiça Federal (em 18/agosto 2017), da entrega do título de Doutor Honoris
universitária. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Causa ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, concedido em 2011, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
32 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária em tempos de crise 33

de produção de conhecimento crítico e A consequência desse processo é a anulação O propósito do gueto é confinar toda e qualquer compensatórias, é também uma crise do sistema
contextualizado, de formação de quadros da relação cidadania entre a universidade e a expressão da diferença à homogeneidade, a democrático, instaurada pelo descaso com a
profissionais técnica/teoricamente capacitados e cidade, o que faz parte da estratégia de provocar ponto de tornar a manifestação inexpressiva, o participação popular nos debates e deliberações
socialmente responsáveis. a rejeição social da instituição pública. A que equivale a reduzi-la ao silêncio.14 de interesse nacional.
Universidade é vista como excrescência e não
A crise radicaliza a missão pública da Universidade, como parte da cidade. [...] O campus afastado Há, ainda, muitos outros expedientes de “desvio” Sob um tal contexto, caberia à Extensão atuar
na medida em que representa uma demanda por torna-se então a representação arquitetônica do da função pública da Universidade, incluindo como “tática micropolítica de resistência” não pela
explicações qualificadas, de um lado, e de outro, uma isolamento e da fragmentação, que tendem a ser desde a prosaica cobrança de taxas, matrículas sua assimilação institucionalista, curricularista
forte pressão por respostas e soluções apropriadas vistos como naturais e necessários.13 e mensalidades em seus eventos e cursos de ou legalista, mas pela sua incorporação na
ao seu enfrentamento. Mas, sabemos que a noção extensão (especialmente os de especialização lato Universidade como locus da vitalidade criativa e
do que seja apropriado como enfrentamento da Pensados como contextos complicados, sensu) sob o argumento da sustentabilidade, até inventiva de experiências participativas na vida
crise, depende do contexto que lhe reivindica. Universidade e cidade são como um continuum: a acintosa prática de aluguel dos seus espaços pública. Lhe caberia atuar como gesto dissonante,
Ante a asfixia orçamentária e a radicalização das desdobram-se uma na outra como extensão a bancos, empresas de viagem, de lanches e de resistindo às pressões modeladoras e afirmando
pautas conservadoras, ameaçando conquistas territorial de suas respectivas dimensões serviços de reprografia, passando pela sutil defesa sua missão política criativa e mobilizadora
que pareciam minimamente consolidadas – como simbólicas. Assim como na cidade, na Universidade das parcerias público-privado e da terceirização de situações que assegurem a liberdade de
ensino público gratuito, direitos trabalhistas e não apenas sua arquitetura cumpre função de profissionais externos para desenvolverem experimentação pedagógica e investigativa, nos
previdenciários, a Extensão Universitária lida com separatista: um austero e nem sempre sutil aparato atividades extra-acadêmicas, remuneradas, em mais variados campos de ação acadêmica e o
uma pressão de dupla face. de controle das contradições e de apaziguamento seus espaços, utilizando seus equipamentos, por protagonismo aos sem nome, sem voz e sem lugar
dos dissensos próprios ao convívio com as fora de toda formalidade contratual e trâmites nos processos de enfrentamento dessa crise.
Se, de um lado, a Extensão é justamente o campo de diferenças, é mobilizado em nome de políticas de financeiros oficiais. Adotadas sob a justificativa Não como concessão, tolerância ou benevolência
atuação mais diretamente pública da Universidade segurança e em defesa do ideário que acompanha de compensarem a insuficiência do financiamento (que são formas degradadas de sociabilidade),
(pelo que oferece em termos de formação cidadã, a noção de “comunidade” universitária. disponível, tais formas “alternativas” de nem como pretensão emancipatória do outro
prestação de serviço público à sociedade e arrecadação subvertem o sentido público da (cuja suposta situação desfavorável, requereria
disponibilização do conhecimento e pesquisa A Extensão, se entendida como sugerido aqui, como Universidade, na medida em que são defendidas salvação), pois ambos os casos somente reiteram
nela produzidos) é também sobre ela que recaem um campo de experimentação de modos dialógicos como necessidade de atendimento a supostas o pressuposto da assimetria que se deseja
mais pesadamente as forças de pressão pela de interação entre a Universidade e a sociedade, demandas da sociedade, quando o que está em combater, mas como crítica à posição hegemônica
dissolução do espaço público e o confinamento com vistas ao enfrentamento de questões sociais, jogo são interesses de se equivaler a parâmetros da própria Universidade enquanto instituição.
da Universidade aos seus muros – sejam eles técnicas ou estéticas relevantes ao cotidiano das do mercado na disputa por nichos.
erguidos com cimento e grades ou com valores, suas formas de vida (urbana ou rural), por meio do O reconhecimento da função crítica como
convicções e sistemas normativos propriamente engendramento dos conhecimentos acadêmicos A crise atual, para além da sua dimensão econômica “missão original” da Universidade15 é, dessa
acadêmicos, em todos os casos, o resultado é o e os saberes cotidianos e populares consolidados de estrangulamento dos canais de financiamento forma, crucial no enfrentamento da crescente
mesmo, como aponta Franklin Leopoldo e Silva: por força de tradição oral e gestual, se apresenta público do ensino universitário, sugestivo de instrumentalização do ensino e da cultura, pela
como um justo contraponto ao princípio excludente toda sorte de invencionices autossustentáveis busca de alternativas que escapem da polaridade
contido na lógica do confinamento:

14
SILVA, ibid.
13
Cf. SILVA, Franklin Leopoldo. Universidade, cidade, cidadania. São Paulo: Hedra, 2014, p. 124. 15
DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
34 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional

entre inércia e resistência e, também, desmontem No enfoque processual que sugerimos para a
a engrenagem que “reduz toda a esfera do saber extensão, como experiência auto-regulatória pela
à do conhecimento, ignorando o trabalho do dinâmica participativa e crítica, inscreve-se um
pensamento”16 para melhor administrá-lo. regime próprio de historicidade19 que, sem se render
ao atual presentismo (de um presente fechado em
Sem ousar falar em nome de quem quer que seja, si mesmo), tão pouco ao tradicionalismo (de um
o extensionista pode, quando muito, ser um vetor presente submetido ao passado) ou futurismo (de
de condução de falas outras diferentes da sua, um presente subjugado pelo futuro), busca operar
revolvendo poeiras assentadas como verdades numa justa distância entre o campo da experiência
lustrosas e expondo a contradição “de fundo” que e o horizonte de expectativa que é dela emergente.
ampara a Extensão Universitária como prática de Ao contrário do que defendem os puristas,
interesse social, qual seja: aquela que se assenta nostálgicos de uma Universidade endógena e
na assimetria de condições entre as partes autofágica, é o convívio cotidiano entre saberes da
envolvidas, para buscar superá-la com posturas e vida, do lugar, das tradições e das experimentações,
propostas que, no entanto, a reiteram, na medida favorecido pela prática da extensão, que pode
em que se supõem portadoras da “palavra da produzir a almejada excelência acadêmica, situar
salvação”. Jacques Rancière, em seu primoroso os pomposos estudos avançados e os prováveis
ensaio “Desventuras do pensamento crítico”17, conhecimentos de ponta.
aborda essa cilada-da-boa-vontade, referindo-se à
arte que se pretende emancipatória, apontando o Nesse emaranhado de paradoxos de finalidades
“risco do próprio dispositivo crítico se apresentar mutáveis como o são as próprias possibilidades
como uma mercadoria de luxo pertencente à lógica de Universidade, a Extensão é puro desafio.
que ele denuncia”18.

16
CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014, p. 73.
17
RANCIÈRE, Jacques. Desventuras do pensamento crítico. In: CARDOSO, Rui Mota (coord.). Crítica do Contemporâneo
Conferências Internacionais Serralves. Fundação Serralves: Porto, 2007.
18
RANCIÈRE, op. cit., p. 32.
19
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
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38 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Políticas Públicas de Cultura e Extensão Universitária 39

E
ntre as suas congêneres no Brasil, a Posta a questão nesses termos, é fundamental formalmente da cultura, distinguindo os domínios combinada à afirmação do caráter ambíguo e
Universidade de São Paulo distingue-se por tratar, analogamente, da dimensão central das ciências da natureza das ciências do homem, incerto das imagens que carreiam. No limite, é a
abrigar em único organismo acadêmico as adquirida pela ciência experimental, perceptível passando a confundir produção histórica com própria linguagem que é posta em suspeição. Ainda
ações de cultura e extensão, reunindo-as em um tanto na presença marcante em notícias processo real; diferença com desigualdade. aqui, ciência e cultura não estão apartadas, até
mesmo complexo acadêmico e decisório. Tal divulgadas nos veículos de informação, quanto porque a vulgarização científica corrente insere-se
conjunção especial requer refletir sobre as formas e, sobretudo, nas concepções que grassam no As ciências humanas nascem de um profundo no bojo do domínio da cultura na conformação do
desse enlace, sobretudo por se tratar de dois ambiente das universidades. Sustentada como a mal-estar na cultura. É porque o homem se ethos atual.
setores dotados per se de complexidade invulgar e, parceira por excelência da chamada sociedade do percebe histórico que, desde o século XVIII,
comumente, concebidos como possuindo matérias conhecimento, noção corrente nos tempos atuais, ele reflete de maneira nova e radical sobre si Por essa razão, a disjuntiva estabelecida entre
divergentes. As disposições dos acadêmicos em esquece-se que a ciência é produto de significados mesmo4. ciência e cultura, entre arte e conhecimento,
relação a esses domínios são, por esses motivos, que se sedimentaram na cultura contemporânea, por não ter fundamento histórico, uma vez que
desencontradas, perfazendo amplo leque de como fruto de um tecido simbólico que acentuou Esse processo não percorreu caminho linear. compartilharam origem comum, não pode ser
entendimentos e desentendimentos, inibindo, por uma das dimensões presentes no movimento de Enquanto as ciências adquiriram crescente efetivamente sustentada. Em essência, tanto o
fim, a construção de iniciativas solidárias. racionalização e intelectualização moderna: a certeza em relação à explicação dos fenômenos a domínio científico desenvolveu-se no Ocidente
sua face prática ou instrumental2. Ou, segundo ela afeitos, a cultura expressou as inconsistências na esteira das mudanças profundas ocorridas
Finalmente, é reconhecível no meio a presença de as formulações originárias de Max Weber, a das apostas otimistas e progressivas. A arte na esfera cultural, acentuadas a partir do século
juízos distorcidos a respeito da pertinência das crença, isto é, a convicção de que a humanidade moderna “desenvolveu uma espécie de ceticismo, XVIII, quanto as linguagens da cultura não
áreas da cultura e da extensão nas universidades, tem condições de dominar o mundo por meio do ou de incerteza, com relação à representação...”5. eram independentes dos avanços da ciência, a
reveladores de percepções deslocadas sobre cálculo, podendo potencialmente controlar todos O conhecimento científico pode, assim, perseguir exemplo da invenção da perspectiva na pintura.
o caráter indispensável desse enleio. Parte-se os problemas. explicações acabadas; as artes fizeram da Hodiernamente, a exploração da tecnologia na
do princípio que essas áreas portam naturezas incerteza o princípio da expressão, questionando, feitura das chamadas artes virtuais é paradigmática
independentes, cuja ligação é extemporânea, Em suma, a fé de que a ciência produz o caminho no limite, a própria possibilidade da representação. da intimidade entre as duas áreas, a despeito da
quando não artificial: embora importantes, são inexorável para o progresso e é capaz de responder Não por casualidade, o problema da mimesis deriva especialização característica presente em todos
pensadas como possuindo vocação intrínseca aos grandes desafios da existência, promovendo do questionamento da representação da realidade, os domínios da produção intelectual e científica.
à efemeridade. Sem considerar o engano de tais uma espécie de elisão do fato de que ela própria acontecido na época moderna, quando se rompeu
posições, que medram no terreno da incompreensão é resultado da intelectualização do mundo. “Isso a relação de verossimilhança6. Dessa maneira, os O problema decisivo, todavia, refere-se ao fato de
sobre a dinâmica do processo civilizador1 moderno, significa que o mundo foi desencantado. Já não percursos da ciência e das artes não podem ser que à segmentação correspondeu a construção
vivemos tempos de centralidade da dimensão precisamos recorrer aos meios mágicos para isoladamente considerados: se a ciência deslocou de juízos sobre a validade e superioridade
cultural, que exerce verdadeiro papel de colonizar dominar ou implorar os espíritos... Os meios as linguagens da cultura da condição de oferecer das várias competências, produzindo, muitas
e redefinir a vida cotidiana nas sociedades técnicos e os cálculos realizam o serviço”3. A partir uma imagem veraz do mundo, restou-lhes a vezes, avaliações embasadas não em critérios
contemporâneas. daí o conhecimento científico pode desprender-se possibilidade de questionar o sentido mesmo da de reconhecimento das diferenças, mas em
existência. Daí a recusa de expressar a similitude, raciocínios afirmadores de desigualdades7.

1
Utilizo-me da noção de processo civilizador na acepção de Norbert Elias. Cf: O processo Civilizador. Uma História dos Costumes.
4
2 vol. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. RIBEIRO, Renato Janine. A universidade e a vida atual. Fellini não via filmes. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2015, p.114.
2 5
Sobre a noção de sociedade do conhecimento: TOURAINE, Alain. La Societé Post-industrielle. Paris: Denoel-Gonthier, 1969; CLARK, T. J, A Pintura e a Vida Moderna. Paris na Arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras,
STEHR, Nico. Knowledge Societes. Londres: Sage, 1994. Sobre a racionalidade instrumental: ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, 2004, p.44.
6
M. Dialectica Del Iluminismo. Buenos Aires: Sur, 1970. Cf: AUERBACH, Eric. Mimesis: a representação da realidade na literatura universal. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1976
3 7
WEBER, M. “A Ciência como Vocação”. In: Max Weber. Ensaios de sociologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1971, p.165. Cf: BOURDIEU, Pierre. Sobre o Poder Simbólico. In: O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
40 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Políticas Públicas de Cultura e Extensão Universitária 41

Nesse percurso de negação de parte do legado e em busca de símbolos de distinção social. é capaz de garantir o domínio incontestável de lado, produzindo a ilusão de que navegam na
moderno, esfacelou-se a sua própria herança, A cultura nascente abeberou-se nas novas qualquer dos pares que pretendesse monopolizar arbitrariedade das idéias, ao revés do rigor da
redundando em conseqüente precariedade, cujo disposições de uma burguesia moderna e de o terreno das possibilidades de elucidação do pesquisa. A questão, em última instância, refere-
desdobramento desembocou numa acepção frações das camadas médias ilustradas9. Nesse mundo. se ao fato de que nas ciências da sociedade não
dominantemente técnica de ciência e numa sentido, a cultura moderna já possuía uma aptidão vige a distinção estabelecida por Wilhelm Dilthey
cultura aprisionada por mecanismos de mercado: para ser domesticada e para conformar-se ao Assim, as diferenças reais de procedimentos, bem entre explicação e compreensão, pois ambas as
a primeira, amesquinhou-se na condição de pura poder dominante, como estaria acontecendo com como a presença de estilos diversos, não elidem, operações não se distinguem.
técnica de controle; a segunda, depreciou-se ao se a absorção da pesquisa científica pelas grandes mas, antes, pressupõem o caráter histórico
ver impotente para preservar a autonomia. Ambas organizações privadas e com o controle das das nossas verdades. Dito de outra forma, E é por essa razão que é possível explicar sem
passam a compartilhar um destino comum, a de imagens como “chave do poder”10. É necessário nenhum pensamento e nenhuma ciência podem excluir a compreensão crítica, fundamento da
serem sintomas sociais dominantes, retecendo, considerar, no entanto, que o estreitamento das transcender ao tempo, ainda que a conexão com distinção entre as disciplinas humanas e as
assim, os seus liames: relações de entre a cultura e ciência com o mercado a temporalidade não seja idêntica quando se trata disciplinas da natureza12 .
supôs prévia desconexão anterior. de domínios científicos distintos. Nas Ciências
Desfecho de um longo processo de emergência, Naturais o controle e a possibilidade de isolar o As tensões e oposições advindas de uma noção
de evolução, esses universos autônomos Os elos que prendiam a ciência e a cultura na campo da experimentação reforçam a percepção homogênea de ciência, que acabou por migrar
entraram atualmente num processo de involução: emergência da era moderna, que as conferiam do caráter neutro e atemporal do conhecimento. das disciplinas da natureza, montam, no entanto,
dão ensejo a um retrocesso, uma regressão, da dignidade de origem desataram-se, permitindo- No caso das chamadas Ciências Humanas e nova armadilha, originada na desconsideração da
obra para o produto, do autor para o engenheiro lhes seguir por vias divergentes. Retomar esses Sociais, o dilema reside na característica particular existência de regimes próprios de conhecimento.
ou o técnico, colocando em jogo recursos não liames implica pensar a ciência das quais são portadoras: as dificuldades de Compreensões de tal ordem desembocam,
inventados por eles, como os famosos efeitos ultrapassar o tempo são mais profundas e as paradoxalmente, no fetichismo da ciência por
especiais, ou as vedetes célebres e celebradas quer como uma componente da cultura entre marcas da historicidade são mais evidentes. ignorar a variedade da vida humana. Finalmente,
pelas revistas de grande tiragem e próprias para outras, bastante diversificadas (como as se está frente ao fetichismo da própria cultura,
atrair o grande público, pouco preparado para culturas artística, literária, filosófica, jurídica, Essas disciplinas singularizam-se, portanto, na medida em que se exclui o caráter social de
apreciar experiências específicas, sobretudo política, religiosa, midiática, etc), quer como por sua imersão no contemporâneo, por isso, toda e qualquer produção humana, encerrada na
formais . 8 uma componente da cultura com especificidades a reflexão a elas pertinente exige mobilizar categoria de pensamento unitário e autocriado.
bastante próprias, no panorama social atual11. esforços redobrados de afastamento em relação “Como se o único só pudesse se defrontar com
Ou, nos termos de um historiador, o modernismo ao presente, obrigando-as a indagar sobre os outro único e não com a multiplicidade”13.
já era na sua origem uma cultura de mercado, na Desse modo, cultura e ciência podem retecer as suas limites e os modos de realização do seu próprio
medida em que se desenvolveu na esteira de um ligações ab initio, dividindo uma longa e indefinida tempo. Daí o movimento característico da reflexão Resulta daí notável empobrecimento do campo
público consumidor crescentemente diferenciado fronteira, cuja exclusão de algum dos pólos não empreendida ser marcado pela tendência ao científico, pois se lhe retiram a riqueza das
questionamento da realidade, criando a impressão fontes que o nutrem, mormente quando se lhe
de operação puramente normativa e, de outro rasuram as formas de entendimento inerentes

8
BOURDIEU, Pierre. A Cultura está em perigo. In: Contrafogos 2. Por um Movimento Social Europeu. Rio de Janeiro: Zahar, 2001,
p. 86.
9
Cf: GAY, Peter. Modernismo. O Fascínio da Heresia de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, pp. 33 a 38.
10
CLARK, T. J. Modernismos. Ensaios sobre Política, História e teoria da Arte. São Paulo: Cosacnaify, 2007, p. 315. 12
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A sociologia da Cultura: Interpretações e reconstruções. In: Cultura, múltiplas leituras,
11
COSTA, António Firmino; CONCEIÇÃO, Cristina Palma; ÁVILA, Patrícia. Cultura Científica e modos de relação com a Ciência. Paulo César Borges, Org. Bauru: Edusc/UFBA, 2010, p. 104.
In: Sociedade e Conhecimento. Portugal no Contexto Europeu, Vol. II, Lisboa: Celta, 2007, p. 63. 13
CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosacnaify, 2009, p. 364.
42 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Políticas Públicas de Cultura e Extensão Universitária 43

a cada época, das quais as visões unitárias são sobretudo, nas instituições públicas, o rigorosos, uma vez que o seu fechamento rompe Em busca de conceituação
tributárias. As concepções de ciência infensa à domínio das representações particulares aos com a sua natureza intrínseca. Reversivamente,
história e em evolução inexorável ancoram-se em procedimentos das ciências experimentais sobre quanto mais variadas e díspares são as ações A primeira exigência de toda e qualquer tentativa
visões finalistas e repetitivas da vida, como se o conjunto acaba por dificultar, por vezes impedir, empreendidas, mais necessário se torna buscar- de construir categorias capazes de cristalizar
caminhássemos para um fim comum, seguindo a percepção do alcance e importância das ações lhes um repositório de sentidos comuns, sob pena fenômenos complexos, como no caso, é
objetivos já determinados; mesmo a natureza, implementadas. Em larga medida, as dificuldades de se dispersarem no emaranhado caótico das estabelecer os critérios da forma mais inequívoca
como sabemos, detem múltiplas possibilidades de entendimento dessas ações derivam do caráter iniciativas contraproducentes. possível. Primeiramente, é necessário revisitar
de direção. Por essa razão, o desconhecimento do que as conformam, que se define por ultrapassar o que é sobejamente conhecido: a prática
múltiplo e do diverso é aparentado das construções os limites exclusivamente disciplinares, por não A questão que se põe não é, desse modo, científica pressupõe um elenco de conhecimentos
míticas, encobertas por crenças e explicações se submeter às experimentações controladas trivial, pois refere-se à tentativa de conciliar assentados, instituições e pesquisadores e, nela, as
promanadas de falsos juízos, exatamente o tipo em ambientes preparados para tal finalidade. A rigor e abrangência; identidade de propósitos universidades possuem, hoje, papel proeminente.
de operação que a ciência pretendeu escoimar. amplitude dos fenômenos da cultura escapa, assim, e variedade; conceituação e multiplicidade de
Rigorosamente falando, as sociedades convivem às circunscrições determinadas; o significado sentidos. Limitar a compreensão obriga ao A ciência é hoje uma das instituições centrais
com da extensão perde-se em meio à necessidade de fechamento do “discurso à consciência de si da sociedade, e a cultura científica constitui
outros requerimentos como os da formação dos mesmo como produção, como processo, como uma das componentes fundamentais da cultura
corpos de conhecimentos distintos e singulares: estudantes nos níveis de graduação e de pós- prática, como substância e contingência”15. Dito contemporânea16
ordens do saber, muito frequentemente impostas graduação, do aparelhamento das condições da de outro modo, o constrangimento das fronteiras
a fragmentos e obras de representações pesquisa. A extensão acaba sendo identificada violenta o contínuo movimento de construção dos As iniciativas de cultura também ocorrem,
díspares. A marca de uma ideologia é uma com simples difusão e não com a modalidade de significados atribuídos pelas ações humanas no fundamentalmente, no âmbito das instituições,
espécie de inércia do discurso: um padrão fixo compartilhar os avanços do conhecimento e a curso da história, dissolvendo a criação nas teias porém, nem sempre acontecem no interior das
de imagens e crença, uma sintaxe que parece pesquisa. da imutabilidade, por transformar a contingência organizações universitárias; as universidades, no
obrigatória, um conjunto de modos permitidos de em natureza, à semelhança das construções entanto, são os principais órgãos de formação
ver e dizer; cada uma com a própria e estrutura de Tendo em vista que só se pode caracterizar míticas. Em conseqüência, a afirmação de um dos agentes envolvidos com a cultura. Finalmente,
ocultamento e revelação, os próprios horizontes, um fenômeno quando o inserimos num todo único regime de verdade tem o condão de alçar os permeiam a academia concepções sobre a
o meio de fornecer certas percepções e tornar abrangente do qual retira seu significado, refletir seus praticantes ao patamar de seres superiores separação entre ciência e cultura, a despeito do fato
outras impensáveis, aberrantes ou extremas14. sobre as iniciativas implementadas no campo e distintos do conjunto, desumanizando-os por de a própria importância da ciência ser tributária
da cultura e da extensão obriga a categorizá- separá-los da vivência contingente a que todos os da conformação cultural contemporânea.
É de se surpreender, por isso, que inclusive nas las em meio à teia de relações da qual são parte seres estão sujeitos.
universidades, instituições comprometidas e se articulam no todo, preservando, porém, Outros requisitos surgem como essenciais no
com concepções ilustradas, possam germinar personalidade própria. É nesse terreno inseguro trabalho de categorização. É imprescindível atentar
enganos desse gênero, quando verdades e incerto que se alojam as iniciativas da área. para a particularidade desse enlace ciência-cultura
circunscritas assumem a condição de única e No entanto, como bem aconselha a boa teoria, nos quadros das universidades. Dito de outra
legítima modalidade de saber. No que diz respeito quanto mais abrangente e variado é um campo, maneira, essas instituições, na sua acepção
à cultura e extensão universitárias desenvolvidas, maior a necessidade de construir procedimentos

15
Idem, p.42.
14
CLARK, T. J. op. cit., p. 41. 16
COSTA, Antonio Firmino da et alii. Op. cit., p. 70.
44 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Políticas Públicas de Cultura e Extensão Universitária 45

completa, até podem prescindir de organismos O problema fundamental pode ser equacionado de das artes no Brasil. Todavia, a relação crítica tão repetidas, esvaziaram-se, perderam a sua
específicos de cultura, mas, do mesmo modo, não outro ângulo e refere-se ao princípio mesmo que entre o conhecimento produzido e o mercado não substância, como a famigerada assertiva que
podem dispensar quer a formação estudantil e a orienta a vida acadêmica. Em instituições como significa desconhecer o seu sentido público e a ata ensino, pesquisa e extensão. De tão repetida,
produção científica, quer a existência de uma vida a Universidade de São Paulo – que propugna necessidade da sua aplicação. Exatamente por a idéia desgastou-se, virou um mote que já não
intelectual pujante e solidamente enraizada. O pela relação íntima entre ensino-pesquisa – a isso, as áreas da cultura e extensão são centrais mais inquire, não ultrapassando a condição de ser
avanço do conhecimento é processo de permanente extensão não pode se confundir com nenhum nas universidades públicas, embora não sejam de apenas profissão de fé, de crença que não informa
inquirição, o que exige um contínuo movimento dos sentidos acima arrolados. Se, de fato, as simples equacionamento. a ação, simples atavio que não mais surpreende.
de descobertas e de atitudes de inconformidade ações de extensão – que abrigam atividades em
perante o estabelecido. Vale dizer: não há todos os setores – possuem uma vocação de O dilema da área de cultura e extensão resulta O enlace ensino, pesquisa, extensão não pode,
descobertas significativas sem assentamento divulgação e são parceiras dos atos educativos, da dificuldade de pensá-la para além da estreita apesar de tudo, ser escoimado. Mas a sua
crítico e este não se completa sem indagações independentemente do objetivo que pretendam divulgação e da simples prestação de serviços e revivescência reclama outra disposição de espírito,
sobre o existente; o modo pelo qual questionamos cumprir, não há como realizá-los, caso sejam de atendimento de demandas, mas, em especial, requer, sobretudo, desenvolver critérios capazes
o existente é informado pela cultura prevalecente; desconectados dos atributos inerentes que definem da necessidade de distingui-la do domínio da de definir relevâncias; de embasar as decisões
da mesma forma que as imagens construídas são a vida universitária. No entanto, tornar socialmente apropriação puramente mercantil. Tarefa difícil em julgamentos de mérito; oferecer à sociedade
elas próprias reveladoras do mundo17. apropriável o conhecimento produzido, seja das em função tanto do caráter dominante do possibilidade de compartilhar os avanços
ciências experimentais, seja das ciências humanas sistema de indústria cultural, quanto da própria alcançados; circunscrever prioridades; enfim, ser
Daí deriva que, se a aliança entre cultura e e das artes, não significa diluir os resultados da necessidade de transformar os resultados do capaz de romper a inércia rotineira da reprodução
ciência é inexorável, quando uma universidade é pesquisa para que sejam apropriados e noticiados conhecimento em progresso social, vale dizer, do mesmo. A exigência fundamental à consecução
capaz de aliar os dois elementos nas ações que pela mídia, como tem sido a tendência corrente em “direitos do conhecimento”18. A dificuldade de tais procedimentos requer tanto tornar os
desenvolve ela se torna uma instituição mais que os tem transformado em notícias, por vezes de tal realização – especialmente pelo fato da destinatários do conhecimento, estudantes ou
complexa. Especialmente porque em qualquer totalmente distorcidos. dinâmica de transmissão do conhecimento se comunidades, em componentes centrais das
dos campos considerados lhes é intrínseco o realizar por meio da linguagem e esta ser uma formulações dos problemas de pesquisa. No caso
esgarçamento crítico, sob pena das atividades se Dito de outro modo, a universidade precisa estrutura de opacidades – tem levado a que as das ciências humanas, “a praticidade é integrante
conformarem à pura reprodução do já conhecido. oferecer alternativas à tendência hegemônica de atividades sejam presas fáceis de requerimentos do gesto mesmo que as define”19.
Caberia, então, perguntar sobre a pertinência mercantilização da cultura e, ipso facto, da ciência, de vária ordem, vendo desfiguradas as intenções
das atividades de cultura e extensão serem sob pena de ocupar lugar correlato ao de outras que constituíram a cultura das universidades, com A área da cultura e da extensão deve se orientar,
desenvolvidas em universidades. As dificuldades agências, públicas ou privadas, que são animadas os seus corpos de crenças próprios e mecanismos em suma, por uma visão pública das atividades
do enlace cultura e extensão, se são derivações de por orientações diversas. Com a ampliação e inerentes de reconhecimentos e legitimações. que implementa, resguardando-se, todavia,
compreensões empobrecidas da própria ciência, desenvolvimento do mercado de cultura e ciência das apropriações circunstanciais de suas
amplificam-se tendo em vista a identificação ampliou-se consideravelmente o número de O terreno, por essa razão, é movediço, implica ações. Por se tratar de instituições públicas, as
das atividades extrovertidas como perfunctórias, agentes envolvidos com a circulação e difusão superar concepções assentadas e assumidas universidades estão envolvidas por compromissos
assistencialistas, de mera prestação de serviços desses bens, como se depreende do volume de como verdades inquestionáveis; implica ainda, republicanos. A condição mesma desse exercício
à sociedade e ao poder público por meio do recursos e de formação de riqueza produzidos por e acima de tudo, ultrapassar afirmações que, de é a de se construir pontes com a sociedade que
atendimento de demandas. esse nicho de negócios, como se vê no segmento

18
VOGT, Carlos. A utilidade do conhecimento. São Paulo: Perspectiva, 2015, p.19.
17
Cf: WITTGENSTEIN, Ludwig. Introdução ao livro Tratactus-logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1996, p. 16. 19
RIBEIRO, Renato Janine. Opus cit. P. 116.
46 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional

não suprimam a essência de sua identidade A condição mesma de realização de tal desafio
formada no axioma do conhecimento, sem o qual passa, de forma incontornável, pela própria
as ações extrovertidas não se diferenciariam transformação da cultura instalada nas
de todas as outras que pululam nas sociedades universidades. Transita, muito especialmente, pela
contemporâneas e se perderiam em meio a inúmeras pavimentação de novos caminhos, construídos
iniciativas aparentemente assemelhadas. Por fim, na solidez de princípios com força para animar
a universidade não cumpriria o papel de formar e dilatar as ações de cultura e extensão nas
cidadãos para o mundo em movimento, caso não universidades públicas brasileiras, condição de
democratize e difunda o acesso à cultura, êmulo enfrentamento dos desafios que as instituições de
da ultrapassagem das profundas desigualdades ensino superior estão hoje submetidas no Brasil.
sociais.
[ parte
dois
4 EXTENSÃO EM PRELÚDIO
crônica das oficinas de práticas urbanas do xvii enanpur

Karina Leitão
Caio Santo Amore

5 A EXTENSÃO NA FAUUSP
Coletivo Caetés
FAU Social
Grupo de Construção Agroecológica

6 A EXTENSÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO:
construção de diálogo entre favela e academia

Coletivo LabLaje

7 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO XVII ENANPUR


João Rovati
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52 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 53

P
erdoem-nos a falta de objetividade: não será versos musicais, sobretudo de uma das parcerias Renato Pequeno (UFC) e Ricardo Moretti (UFABC) Ambos convidaram o professor Caio Santo
possível descrever uma experimentação que mais bonitas da história da música brasileira, a instigaram a professora Camila D’Ottaviano Amore (FAUUSP), por sua trajetória em trabalhos
nos emocionou sem recorrer às lembranças que nasceu da amizade entre Vinicius de Moraes e (FAUUSP), que compunha a coordenação geral da com movimentos de moradia, que são inclusive
de como as Oficinas de Práticas Urbanas nos Baden Powell. A obra desses músicos nos pareceu organização do XVII ENANPUR3, a pensar em uma anteriores à sua prática docente para, junto com
afetaram no ENANPUR de 2017. Elas serão neste oportuna para pontuar esse relato de parceira, não forma de apresentar aos mais de mil participantes João Rovati, pensarem em um arranjo viável. Ao duo,
texto revisitadas sem a racionalidade que pautou mais de dois, mas que envolveu muitas pessoas do evento experiências urbanas que ocorrem em a quem caberia uma composição “pelo telefone”
a sua intensa fase de organização, que se deu com sua “devoção” – por acaso, professores e São Paulo e levá-los a conhecer a cidade e a gente em função da distância entre o “túmulo do samba”
de forma coletiva e contou com o repertório de pesquisadores dos programas de pós-graduação da cidade de uma forma particular, pelas lentes e os pampas, logo se somou uma voz feminina
professores, pesquisadores, assessorias técnicas, filiados à ANPUR – e culminaram nas dez Oficinas da prática de diversos grupos, que atuam dentro imprescindível, pois a professora Karina Leitão
gestores, coletivos de estudantes, estudantes de Práticas Urbanas oferecidas na décima sétima e fora da universidade. A presença e atuação de (FAUUSP) já vinha se envolvendo e desenvolvendo
“avulsos”, movimentos de luta por moradia, edição do Encontro Nacional. Por isso, o termo movimentos populares, o acúmulo em políticas trabalhos de Extensão Universitária, junto com
moradores2. Eram experiências em práticas prelúdio, em referência àquilo que se iniciou urbanas e habitacionais, com seus conflitos, diversos coletivos de estudantes da graduação
extensionistas, que já vinham ocorrendo na naquela edição, mas que já estava latente de avanços e retrocessos, o trabalho de técnicos e da pós-graduação de uma das instituições
Região Metropolitana de São Paulo, que abrigou o diferentes formas e em diferentes localidades e vinculados a órgãos públicos ou entidades de responsáveis pela organização do encontro. O
Encontro, e que nos inspiraram a convidar docentes que, talvez, possa ter também anunciado novas assessoria técnica, muitos dos quais com trajetória desafio, mais do que reger uma orquestra (como
e pesquisadores a viver a cidade e se aproximar experiências e reflexões. Por isso a ode, por isso acadêmica concomitante... esses eram alguns dos poderia ocorrer num ambiente erudito), era
minimamente dos conflitos urbanos no fim de a crônica... a organizar a memória de fatos e motivos que justificavam a provocação. Afinal, não convidar professores e estudantes pesquisadores
semana que antecedeu o evento de pesquisa e detalhes, selecionados arbitrariamente, como toda é incomum que visitas a projetos urbanos e áreas de todo o país a trazerem seus instrumentos, suas
pós-graduação em planejamento urbano e regional memória. de conflito se organizem informalmente, no diálogo habilidades, suas vozes para uma grande roda-de-
mais importante do país. entre professores e pesquisadores de diferentes samba.
A história se inicia mais ou menos assim: a ideia das estados, nesses mais de 30 anos de existência da
O espírito de coletividade faz deste texto uma Oficinas nasceu daquelas conversas informais – tão Associação. A estimativa inicial de promover meia dúzia de
espécie de ode em gratidão a todos os envolvidos descontraídas, quanto produtivas – que ocorrem oficinas rapidamente pulou para uma dezena,
no processo, muito mais do que um registro nos encontros entre pessoas, reunidas, por acaso, Camila aceitou o desafio, cantarolou o tema para tendo em vista a vontade de envolver o maior
de autoria – que possa ser convenientemente em um evento acadêmico. Como compositores o professor João Rovati (UFRGS), seu colega na número possível de participantes do ENANPUR e
lançada nas plataformas que nos servem para populares que compartilham ideias em uma mesa diretoria da ANPUR, um entusiasta de primeira hora apresentar a profusão das experiências que vêm
pontuar carreiras na universidade. As referências de bar, registrando-as em guardanapos com a das práticas extensionistas, e juntos “defenderam sendo desenvolvidas no seio da FAUUSP e na
incidentais não são nada acadêmicas e remetem a caneta emprestada pelo garçom, os professores o samba” para os demais diretores, que “aceitaram metrópole paulistana como um todo. Com a clareza
o argumento”. O Encontro realizado em São Paulo de que os arquitetos e urbanistas, planejadores
contemplou não apenas as Oficinas, mas também urbanos e regionais “têm de ir aonde o povo está”,
uma Sessão Temática, que trouxe para aquele propúnhamos construir uma espécie de “aquarela
importante ambiente da pesquisa acadêmica, pela paulistana” naquele fim de semana que antecederia
primeira vez, o tema da Extensão Universitária. o encontro. Nenhum organizador foi remunerado,
1
Título inspirado na canção “Samba em Prelúdio”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell (1967).
2
Dentre tantos apoiadores, caberia citar alguns: Pinacoteca, Centro Universitário Maria Antônia, Instituto de Arquitetos do Brasil
– Departamento de São Paulo, Instituto Pólis, Peabiru TCA, Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo, Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra e Frente de Luta por Moradia. Na FAUUSP, contou-se com o apoio de bolsas da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão para seis alunos que em muito contribuíram com a organização das oficinas, sejam eles: Bruna Martins, Marília
Muller, Melina Silva, Mônica Bertoldi, Murilo Martins e Paula Gerencer. A Universidade Federal do ABC (UFABC) contribui com
3
quatro bolsas de Extensão que viabilizou a participação dos bolsistas Ariane Destefano, Pedro Yukas Silva, Raul de Almeida Miranda Juntamente com Eduardo Nobre (FAUUSP) e comissão integrada por dezenas de membros de todo o país. Cf. http://anpur.
e Victor Mendes Del Prete. org.br/xviienanpur/principal/?page_id=41.
54 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 55

pois foi com base nas relações de amizades já Comaru (ambos da UFABC), Renato Pequeno Observatório de Remoções8 e atuado nessa área Na Oficina 8, engajaram-se as professoras Beatriz
constituídas e de outras que queríamos que as (UFC), Regina Lins e Débora Cavalcanti (ambas de intenso conflito entre o capital imobiliário e a Rufino e Luciana Royer (FAUUSP), juntamente com
Oficinas foram desenhadas. Nenhum participante da UFAL). Débora, apesar de ter participado da moradia precária. Carolina Freitas e Sandro Barbosa, pesquisadores-
cobrado especificamente pela oficina para além concepção da oficina, não pôde comparecer a São moradores-militantes do conjunto habitacional
da taxa de inscrição no Encontro4. Porque no Paulo na semana do evento. Na Oficina 5, o professor José Baravelli (FAUUSP) Cohab José Bonifácio, construído nos anos 1980,
capitalismo tudo vira mercadoria, mas nem e a professora Denise Morado (UFMG) contaram na Zona Leste da capital.
tudo precisa ser mediado pelo dinheiro. Muitas Na Oficina 2, realizada nas ocupações de edifícios com a colaboração das pesquisadoras Renata
atividades humanas resistem à troca por moeda e e em um empreendimento habitacional fruto de Moreira e Cláudia Bastos Coelho (respectivamente, A Oficina 9, ocorrida na zona sul, na borda da
experiências cheias de significado emancipatório, reforma e readequação de edifício vazio na região doutoranda e mestre pela FAUUSP), militantes represa Billings, aproximou as arquitetas recém-
não por acaso, as Oficinas estão entre elas5. central, contamos com a participação do professor desse campo da autoconstrução e das melhorias graduadas da FAUUSP, Flávia Massimetti, Marla
Enfim, nenhuma das Oficinas realizadas teria sido Raul Vallés (UDELAR-Uruguai), que não por acaso habitacionais, para visitar alguns assentamentos Rodrigues e Gabriela Deleu, todas com trabalhos
possível não fossem a recepção calorosa à ideia se identificou com as perspectivas de trabalho bastante consolidados no município de Diadema, finais de graduação realizados no distrito do
e o trabalho dedicado dos muitos organizadores. do Prof. Caio Santo Amore (FAUUSP e Peabiru), o mais denso do estado, segundo mais denso do Grajaú, à perspectiva qualificada e especializada
da assessoria técnica paulistana Peabiru e das Brasil. em águas urbanas do professor Ângelo Filardo (da
professoras Rosangela Paz (PUC-SP) e Luciana mesma faculdade).
Lago (IPUUR-UFRJ). A Oficina 6 reuniu o professor Jonathas Magalhães
Batucada de bamba 6
(PUC-Campinas) ao coletivo LabLaje9, formado Por fim, a Oficina 10, ocorrida em Paranapiacaba,
Ana Castro e Joana Mello (ambas da FAUUSP), que pelos recém mestres Felipe Moreira, Lara Ferreira, na cidade de Santo André, ocorreu de uma
A organização da “roda” contou com o engajamento trabalham juntas desde os anos da graduação em Paula Oliveira, Victor Iacovini, Vitor Nisida e o interlocução já existente entre a professora
dos professores convidados para cuidar da arquitetura e urbanismo, e já tinham um repertório doutorando Rodrigo Faria, e levou os participantes Catharina Lima (FAUUSP) e sua orientanda de
programação de cada Oficina. Amigos de longa bem ensaiado de visita à colina histórica metrópole, ao Jardim Jaqueline, um assentamento localizado doutorado, Elaine Albuquerque, com a abordagem
data aproveitaram para se reencontrar naquelas organizaram um passeio cheio de referências em na região do Butantã. fenomenológica de Vânia Bartalini e com a poética
condições tão férteis de debate e criação; outras mapas e fotos históricos na Oficina 3. do coletivo MeioFio10, além da participação de
amizades e interlocuções de pesquisa, com A Oficina 7 saiu de uma realidade estritamente funcionários das Secretarias Municipais de Cultura
desdobramentos em diálogos e compromissos A Oficina 4, em favelas afetadas pela Operação urbana para apresentar formas de luta pela (Gustavo Seraphim, Juliana Flamínio e Nathalia
político-acadêmicos, formaram-se naquele espaço Urbana Água Espraiada, contou com o Reforma Agrária na maior metrópole do Brasil. dos Santos), de Meio Ambiente (Leandro Simone
de escuta, liberdade criativa e intenso trabalho. envolvimento do professor Paulo Emílio Ferreira7 Foi organizada pelo Grupo de Construção e Ingo Grantsau) e de Saneamento Ambiental
(UPMackenzie), da Profa Karina Leitão (FAUUSP) Agroecológica e pelo Caetés, dois coletivos da (Cleonice de Almeida Pinto).
A Oficina 1, na região da Luz, contou com longas e da pesquisadora arquiteta Lara Ferreira, tendo graduação da FAUUSP que já vêm trabalhando há
e animadas sessões de conversas preparatórias o primeiro defendido tese de doutoramento que algum tempo em acampamentos, assentamentos
entre os professores, Ricardo Moretti, Francisco engloba a área e as duas últimas integrado o e espaços de formação do MST (Movimentos dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra).

4
Apenas na Oficina 7, em Jarinu, os participantes precisaram arcar com custos da hospedagem e alimentação. No restante das 8
Cf. https://www.observatorioderemocoes.fau.usp.br/observatorio-de-remocoes-apresenta-o-relatorio-final-de-projeto/.
oficinas, todos os custos foram arcados pela organização do evento, que contou com a dedicação voluntária de organizadores. 9
O coletivo Lablaje é formado por arquitetos, advogados e geógrafo que têm militado em torno do tema da urbanização de favelas,
5
Trecho inspirado em fala do professor Peter Marcuse em palestra proferida no World Urban Forum de 2011, no Rio de Janeiro. em especial, no campo da formação. Atualmente, faz parte do Lablaje também o advogado Henrique Frota. Cf. http://www.lablaje.
6
Verso de “Cadência do Samba”, de Paulo Gesta e Ataulfo Alves (1962) org.br.
7
FERREIRA, P.E.B. O Filé e a Sobra: as favelas no caminho do capital imobiliário. Tese de Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2017 - 10
O coletivo MeioFio é um grupo multidisciplinar de intervenção urbana em espaços públicos com atividades que se utilizam do
tese defendida no PPGAU-FAUUSP. crochê para ocupar espaços e acolher pessoas. Cf. http://www.coletivomeiofio.com.
Mapa afetivo das Oficinas de Práticas Urbanas
do XVII ENANPUR, 2017
elaboração. Karina Leitão
58 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 59

Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar As Oficinas 1 e 2 trataram das ocupações de A outra oficina procurou percorrer ocupações de luta para permanência e para que os edifícios
ninguém11 edifícios na área central. Uma mais concentrada de edifícios outrora vazios e sem utilização possam ser reformados e regularizados, garantindo
em observar “a cidade” que se estruturou em torno em diferentes graus de consolidação, desde condições mais adequadas de habitabilidade
O desenho das Oficinas já antevia uma programação de duas ocupações mantidas por um conjunto aqueles com alto grau de precariedade, onde os e segurança na posse. O exercício de reflexão
intensa para o final de semana antecedente ao amplo de movimentos de luta por moradia na movimentos de luta por moradia organizam uma realizado ali nas dependências do Columbia, com
Encontro da ANPUR, que é sabidamente longo e região da Luz: na Av. Prestes Maia e na R. Mauá. série de adaptações para torná-los minimamente a participação de Mildo e de outros moradores
extenuante. Mas contavam com o ânimo de uma E a “cidade” já se apresentou na organização da habitáveis (como ocorreu com o edifício do INSS da ocupação, lideranças da FLM (Frente de Luta
programação inédita. Ainda bem cedo, numa oficina e na utilização da estrutura de um dos na Av. 9 de Julho), até um empreendimento de por Moradia), com a concentração desviada pelo
manhã fria de sábado, na recepção do hotel sede mais importantes equipamentos culturais de reforma e readequação em fase de conclusão, alto som do samba que vinha de um dos palcos
do Encontro, pairava um cheiro de café, misturado São Paulo pelos participantes e pelos moradores realizado por meio de um programa público de da Virada Cultural12 na esquina mais famosa de
a uma ansiedade parecida com a de um primeiro das ocupações vizinhas. Na Pinacoteca, os autogestão (Edifício Dandara, na Av. Ipiranga). Sampa, revelou aos participantes a dificuldade
dia de aula, o ânimo pelo reencontro de amigos e participantes dialogaram diretamente com os Passamos também por outras ocupações bem para organizar os “problemas” daquelas formas
a expectativa em conhecer novos. Vários ônibus moradores e desenvolveram as propostas de projeto consolidadas (nos antigos hotéis Cambridge aparentemente provisórias de moradia. Se o
esperavam os grupos de inscritos que partiriam urbano para a região que, se por um lado concentra e Columbia e na ocupação José Bonifácio, no objetivo inicial dos organizadores era elaborar
para as visitas. É sabido que na extensão (mas a infraestrutura da cidade, exige requalificações Largo São Francisco), onde foram vivenciadas a propostas ensaísticas, os debates escancararam
também na pesquisa e no ensino), muito se planeja para que o uso habitacional possa acontecer capacidade de organização, de criação de espaços os limites da luta institucional pela aquisição dos
para que se possa, ao fim, improvisar. Como na plenamente. Nessa oficina, o diálogo culminou de formação comunitária, de partilha, disciplina e edifícios que permaneceram tantos anos sem
música, e principalmente na música popular, longas com a partilha da ideia de que é importante para uso, pelo financiamento para as reformas, pela
horas de trabalho de ensaio são necessárias para profissionais do território não perderem a noção de Oficina 2: Ocupar, resistir e construir, 2017 regularização física e jurídica das condições de
que o improviso e a adaptação ao momento se que trabalham com espaço, mas sobretudo com moradia, tudo diante do enorme potencial que as
deem na interrelação com o público. pessoas e que a ação no campo não é banal, “fazer ocupações têm de prática concreta de posse e uso
junto” é central no campo territorial. solidários dos espaços como ocorre atualmente.

Oficina 1: Projeto Urbano na Região da Luz, 2017 Em tempos recentes em que vivemos (e
provavelmente vamos viver de modo ainda mais
foto. Ariane Destefano
intenso) inúmeras ocupações realizadas para
negociação de atendimento via Programa Minha
Casa Minha Vida, ou mesmo, por aluguel provisório,
as ocupações em edifícios centrais onde famílias
permanecem por muitos anos revelam, ao mesmo
tempo, o abandono de um patrimônio edificado

foto. Victor DelPrete


em área bem localizada e a luta pela moradia,
não apenas pelo que seu invólucro representa
na proteção contra intempéries, mas na sua
localização, que coloca a área central em disputa.

12
O evento Virada Cultural acontece em São Paulo há mais de 10 anos e oferece 24 horas de programação cultural e entretenimento
11
Versos de “Berimbau”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell (1967). pelas ruas, parques e praças da cidade, com concentração na região central da cidade.
60 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 61

foto. Gabriel Pietraroia


A Oficina 3 percorreu a colina histórica de São Paulo, Na região do córrego Água Espraiada, a de assentamentos. As visitas nas unidades
tomando como base cartografias e iconografia programação da Oficina 4 se iniciou no Centro habitacionais em Diadema provocaram os
históricas da formação da cidade, com abordagem Cultural Jabaquara, lugar dedicado à memória da participantes para a um debate sobre a inutilidade/
crítica não apenas das transformações intensas resistência negra na cidade, onde se antecipou a utilidade dos arquitetos no país: inutilidade, pela
ocorridas em pouco mais de um século, mas sobre história de luta das comunidades ameaçadas de produção massiva de domicílios sem a mediação
como os caminhos urbanos foram assimilados remoção na região, pela incidência da mais “bem de um profissional da área; utilidade diante das
no Plano de Avenidas de 1930 e desenharam os sucedida” Operação Urbana. Se, desde os anos reformas necessárias e do reconhecimento de
eixos sobre os quais a metrópole se expandiu. Os de 1990, as obras viárias já removeram milhares precariedades e situações de risco produzidas e
participantes vivenciaram passado e presente, de pessoas para favorecer a ampliação do reproduzidas nos processos de autoconstrução
numa espécie de “contação de história”, ilustrada potencial construtivo para o mercado imobiliário, que ainda são a verdadeira escala de produção de
pelo caderno, com os mapas, aquarelas e fotos o argumento da vez para a higienização social é habitações populares no país.
do centro de São Paulo do século XIX, momento a execução de um parque, num dos processos
em que o centro de hoje era quase a totalidade da mais perversos de extinção física de territórios
cidade. O percurso pela borda da colina histórica, populares da atualidade na maior cidade
para participantes que tinham familiaridade com brasileira13. As paradas programadas permitiram Oficina 4: Urbanismo na defesa de direitos, 2017
processos de crescimento da cidade, mas com o diálogo tocante com duas moradoras. Sheyla,
poucas referências específicas sobre São Paulo, ex-moradora da favela Minas Gerais, agora síndica Na Oficina 5 em Diadema, o debate transcorreu
voltou a atenção para a escala da cidade antiga, de um dos blocos do edifício Corruíras que foi em torno de dois temas. O primeiro já conhecido
bem como para seu tecido histórico, aquilo que construído para reassentar parte das famílias dos estudiosos de assentamentos populares no
permanece e que presentifica as camadas do removidas da favela, nos recebeu no conforto da país, a autoconstrução, e o segundo, que vem
passado, tornando viva a memória e a experiência biblioteca pouco frequentada do prédio. Nazaré, sendo recentemente explorado na academia e
de aproximação àquela geografia. nordestina, empregada doméstica, moradora da nas gestões municipais, a melhoria habitacional,
área mais vulnerável da favela Levanta Saia, nos como uma prática e uma política que reconhece
Oficina 3: Caminhos urbanos, 2017
recebeu na entrada em balanço do barraco do seu a inexorabilidade da produção por “conta própria”.
sobrinho e nos comoveu a todos dizendo que, da Especialistas no tema se dedicaram a debater a
foto. Marília Müller

sua região, sentia falta da farinha, mas “podia ficar importância da urbanização de assentamentos,
sem ela, o que não podia era ficar sem casa”. enfrentando o desafio da reforma de moradias
consolidadas no processo que envolve remoções

foto. Pedro Yukas


Oficina 4: Urbanismo na defesa de direitos, 2017
e reassentamentos em unidades habitacionais
padronizadas. As moradias “consolidadas”, afinal,
foto. Gabriel Pietraroia

são frequentemente aquelas que são, mais uma


vez, abandonadas à própria sorte. A perspectiva
da oficina era apresentar essas situações para
que possam ser tratadas, quiçá, ponto de partida14
ou de chegada nos processos de qualificação Oficina 5: Autoconstrução e melhorias habitacionais em
assentamentos precários consolidados, 2017

14
Conforme dissertação de Claudia Bastos Coelho, disponível no site teses USP; ver: COELHO, Cláudia. Melhorias habitacionais em
13
Como nos mostra a tese de Paulo Emilio Buarque Ferreira, organizador da Oficina, disponível no site de teses da USP, já citada. favelas urbanizadas: impasses e perspectivas. São Paulo: FAUUSP, 2017. Dissertação apresentada ao PPGFAU USP.
62 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 63

Na favela do Jardim Jaqueline, o coletivo LabLaje, na praça livre parecia condizer com o espírito da coletivos, foi decisiva para que as portas das
focado na formação de profissionais no campo Oficina, o sentido público da vida, da apropriação ocupações culturais de equipamentos públicos
da urbanização de favelas, adaptou na Oficina 6 do espaço, da formação nesse campo e da atuação abandonados pudessem ser abertas, para que
do ENANPUR uma metodologia de oficina que já profissional. os diálogos com moradores antigos pudessem
tinha ocorrido naquele assentamento há menos de ocorrer. Os sentidos do público e privado foram

foto. Raul Miranda


um ano, junto com Jonathas Magalhães professor Ao percorrer os assentamentos Irmã Alberta, temas destacados na visitação dessa região, que
da PUCCAMP, arquiteto-militante do tema15, e no bairro de Perus, e Dom Tomáz Balduíno, no povoa o imaginário sobre a vida na periferia de São
em parceria com a associação de moradores. A município de Franco da Rocha, e pernoitar no Paulo.
caminhada pela região revelava “à queima-roupa“ Espaço de Formação do MST em Jarinu, os

foto. Melina Moscardini


as contradições da vida num assentamento coletivos de extensão da graduação da FAUUSP que Oficina 7: Reforma Agrária na metrópole, 2017
consolidado e densamente construído na região organizaram a Oficina 7, dedicaram-se a formatar
do Butantã que espera a regularização e tem uma programação em que tencionavam a pauta da
A Oficina 8 em Itaquera, Zona Leste, revelou as
como vizinhos um shopping e empreendimentos produção do espaço urbano e do rural, insistindo
particularidades da produção das COHABs na
irregularmente aprovados em Zona Especial de para que as fronteiras entre ambos fossem mais
capital paulista. Num território estruturado no
Interesse Social. A visitação culminou em um fluidas, menos dicotômicas, revelando uma
bojo da política habitacional da década de 1970
debate na praça reformada mediante projeto de aparentemente inusitada luta pela Reforma Agrária
no Brasil, o espaço resultante coloca importante
extensão levado a cabo pelo LABHAB FAUUSP16 e na metrópole mais urbanizada do país. Também
debate sobre como os blocos de apartamentos
pelo coletivo de extensão FAU Social, capitaneado previam que os participantes tivessem nos
implantados numa lógica de projeto modernista
pela associação de moradores e viabilizada pela assentamentos e espaço de formação mais formal
em versão rebaixada se ressignificam diante da
subprefeitura. A possibilidade de sentar-se em roda uma experiência de trabalho coletivo, manual, para
vida cotidiana condominializada, seja nos antigos
além da mera observação e do debate acadêmico.
conjuntos das companhias de habitação ou nos Oficina 8, Do projeto modernista à condominialização, 2017
Oficina 6: Urbanização de Favelas, 2017 Esta foi a oficina que mais se afastou do centro
novos promovidos pelo PMCMV18 nos espaços
de São Paulo permitindo a seus participantes
foto. Bruna Martins

residuais daquelas imensas glebas adquiridas No Grajaú, o frescor das visões das jovens
vivenciarem espaço e tempo de maneira diferente arquitetas organizadoras do evento e dos
para realização da expansão periférica da cidade
do cotidiano da metrópole. Pisar no barro e cheirar coletivos ambientalistas apoiadores da Oficina
por meio da produção pública de habitações.
o mato recolocaram os sentidos das resistências 9 somou-se ao olhar detalhista do professor da
Mas a consolidação desses territórios não se dá
socioterritoriais, em busca de uma outra produção FAUUSP. Todos (literalmente) remaram juntos
apenas nos aspectos físicos e construtivos, mas
espacial que, não paradoxalmente, não menciona se apropriando daquela paisagem e das tensões
também pela presença de uma grande quantidade
a palavra revolução. Mas, quem sabe, seja porque urbano-ambientais na região que é responsável
de coletivos, que alimentam provavelmente
a extensão que se diz revolucionária “não é, porque pela produção de água para parte da metrópole e
uma das mais criativas manifestações culturais
quem é mesmo, não diz”17. que, ao mesmo tempo, é uma das regiões que mais
contemporâneas da metrópole, reafirmando
identidades periféricas que se formaram, mesmo cresce em quantidade de domicílios. Em uma área
em um território frio e padronizado dos conjuntos que já não permeia o imaginário hegemônico da
habitacionais. A participação de pesquisadores cidade densamente edificada, à borda da represa,
que vivem nesses conjuntos, que militam nesses a vida urbana tem outros matizes, conflitos de
15
Cf. dissertação de Lara Isa Costa Ferreira, 2017, disponível no site de dissertações e teses da USP; ver: FERREIRA, Lara. Arquitetos
militantes em urbanização de favelas: uma exploração a partir de casos de São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo: FAUUSP, 2017.
Dissertação apresentada ao PPGAU FAUUSP.
16
Pelo LABHAB, participaram do projeto os alunos Daniel Collaço, William Valério e a professora Karina Leitão. Pela FAU Social,
18
ver capítulo “A Extensão na FAUUSP” de autoria do Coletivo Caetés, FAU Social e Grupo de Construção Agroecológica. Programa Minha Casa Minha Vida, programa habitacional lançado pelo governo federal em julho de 2009.
17
Inspirada livremente na canção “Canto de Ossanha”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell (1966).
64 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Extensão em prelúdio. Crônica das Oficinas de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR 65

outra natureza. A água se impõe na paisagem “teias” de aranha em linhas de crochê vermelhas A benção Paulo Freire, saravá!20 a problemática, as hipóteses, os cenários, as
sem pedir muita licença. Moradores reivindicam preparadas pelo coletivo, como que marcando soluções) não pode existir sem uma apreensão
a possibilidade de usufruírem dela, inclusive de a paisagem vivida num processo de cartografia Este breve relato das Oficinas de Práticas Urbanas compartilhada da realidade.
maneira mais lúdica. sensível. E como as cartografias congelam tempo deixa clara a intenção dialógica, subjacente a
e espaço, uma presença inusitada, que parecia ter cada programação. Algumas delas claramente O que se viveu naquele fim de semana de maio de
sido encomendada pela organização da oficina, afiliadas à metodologia freiriana, à abordagem 2017 foi uma experiência que pulsava em vários
Oficina 9, Às margens da cidade: expansão urbana surpreendeu os participantes: a bailarina vestida pedagógica de mão dupla, em que ministrantes pontos da metrópole e estimulava um encontro
e as represas da Zona Sul, 2017
em um tutu, vermelho como as teias, colocava para da oficina, participantes e apoiadores se formam de interlocutores que buscavam a ressignificação
todos os limites e as potências da experiência da mutuamente. Outras, não declaradamente de suas visões sobre espaço, sociedade e estado.
paisagem. freirianas, mas igualmente pensadas numa Por menor que fossem os efeitos da pulsação
metodologia dialógica. na cidade, naquele evento, naqueles lugares,
Oficina 10, Cartografia afetiva e insurgente
as oficinas reverberaram em cada um de nós, e
em Paranapiacaba., 2017 No país que teve Paulo Freire como maior pensador reverberaram ao longo de toda a semana do XVII
dos rumos da formação popular, a prática de ENANPUR, recolocando-nos a questão sobre
extensão, nascida na Europa no século XIX, ganha o papel de planejadores na construção e nas
outros contornos. Porque a extensão nasceu lá na possibilidades de outros espaços. Assim como em
Inglaterra, mas se hoje ela é militante na poesia, qualquer campo profissional, esse desafio passa
foto. Paula Gerencer

é porque ela é brasileira demais no coração21. pela formação para uma atuação mais aderente à
Mesmo quando a influência de Paulo Freire não se realidade da nossa terra, da nossa gente. No que
faz tão explícita, parece haver uma ligação, ainda toca o campo das áreas de conhecimento que
que indireta, com aquilo que foi pautado no seu tangenciam a ação pela transformação espacial,
projeto educacional22 e que inspirou tantas áreas essa formação precisa levar em consideração
de conhecimento no Brasil. Ir a campo, ver, sentir, suas implicações sociais e políticas.
mirar, questionar fizeram parte de um processo
Em Paranapiacaba, a moradora convidada para
que não estava baseado na mera transferência de Num momento em que a ciência do planejamento,
produzir o café para as pausas da Oficina 10,
saberes dos organizadores das Oficinas aos seus em especial a do território, se coloca a questão dos
Dona Alzira, narrou sua história de vida em uma
participantes. Porque “a leitura do mundo precede limites do repertório acumulado, experimentando
área de patrimônio “preservado”, com o sabor
a leitura da palavra, daí que a posterior leitura métodos e técnicas alternativas à tecnocracia
da geleia de Cambutella (Cambuci com nutella).
desta não possa prescindir da continuidade da conservadora e autoritária, as Oficinas de Práticas
O coletivo Meio-Fio enredou a programação
leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem Urbanas talvez tenham reiterado a mensagem:
com atividade que partia da leitura do conto “A
dinamicamente”23, porque a técnica (o diagnóstico, não há planejamento popular sem imersão no
foto. Paula Vicente

infinita fiandeira”, de Mia Couto19. E a exploração


da paisagem se deu pelo espalhamento das

20
Trecho inspirado na canção “Samba da Benção”, de Vinicius de Moraes & Baden Powell (1967).
21
Idem.
22
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?. 8.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
19
In “O fio das missangas”, São Paulo, Companhia das Letras, 2003. 23
Paulo Freire. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989.
66 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional

campo, sem diálogo, sem contato com os conflitos pesquisa e do ensino. As Oficinas parecem ter
cotidianos, entendidos aqui não como categorias consistido em um “pontapé inicial” para que a
abstratas, mas como elementos constituintes da discussão se perpetue em qualquer encontro de
totalidade social. arquitetos, urbanistas, economistas, engenheiros,
geógrafos, sociólogos, demógrafos, enfim,
Oficinas são práticas que organizações estudantis planejadores urbanos e regionais ou, como em
de graduação já mantêm há alguns anos em seus voga atualmente, planejadores territoriais.
encontros. “É lúdico!”, diriam tanto aqueles que
quisessem menosprezar, quanto aqueles que Ao fim e ao cabo, para militantes da área,
quisessem enaltecer a dinâmica. Trazê-las para independentemente de qualquer crença religiosa,
esse evento de “especialistas” tem, assim, o peso mas com a fé, que enseja respeito à liberdade,
de beber em práticas do que se pode ler como humildade, coerência, tolerância, que não floresce
a base social da academia (os estudantes de entre os arrogantes24, e que “não costuma faiá”25:
graduação) e perceber que as inquietações com
a realidade, a sensibilização, ainda que episódica, ... a boa extensão é uma forma de oração26 ...
altera profundamente as próprias dinâmicas da

24
“Não me sinto à vontade falando da minha fé. Pelo menos tanto, quanto me sinto quando falo de minha opção política, de minha
utopia, de meus sonhos pedagógicos (...) Todos os argumentos que explicam e reforçam a legitimidade de minha luta em favor de
uma sociedade mais gentificada têm, na minha fé, sua fundamentação profunda. (...) Não é fácil ter fé. Sobretudo pelas exigências
que ela coloca a quem a experimenta. Exigências no sentido da assunção da liberdade, que implica o respeito pela liberdade do
outro, no sentido da eticidade, da humildade, da coerência, da tolerância. Se uma fé bem-comportada e vigorosa pode nascer
autenticamente entre os ofendidos, é menos fácil florescer entre os arrogantes”. FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 2013, p. 149-151.
25
Trecho inspirado na canção “Andar com fé”, Gilberto Gil (1982).
26
Trecho inspirado na canção “Samba da Benção”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell (1967)
fichas
OFICINAS DE PRÁTICAS URBANAS
coordenação geral
Caio Santo Amore . João Rovati
[Oficinas 1 a 9]
Texto editado por Camila D’Ottaviano e João Rovati
a partir do texto original dos coordenadores da Oficina
[Oficina 10]
Texto de autoria de Catharina Lima, Elaine Albuqueque,
Hulda Wehmann e Karina Leitão.
70 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 71

1 Projeto Urbano
na Região da Luz: organização

a cidade no entorno da Francisco Comaru (UFABC)


ocupação da Rua Mauá Regina Lins (UFAL)

foto. Ariane Destefano


Renato Pequeno (DAU UFC)
Ricardo Moretti (UFABC)

A oficina se organizou em torno das ocupações monitoria


na Avenida Prestes Maia e na Rua Mauá, ambas
Ariane Destefano (UFABC)
mantidas por um conjunto amplo de movimentos
de luta por moradia na região da Luz. Em companhia
colaboração e apoio
de lideranças e moradores dos prédios ocupados,
percorreu-se o entorno para apresentação e Bruno Portes (UFABC)
análise da área de estudo, para a qual foram feitas Rayssa Saidel Cortez (UFABC)
propostas de qualificação do ambiente urbano.
objetivos

A partir das observações de campo e após Realizar levantamentos para


apresentação da região da Luz/“Nova Luz” e de reconhecimento de contextos
projetos de reabilitação propostos para a área, urbanos e desenvolver projetos
as equipes se subdividiram em grupos menores urbanos na região da Luz, no
entorno da ocupação da Rua
e desenvolveram propostas de intervenção e
Mauá.
qualificação urbana para os dois casos de estudo.
As propostas foram debatidas no segundo dia da
locais
oficina, em dinâmicas participativas envolvendo a
população residente nos prédios ocupados.  Pinacoteca, Região da Luz (centro
foto. Ariane Destefano de São Paulo), Ocupação Mauá e
Ocupação Prestes Maia.
foto. Ariane Destefano

foto. Ariane Destefano

foto. Ariane Destefano


72 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 73

2 Ocupar, resistir e e Columbia e ocupação José Bonifácio, no

foto. Victor Del Prete


construir: autogestão Largo São Francisco), onde foram vivenciadas a organização
capacidade de organização, de criação de espaços
habitacional na reabilitação Caio Santo Amore (FAUUSP)
de formação comunitária, de partilha, disciplina e Luciana Lago (IPPUR-UFRJ)
de edifícios vazios na área de luta para permanência. Peabiru (Assessoria Técnica)
central Raúl Vallés (UDELAR)
Rosangela Paz (PUC-SP)
Há anos a militância política e acadêmica da
reforma urbana mira o problema da vacância e monitoria
ociosidade de terrenos e imóveis, enfatizando
Victor Del Prete (UFABC)
a necessidade de sancionar essas situações.
Diversos instrumentos urbanísticos foram criados objetivos
para que esses terrenos e imóveis cumpram
sua “função social”. Movimentos de moradia, Reconhecer os potenciais das
ocupações de movimentos de
em ação direta, ocupam e resistem, na luta
luta por moradia em edifícios

foto. Victor Del Prete


para recuperação de edifícios vazios e para sua
localizados na região central de
destinação para moradia social. O centro de São
São Paulo e das experiências
Paulo é um local privilegiado para observação de reabilitação que ali vêm
dessas ações e dos seus modestos resultados ocorrendo; desenvolver propostas
práticos. Alguns poucos edifícios que pertenciam de caráter investigativo e
ao patrimônio da União e outros, desapropriados promover discussões sobre
pela administração municipal, foram destinados A partir das visitas, e por meio das lideranças e inserção urbana, insurgência

foto. Victor Del Prete


a programas habitacionais de interesse social. moradores, foi possível conhecer fragmentos de e resistência (ocupação e sua
Reformas ali vêm sendo viabilizadas, com muita histórias de ocupação e resistência e também consolidação), instrumentos
dificuldade. alguns casos em que os movimentos de urbanísticos e métodos de projeto.
moradia vêm conseguindo executar a reforma
A oficina abordou esses temas, visitando alguns e a reabilitação, buscando o repovoamento da locais
imóveis ocupados com diferentes graus de área central e a otimização das infraestruturas e Região central de São Paulo,
consolidação, desde aqueles com alto grau de serviços instalados na região. Ocupação Hotel Columbia
precariedade, onde os movimentos de luta por e edifícios ocupados pelos
moradia organizam uma série de adaptações para Debateu-se os limites e potencialidades dessas movimentos de moradia.
torná-los minimamente habitáveis (edifício do ações, em termos de solução para moradia
INSS na Av. 9 de Julho), até um empreendimento e adequação aos programas existentes, e a
de reforma e readequação em fase de conclusão, possibilidade de dar escala e viabilidade para
realizado por meio de um programa público de esse tipo de ação, envolvendo questões como
autogestão (Edifício Dandara, na Av. Ipiranga – a elaboração de projetos, fundos públicos,
Programa Minha Casa Minha Vida Entidades). instrumentos urbanísticos e formas de acesso das
O grupo conheceu também algumas ocupações famílias (transferência de propriedade individual
bem consolidadas (antigos hotéis Cambridge ou coletiva, locação social, serviços habitacionais).
74 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 75

3 Caminhos urbanos:
da colina histórica à organização
metrópole Ana Castro (FAUUSP)
Joana Mello (FAUUSP)

monitoria

Considerando o centro histórico um lugar Marília Müller Silva (FAUUSP)

foto. Marília Müller


privilegiado para reconhecer a cidade (em suas
objetivo
diversas escalas e temporalidades) como um
território de conflitos e disputas, a oficina, através do Reconhecer os padrões e eixos de
exercício da caminhada, buscou uma aproximação desenvolvimento metropolitano
a questões como o processo metropolitano de de São Paulo em seus aspectos
expansão, seus padrões de crescimento e de geográficos, sociais, urbanísticos e
culturais, confrontando o contexto

foto. Aline Scheibe


segregação socioterritorial, suas configurações
atual da chamada “colina histórica”
urbano-arquitetônicas, a fim de refletir sobre as
com imagens e mapas de época.
complexidades da metrópole como espaço de
vivência e de intervenção. Com base em material local
iconográfico e cartográfico entregue inicialmente a
todos os participantes, debateu-se como a cidade Região central de São Paulo
foto. Luiza Laboza

e Centro Universitário Maria


se constituiu historicamente, identificando os
Antônia-USP
caminhos que a demarcaram desde os tempos
coloniais. A seguir, andou-se pelos limites da
colina histórica, reconhecendo os eixos de
expansão que foram se constituindo a partir da
morfologia do território e de distintas lógicas de
circulação, e que definiram padrões de mobilidade
que marcam a cidade até hoje. Finalmente, após
discutir as mudanças da centralidade verificadas
ao longo do século 20, seus impactos no território

foto. Marília Müller


e nas dinâmicas urbanas e sociais, produziu-se
um ensaio fotográfico sobre usos, conflitos e
apropriações do centro.
76 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 77

4 Urbanismo na
defesa de direitos: o organização
Observatório de Remoções Karina Leitão (FAUUSP)
nas favelas da Operação Lara Ferreira (FAUUSP)
Paulo Emílio Ferreira (UPMack)
Urbana Águas Espraiadas

foto. Gabriel Pietraroia


monitoria
No processo de criação de uma nova “centralidade
Murilo Perdigão Martins (FAUUSP)
de negócios” no setor sudoeste da cidade de São
Paulo, que se iniciou com remoções violentas nos
objetivo
anos 1990, o instrumento da Operação Urbana
tem sido o mote para a supressão da totalidade Debater a proposta de remoção
das favelas da região, com a proposição de um integral das favelas no perímetro

foto. Gabriel Pietraroia


grande parque linear e diversas obras viárias. da Operação Urbana Consorciada
Água Espraiada (OUCAE), a partir
Com a necessidade de criação de atratividade
do reconhecimento do local,
para o setor imobiliário, favelas são vistas como
do olhar de moradores a serem
empecilho e eliminadas. Esse processo, que se
reassentados, de lideranças e
propõe “compensatório” ao prever a criação de organizações atuantes na área.
unidades habitacionais equivalentes, revelou-se
brutal pela falta de diálogo com os moradores locais
atingidos. A OUCAE, criada pela lei municipal
Centro Cultural Jabaquara,
13260/2001, prevê o reassentamento definitivo
Favela Levanta Saia (no perímetro
de cerca de 8.500 famílias removidas das favelas
foto. Gabriel Pietraroia
da Operação Urbana Águas
na região. O processo, em curso, demonstra que Espraiadas), edifício Corruíras e
o atendimento tem sido muito precário, com Instituto Pólis.
caráter provisório e sem participação. A oficina

foto. Gabriel Pietraroia


abordou a ação estatal nesse território, através da
vivência dos espaços dessas favelas e dos relatos
de Sheyla, ex-moradora da favela Minas Gerais e
síndica de um dos blocos do edifício Corruíras, e
Nazaré, moradora da favela Levanta Saia.

78 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 79

foto. Pedro Yukas


5 Autoconstrução e
melhorias habitacionais organização
em assentamentos José Baravelli (FAUUSP)
precários consolidados: Denise Morado (EA/UFMG)

Diadema
monitoria

Como lidar com a cidade real? Como garantir Pedro Yukas Silva (UFABC)
acesso à moradia digna em extensas aéreas já
colaboração e apoio
foto. Pedro Yukas
urbanizadas, já regularizadas, onde a precariedade

foto. Pedro Yukas


habitacional se mantém e se manifesta de diversas Cláudia Bastos Coelho (FAUUSP/
formas? O ímpeto do arquiteto e urbanista, do Pref. de Diadema)
planejador urbano, costuma ser o da substituição, Renata Moreira (FAUUSP)
da intervenção “radical”. Como construir propostas
objetivos
compartilhadas a partir do encontro dos saberes
dos autoconstrutores e dos arquitetos? Mas, Reconhecer precariedades
como atuar sob essa ótica quando milhões de edilícias em assentamentos
pessoas vivem nessas condições no Brasil? consolidados no município de
Como qualificar esses espaços para além de uma Diadema; desenvolver propostas
ideia tecnicamente genérica de “urbanização de de caráter investigativo para
melhorias habitacionais.
favelas”, interferindo (no detalhe) e melhorando
as condições de vida dos moradores? A oficina
locais
abordou algumas dessas questões por meio do
contato com assentamentos precários localizados Assentamento precário em
no município de Diadema, um dos mais densos do Diadema e Instituto Pólis.
país. Os participantes percorreram vielas desses
assentamentos e visitaram algumas moradias. A
partir de dois temas centrais, a autoconstrução
e a melhoria habitacional, de volta ao centro
de São Paulo, no Instituto Pólis, organizou-se

foto. Pedro Yukas


foto. Pedro Yukas

um levantamento preliminar dos problemas


urbanísticos, habitacionais, edilícios e sociais
identificados nas visitas, visando a elaboração
de propostas de caráter investigativo de projeto
e de arranjos institucionais capazes de orientar
agendas de pesquisa, ensino e ação.
80 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 81

6 Urbanização de
favelas: Jd. Jaqueline organização
Coletivo LabLaje (FAUUSP)
Jonathas Magalhães (PUC-Campinas)
É inegável a importância da “morfologia favela”
monitoria
como parte do quadro urbano brasileiro. Desde
o início da luta pela reforma urbana, nos anos Bruna Martins (FAUUSP)
1960, profissionais de diferentes áreas têm se
debruçado sobre as formas de morar da parcela objetivos

foto. Felipe Moreira


mais vulnerável da população. A autoconstrução, Socializar o conhecimento
a ocupação irregular, com materiais ou técnicas sobre favelas, proporcionando
precárias, são características comuns a milhares a oxigenação desse mesmo
de assentamentos brasileiros e ultrapassam conhecimento; discutir
o limite do que poderia ser considerado uma instrumentos para o projeto
excepcionalidade nas nossas cidades. Mais que multidisciplinar em favelas;

foto. Paula Oliveira


foto. Bruna Martins

uma questão territorial, a favela ainda é reflexo discutir o lugar político da


da complexidade e das desigualdades presentes urbanização de favelas.
na sociedade. Apesar dos inúmeros avanços
obtidos em termos de legislação, de alteração locais
de paradigmas e de tipos e metodologias de
intervenção, a ocupação habitacional precária Favela Jardim Jaqueline e
e informal está longe de estar resolvida, tendo Instituto Pólis.
continuado, nos últimos anos, a reprodução,
consolidação e densificação desse modelo.
A efetivação do direito à moradia adequada,
reconhecido pela nossa Constituição Federal,
passa pela conjugação de ações entre regulação
e planejamento urbano sustentável, constituição
de um mercado habitacional adequado para a

foto. Felipe Moreira


baixa renda e produção social de habitação, mas,
sobretudo, pela promoção de melhorias urbanas
e habitacionais nesta grande parcela do território
já construída. Com base na visita realizada
no primeiro dia da oficina e do conhecimento
da experiência do Jardim Jacqueline, foram
aprofundadas essas discussões, com ênfase na
questão das perspectivas para urbanização e
regularização desse tipo de assentamento.
82 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 83

foto. Raul Miranda


7 Reforma Agrária na

foto. João Rovati


metrópole: formação organização
política, infraestrutura e
Coletivo Caetés (FAUUSP)
produção | com a participação de Ana
Cristina da Silva Morais, Beatriz
Mendes de Oliveira e Evelyn
A discussão sobre a reforma agrária na metrópole, Harumi Tomoyose, da FAUUSP)
especificamente na Região Metropolitana de Grupo de Construção
São Paulo, oportuniza uma rica reflexão sobre o Agroecológica (FAUUSP)
habitar e o produzir na cidade e no campo. Assim, | com a participação de Bárbara
as atividades da oficina foram constituídas por Moura e Oliveira Mühle, Daniella
visitas a assentamentos e espaços de formação Motta, Gabriel Safranchik, Giulia
Pereira Patitucci, Mathews
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Vichr Lopes e Victor de Almeida
Terra (MST) e por momentos de formação junto
Presser, da FAUUSP)
a lideranças desse Movimento. Nas visitas, os
Habis (IAU-USP)
participantes da oficina conheceram as realizações
MST Regional Grande São Paulo
e conflitos existentes nos assentamentos
metropolitanos. Nos diálogos com participantes
monitoria
do Movimento, debateu-se a história, organização
e atuação política do MST. Por meio da práxis, Raul de Almeida Miranda (UFABC)

foto. Raul Miranda


buscou-se respostas sobretudo à seguinte
objetivo
questão: como se faz possível uma outra forma
de produção do espaço, fora da dicotomia campo- Fomentar a discussão sobre a
cidade e das relações de exploração e expropriação Reforma Agrária na metrópole
da força de trabalho? a partir dos espaços de atuação
do MST (Movimento dos
A oficina, organizada por coletivos de alunos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
de graduação da FAUUSP, realizou visitas no
locais
assentamento Dom Tomás Balduíno, em Franco
da Rocha, Centro de Formação Campo-Cidade, em Assentamentos Dom Tomás
Jarinu, e no assentamento Irmã Alberta, exclusivo Balduíno (Franco da Rocha) e Irmã
de idosos, na região de Perus, no limite entre São Alberta (São Paulo); Centro de
Paulo e Cajamar. Esta também foi a única oficina Formação Campo-Cidade (Jarinu),
todos do MST.
em que os participante pernoitaram num dos locais
visitados, o Centro de Formação Campo-Cidade do
MST.

foto. Raul Miranda


84 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 85

8 Do projeto
modernista à
No primeiro dia da oficina foi feito um passeio
pelo conjunto, inclusive com a visita a algumas organização
unidades. Todos participaram de uma roda de
condominialização: Beatriz Rufino (FAUUSP)
conversa com moradores e ativistas, na Ocupação
o caso da COHAB José Luciana Royer (FAUUSP)
Cultural Coragem, localizada no conjunto. A visita

foto. Arthur Paschoal


Bonifácio em Itaquera e as discussões alimentaram o trabalho sobre o monitoria
tema, prático, reflexivo e propositivo, realizado no
A Cohab José Bonifácio é um dos grandes Melina Moscardini (FAUUSP)
domingo na sede do Instituto dos Arquitetos do
conjuntos construídos na Zona Leste de São Paulo, Brasil (IAB-SP).
Colaboração e Apoio
entre os anos de 1970 e 1980. De um assentamento
estruturado como um projeto modernista de Artur Tadeu Paulani Paschoal
produção de habitação em escala, com reserva de (FAUUSP)
foto. Melina Moscardini

áreas livres e equipamentos sociais, com acesso Carolina Freitas (FAUUSP)


por linha férrea de transporte de público de massa, Hudynne Helena (FAUUSP)
Sandro Barbosa (Usina)
mas localizado em uma periferia longínqua,
naquele momento. Passados quase 40 anos desde
objetivo
a construção do conjunto e ocupação das unidades
residenciais, esse pedaço de cidade se consolidou Tratar da consolidação de um
como um importante bairro popular. Equipamentos grande conjunto habitacional,
públicos foram construídos. A região atualmente construído na virada das décadas
de 1970 e 1980.
está repleta de comércio e serviços e mantém
intensa atividade cultural por meio de diversos
locais
coletivos. Não se pode mais analisar esse território
na “chave” da periferia dos anos de 1970: os foto. Melina Moscardini COHAB José Bonifácio, Itaquera e
conjuntos habitacionais, estruturados em blocos Instituto dos Arquitetos do Brasil
padronizados implantados livremente sobre terra (IAB-SP).

foto. Melina Moscardini


nua, foram cercados e condominializados, padrão
que vem sendo reforçado também nas áreas
públicas dominiais reservadas à Companhia
Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-
SP) e que continuaram a ser ocupadas por novos
conjuntos ao longo das últimas décadas.

A oficina discutiu a consolidação desse grande


conjunto habitacional, em diálogo com moradores,
que também são pesquisadores e ativistas
que pertencem a coletivos culturais da região.
86 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 87

9 Às margens da cidade:
expansão urbana e as
foram feitos paralelos com as realidades locais
de cada um deles. As atividades do primeiro dia organização
aconteceram na sede do SASP.
represas da Zona Sul Angelo Filardo (FAUUSP)
Flávia Massimetti (FAUUSP)
No segundo dia foi feita uma visita de campo à Gabriela Weiss Deleu (FAUUSP)
Represa Billings que começou com uma visita ao Marla Rodrigues (FAUUSP)
projeto Meninos da Billings. Em seguida, mesmo Coletivo Caetés
A oficina tratou do conflito entre expansão

foto. Paula Gerencer


debaixo de chuva, os participantes andaram de
urbana e conservação do meio ambiente e dos caiaque na represa, fizeram a travessia para a monitoria
recursos naturais, em um contexto de urbanização Ilha do Bororé e foram até a Casa Ecoativa, onde Paula Gerencer (FAUUSP)
periférica muito dinâmica, nas áreas de proteção almoçaram. Lá ficaram conhecendo o trabalho da
de mananciais localizadas ao sul da Região Ecoativa, sua articulação com o território e com colaboração e apoio
Metropolitana de São Paulo.

foto. Paula Gerencer


Coletivos Meninos da Billings e
A partir do histórico de intervenções já realizadas Ecoativa
pelo poder público na área, a questão foi analisada
e discutida em função de dois pontos de vista, o da objetivo
gestão urbana e o do projeto urbano, procurando Tratar do conflito entre expansão
trabalhar a eficácia e garantia de resultados de urbana, conservação do meio am-
longo prazo das ações empreendidas. biente e de recursos naturais.

Diferente das demais oficinas, essa começou locais


com atividades de exposição e debate sobre as Áreas com projetos e intervenção
condições urbanas e ambientais dessa complexa às margens da represa, na região
região, especial no contexto da metrópole: área de da Ilha do Bororé/Grajaú e Sindi-
produção de água, com trechos de mata atlântica cato dos Arquitetos e Urbanistas
preservada, sujeita, desde os anos de 1970, a do Estado de São Paulo (SASP).
outros grupos e coletivos da região. As atividades

foto. Paula Gerencer


rigorosas restrições legais e, ao mesmo tempo,
uma área com extensos assentamentos precários terminaram com uma discussão comparativa
(loteamentos irregulares, favelas). Foi feita uma sobre a imagem que todos tiveram sobre o Grajaú/
apresentação sobre os mananciais e projetos da Bororé antes e depois da visita.
Prefeitura para a região da Represa Billings. Depois, foto. Paula Gerencer
os participantes se dividiram em três grupos
para discutir e produzir um cartaz registrando “a
imagem” que tiveram do Grajaú/Bororé a partir
das apresentações. Como todos os participantes
eram de outros estados, durante o debate final
88 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 89

10 Cartografia afetiva
e insurgente em
organização
Catharina Lima (FAUUSP)
Elaine Albuquerque (FAUUSP)

foto. Monica Bertoldi


Paranapiacaba Hulda Wehmann (FAUUSP)

foto. João Rovati


Karina Leitão (FAUUSP)

monitoria
A questão da paisagem como espaço cotidiano Mônica Bertoldi (FAUUSP)
é tema de singular importância no processo de
planejamento, enquanto dimensão subjetiva e um mesmo lugar. Derivas, grupos de discussões, coordenação de sub-oficinas

foto. Paula Vicente


objetiva da relação entre os indivíduos e seu intervenções in situ e in visu destinaram-se Sub-Oficina I: Catharina Lima e Elaine
ambiente de vida. Por isso, é indispensável a a fomentar o debate sobre a pluralidade de Albuquerque (FAUUSP)
reflexão sobre metodologias adequadas para sua percepções e sentidos presentes numa paisagem Sub-Oficina II: Vânia Bartalini (FAUUSP)
correta apreensão e inserção. A proposta da oficina que é viva, e não cenário da vida. Esses debates Sub-Oficina II: Coletivo Meiofio
foi apresentar possibilidades de aproximação se materializaram em cartografias dos afetos, Sub-Oficina IV: Gustavo Seraphim (Sec.
a esse campo metodológico, numa sequência coletânea produzida coletivamente sobre de Cultura de Santo André)
de vivências denominada “olhares” (ainda que percepções da Vila de Paranapiacaba.
o sentido da visão seja apenas uma das formas colaboração e apoio
possíveis de apreensão paisagística). Pretendeu-se assim construir coletivamente Paula Martins Vicente (FAUUSP)
uma proposta metodológica que expandisse as Tatiana Francischini (FAUUSP)
O espaço escolhido, a Vila de Paranapiacaba, possibilidades de leitura espacial, objetivando Cleonice Pinto (Serviço Municipal
é locus privilegiado para o exercício proposto. a delicada tarefa de desenhar metodologias de de Saneamento Ambiental de Santo
Inserida em meio a área de preservação ambiental, participação que permitam efetivamente inserir as André, SEMASA)
paisagem do sublime, é também área tombada em subjetividades individuais e coletivas que pautam Gustavo Seraphim, Juliana Flamínio
e Nathalia dos Santos (Sec. de
diversas instâncias de preservação patrimonial, ações cotidianas no planejamento do espaço.
Cultura de Santo André)
paisagem histórica que registra a influência inglesa
Leandro Simone e Ingo Grantsau

foto. Paula Vicente


e da ferrovia na produção do espaço do estado de A oficina desenvolveu-se segundo a dinâmica
(Secretaria de Meio Ambiente).
São Paulo e do município de Santo André. Contudo, descrita a seguir. No sábado, chegada à Vila de
além das especificidades naturais e patrimoniais, a Paranapiacaba às 10h, apresentação da proposta. participação especial
Vila é também espaço de vida cotidiana, cujo fluir No primeiro momento, denominado “O olhar
Coletivo MeioFio
mutável e demandas rotineiras conflitam com as desinteressado”, os participantes se dividiram em
propostas de salvaguarda das diversas instâncias dois grupos para a realização das derivas (uma
de preservação. espécie de passeio introspectivo pelo espaço
livre; nesse caminhar os participantes deveriam
A oficina propôs abordar a temática a partir da observar a si mesmos andando pelo lugar, entrando
percepção (ou percepções) dos participantes, em contato com o que pulsa nele). Um grupo
em abordagens dedicadas a diferentes visões de percorreu a área urbana da Vila e o outro fez a trilha
90 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional Oficinas de Práticas Urbanas 91

objetivo geral
Elaborar uma cartografia da
Vila de Paranapiacaba baseada
na leitura compartilhada das
percepções e afetos suscitados
pela paisagem do lugar. Para tanto,
“Olho d’água”, dentro do Parque Natural Municipal buscou-se bases metodológicas
Nascentes de Paranapiacaba. No período da que pudessem fazer frente à
tarde, realizou-se “O olhar compartilhado” quando abertura de várias entradas
os participantes das derivas da manhã foram perceptivas sobre uma mesma
reunidos em uma roda de conversa, para que realidade.
juntamente com as coordenadoras pudessem

foto. Tatiane Reis


explorar de modo informal (mas nem por isso, objetivos específicos
metodologicamente frouxo) as impressões que a (i) Sensibilizar os participantes
Vila despertou. A finalidade foi sensibilizar o grupo da oficina para o papel da
para uma leitura partilhada do lugar, mediada paisagem enquanto ambiente
pela pesquisa qualitativa. No domingo, o “olhar de vida no planejamento, em
artializador” dirigiu o terceiro momento, realizado especial em áreas de interesse
pela manhã. O Coletivo Meiofio realizou uma histórico e ambiental; (ii) Dar
oficina a partir do conto “Infinita Fiandeira”, de Mia oportunidade à expressão das
vozes locais, seus valores, afetos e
Couto, quando os participantes foram convidados
memórias, em complementação às
a confeccionarem, com fios vermelhos, teias
narrativas oficiais sobre a Vila de
tecidas de crochês e a instalarem as mesmas em

foto. Paula Vicente


Paranapiacaba enquanto espaço
pontos que julgassem relevantes nos percursos de turismo e preservação; (iii)
realizados no dia anterior. Estimulando o olhar, Propor metodologias de diálogo
na escala do indivíduo, por meio das práticas entre planejadores e moradores
artísticas. No quarto momento, denominado “o de um lugar, permitindo a troca
mapa dos olhares”, os participantes dividiram-se de conhecimentos e a produção
em quatro pequenos grupos e elaboraram os mapas coletiva de cartografia sobre a Vila
dos afetos, a partir das leituras coletivas do lugar. de Paranapiacaba.
Mais do que um simples registro, a cartografia ali
local

foto. Paula Vicente


produzida consistiu uma reflexão coletiva que se
desenvolveu a partir da sinergia do grupo. Vila Ferroviária de Paranapiacaba,
Santo André

[Texto de autoria de Catharina Lima (FAUUSP), Elaine


Albuquerque (FAUUSP), Hulda Wehmann (FAUUSP) e
Karina Leitão (FAUUSP)]
foto. Tatiane Reis
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94 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 95

A
extensão, junto com ensino e pesquisa, O primeiro ponto a ser considerado é a dificuldade Visto essas duas propostas iniciais, grupos traduzida em organização política, a pressão
é um dos três pilares da universidade. em conceituar a Extensão Universitária. O tema de estudantes autônomos, organizados nos sobre a burocracia para investir na extensão
De acordo com o Artigo 3º do Regimento está em constante construção e debate, visto denominados coletivos, tendem a se reunir como atividade formadora, democrática, popular
de Cultura e Extensão da Universidade de São que herda de diversas fontes seus modos de no anseio de aplicar seus conhecimentos e e interligada com a sociedade jamais cessará,
Paulo (Resolução 5940/2011), “visa estender atuação, propósito, objetivos, valores e definições, desenvolver desde cedo o papel social do arquiteto mesmo que os diversos grupos de extensão
à sociedade suas atividades, indissociáveis do carregando, portanto, uma certa subjetividade e do designer, realizando projetos de forma consigam eventualmente atuar com recursos
ensino e da pesquisa”. Ou seja, a extensão é o conceitual, que acaba por moldar as atuações de voluntária, às vezes precarizada, dependendo escassos, por meio de valorosos sacrifícios
braço da universidade responsável pelo contato extensão em diversas formas, cada uma com sua em alguns momentos de sacrifício acadêmico e pessoais.
direto com a sociedade. No entanto, ainda que peculiaridade organizacional, formal, conceitual, contando primordialmente com a determinação
constitua seu tripé, a extensão é a base mais frágil derivativa e interpretadora do acúmulo histórico e sentimento de militância intrínsecas ao grupo. Diferentemente da pesquisa, em que há
da universidade, recebendo menos investimentos que possa vir a conter. A primeira percepção de Ou seja, a responsabilidade social do estudante variadas agências de financiamento, os editais
e recursos e ficando em um plano secundário extensão que o estudante têm ao ingressar no de universidade pública, que almeja fazer valer mais acessíveis à extensão são os da própria
em detrimento do ensino e da pesquisa. Nesse curso pode variar de acordo com as oportunidades o investimento da sociedade na atuação social universidade. Na USP, em 2016, o Programa Aprender
contexto, grupos ligados à universidade que se que se apresentam, em um espaço tão rico e ao sobre o espaço público e nas camadas mais com Cultura e Extensão, que fornecia bolsas de
propõem a trabalhar diretamente com a sociedade mesmo tempo tão carente de recursos quanto a fragilizadas do espaço e da população, em muitos extensão a alunos da graduação, foi substituído
enfrentam as mais diversas dificuldades. Ainda FAUUSP. momentos se sobrepõe às adversidades. Esse pelo Programa Unificado de Bolsas (PUB), que
que em um cenário desfavorável, nos últimos cinco anseio é caracterizado pelo reconhecimento da integra a Política de Apoio à Permanência e
anos, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Tradicionalmente, projetos de extensão envolvem importância de aprender com o conhecimento Formação Estudantil. Ou seja, o único programa de
Universidade de São Paulo (FAUUSP), iniciativas vínculo formal com um professor orientador, que popular do real espaço construído, na tentativa subsídio à extensão da universidade foi unido com
estudantis extensionistas vêm emergindo e submete o projeto a alguma agência financiadora, de romper com a reconhecida bolha acadêmica a permanência estudantil, medida que enfraquece
colocando em pauta a importância da práxis na podendo ser a própria universidade, a fim de e trocar experiências nesse meio de trabalho, os dois pontos e resulta no ingresso de estudantes
formação do arquiteto e urbanista e do designer. conseguir recursos para executá-lo. Os estudantes convivência e aprendizado. em algum projeto de extensão não pelo interesse
Inserem-se aí o Coletivo Caetés, a FAU Social de graduação participantes não têm, de modo no projeto em si, mas por uma necessidade. Além
e o Grupo de Construção Agroecológica. Este geral, autonomia, devendo respeitar a hierarquia De forma nenhuma, porém, os grupos de alunos disso, o PUB exige que o projeto seja submetido
texto pretende ser uma reflexão conjunta desses professor-aluno. Outros projetos de extensão que realizam extensão autonomamente ou por um professor orientador. Assim, os projetos de
três grupos sobre a Extensão Universitária, muitas vezes não são formalizados por esse voluntariamente esquecem da complicada iniciativa estudantil, para conseguirem auxílio da
apresentando o cenário recente da FAUUSP. É sistema, e sim inseridos em alguma disciplina, realidade em que o ensino público se encontra, universidade, precisam recorrer a algum professor
fundamental destacar que as atuais atividades de onde os estudantes realizam uma tentativa de em situação de sucateamento por governos que aceite ajudar o grupo enviando o projeto,
Extensão Universitária da instituição não são algo disciplina-extensão, com o ideal de interação real participantes de uma agenda privada, preocupada deixando a atividade do coletivo dependente da
homogêneo, pelo contrário, há diversos coletivos com o meio estudado, diálogo com a comunidade exclusivamente com situações técnico- boa vontade de professores amigos.
de extensão, de iniciativa estudantil ou não, que ou espaço onde o projeto será realizado, porém administrativas, embebido na mais profunda
seguem as mais variadas linhas de ação. No esbarrando no próprio caráter de disciplina, que, burocracia da caricatura que se desenvolve no Outra dificuldade enfrentada é o entrave que
entanto, quando os três grupos se reuniram para em geral, presume um exercício fictício e não sistema público entregue a interesses que não o curso de graduação pode vir a ser. Nos três
escrever este texto, ainda que com entendimentos materializável. envolvem a população, relevando, assim, o fato que primeiros anos, o estudante se depara com uma
distintos sobre a extensão, o que ficou evidente a universidade pública precisa ter a educação, a grade curricular praticamente lotada, podendo
é que algumas dificuldades enfrentadas são qualidade do ensino e a infraestrutura necessárias chegar até 40 créditos semestrais, o que resulta
comuns. como prioridade. A cobrança, a militância em 8 horas por dia de aula, somadas às várias
96 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 97

horas despendidas na realização dos trabalhos, de 2016, quando a professora Karina Leitão reuniu dependendo da quantidade de projetos, há a institucional e tradicionalmente a figura de um
seminários, estudo de conteúdo para provas, fora um grupo de estudantes para trabalhar no projeto organização por diferentes frentes de trabalho. O professor orientador, o que, respectivamente,
do horário de aula, dificultando a realização de do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na Caetés não possui nenhum professor orientador e afastaria possíveis membros sem ligação com
um projeto de extensão. Assim, para participar Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do não há processo seletivo para a entrada de novos a USP e criaria uma hierarquização na atuação
de projetos de extensão, o aluno precisa trancar Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra membros. Quanto à seleção e periodicidade dos do coletivo. Com o passar do tempo, o grupo foi
algumas disciplinas de sua grade ou trabalhar nos (MST). Anteriormente, em 2015, alguns desses projetos, os dois pontos ocorrem de forma orgânica, espontaneamente se aproximando da Extensão
momentos de folga e descanso. É interessante alunos participaram de uma roda de conversa não havendo um processo para seleção de projeto Universitária, seja por ser formado somente por
ressaltar que a aproximação com a prática deveria sobre Escritórios Modelo com o Escritório Modelo e nem um período estipulado para sua realização. estudantes da USP, seja pela necessidade de se
ser prioridade na estrutura curricular dos cursos Mosaico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Assim, os projetos chegam ao coletivo, de modo manter financeiramente e a bolsa de extensão
de arquitetura e urbanismo e design. No entanto, o Grupo de Construção Agroecológica da FAUUSP geral, por meio de seus integrantes ou pessoas da universidade ser uma das poucas opções de
esse ponto acaba tendo pouca relevância em e as assessorias técnicas Usina e Peabiru. Dessa que conhecem o grupo. Em seu primeiro ano, o recurso. No entanto, pela dificuldade de entender
detrimento de uma extensa carga horária de conversa, surgiu o interesse em constituir um coletivo atuou somente no projeto do Complexo o que é a Extensão Universitária, ainda temos
disciplinas obrigatórias. grupo para atuar de forma prática e direta com a Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro. No entanto, dúvidas e incertezas quanto à nossa atuação
sociedade civil, vontade concretizada por meio do agora no início de seu segundo ano de atuação, o como grupo de extensão: somos um grupo de
Uma questão também importante é o fato do pouco projeto na ENFF. coletivo está trabalhando com a segunda etapa do Extensão Universitária popular? Somos um grupo
acúmulo de experiências de atividade de extensão Complexo Esportivo e com a elaboração do Plano autônomo que realiza Extensão Universitária?
na FAUUSP. Não que elas não tenham ocorrido; Com um pouco mais de um ano, o coletivo, que de Massas do Assentamento Comuna da Terra Grupos ligados à universidade e que atuam com
ocorreram, no entanto, não foram sistematizadas está em constante construção, busca atuar com Irmã Alberta, também do MST, localizado na Zona qualquer setor da sociedade civil são de Extensão
a fim de compartilhar as experiências com as organizações e movimentos sociais, em especial Norte do município de São Paulo. Universitária? A Extensão Universitária é uma
gerações futuras. Assim, grupos extensionistas os de luta por terra e moradia, de forma horizontal, iniciativa neoliberal ou contra-hegemônica dentro
que surgem têm, de modo geral, poucas referências não impositiva, buscando sempre o diálogo e Inicialmente, o coletivo não se propunha a atuar da universidade? Ainda que com mais dúvidas do
de experiências passadas e praticamente respeitando, assim, a autonomia dos grupos com como Extensão Universitária, mas sim como que respostas concretas, o coletivo acredita que
desconhecem coletivos de iniciativa estudantil os quais trabalhamos. Além disso, visa promover a um grupo aberto a pessoas com diferentes há a necessidade de fortalecer e reforçar a relação
que já atuaram na instituição. Este ponto evidencia formação coletiva, tanto de seus membros quanto formações e graus de escolaridade. Entendia- universidade-sociedade, necessidade que fica
como a extensão é tratada num segundo plano, de outros atores envolvidos com o grupo por meio se que a Extensão Universitária, sendo um dos mais latente em um cenário de crise.
distante da produção acadêmica que vai escrever dos projetos, espaços de debate e vivência. Nesse pilares da universidade, tem um forte caráter
artigos e publicações. Considerando isso, a seguir, contexto, a função da arquitetura e urbanismo está
apresenta-se experiências dos três coletivos em constante debate dentro do coletivo, que busca
Construção de Arquibancada. Complexo Esportivo Dr. sócrates Brasileiro, ENFF, 2016
autores deste texto. atuar fora da lógica mercadológica e excludente
da área. Em constante debate também está o
papel da universidade pública e sua relação com
a sociedade.
Coletivo Caetés
Desde sua fundação, o coletivo atua com
O Caetés é um coletivo formado por estudantes de aproximadamente dez pessoas, organizadas
graduação de arquitetura e urbanismo da FAUUSP. em três subgrupos: Comunicação Interna,
Comunicação Externa e Financeiro. Além disso,
foto. Coletivo Caetés

Consolidou-se como coletivo no primeiro semestre


98 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 99

Construção de Arquibancada.
Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro, ENFF, 2016

Como dito anteriormente, o Complexo Esportivo técnicas: banco de hiperadobe, banco com base definição coletiva da implantação da arquibancada,
Dr. Sócrates Brasileiro foi o primeiro trabalho de tijolo e tampo pré-moldado de concreto e terra oficinas de desenho e atividades que buscaram
do coletivo. O projeto vem de uma demanda da armada, e banco de tijolo com tampo de concreto refletir sobre a hierarquização na construção civil.
ENFF – espaço de formação política do MST, moldado in loco. Depois de uma conversa com a
localizado em Guararema, interior de São Paulo escola, definiu-se que a técnica utilizada seria a Ao longo do projeto, o coletivo enfrentou diversos
– por espaços para a prática esportiva dentro da terceira. problemas, sendo uma das principais dificuldades
escola. Tradicionalmente, os espaços da ENFF são a questão financeira. Em seu primeiro ano de
foto. Coletivo Caetés A construção da arquibancada ocorreu em um atuação, o grupo não contou com nenhum auxílio
providos de significados políticos e homenageiam
figuras importantes para a esquerda brasileira. formato de curso de construção oferecido a vindo da universidade ou de qualquer outra fonte
Assim, aliando esporte e política, o Complexo acampados, assentados e militantes do MST financiadora. Assim, os gastos advindos do projeto
foto. Coletivo Caetés

Esportivo homenageia o jogador de futebol convidados pela Escola para o projeto. Durante foram cobertos, de modo geral, pelos próprios
Sócrates, figura importante pela politização do aproximadamente um mês, essa brigada de membros, que, para isso, precisaram dividir o
esporte por meio do movimento conhecido como construção ficou na escola sob supervisão do trabalho com outras atividades remuneradas,
Democracia Corinthiana. mestre de obras José Silva do Nascimento, que conciliando-as com o projeto e disciplinas da
também orientou o coletivo na produção dos graduação. Além disso, o Complexo Esportivo
O Complexo Esportivo abarca um campo de protótipos. Um dos principais objetivos do curso ganhou uma expressão midiática grande, fato que
futebol, arquibancadas, vestiários, quadra de vôlei era unir a prática da construção com o desenho pressionou a aceleração da execução do projeto
e um memorial em homenagem a Sócrates. O arquitetônico, compreendendo que essa união é em detrimento de um processo mais horizontal.
projeto foi dividido em duas etapas: na primeira, uma ferramenta de emancipação ao não separar Como resultado, a Escola contratou a empresa e a
foram construídos o campo, a arquibancada e os o pensar do executar. Assim, dentro do curso, além engenheira civil para realizarem, respectivamente,
vestiários; para a segunda etapa, estão previstos da prática da construção, houve oficinas para a a execução do campo e dos vestiários de modo
a quadra de vôlei e o memorial. Para a execução Maquete Física.
Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro, ENFF, 2016
da primeira etapa, foi realizada uma campanha
de financiamento coletivo pela Internet para a Reunião Caetés e ENFF, 2016
arrecadação dos recursos necessários. Para feito pelo Caetés, foi, para sua execução, modificado
a execução da segunda etapa, também está por uma engenheira civil também contratada pela
previsto o lançamento de uma nova campanha de escola. A arquibancada foi a única parte do projeto
financiamento coletivo. de total responsabilidade do coletivo.

Inicialmente, o projeto seria realizado em somente Junto à ENFF, foi definido que a arquibancada
uma etapa e o coletivo ficaria responsável por toda deveria fugir da forma tradicional, sendo mais
a execução. Com o decorrer do projeto e a pressão fluida e maleável e possibilitando, assim, que
pela inauguração, a escola decidiu realizá-lo em fosse utilizada também fora dos momentos de
duas etapas e dividiu o projeto com outros atores. jogos no campo, como um espaço de vivência
Assim, na primeira etapa, o campo de futebol foi e estar da escola. Considerando esse ponto, o
foto. Coletivo Caetés

feito por uma empresa prestadora de serviços coletivo produziu alguns protótipos no Canteiro
contratada e o vestiário, que teve o projeto original Experimental da FAUUSP, testando três diferentes
100 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 101

Equipe FAU Social, Praça Só Alegria, Jd. Jaqueline, 2016


foto. FAU Social

mais tradicional e algumas atividades previstas FAU Social


no curso de construção da arquibancada não
ocorreram. Ainda mais, pela quantidade de trabalho A FAU Social é um coletivo de Extensão Universitária
demandado e falta de tempo, as atividades de sem fins lucrativos, idealizado em junho de 2015
formações teóricas do coletivo, que são parte e inaugurado em janeiro de 2016 por alunos da
prioritária para o grupo, ficaram em segundo plano FAUUSP, representando uma nova proposta de
e quase não ocorreram. Assim, o coletivo sentiu Extensão Universitária, dentre as várias possíveis,
muitas vezes que o projeto havia se transformado porém completamente autogerida. Seu modelo e
somente em execução alienada de trabalho prático, estrutura refletem o modo como o grupo fundador
sem uma colocação crítica da atuação do grupo. observa uma possibilidade de extensão em formato
Esses pontos, em alguns momentos, trouxeram de entidade, organizada, prática, autogerida e
ao coletivo a dúvida se o projeto era Extensão atuante. A entidade, composta exclusivamente
Universitária com aproximação crítica da prática por alunos matriculados na FAUUSP, atua em
ou somente trabalho não remunerado. demandas reais de grupos da sociedade que não A FAU Social é a quarta “Social” a ser criada de uma A macroárea de Relações Públicas é responsável
têm condições de acesso a serviços de arquitetura, rede de Sociais pela USP, que possuem estruturas pela comunicação externa da entidade, a
Ainda assim, o projeto trouxe diversos urbanismo e design, e/ou que gerem impacto básicas de organização semelhantes e que estão representação nos diversos meios (internos e
aprendizados, sendo um dos maiores a vivência social positivo através da realização de atividades presentes, atualmente, em seis institutos da externos à FAU), e pela gestão dos documentos
com a brigada de construção, que possibilitou e projetos realizados diretamente em conjunto com universidade. Elas são, por ordem de fundação: de referência da FAU Social, além do contato com
trocas entre os membros do coletivo e assentados, a população, aplicando de fato o conhecimento FEA Social, Poli Social, EACH Social, Sanca Social os potenciais projetos, grupos parceiros e demais
acampados e militantes do MST de diferentes aprendido em sala de aula e buscando integrar os (Campus São Carlos) e Sanfran1 Social (Faculdade organizações com as quais possam trabalhar ou
lugares do Brasil, com experiências de vida muito conhecimentos acadêmico e popular. de Direito), com interesse por parte de estudantes trocar experiências e conhecimentos.
distintas dos alunos da FAUUSP. Além disso, o de outros institutos de fundarem novas Sociais.
projeto proporcionou uma experiência de canteiro, Sua atuação é, acima de tudo, norteada por valores A macroárea de Recursos Humanos é responsável
aproximando os membros do coletivo da prática, como responsabilidade social, comprometimento, Com relação à organização interna, a FAU por distribuir e acompanhar os membros
o que, infelizmente, não é tão explorado dentro sensibilidade, transparência, coletividade, Social, enquanto grupo de extensão autogerido, da entidade nos projetos e macroáreas da
do curso de arquitetura e urbanismo. Ainda criatividade, apartidarismo, construção conjunta e se estrutura de maneira horizontal e não entidade, realizar feedbacks internos, auxiliar na
mais, o projeto exigiu dos membros do coletivo retribuição à sociedade do investimento realizado hierárquica em seis áreas, cinco delas macroáreas comunicação interna e atentar para que os valores
maturidade para lidar com os desafios, dificuldades em cada um dos membros da entidade, uma vez administrativas e a área principal de projetos. As e ideais da entidade sejam sempre observados.
e problemas enfrentados, tirando-nos da zona de que são todos alunos de uma universidade pública, macroáreas administrativas são essenciais para É responsável também por marcar, gerenciar e
conforto de projeto realizado dentro dos estúdios se distanciando de qualquer ação assistencialista a manutenção da entidade e gestão dos projetos, registrar Reuniões Gerais, além de organizar a
e sala de aula e nos levando à realidade. ao prezar pelo empoderamento das comunidades. das pessoas, dos contatos externos e divulgação chamada de novos membros.
dos trabalhos da entidade. São as seguintes:
Relações Públicas, Recursos Humanos, Eventos,
Criação e Divulgação e Gestão de Recursos.

1
FEA – Faculdade de Economia e Administração, Poli – Escola Poliécnica, EACH – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, e
Sanfran – Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
102 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 103

A macroárea de Eventos é responsável por o que é essencial tendo em vista que a coletividade No que se refere aos projetos, eles se dividem em 6 Oficinas de desenvolvimento criativo das
promover a integração interna dos membros, é um valor base para nossa atuação. É por meio tipos, dentro do escopo de atuação da FAU Social. comunidades, de modo a apresentar a arte, a música
organizar eventos como rodas de conversa e dessas reuniões periódicas que a entidade está em São eles: e outros elementos culturais e lúdicos como forma
palestras que abordam temas como ensino, constante renovação, seja a partir da construção de estímulo à criatividade das crianças, adultos e
arquitetura e urbanismo, design e projeto, além conjunta de novas soluções, seja pelo debate e Intervenções pontuais em locais que necessitem idosos. Envolve também trabalhos de artesanato,
de eventos de interação com outras entidades auto avaliação das ações realizadas, gerando de reestruturação e revitalização em áreas de produção de mobiliário simples e outras atividades
e coletivos. Realiza também Ações Pontuais, sempre registros que podem ser consultados por convívio social e lazer. Mediante a construção que integrem a comunidade.
que são atividades abertas de caráter social e quaisquer membros. conjunta entre os integrantes da entidade e
voluntário de um ou dois dias, que abordam tarefas a população assistida pretende-se encontrar Projetos de incentivo às relações de pertencimento
e discussões relacionadas à área de arquitetura, Além desses aspectos é importante destacar soluções adequadas às especificidades de cada e identificação com o lugar, mediante o resgate de
urbanismo e design distintas e independentes dos que a FAU Social foi criada com o intuito de local. memórias locais e a aproximação das questões
projetos semestrais. sempre ser renovada, a fim de se perpetuar e sociais da região, como forma de estímulo à noção
consolidar ao longo do tempo. Dessa forma, para Mapeamento e levantamento, visando o de direito ao espaço habitado.
A macroárea de Criação e Divulgação é responsável garantir essa renovação, bem como promover a reconhecimento e sistematização de dados locais
por realizar a produção gráfica necessária para a pluralidade de opiniões e a legitimidade enquanto que venham a instrumentalizar e empoderar Projetos de identidade visual, que venham a
divulgação da entidade, pela gestão das mídias um coletivo da FAU, a entidade se propôs a realizar, populações no encaminhamento de processos desenvolver a linguagem de instituições, entidades
sociais e da identidade visual da entidade, além desde seu início, chamadas anuais de novos legais. parceiras e demais grupos organizados que atuem
de realizar a formatação dos Relatórios Finais membros, divulgando os processos de inscrição em causas semelhantes.
desenvolvidos pelos Grupos de Projeto a fim de e agendando apresentações em horários viáveis Desenvolvimento de instrumentos de empoderamento
constituir publicações físicas desses relatórios para os estudantes interessados. Essa chamada da informação, como cartilhas informativas
para serem disponibilizados para a Comunidade de novos membros é constituída de duas etapas a respeito de técnicas construtivas, direitos
FAU e aos parceiros de Projeto. e visa identificar qual a motivação da pessoa civis, processos legais e seus pré-requisitos ou
que almeja integrar a entidade, assim como sua mecanismos de interação com o poder público,
A macroárea de Gestão de Recursos é responsável disponibilidade e comprometimento, além de com base nas demandas específicas de cada
pela arrecadação, administração e orçamento garantir que a FAU Social consiga realizar projetos grupo social.
interno dos recursos, sejam eles financeiros ou de qualidade, sem sobrecarregar os membros
Projeto Praça Só Alegria, Jd. Jaqueline, 2016
não, que são necessários para a manutenção projetistas nem os deixar ociosos, o que pode levar
imagem. FAU Social
mínima da entidade, tanto nos projetos quanto à desmotivação.
nas macroáreas. Dentre os principais usos do
dinheiro arrecadado estão impressões, materiais, Ainda nesse sentido, pode-se mencionar aqui
transporte dos membros e a realização de eventos desafios importantes com relação à gestão das
internos, por isso a arrecadação se faz necessária, pessoas e integração dos membros conforme o
não obstante ser uma entidade sem fins lucrativos. número de pessoas na entidade aumenta, de modo
de que se busca sempre reiterar a importância de
Outro aspecto organizacional importante é que participar das reuniões gerais e eventos internos,
a entidade conta com Reuniões Gerais como momentos de formação não só sobre os assuntos
instâncias máximas de deliberação coletiva de da entidade como também de formação pessoal e
temas que dizem respeito à entidade como um todo, estabelecimento de vínculos interpessoais.
104 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 105

Café da manhã e discussão de projeto com moradores. Praça Só Alegria, Jd. Jaqueline, 2016

membros, onde é feita a escolha dos projetos a da Faculdade de Educação da USP (FE-USP),
serem desenvolvidos. Essa escolha é baseada em passando pelos projetos de escala intermediária,
critérios pré-estabelecidos, como vulnerabilidade como a revitalização do pátio da sede do Projeto
socioeconômica, urgência temporal, número de Missionário Vila Capriotti, em Carapicuíba, o plano
pessoas alcançadas pelo projeto, compatibilidade de reforma da Casa do Estudante da Faculdade
com o calendário da entidade, entre outras. de Direito da USP, entre outros, que podem ser
foto. FAU Social

conferidos na página da entidade (https://pt-br.


Sendo assim, dado que o número médio de facebook.com/fausocial/). Em todos eles, em
membros por grupo de projeto é de 8 a 10 pessoas, diferentes níveis, se mostrou necessário um
no primeiro ano de atuação a entidade realizou 3 esforço de compreender as demandas trazidas
projetos simultâneos em cada semestre (sendo pelas pessoas e estudar métodos de elaboração
um deles renovado para o segundo semestre), de projetos participativos, a fim de propor soluções
Para a realização dos projetos, é importante conseguindo ampliar o número de projetos que realmente façam sentido para determinado
Praça Só Alegria, Jd. Jaqueline, após intervenção, 2016
mencionar que os membros, muitas vezes, semestrais para 4 no primeiro semestre de 2017, contexto.
solicitam orientação dos docentes para pensar quando passou a contar com 52 membros. Assim,
soluções, entender questões de ordem técnica a FAU Social realizou, desde sua fundação, 9
das demandas ou mesmo buscar contatos ou projetos, além de um projeto piloto no início de sua
referências para o projeto. No entanto, a FAU Social atuação. Grupo de Construção Agroecológica
não é vinculada ou supervisionada diretamente por
nenhum professor, embora esteja em constante Os projetos realizados foram oportunidades O Grupo de Construção Agroecológica teve início a
diálogo com a Comissão de Cultura e Extensão ótimas de aplicação dos conhecimentos em prol de partir de uma iniciativa estudantil autônoma no fim
Universitária da FAUUSP. A entidade visa trabalhar demandas reais e contribuíram muito para que os do ano de 2013 sob o cenário de total esvaziamento
em atividades e projetos que não necessitem membros desenvolvessem, ao longo dos projetos, da pauta da extensão na FAU. O resgate da
de responsabilidade técnica, porém quando ela a sensibilidade no modo de lidar com diferentes discussão e atuação estudantil na extensão se
é necessária, a entidade realiza parcerias com contextos e com a complexidade das dinâmicas deu a partir da articulação entre cursos da USP e
profissionais e desenvolve o projeto desde o início e agentes, bem como as diversas variáveis que o MST.
em conjunto com esse responsável. condicionam o projeto e sua execução.
Tínhamos não só um cenário de esvaziamento, mas
Para a captação de propostas e escolha dos projetos, Nesse sentido podemos mencionar desde os também de falta de acúmulos para a construção
a FAU Social dá início ao processo de inscrição projetos realizados de maior escala, como o projeto de novas iniciativas (apesar de já terem existido
de projetos sempre ao fim de cada semestre, da praça na comunidade do Jardim Jaqueline, diversos coletivos na FAU), portanto recorremos a
divulgando-o pelas mídias sociais. As propostas a regularização fundiária de uma quadra em estruturas e organizações que tinham o debate em
são recebidas pelo e-mail e a área de Relações processo de usucapião em Paraisópolis e o projeto um nível mais avançado, sendo elas o Escritório
Públicas agenda reuniões e visitas aos locais para de revitalização dos espaços internos do Pronto Piloto (EP) da Escola Politécnica com o setor de
a apresentação da entidade e entendimento das Socorro da Lapa, até aqueles de escala mais Agroecologia e o GT de Movimentos Sociais do
demandas do projeto proposto. Com isso, todas reduzida, como os projetos de identidade visual, CEGE USP (Centro de Estudos Geográficos), para
as propostas são fichadas e compiladas para projeto piloto do Cursinho Popular da EACH-USP assim nos inserirmos em ações que debatem e tem
uma reunião interna de apresentação para os
foto. FAU Social

e de identidade visual da Semana da Educação como horizonte a autogestão em organizações e a


autonomia estudantil.
106 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 107

Desde o começo, uma das premissas do coletivo de estudos para pesquisas acadêmicas. Para nos As oficinas citadas acima, além de trazer a reflexão A escolha de materiais não convencionais como
é a de atuar com movimentos sociais e entidades embasar, recorremos a alguns teóricos que nos ambiental e de gênero, foram fundamentais num o bambu e o sapê também entendemos como
organizadas, pois nós, como agentes externos, ajudaram a fundamentar a ação, sendo dois deles segundo momento, onde participamos ativamente um posicionamento político, visto que o domínio
não nos vemos em pé de compartilhar estímulos o educador Paulo Freire e o arquiteto Sérgio Ferro. da nova ocupação do movimento, construindo da técnica por trabalhadores tradicionais revertia
e anseios de classe para iniciar uma organização e conjuntamente o desenho da ocupação, construção a lógica de exploração a qual muitas vezes é
sim, a partir das nossas diferenças, formar quadros Inicialmente atuamos em duas ações, que se do barracão coletivo, dos barracos e dos banheiros ferramenta para um regime quase escravista
com pessoas organizadas que possam avançar na estenderam por todo o ano de 2014, de forma secos. O fim dos trabalhos se deu com um na construção civil. Pegando o exemplo do seu
correlação de forças e na reivindicação de seus quase simultanea: a ocupação urbana do MST, despejo truculento pela polícia civil de Itapevi, Gilberto, mestre do sapê, além da aula excepcional
direitos. em Itapevi, e a construção da casa Frida Kahlo, na consequentemente desgastando a união política sobre como trabalhar com o material, ele exaltava
Escola Nacional Florestan Fernandes. A primeira das famílias. Ainda houve um acompanhamento o papel do artesão tradicional. Outro ponto
Outro elemento que também nos reuniu foi a surgiu a partir da necessidade de massificação das famílias realocadas, mas era o fim de um ciclo interessante a salientar é que a solução para a
falta de conhecimento prático e teórico sobre as dessa nova frente de luta do movimento, que são de lutas pelo direito à terra em Itapevi. estrutura do telhado foi feita in-loco pelo mestre
relações de trabalho e de poder no canteiro de as ocupações urbanas. Já a segunda a partir de bambuzeiro Eliézio, não se submetendo ao “traço
obras da construção civil convencional, por mais uma demanda para reformar a Casa das Artes divino” do arquiteto projetista.
que o debate já tenha existido na FAU, ele é sempre da ENFF a partir de uma pequena verba que eles
deixado de lado e evocado em breves citações em conseguiram. Casa Frida Kahlo
sala de aula. Daí que felizmente uma das pessoas
que ajudou a estruturar o grupo foi o Chico Barros, No trabalho na ENFF pudemos nos debruçar quase Assentamento Rural Dom Pedro Casaldáliga
arquiteto e pesquisador da área que tem um que exclusivamente à uma vivência no canteiro de
diálogo constante com o MST e uma leitura afinada Ocupação Itapevi obras, onde optou-se por construir uma cobertura Projeto de Reforma das Casas
do ensino de arquitetura e urbanismo. de bambu mossô e sapê para a estrutura já
A ocupação de Itapevi nos propiciou primeiramente existente. Esse período que vivenciamos lá nos fez A inserção no assentamento não se iniciou com
A fuga de soluções convencionais para a um contato mais intenso com as bases do refletir sobre as relações de trabalho no canteiro um trabalho do grupo em si, mas por uma série
construção foi o que nos fez debruçar sobre a movimento e um alinhamento com entidades e as conversas de canto com os trabalhadores de atividades que o EP da Poli promovia para
temática da Agroecologia, a qual traz às claras estudantis autogeridas. Nos inserimos num nos fazer pensar sobre como o arquiteto, melhorias da infraestrutura local e fortalecimento
saberes populares e tradicionais reafirmando a contexto de pré-despejo e uma nova ocupação. tradicionalmente, é a personificação do “não- das entidades comunitárias. Portanto, o grupo teve
cultura local frente ao avanço da homogeneização Nós, junto com alunos da Poli, elaboramos duas diálogo” e do ser alienado ao canteiro. um período de reconhecimento e familiarização
de técnicas hegemônicas, as quais tem suas oficinas pontuais, a primeira da construção de que demorou mais de um ano para acontecer
bases na exploração e capitalização dos recursos um banheiro seco, trazendo para a comunidade Visita à casa de morador do Assent. D. Pedro Casaldáliga, e, nesse período, sempre houve a sensibilidade
naturais e humanos. questões referentes ao impacto ambiental do Cajamar, 2015 de afirmar as diferenças e de nos apresentar
assentamento humano sem infraestrutura e outra não como integrantes mas como aliados ao

foto. GCA
Em sua grande parte, as nossas reflexões recaíam oficina de construção de barraco para as mulheres, movimento, também às pautas da reforma agrária
sobre as contradições de como é o ensino de trazendo questões para elas sobre como a e agroecologia.
arquitetura e urbanismo e para quem serve, bem dominação da técnica pelos homens determinava
como o distanciamento que criamos sobre a o desenho da ocupação e afirmava vícios de A partir de uma demanda local de reformar as
grande massa de trabalhadoras e trabalhadores, os gênero. casas no assentamento, concluímos em conjunto
quais muitas vezes não passam de meros objetos com a comunidade que havia um horizonte real
108 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 109

Projeto Bambuzeiras O papel do nosso coletivo nessa construção


conjunta não se restringe somente às questões
O último projeto que estamos fazendo em conjunto técnicas de como operar com o bambu, mas
com o assentamento é fruto de uma parceria de como esse insumo técnico pode viabilizar
entre o GCA, MST e a Incubadora Tecnológica um suprimento de necessidades de objetos e
de Cooperativas Populares da USP. O projeto foi móveis nos lotes além de uma alternativa para
concebido na forma de curso exclusivo para as um acréscimo na renda familiar. Outra questão
assentadas, além das questões técnicas sobre que sempre pautamos é a socialização e a
manejo e beneficiamento da matéria prima bambu, desmistificação do ato de projetar e executar,
o curso trás no fronte questões sobre gênero, raça numa tentativa constante de estimular a noção do
e classe, tratadas no momento do curso e também desenho não como uma ferramenta de dominação,
através de dinâmicas. mas como uma ferramenta racional e efetiva de
foto. GCA projeto.

Praça Mirante
Projeto Bambuzeiras, Assentamento Rural Dom Pedro Casaldáliga 2017
Moradora do Assent. D. Pedro Casaldáliga, Cajamar, 2015
Em contato com o grupo Música de Bairro,
que realiza projeto de formação musical na
foto. GCA

de acesso à verba via o Programa Nacional de região do Bairro Vila Mirante em Pirituba, fomos
Habitação Rural pelo Minha Casa Minha Vida apresentados à ideia de construir um mobiliário
através da Entidade Organizadora. Então dividimos para uma praça, onde está localizada a sede do
os trabalhos técnicos em etapas: a primeira grupo Música de Bairro. Havia uma necessidade
consistia em uma ida de casa em casa para saber de revitalizar o local e construir um mobiliário que
do real interesse das famílias no projeto e uma possibilitasse as aulas de música em ambiente
aproximação do coletivo às particularidades e externo e que também fosse um espaço para
dinâmicas da casa; num segundo momento foi apresentações musicais e um local de encontro
feito o as built e diagnóstico de patologias para ter para os moradores.
um panorama geral e traçar prioridades coletivas;
o terceiro momento consistiu em digitalizar e Em conjunto com o grupo Música de Bairro, o
identificar apontamentos levantados in loco. Grupo de Construção Agroecológica realizou
oficinas de ideias para a idealização do projeto.
Após esse terceiro momento houve uma mudança Unindo as necessidade do grupo que trabalha
no cenário das políticas públicas de habitação no no local e a opinião de projeto e viabilidades
governo federal, as quais não eram nem um pouco do Grupo de Construção, foi desenhado um
positivas para a nossa situação. Por conta disso projeto de arquibancadas e palco, uma espécie
empacamos em questões burocráticas com o de arena em pequena escala. A técnica utilizada
corpo técnico da Caixa Econômica Federal para a para a construção precisava ser de baixo custo
liberação dos recursos para a reforma
110 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão na FAUUSP 111

e facilmente executável pelos integrantes dos com crianças, limpeza da praça, produção de uma Considerações Finais estes mesmos estudantes realizam tanto a
dois grupos, bem como pelos moradores que espiral de ervas comunitária, registro fotográfico militância quanto a extensão, e que sem militância
se interessassem pelo trabalho. Foi escolhida e escrito e a preparação dos lanches para os Contemplados os três coletivos, explicita-se não há extensão que não seja precarizada.
a técnica do superadobe que consiste na participantes. Terminadas as atividades, o grupo também a necessidade de integração e interlocução Almeja-se seguir obtendo vitórias no sentido da
sobreposição de sacos cheios de terra, travados Música de Bairro organizou a inauguração da contínua entre os grupos e todas as formas de democratização, visto que jamais se deve esquecer
por arame farpado e depois pilados. Após esse praça com apresentações musicais de alunos extensão, dado o vasto potencial de atuação e o que as conquistas obtidas até o momento na
processo, os sacos são queimados e é feito o piso e moradores e um lanche coletivo. Foi um dia caráter complementar que cada modelo tem, um direção de um ensino mais inclusivo e democrático
de concreto sobre as áreas que receberão carga especial, estavam todos alegres com o novo sobre o outro. Destaca-se de forma felicitante que parte da iniciativa estudantil, que pressiona a
direta das pessoas. Por fim, é feito um acabamento espaço no bairro. este artigo foi justamente uma ótima oportunidade burocracia com muita luta. Deve-se lembrar disto
nas superfícies verticais com uma mistura de terra, inicial de integração entre os coletivos, levando- visto que a burocracia tende a tomar para si os
areia, cimento e água. O grupo aplicou ainda sobre Após um ano da construção foram observados nos a dialogar e conhecer melhor as peculiaridades louros das vitórias do movimento estudantil.
esse acabamento pequenos pedaços de azulejos alguns problemas no revestimento lateral de cada grupo.
com cores. das arquibancadas. A água da chuva acabou Neste cenário, é possível concluir que as
degradando parte desse revestimento já que o piso Outra afirmação que deve ser feita é o fato dos adversidades dos coletivos de extensão, refletida
Foi uma experiência recíproca, na qual todos os dos patamares foi executado sem pingadeiras. O estudantes sofrerem críticas ao realizarem nas dificuldades do próprio movimento estudantil,
envolvidos puderam participar e aprender algo. Ao Grupo de Construção, em conjunto com o Música manifestações políticas e mobilizações da acabam por gerar experiências interessantes
longo de quatro encontros em finais de semana de Bairro está organizando para o início de categoria estudantil, como greves e atos em torno como as aqui destacadas. Portanto, deixa-se
consecutivos, reunimos pessoas dos dois grupos setembro (setembro de 2017) uma restauração do de pautas latentes do movimento estudantil, como a reflexão: se, em situação de precarização da
e, principalmente, moradores de diversas idades. mobiliário nos pontos mais essenciais. Dessa vez, a democratização e manutenção do ensino público, Extensão Universitária, a riqueza e importância dos
Trabalhamos em diferentes frentes para viabilizar o será feito um reforço no revestimento, incluindo a instauração das cotas na universidade e em projetos realizados pelos coletivos já se destaca,
que estava sendo proposto: preparação do canteiro uma primeira camada com folhas secas e tela de cada faculdade, a adequação da grade curricular deve-se almejar com clareza que essas atividades
de obras, construção do mobiliário, brincadeiras galinheiro e uma segunda camada de acabamento para evitar a tradicional sobrecarga e excesso de recebam o fomento que lhes é tão necessário, pois
final. estresse que os estudantes passam; porém, estes certamente os resultados apresentados serão
mesmos estudantes são elogiados pela atuação afirmativamente cada vez mais significantes, tanto
nos coletivos de extensão, principalmente os para a sociedade, quanto para a formação cidadã
Inauguração da Praça Mirante Cultural em parceria com o Coletivo Música de Bairro, Pirituba, 2016
projetos que ganham por ventura algum espaço dos estudantes de arquitetura, urbanismo e design
na pequena mídia universitária, sem saber que da FAUUSP.

foto. GCA
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114 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A extensão na Pós-Graduação: construção de diálogo entre favela e academia 115

N
o tripé em que se baseia a academia – Práticas e grupos de extensão são comuns vezes, desenvolvida por pessoas que já realizam compromisso e responsabilidade assumidos por
ensino, pesquisa e extensão – se destaca, em cursos de graduação, sob a orientação de alguma atividade, técnica ou de pesquisa, e a pós- um aluno de pós-graduação na extensão? Como
na extensão, o potencial de proximidade, de um professor, ou por iniciativa dos próprios graduação aparece como atividade complementar, pode e deve ser reforçado o tripé ensino-pesquisa-
aplicação prática e experimentação em contextos estudantes, que, no caso, se responsabilizam pelos uma forma de especialização sobre determinado extensão na pós-graduação? E qual deve ser
reais e junto à sociedade civil. compromissos e por integrar novos elementos assunto, inclusive, aquele da atividade principal a contribuição de um aluno de pós-graduação,
do grupo, de forma a garantir a continuidade desenvolvida. Ao aluno de pós-graduação é exigida técnico já formado em alguma disciplina, para a
Apesar de ser reconhecidamente a parte mais dos projetos. Estes projetos são habitualmente a pesquisa, para além do aprendizado pelo ensino, sociedade como um todo?
fragilizada deste tripé, com muitos desafios a complementares às disciplinas ou muitas vezes que se concretiza em teses ou dissertações e
ultrapassar – tais como a necessidade de tempo instigadas por elas. Em algumas instituições, desde outros produtos de pesquisa, e que garantem o Estas e outras questões estão longe de serem
de dedicação consagrado para professores e que demonstrado tempo de dedicação, projetos e sucesso da concretização. A extensão pode surgir, amplamente debatidas e respondidas. Precisamos
alunos, reduzidos apoios e recursos, e por vezes experiências de extensão, complementam a carga e surge, na maioria dos casos, por iniciativas de maior reflexão e contribuições sobre a extensão
imposições burocráticas difíceis de contornar –, curricular. individuais onde o aluno tem a pretensão de nos diferentes cursos e formações, e para os
ainda é na extensão que a comunidade acadêmica desenvolver alguma atividade mais prática dentro diferentes públicos (docentes e discentes da
encontra, na maioria das formações, a possibilidade Nas práticas de extensão, o aluno de graduação, da sua própria pesquisa. Algumas vezes, o aluno graduação e pós-graduação), para amadurecermos
de experimentação dos conhecimentos adquiridos, em formação para se tornar profissional de pode integrar algum grupo já formado de extensão, o entendimento sobre tais práticas e seus alcances
das técnicas e ferramentas, além da aproximação determinada área, encontra um espaço de ou, o que é mais comum, algum grupo ou projeto e limitações.
com a realidade social a qual a formação acadêmica experimentação, sem a pressão do erro ou do acerto, de pesquisa, e dessa forma realizar extensão.
por vezes negligencia. Por isso, experiências de e do qual não depende a sua perfomance para se Em 2016, um grupo de alunos de pós-graduação da
extensão estão muitas vezes relacionadas com graduar ou não. Partimos obviamente do princípio Dificilmente encontramos espaço e projetos FAUUSP, instigado pelos interesses individuais de
práticas de engajamento e militância, que em que qualquer projeto, sobretudo se relacionado de extensão direcionados e pensados para pesquisa sob a mesma temática – regiões urbanas
troca devolvem sentimentos de concretização com outros agentes da sociedade civil, depreende a especificidade do grupo de alunos da periféricas, assentamentos informais, favelas,
e realização (mesmo e apesar das frustrações compromisso, disponibilidade, dedicação. Ainda pós-graduação, com alunos já com algum periferias urbanas pobres e precárias – começou
da realidade), o que potencializa a vontade e assim, se os alunos em graduação devem ter essa conhecimento e experiência técnica acumulada, a discutir a possibilidade de extrapolação de seus
motivação do aluno e professor participante. responsabilidade assumida, não lhes deve ser passíveis de executar e desenvolver atividades de trabalhos para além do ensino e da pesquisa. O
exigido aquela que se presume de determinado responsabilidade técnica. grupo, multidisciplinar (originalmente composto
A extensão, pelo menos no ensino público, deveria profissional ou técnico formado da área. O aluno por arquitetos e urbanistas, em seguida incorporou
ser prática obrigatória, de forma a aproximar e em extensão continua a ser aluno, e em processo A reflexão sobre a extensão na pós-graduação um advogado e um geógrafo), inquietou-se pela
sobretudo devolver um investimento público. de aprendizado. levanta alguns questionamentos para além dos lacuna do tema favelas no ensino superior, tanto
Através da extensão, alunos e professores podem colocados na graduação. Como pode, ou deve, na graduação quanto na pós-graduação, e se
concretizar e colmatar demandas, sobretudo para Na pós-graduação o espaço para a extensão um aluno ainda em formação, mesmo que na pós- organizou no que consequemente se tornou o
populações com menor acesso a determinadas aparece de outras formas. Falamos de alunos graduação, se responsabilizar por determinado coletivo LabLaje1.
técnicas ou técnicos. A extensão pode assim ser que já são formados em alguma área e que projeto? Quais são os alcances e limites do
encarada como a forma de contribuição direta da normalmente já detém alguma experiência
academia para a sociedade como um todo. profissional, ou estão aptos para ela a partir do
momento que estão formados. A pós-graduação
stricto sensu, ainda que em muitos casos seja
exigida como atividade integral, é, na maioria das
1
O LabLaje é um coletivo multidisciplinar composto por arquitetos, advogados e geógrafos que têm estudado e militado no tema
da urbanização de favelas em suas pesquisas acadêmicas e também na prática profissional. O coletivo tem atuado no campo da for-
mação e reflexão acadêmicas buscando a desalienação da agenda sobre favelas. Fazem parte do coletivo Felipe Moreira, Henrique
Frota, Lara Ferreira, Paula Oliveira, Rodrigo Faria, Victor Iacovini e Vitor Nisida (in https://www.lablaje.org/).
116 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A extensão na Pós-Graduação: construção de diálogo entre favela e academia 117

Para nós, pensar e refletir sobre a ação em favelas2 cursos de graduação cujo objeto está diretamente Reconhecemos na universidade, sobretudo nacional das políticas públicas voltadas a esses
deve ser encarado como parte essencial de diversas relacionado à cidade e suas diversas dimensões, na pública, o espaço do pensamento crítico territórios, passando também pelo próprio papel
formações, reconhecendo-as como uma parte sociais, jurídicas, econômicas e espaciais. por excelência. Lugar potencial de criação e militante de arquitetas e arquitetos urbanistas na
importante das cidades, onde mora uma grande contribuição para a sociedade no que diz respeito complexa e desafiadora tarefa de trabalhar com a
parcela da população brasileira. Defendemos a Em cursos como arquitetura e urbanismo, ciências à reflexão e análise, mas também à inovação e intervenção em assentamentos precários.
compreensão e posterior atuação em áreas de sociais, direito, economia, geografia, dentre outros, superação de paradigmas. Dentro da lógica de
favela entendendo-as como parte determinantes temas como a favela – cruciais para a formação de uma sociedade produtivista, a academia tem-se Entretanto, também é importante reconhecer que
das cidades, onde deve ser reconhecida a profissionais que se propõe discutir criticamente, manifestado muitas vezes aquém nesse papel existe um indesejável, mas constante, afastamento
inacessibilidade a muitos direitos, sobretudo ao da planejar e intervir na cidade – sequer compõem questionador e até mesmo inovador, regrado por e desarticulação entre o que produzem as
moradia digna, ao mesmo tempo em que deve ser o currículo básico obrigatório da graduação. procedimentos burocráticos, institucionais e de pesquisas de mestrado e doutorado e as ações
reconhecido o direito de permanência e o direito à As poucas disciplinas que tratam do tema, limitações orçamentárias. de ensino e extensão promovidas pela graduação,
cidade, desde que em condições dignas. Favelas, geralmente, se concentram nos cursos de pós- principal responsável pela formação dos futuros
assim como toda a cidade, são o reflexo da estrutura graduação ou integram o currículo de disciplinas O trabalho de alguns laboratórios de pesquisa profissionais da área.
sobre o qual assenta a sociedade brasileira e que, optativas de algumas graduações, o que limita e grupos de Extensão Universitária na FAUUSP,
de certa forma, pode ser reconhecida em países muito as possibilidades de se problematizar as apesar de restrito a poucas iniciativas, deve Procuramos, através da primeira iniciativa do
com estruturas semelhantes. favelas durante a formação desses profissionais. certamente ser celebrado. Assim como as coletivo, a I Oficina Favelas3, contrapor essa
pesquisas que se desenvolvem no âmbito do realidade, ampliar e divulgar as iniciativas que já
A complexidade e urgência do tema demandam O LabLaje surge então da necessidade de programa de pós-graduação, que abordam e o fazem, mas, acima de tudo, expandir para um
que ele seja abordado e discutido de maneira extravasar esses conhecimentos e entendimentos problematizam as favelas através de diversas público interessado e com dificuldade de acesso
integrada, em suas diferentes dimensões, para além das pesquisas individuais dos seus perspectivas e dimensões, que vão desde a ao ensino, o diálogo e a reflexão sobre favelas.
pelos vários campos profissionais. Assim, é de integrantes, da potencialidade da troca com outros produção cotidiana do espaço, até a escala
responsabilidade das universidades brasileiras pesquisadores e técnicos, movimentos sociais e
que suas diferentes iniciativas de ensino, pesquisa demais militantes, mas, sobretudo, com o potencial I Oficina Favelas. Seminário Teórico, 2016
e extensão contribuam para a produção de de compartilhar tais reflexões e entendimentos foto. LabLaje
conhecimento científico e para a formação de com alunos de graduação, os quais, nos seus
profissionais sensíveis e capacitados para atuar de cursos, dificilmente têm acesso à bibliografia, a
forma comprometida com a transformação dessa exemplos de programas e projetos, técnicas e
realidade. No entanto, esse compromisso não ferramentas de análise e intervenção em favelas.
tem sido assumido pelas diferentes instituições
do âmbito acadêmico, nem mesmo por aqueles

2
Para o coletivo LabLaje o termo ‘favelas’ é representativo de uma identidade de diferentes lugares que têm em comum alguma
irregularidade estrutural e/ou infra-estrutural. Falamos de assentamentos informais, como são entendidos pelo Ministério das Cidades, 3
A I Oficina Favelas foi um evento organizado pelo LabLaje, direcionado para alunos de graduação multidisciplinares, mas aberto
mas defendemos o uso da palavra favela, pela sua representação simbólica e cultural e reivindicação de espaços reais. Referimo-nos a técnicos, moradores, agentes públicos e privados e pesquisadores para a troca de experiências, pesquisas, práticas, dúvidas e inquie-
ao termo no plural, favelas, pois sabemos a que a informalidade e até a precariedade da moradia se revela de diversas formas em tações sobre a atuação em favelas. O evento teve uma componente prática e outra teórica e foi realizado entre os dias 20 a 29 de
muitos lugares diferentes. Nesta designação comum, procuramos manter a diversidade dos lugares e de suas comunidades. julho de 2016 em São Paulo. Para saber mais acesse: https://www.lablaje.org/ioficinafavelas
118 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A extensão na Pós-Graduação: construção de diálogo entre favela e academia 119

I Oficina Favelas
roda de conversa Jd. Jaqueline, 2016 I Oficina Favelas. Oficina prática, 2016

Como resultados além dos esperados, podemos O sucesso do evento, considerando-se os que
assinalar que a partir da I Oficina Favelas o grupo podemos considerar pelos resultados acima
de participantes e organizadores manteve-se descritos e também pelo grande número de

foto. LabLaje
ativo na troca de conhecimentos, curiosidades e inscritos e interessados (com 315 inscritos e 150
eventos sobre favelas. Houve o reforço da atuação participantes do seminário teórico), demonstrou a
dos grupos da academia já atuantes dentro da pertinência e importância do tema e reafirmou a
favela e, ainda, o reconhecimento por parte dos necessidade de oferta de momentos de estudo e
moradores da importância de ações continuadas e debate sobre as favelas para o público em geral e
instigadoras da academia dentro da comunidade, sobretudo das universidades.
desde que respeitosas com os moradores e suas
vontades. Para além desses resultados mais Em 2017, o LabLaje, em parceria com o professor
diretos, o coletivo LabLaje recebeu demandas Jonathas Magalhães Silva (FAU PUCCAMP), foi
foto. LabLaje de outras instituições e outras cidades para a convidado a organizar uma das Oficinas de Práticas
realização de eventos semelhantes. Urbanas disponibilizadas para os participantes
do XVII ENANPUR, a Oficina 6 – Urbanização de
Nossa pretensão foi a de compartilhar através favelas e seus contextos, mais especificamente Favelas: Jardim Jaqueline.
de metodologias de ensino, embasadas nas sobre o Jardim Jaqueline; e sobre intervenções Oficina ANPUR. Viela Jd. Jaqueline, 2017
nossas e demais pesquisas, uma oportunidade nesses espaços que não legitimem a precariedade As Oficinas de Práticas Urbanas, tal como a

foto. Felipe Moreira


de aproximação teórica com implementação ou do lugar e não sejam colonizadoras na sua forma Sessão Temática 11 – A Extensão Universitária
exercitação prática. Se não aspirávamos uma de atuação4. Esse objetivo foi alcançado ainda como Perspectiva de Atuação Social e Pedagógica
atividade ou projeto de extensão, tal acabou por com a contribuição e em diálogo com líderes para além da sala de aula, foram novidades
acontecer de certa forma na oficina prática, através comunitários e moradores do Jardim Jaqueline. introduzidas pela organização da XVII ENANPUR
dos trabalhos desenvolvidos em grupo, pelos e propuseram uma componente mais prática ao
alunos de graduação participantes, junto da/e com Tivemos ainda o cuidado de selecionar uma favela evento. Com as Oficinas, os participantes puderam
a comunidade, sobre as questões identificadas e onde já houvesse alguma relação e/ou trabalho conhecer e experienciar alguma das temáticas
desenvolvidas por eles mesmos. desenvolvido pela faculdade, no caso, a FAU Social5, propostas relacionadas com a realidade paulista.
junto com a Associação de Moradores, e que, através Na Sessão Temática 11, o evento abriu-se à
Dessa iniciativa não resultaram produtos concretos da atividade, possibilitasse o amadurecimento discussão sobre esta terceira “parte” da academia,
ou materializados na favela Jardim Jaqueline. Não dessas relações entre comunidade da favela e a extensão. Nesse âmbito, houve um grande
era essa a pretensão. Nosso propósito era a criação academia, ou potencializasse outras iniciativas e número de trabalhos submetidos e selecionados,
de espaço de reflexão e pensamento crítico sobre projetos. e a possibilidade de apresentação, divulgação e
discussão sobre práticas e projetos realizados em
todo o país.

4
Caracterização dos técnicos militantes e a sua forma de atuar em favelas feita pela professora Karina Leitão, durante a sua apre-
sentação oral na I Oficina Favelas, organizada pelo LabLaje em 2016 (ver nota 3).
5
Ver capítulo “A Extensão na FAUUSP” neste livro.
120 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A extensão na Pós-Graduação: construção de diálogo entre favela e academia 121

Oficina ANPUR. Viela Jd. Jaqueline, 2017

Procurando a relação com esta proposta e Mais uma vez a Oficina 6 do XVII ENANPUR
reforçando a favela como nosso tema de interesse, demonstrou-nos a lacuna da temática favelas
o LabLaje organizou um programa de dois dias de no ensino superior e o distanciamento da
Oficina, direcionado para o público habitualmente comunidade acadêmica para superar ou dominar
participante do eventos, pesquisadores e um tema que está em constante transformação.
professores de diversas universidades do Neste sentido, o LabLaje continua confiante
país. Assim, na Oficina 6, foi proposto como no reforço das pautas “favela na academia e
tema central “Academia na favela, favela na academia na favela”. Como coletivo propomo-nos
academia”, que incluiu um dia de visita ao Jardim a continuar a instigar o debate e a ampliação do
Jaqueline acompanhado dos moradores e líderes ensino, pesquisa e extensão sobre favelas. Como
comunitários, encerrado com uma conversa entre pós-graduandos entendemos essa como a nossa
esses e os participantes, focado na perspectiva dos prática de extensão, a partilha de conhecimentos
moradores sobre as atividades da academia dentro adquiridos e aprofundados e a disponibilidade
da comunidade. No segundo dia, apenas com os para mantermos a troca com os demais saberes e
participantes do evento, se discutiu e refletiu sobre agentes. E enquanto reconhecermos a lacuna sobre
as atividades universitárias de ensino, pesquisa e um dos temas estruturais do Brasil em cursos de
extensão em favelas. Os participantes puderam graduação, manteremos o mote da promoção de
compartilhar projetos e experiências de seus conhecimento construído coletivamente, de forma
foto. Felipe Moreira

centros de pesquisa de origem e conversar sobre multidisciplinar e multifacetada sobre favelas,


seus limites e dificuldades, avanços e conquistas. suas origens, contextos e formas de intervenção.
Procurou-se uma partilha de iniciativas de ensino,
pesquisa e extensão sobre favela nos diferentes
centros. Nesta partilha foi evidente um déficit do
tema no ensino, maior recorrência na pesquisa, Oficina ANPUR. Viela Jd. Jaqueline, 2017
e algumas iniciativas de extensão que se
demonstraram relevantes para o conhecimento e
aproximação da comunidade acadêmica sobre a de paradigmas muitas vezes pré-estabelecidos; e,
realidade de cada cidade. ainda, o cuidado necessário para que pesquisas
e projetos evitem posturas colonizadoras e
Desta atividade surgiram alguns questionamentos recorram à favela e suas comunidades apenas
e reflexões recorrentes em mais de uma cidade de forma unilateral, desconsiderando a troca de
ou centro de pesquisa. Destacamos alguns: as conhecimentos e os saberes não formais e não
dificuldades impostas por limitações orçamentárias acadêmicos, e “esquecendo” as necessidades e
e/ou burocráticas colocadas em atividades de direito de devolução das pesquisas produzidas,
extensão; a necessidade de pesquisas de campo assim como a importância de empoderamento
e aproximadas dos contextos, principalmente do conhecimento acumulado sobre determinada

foto. Felipe Moreira


quando falamos de favelas, para a desconstrução comunidade, pelos próprios moradores.
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124 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária no XVII ENANPUR 125

Sessão Temática 11, XVII ANPUR, 2017

foto. Camila D’Ottaviano

A
Extensão Universitária é uma “novidade” Na seleção e no diálogo que ocorreu entre os
em mais de três décadas de encontros da autores desse texto (que compuseram o Comitê
ANPUR. É claro que o tema foi ali discutido Científico da ST-11), houve, portanto, um esforço
outras vezes, mas isso ocorreu de maneira muito para valorizar essa diversidade. Uma diversidade
pontual. No XVII ENANPUR o assunto, pela que se desdobrou também na composição das
primeira vez, “mereceu” uma Sessão Temática, a mesas de apresentação. Não procuramos montar
ST-11, A Extensão Universitária como perspectiva mesas compostas exclusivamente por trabalhos
de atuação social e pedagógica para além da sala relativos, por exemplo, a escritórios modelo, que
de aula. poderiam reproduzir interlocuções já existentes em
eventos como o SENEMAU (Seminário Nacional de
Nesse capítulo comentaremos de maneira sucinta Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo),
os trabalhos apresentados nessa Sessão Temática promovido pela FeNEA (Federação Nacional de
pioneira. E desde logo pedimos desculpas ao leitor Estudantes de Arquitetura e Urbanismo). Como
mais acostumado ao debate dos temas relativos veremos, trabalhos que versaram sobre práticas sensu. Em outras palavras, 23 dos 26 trabalhos Considerando esse quadro, a principal questão
à extensão, pois, a estes, algumas questões de ensino, residência em arquitetura e urbanismo, apresentados na ST-11 têm uma relação direta que destacaremos neste capítulo tem a ver com a
aqui apontadas poderão parecer “obviedades coletivos e escritórios modelo, sobre consultoria com a área de arquitetura e urbanismo. própria conceptualização da palavra extensão.
superadas”. Acontece que nossa reflexão não a órgãos públicos, assessoria ou assistência
se refere à extensão de um modo geral, mas à técnica a grupos vulneráveis, enfim, envolvendo Atividades de extensão quase sempre envolvem Segundo Reinhart Koselleck1, as palavras não
maneira como ela apareceu na primeira Sessão diferentes abordagens e compreensões do a participação de estudantes de graduação. são conceitos, são as “roupas” que os vestem.
Temática dedicada especificamente ao assunto que vem a ser extensão, foram colocados “em A ANPUR e a área de planejamento e estudos Sendo assim, uma mesma palavra poderia “vestir”
em um ENANPUR. E, se parece-nos pertinente diálogo”, justamente para que esse debate urbanos e regionais situam-se num campo conceitos diferentes; e um mesmo conceito
falar de obviedades, é porque o ENANPUR pode e pudesse ser levado à diretoria da ANPUR como “interdisciplinar”, que abriga diferentes disciplinas, poderia “se vestir” com palavras diferentes. A
deve contribuir para o entendimento do lugar hoje uma contribuição para os próximos encontros. como geografia, economia, sociologia e outras. palavra extensão, pelo menos da maneira como
ocupado pela extensão na instituição universitária: Desse ponto de vista, esse texto é uma primeira Professores e estudantes de graduação dessas foi veiculada na ST-11 do XVII ENANPUR, parece
um “puxadinho” da “casa-grande” da pesquisa e do sistematização do que os programas de pós- disciplinas, contudo, não estiveram presentes na pertencer ao primeiro grupo. Trata-se de um
ensino? graduação em planejamento urbano e regional, ST-11. Portanto, o debate ali ocorrido foi pautado vocábulo que abriga muitos e diferentes “conceitos”
e as universidades que os abrigam entendem pelo relato ou análise de experiências de extensão a propósito daquilo que seria, no Brasil, ao lado
por Extensão Universitária em 2017, a partir da desenvolvidos sobretudo no âmbito de cursos do ensino e da pesquisa, um dos três “pilares” da
amostra dos trabalhos selecionados. de graduação e pós-graduação em arquitetura instituição universitária.
Os trabalhos da ST-11 e urbanismo, com participação massiva de
Uma primeira e importante constatação se faz estudantes de graduação com diferentes graus Não propomos aqui um debate propriamente
A Sessão recebeu 46 trabalhos, entre os quais foram então necessária: entre os textos enviados ao de autonomia em relação à execução dos projetos conceitual. Como observou Koselleck, “todo
selecionados 26. O Comitê Científico naturalmente Comitê Científico, para avaliação, foi quase apresentados. conceito, enquanto tal, só pode ser pensado e
avaliou os artigos por sua qualidade e relevância, insignificante a presença de outros cursos que não
mas, com uma leitura atenta para a diversidade os de arquitetura e urbanismo. Assim, entre os 26
disciplinar, institucional e das temáticas que, entre trabalhos selecionados, apenas três não tinham
outras 10 sessões, foram dirigidas justamente à vínculo com cursos de arquitetura e urbanismo, de
sessão dedicada à extensão. graduação (14) e pós-graduação (9) lato ou stricto 1
KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos: problemas teóricos e práticos. In: Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10,
1992, pp. 134-146.
126 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária no XVII ENANPUR 127

Quadro I. falado/expressado uma única vez”, porque sua Verifica-se uma grande dispersão. Apenas um título
Sobre a Extensão: Trabalhos citados no artigos apresentados na ST-11 “formulação teórica/abstrata relaciona-se a uma é referido em cinco trabalhos: um livro de Paulo
situação concreta que é única”2. Aceitamos, Freire, Extensão ou comunicação?, originalmente
nº de
Autoria | Organização Título
citações
portanto, que os conceitos são naturalmente publicado no Chile em 1969. Mas é importante
instáveis. Ou seja, não buscamos “o” conceito registrar que Freire, de longe, foi o autor mais citado
Pesquisa alienada e ensino alienante: o equívoco da extensão
BOTOMÉ (1996) 1 supostamente “verdadeiro” de extensão. Queremos pelos participantes da ST-11. Além de Extensão
universitária
apenas situar um debate que abriga ambiguidades ou comunicação?, foram ali referidas outras cinco
CEPE (2015) Normas Gerais para Atividades de Extensão Universitária 1
e indefinições. obras de sua autoria: Pedagogia da autonomia (livro
CONSUN (2012) Política de Extensão 1 citado por seis trabalhos), Educação como prática
DEMO (2001) Lugar da extensão 2 A maior parte dos 26 trabalhos apresentados na da liberdade e Ação cultural para a liberdade e outros
O ensino de urbanismo no Brasil: experiências de extensão Sessão Temática dedicada à extensão, não define escritos (citados por dois trabalhos); Pedagogia da
D’OTTAVIANO; ROVATI (2016) 1
universitária em São Paulo e Porto Alegre. esse termo ou, pelo menos, não o questiona do ponto Indignação e Pedagogia da Solidariedade (citados,
FARIA, org. (2001) Construção conceitual da extensão universitária na América Latina 2 de vista conceitual. Alguns dos autores parecem cada um, por um trabalho). No total, 11 dos 26
I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades supor que o leitor “sabe” o que é “extensão”. Outros, trabalhos apresentados na Sessão Temática
FORPROEX (1987) 1
Públicas Brasileiras tomam sua própria conceptualização (que muitas incluíram alguma obra de Paulo Freire em suas
FORPROEX (2001) Plano Nacional de Extensão Universitária 1 vezes aparece nos textos de maneira apenas referências bibliográficas.
implícita) como sendo uma definição “válida”, a
FORPROEX (2012) Política Nacional de Extensão Universitária 2
qual não caberia contestação. Apenas um título foi citado por três trabalhos, neste
FORPROEX (2016) Carta de São Bernardo do Campo 1 caso referindo-se a um tema relativamente recente
FREIRE (1969) Extensão ou comunicação? 5 Uma evidência disso aparece nas bibliografias e bastante específico, a questão das “residências
A Tríade: Ensino, Pesquisa e Extensão na construção de Escolas citadas pelos trabalhos. Poucos trabalhos evocam profissionais” (GORDILHO-SOUZA, 2015).
FONTOURA et al. (2009) 1
Inclusivas estudos voltados especificamente para o debate
Residência Profissional em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia: teórico-conceitual a propósito da extensão – aliás, Apenas quatro títulos foram referidos por dois
GORDILHO-SOUZA (2015) 3
experiência inovadora em ensino, pesquisa e extensão nos debates realizados ao longo da ST-11, um dos trabalhos, três deles de fato debatendo o conceito
JEZINE (2001) Multidiversidade e Extensão Universitária 1 interlocutores ponderou que era “difícil encontrar de extensão (DEMO, 2001; FARIA, 2001; ROCHA,
JEZINE (2004) As Práticas Curriculares e a Extensão Universitária 1 referências teóricas sobre o assunto”. 2001) e um deles documentando a atual “política
Laboratórios acadêmicos de pesquisa e extensão, políticas urbanas e
nacional de extensão” (FORPROEX, 2012).
MARTINS (2015) 1
prática profissional Tomemos todos os 23 textos (livros, artigos,
Ensino-pesquisa-extensão: um exercício de indissociabilidade na pós-gra- documentos) citados pelos autores dos trabalhos Se miramos a mesma bibliografia com mais
MOITA; ANDRADE (2009) 1
duação apresentados na Sessão Temática que incluem em atenção, verificamos que 16 dos 23 títulos (70%
NOGUEIRA (2001) Extensão Universitária no Brasil: uma Revisão Conceitual 1 seus títulos a palavra extensão (ver QUADRO I, à do total) onde a palavra extensão comparece
ROCHA (2001) A construção do conceito de extensão universitária na América Latina. 2 esquerda). dizem respeito a apenas dois livros autorias
(BOTOMÉ, 1996; FREIRE, 1969), duas coletâneas
SÍVERES (2008) A extensão como um princípio de aprendizagem 1

SÍVERES org. (2012a) Processos de Aprendizagem na Extensão Universitária 1

SÍVERES (2012b) Perspectivas de Aprendizagem na Extensão Universitária 1

TAVARES (2001) Os Múltiplos Conceitos de Extensão. 1

2
KOSELLECK, op. cit., p. 138-9.
128 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária no XVII ENANPUR 129

(FARIA, 2001; SÍVERES, 2012) e uma “fonte”, o A diversidade temática dos trabalhos e algumas Assessoria técnica (3) / Assistência técnica (4) / Para alguns a extensão envolve “assistência”
FORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das questões tratadas de maneira mais recorrente Residência (2): ao caracterizar suas ações, alguns ou “assessoria” técnica. Para outros, envolve
das Instituições de Educação Superior Públicas na ST-11 podem ser bem ilustradas de outra autores preferem se referir à “assistência”, outros à assistência ou assessoria técnica “militante”,
Brasileiras. maneira, quando abordarmos a frequência de suas “assessoria”; há um debate conceitual aqui, muitas comprometida com uma determinada causa, como
“palavras-chave” (ver QUADRO II). vezes “crítico” à adoção, por parte da Universidade a promoção da justiça social, a “luta” pelo “direito à
Portanto, os trabalhos da ST-11 não apontaram Pública, de uma função de “prestadora de serviços”. cidade” ou a algum outro, reivindicado por este ou
referências comuns “fortes”, capazes de balizar o Constata-se novamente uma grande dispersão. aquele “movimento social”.
debate e o diálogo conceitual em torno do termo Apenas 15 palavras-chave foram citadas em dois Gestão urbana (2) / Planejamento urbano (2) /
extensão e das práticas a ele associadas3. Note- ou mais trabalhos. É claro, não se pode estranhar Preservação (2) / Urbanismo (2): esses termos, Para alguns a extensão assemelha-se a uma
se ainda que, nesse debate, a “indissiociabilidade” que 14 dos 25 trabalhos apresentados tenham como muitas outras palavras-chave citadas “prestação de serviço”, a uma consultoria, podendo
ensino-pesquisa-extensão é muitas vezes tomada incluído, entre suas palavras-chave, o vocábulo apenas uma vez, indicam a temática (mais ampla envolver inclusive algum tipo de remuneração.
como um “dado da realidade” e não como questão extensão – termo que, como vimos, poucas vezes ou mais específica) na qual o autor situa a ação de Para outros, a extensão pode sim prestar algum
ainda em disputa no seio das instituições de ensino foi submetido a uma apreciação mais rigorosa do extensão objeto de sua reflexão. tipo de serviço, mas, ou destinado a quem não
superior brasileiras. ponto de vista conceitual. Mas, embora a grande pode pagar por ele, por sua condição de exclusão
diversidade de termos apontados, as palavras- ou vulnerabilidade social, ou a alguém que,
Quadro II. Palavras-chave
chaves sugerem alguns “eixos” de debate que de podendo remunerá-lo, opera “políticas contra-
nº de fato ganharam relevo na ST-11: O que é Extensão Universitária? hegemônicas”.
Palavra-chave
citações

Extensão 14 Participação (5): debate sobre as práticas mais A partir do quadro geral acima retratado, voltemos Para alguns a extensão é uma das “três pernas”
Participação 5 ou menos democráticas e sobre as “relações de agora, mais especificamente, às ambiguidades da universidade brasileira. Para outros, a extensão
poder” que se estabelecem nas ações de extensão. constatadas na ST-11 em torno da palavra extensão. é uma especificidade da universidade pública, a
Ensino 4
quem caberia se ocupar dos “problemas sociais”
Projeto 4
Ensino (4) / Educação (3) / Comunidade (3): O que é extensão para os participantes da ST- do país.
Universidade 4 questionamento das pedagogias ou relações de 11? Uma primeira marca dessa (in)definição
Assessoria Técnica 3 ensino-aprendizagem operadas pela extensão reside na presença recorrente, de uma parte, de Entre os 26 trabalhos apresentados, a maior
Assistência Técnica 3 e de suas implicações para os estudantes e as proposições mais neutras e genéricas, de outra, parte descreve alguma experiência de extensão.
“comunidades” envolvidas nas ações de extensão. mais posicionadas e específicas. Esses relatos quase sempre são marcados pelo
Comunidade 3
“entusiasmo” de autores que foram também atores
Educação 3
Universidade (4) / Pesquisa (2): questionamento Assim, para quase todos, a extensão é uma do processo abordado.
Gestão Urbana 2 da relação entre ensino, pesquisa e extensão “via de mão dupla” que envolve uma “troca de
Pesquisa 2 e, de modo especial, da “missão” específica conhecimentos”, o “trabalho com a realidade”, Os trabalhos quase sempre partem “do particular
da Universidade Pública nesses âmbitos, a “relação entre teoria e prática”. Para alguns, para o geral”, abordam um episódio ou uma
Planejamento Urbano 2
como instituição que deveria se voltar para o entretanto, a extensão é, sim, uma “via de mão experiência singular para daí sugerir alguma
Preservação 2
enfrentamento dos “problemas sociais”; queixa dupla”, mas que necessariamente deveria envolver conclusão mais ou menos generalizável. Apenas
Residência 2 que a extensão é menos valorizada que o ensino uma troca de conhecimento com a população uma pequena parte dos trabalhos empreendeu
Urbanismo 2 e a pesquisa. “socialmente excluída”, vítima de “injustiças” ou alguma análise aprofundada da extensão como
“vulnerável”, e com a “realidade” vivida por essa esfera institucional particular de atuação e de sua
população. relação com o ensino e a pesquisa.
3
Excetuando-se Paulo Freire, mas, apenas em certa media, pois, entre os seis trabalhos de sua autoria referidos nas bibliografias,
apenas um trata especificamente da “extensão”.
130 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária no XVII ENANPUR 131

Identificamos assim, de maneira implícita ou • A extensão vista como possibilidade de BRASIL & FELINTO [Resistência e melhoria de Remoções: experimentações de uma práxis
explícita, algumas abordagens mais relevantes, colaboração “gratuita” com o poder público com habitacional: reflexões sobre uma atuação educativa em Fortaleza]; BRANDÃO & WIESE
resumidas a seguir. As referências feitas a trabalhos base em uma determinada “causa”: são os casos, dialógica junto à comunidade Indiana na cidade [Extensão Universitária em comunidades
apresentados na ST-11 servem apenas para por exemplo, das experiências abordadas pelos do Rio de Janeiro]; ARAÚJO & PARDO [CURIAR: associativas: potencialidades pedagógicas dos
ilustrar tais abordagens e não têm uma pretensão trabalhos de SAMPAIO e BAHIA [Repercussões 5 anos de resistências do escritório modelo]; assentamentos do Movimento dos Trabalhadores
classificatória. Inclusive porque a maior parte dos da Extensão Universitária na preservação do MORAIS, TOMOYOSE & PRESSER [Coletivo Rurais Sem Terra, o caso de Pontão –RS];
trabalhos citados envolve frequentemente um centro histórico de Santa Maria Madalena – RJ]; Caetés e o Complexo Esportivo Dr. Sócrates GORDILHO-SOUZA [Residência em Arquitetura,
conjunto bastante diverso de ações, ou apenas HEIDTMANN Jr, TOLEDO e BOGO [Educação Brasileiro]; DE VIVO, LOPES, MICELI & LIMA [FAU Urbanismo e Engenharia: implantação de um
enfatiza este ou aquele aspecto da experiência patrimonial como atuação social e pedagógica em Social – Praça do Jardim Jaqueline]. Programa em Ensino, Pesquisa e Extensão na
retratada: cidade tombada como patrimônio nacional]. UFBA].
• A extensão como possibilidade de abordar
• A extensão vista como possibilidade de • A extensão vista como possibilidade de temáticas ou metodologias ordinariamente não
prestação de serviço, consultoria ou colaboração intervenção “direta” ou “militante” sobre a contempladas nos currículos do ensino superior,
com o poder público, podendo inclusive envolver “realidade”, com base em uma determinada numa perspectiva de colocar o estudante em Caminhos
algum tipo de remuneração: são os casos, “causa”: são os casos, por exemplo, das contato com a “realidade” e de complementar
por exemplo, das experiências abordadas experiências abordadas por CAMPOS sua formação: são os casos, por exemplo, Afinal, o que é extensão ou, mais especificamente, o
pelos trabalhos de INEICHEIN & GALLART [#BIKENALEITE: apresentação e avaliação de das experiências abordadas por CARNEIRO [A que é a extensão na área de planejamento e estudos
[Ativar: para repensar a indissociabilidade ação extensionista em São João Del-Rei, MG]; Extensão Universitária e o campo das assessorias urbanos e regionais? Este breve relato da ST-11
entre ensino, pesquisa e extensão], CUNHA & MELLO [Diários Messiânicos: experiências, técnicas]; PINHEIRO & FERNANDES [Escritório propõe mais perguntas do que respostas.
OLIVEIRA [Capacitação de agentes públicos fracassos, reflexões]; SANTOS, KAPP, SILVA & Modelo de Arquitetura e Urbanismo como
para a implementação da política urbana: LOURENÇO [A extensão do conhecimento das atividade de Extensão Universitária: métodos Como já foi observado no capítulo primeiro deste
uma análise dos resultados alcançados], águas na cidade]; BIENENSTEIN, BIENENSTEIN, de aproximação entre técnicos e comunidade]; livro, Os territórios da Extensão Universitária, “a
LIMA, OLIVEIRA & FREITAS [Quando a prática FREIRE & SOUSA [Extensão Universitária na luta LERSCH, OLIVEIRA & RIBEIRO [Ateliê internacional: extensão não é, está sendo”. Hoje, mais de que ontem,
acadêmica sai ao território. A experiência da pelo direito à moradia e à cidade]. uma experiência de Extensão Universitária]; há uma disputa em curso em torno dessa definição
oficina multidisciplinar: os LUMEs e a prática do PICCININI & MOROSO [A (in)justiça cognitiva e a nas universidades. Em especial nas públicas, mas
planejamento metropolitano – UFMG]; GALERA • A extensão vista como possibilidade de Extensão Universitária: uma experiência entre a não exclusivamente: por exemplo, entre os quase
[O papel da Universidade no desenvolvimento realizar algum tipo de “trabalho especializado” escola e a comunidade]; RAMOS [Compartilhando 500 cursos de arquitetura e urbanismo existentes no
políticas públicas de gestão de riscos de para quem não pode remunerar tal “serviço” ou saberes: uma experiência de projeto participativo Brasil apenas 70 estão vinculados a universidades
desastres: o caso do Grande ABC paulista – não tem “acesso a profissional da área”, numa entre a academia e o ambiente escolar da EEHR]; públicas. O compromisso com uma formação que
SP]; MOREIRA [Interlocuções institucionais: a perspectiva advocacy4 de combate às injustiças ANDRADE [Periférico, trabalhos emergentes: seja capaz de olhar e dialogar com a especificidade
experiência da residência em planejamento e sociais: são os casos, por exemplo, das participação social na elaboração de projetos (e com a diversidade) da realidade brasileira, ainda
gestão urbana]. experiências abordadas por ALBERNAZ, MINTO, de Arquitetura e Urbanismo nos TFGS da FAU/ mais nesse campo das ciências sociais aplicadas,
UNB]; MÜHLE, LOPES & PRESSER [Extensão deve estar presente na formação de qualquer
Universitária enquanto assessoria técnica: profissional nas universidades brasileiras. Nessa
experiência com o assentamento Dom Pedro disputa, nossa pequena história no campo da
Casaldáliga - Cajamar, SP]; PINHEIRO, LESSA & extensão ora aparece como determinação, ora
4
VERAS [Encontro de comunidades e Observatório como esperançosa evidência de possibilidades.
Ao longo da ST-11, o termo foi mencionado por mais de um debatedor, referindo-se, de maneira explícita ou implícita, à conhecida
proposição de Paul Davidoff (“Advocacy and Pluralism in Planning”), publicada em 1965 pelo Journal of the American Institute of
Planners.
132 Para Além da Sala de Aula . Extensão Universitária e Planejamento Urbano e Regional A Extensão Universitária no XVII ENANPUR 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O quadro aqui apenas esboçado parece indicar que simplesmente “prolifera” em “qualquer meio
que, num país de dimensões continentais, tão acadêmico”, isto é, se abdicarmos de uma reflexão 1. Trabalhos apresentados na ST-11
diverso nos planos social e geográfico, não mais apurada e abrangente sobre a dimensão
podemos nem devemos impor limites temáticos propriamente política da extensão, corremos o risco [Disponíveis em: http://anpur.org.br/xviienanpur/
ou “de abordagem” à extensão. As experiências de estilhaçar ainda mais algo que já se apresenta principal/?page_id=1333] CAMPOS, Clarissa Cordeiro de. #BIKENALEITE:
singulares relatadas na ST-11 de alguma maneira diante de nós em “mil pedaços”. Evidentemente apresentação e avaliação de ação extensionis-
sempre revelam as potencialidades e acúmulos não utilizamos aqui a palavra política para definir ALBERNAZ, Maria Paula; MINTO, Fernando Cesar ta em São João Del-Rei – MG. In: Anais do XVII
característicos de cada comunidade ou movimento um campo particular de atividades; a utilizamos Negrini; BRASIL, Malu França; FELINTO, Huani ENANPUR. São Paulo, 22-26 de maio de 2017.
social, de cada região, de cada escola, faculdade ou para nos referir a valores e escolhas sempre Quintanilha. Resistência e melhoria habitacional:
universidade. Em outras palavras, não nos parece presentes em todas as nossas ações, dentro e fora reflexões sobre uma atuação dialógica junto à CARNEIRO, Daniel Marostegan e. A Extensão Uni-
possível nem conveniente pensar a extensão a partir da universidade. Por isso, e diante da conflitiva comunidade Indiana na cidade do Rio de Janeiro. versitária e o campo das assessorias técnicas. In:
desta ou daquela experiência particular, por mais conjuntura social que se descortina no país, parece- In: Anais do XVII ENANPUR. São Paulo, 22-26 de Anais do XVII ENANPUR. São Paulo, 22-26 de maio
exemplar que pareça. Ao contrário, a diversidade nos que estamos sobremodo desafiados a dar um maio de 2017. de 2017.
de temas e abordagens parece ser da natureza significado político mais compreensível à palavra
disso que chamamos extensão. Contudo, por outro extensão e às reflexões e ações tão diversas que a ANDRADE, Liza Maria Souza de. Periférico, traba- CUNHA, Eglaisa Micheline Pontes; OLIVEIRA,
lado, se utilizarmos esse termo como palavra ela associamos. lhos emergentes: participação social na elabora- Francisco Henrique de. Capacitação de agentes
ção de projetos de Arquitetura e Urbanismo nos públicos para a implementação da política urba-
TFGS da FAU/UNB. In: Anais do XVII ENANPUR. na: uma análise dos resultados alcançados. In:
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dade de Brasília, 2001. p. 73-84.
Posfácio 139

L
á se vão 30 anos desde o primeiro encontro de extensão Universitária. Foi possível aprendermos
da ANPUR. E muito conhecimento foi sobre as diferentes formas de mobilização do
produzido e renovado ao longo desse conhecimento científico acumulado e, mais do
período. Conhecimentos em campos disciplinares que isso, sobre as possibilidades de reconstrução
diversos que se entrecruzam e se alimentam desse conhecimento quando atravessamos os
mutuamente por meio da reflexão crítica sobre muros da universidade e buscamos utilizá-lo na
as práticas sócio-territoriais em suas múltiplas luta cotidiana pelo bem comum. Sabemos que
escalas e temporalidades. Os anpurianos, portanto, o conhecimento que se pretende transformador
ao tratarem do território, pensam o “poder” nas da realidade social não pode ser destinado a um
relações de classe, nas relações homem-natureza, público passivo, apenas receptor das informações.
nos associativismos e nas ações estatais. Estender o conhecimento crítico à comunidade
A compreensão das formas de dominação é não acadêmica é ir além de sua difusão por meio
indissociável da ação política, da formulação da formação e da assessoria. É colocar em xeque
de estratégias para a superação das históricas esse conhecimento no momento da inter-ação
desigualdades sócio-territoriais que marcam as com o “outro”, provocando a re-ação.
sociedades capitalistas.
Muitas das oficinas e sessões de extensão
Nessa perspectiva do conhecimento para a realizadas no ENANPUR 2017 promoveram os
ação transformadora, muito se tem debatido embates necessários para uma reflexão renovada,
nos seminários bienais da Associação sobre as entre os participantes, em torno de variados temas,
interações ensino-pesquisa em planejamento entre eles, políticas urbanas contra-hegemônicas,
urbano e regional, possibilitando re-avaliações ativismo urbano, parceria universidade-movimento
sobre a abrangência temática do campo e as social, produção associativa da cidade e conflito
estratégias de seu fortalecimento político- fundiário. As experiências práticas apreendidas
institucional. Mas pouco havia se discutido até nas oficinas através do diálogo com seus
2016 sobre a atividade de Extensão Universitária, protagonistas, ou nas sessões através dos
terceira peça do tripé de sustentação do ensino casos expostos, se mostraram atravessadas
superior brasileiro. No seminário daquele ano, por contradições. A evidência de contradições
o princípio da indissociabilidade entre ensino, em experiências sócio-territoriais vistas como
pesquisa e extensão, expresso na nossa alternativas ou mesmo disruptivas provoca
Constituição, foi objeto de reflexão coletiva, necessariamente tensões e novas reflexões sobre
fornecendo subsídios para que o tema ocupasse as teorias e as análises já consolidadas. E daí
um espaço mais amplo de debate no encontro podemos afirmar que a abertura da ENANPUR

F Á C I O nacional de 2017. E foi o que ocorreu. para as práticas extensionistas permitiu que
PO S novos conhecimentos circulassem pelo evento,
Lago Essa publicação nos apresenta o alcance, no último desafiando as nossas certezas. Que as portas
Luciana ENANPUR, das discussões travadas nos espaços continuem abertas para que os elos entre ensino,
abertos às oficinas e às sessões sobre as atividades pesquisa e extensão se fortaleçam.
[
sobre os autores

João Farias Rovati


Fabiana Dultra Britto Karina Oliveira Leitão
Camila D’Ottaviano Diretor da ANPUR (2015-2017).
Caio Santo Amore
Arquiteto e Urbanista (1982) pela de Carvalho Possui Licenciatura em Dança Arquiteta e Urbanista (1994) pela
Diretora da ANPUR (2015-2017). (1987) pela Universidade Federal Universidade Federal do Pará.
Faculdade de Arquitetura da Uni-
Arquiteto e Urbanista (1997) pela da Bahia (UFBA), Mestrado (1993)
Arquiteta e Urbanista (1994) pela versidade Federal do Rio Grande Mestre (2004) pelo Programa de
Faculdade de Arquitetura e Urbanis- em Artes pela Universidade de São
Faculdade de Arquitetura e Ur- do Sul (UFRGS). Mestre (1990) em Integração da América Latina
mo da Universidade de São Paulo Paulo, Doutorado (2002) em Comu-
banismo da Universidade de São Planejamento Urbano e Regional da Universidade de São Paulo –
(FAUUSP). Mestre (2005) em Estru- nicação e Semiótica pela Pontifícia
Paulo (FAUUSP). Mestre (2002) em pelo Instituto de Pesquisa e Pla- PROLAM/USP. Doutora (2013) em
turas Ambientais Urbanas e Doutor Universidade Católica de São Pau-
Estruturas Ambientais Urbanas e nejamento Urbano e Regional da Arquitetura e Urbanismo pela Fa-
(2013) em Arquitetura e Urbanismo lo, Pós-Doutorado (2009) em Arte
Doutora (2008) em Arquitetura e Universidade Federal do Rio de Ja- culdade de Arquitetura e Urbanis-
pela FAUUSP, subárea Planejamen- Pública pela Bauhaus Universität
Urbanismo pela FAUUSP, subárea neiro. Doutor (2001) em Arquitetura mo da Universidade de São Paulo
to Urbano e Regional. Professor no Weimar e Estágio Sênior (2012) no
Habitat. Professora da Universida- e Urbanismo pela Universidade de (FAUUSP), subárea Planejamento
Departamento de Tecnologia da Centre de Recherche sur L’Espace
de de São Paulo desde 2010, onde Paris-8. Realizou Estágio Sênior Urbano e Regional. Professora da
FAUUSP desde 2015. Tem experi- Sonore et L’Environnement Urbain
exerce atividades de ensino, pes- (2012) na Universidade Nacional FAUUSP desde 2013, onde coor-
ência na área de Arquitetura e Ur- – CRESSON/CNRS. Docente da
quisa e extensão junto à Faculdade de General Sarmiento (Argentina). dena o Laboratório de Habitação
banismo, com ênfase em projetos Escola de Dança da (UFBA) desde
de Arquitetura e Urbanismo e ao Professor da UFRGS desde 1989, e Assentamentos Humanos desde
de arquitetura, planos e estudos 2004. Pró-Reitora de Extensão Uni-
Programa de Pós-Graduação em onde exerce atividades de ensino, 2016. Tem experiência como con-
urbanísticos, coordenação de equi- versitária da UFBA desde setem-
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU- pesquisa e extensão junto à Facul- sultora independente na área de
pe, atuando sobretudo em temas bro de 2014. Foi Coordenadora do
-FAUUSP). Pesquisadora do Ob- dade de Arquitetura (Departamento Planejamento Urbano e Regional,
ligados à habitação de interesse so- Programa de Pós-Graduação em
servatório das Metrópoles desde de Urbanismo) e ao Programa de com ênfase em Políticas Urbana e
cial, áreas de urbanização precária Dança da UFBA (2006-2011). Des-
2004. Pós-Graduação em Planejamento de Habitação de Interesse Social e
e assessoria técnica a movimentos de 2006, lidera o grupo de pesquisa
Urbano e Regional (PROPUR). Foi Gestão Municipal.
sociais e populares. Integra a Pea- Laboratório Coadaptativo LabZat.
coordenador do PROPUR/UFRGS
biru – ONG de Assessoria Técnica É coordenadora geral da Platafor-
(2007-2009).
desde 1998, onde exerceu cargos ma Corpocidade (http://www.cor-
de coordenação financeira e geral e pocidade.dan.ufba.br).
realiza trabalhos comunitários e am-
bientais.
Coletivo LabLaje

Coletivo Caetés FAU Social Grupo de O LabLaje é um coletivo


multidisciplinar compos-
Construção
Regina Dulce O Caetés é um coletivo A FAU Social é uma enti-
to por arquitetos, advoga-
Agroecológica dos e geógrafos que tem
Maria Arminda do Barbosa Lins formado em 2016 por es- dade de Extensão Univer-
estudado e militado no
Luciana Correa do tudantes de graduação sitária Autogerida, sem
Lago Nascimento Arruda Arquiteta e Urbanista (1978) da Faculdade de Arquite- fins lucrativos, inaugura-
O Grupo de Construção tema da urbanização de
Agroecológica (GCA) é favelas em suas pesqui-
pela Universidade Federal de tura e Urbanismo da Uni- da em Janeiro de 2016
um coletivo autônomo e sas acadêmicas e tam-
Arquiteta e Urbanista (1983) Possui Graduação em Ciên- Pernambuco. Especialista versidade de São Paulo por alunos da FAUUSP. A
horizontal que tem a ex- bém na prática profissio-
pela Universidade Federal do Rio cias Sociais pela Universida- (1988) em Gestão do Cres- (FAUUSP). O Caetés atua entidade visa atender de-
tensão universitária como nal. O coletivo tem atuado
de Janeiro. Mestre (1990) em de de São Paulo e Mestrado e cimento Urbano pelo ISAE/ junto a organizações e mandas reais de grupos
uma de suas principais no campo da formação e
Planejamento Urbano e Regio- Doutorado em Sociologia pela LA Cambre (Bélgica). Doutora movimentos sociais, em da sociedade que não
frentes. Iniciado em 2013, reflexão acadêmicas bus-
nal pela Universidade Federal do Universidade de São Paulo. É (2001) em Estudos Urbanos especial os de luta por ter- têm acesso a serviços
é composto por estudan- cando a desalienação da
Rio de Janeiro. Doutora (1998) professora titular de Sociologia pela University of Kent (Ingla- ra e moradia, de forma ho- de Arquitetura, Urbanis-
tes dos cursos de Arquite- agenda sobre favelas.
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo terra). Atualmente é professo- rizontal, não impositiva, mo e Design, através de
pela Universidade de São Paulo. desde 2005. Livre-Docente na ra voluntária (Associado 4) da tura e Urbanismo, Design Autores do texto: Felipe
buscando sempre o diá- atividades e projetos rea-
Professora do Instituto de Pes- área de Sociologia, com ênfase Universidade Federal de Alago- e Geografia da USP. Con- Moreira, Henrique Frota,
logo e respeitando, assim, lizados em conjunto com
quisa e Planejamento Urbano e em sociologia da cultura; histó- as, onde atua na pós-graduação ta com a colaboração de Lara Ferreira, Paula Oliveira,
a autonomia dos grupos a população, aplicando o
arquitetos e professores. Rodrigo Faria, Victor Iacovini
Regional (IPPUR) da Universi- ria social dos intelectuais, da li- em Arquitetura e Urbanismo. com os quais trabalha. conhecimento aprendido e Vitor Nisida, integrantes do
dade Federal do Rio de Janeiro teratura e das artes; sociologia Presta assessoria científica a O grupo explora técnicas
Além disso, visa promover em sala de aula e trocan- LabLaje.
desde 1986. Desenvolve pesqui- da comunicação de massas; instituições nacionais e locais alternativas, como a agro-
a formação coletiva, tanto do experiências com o
sas nas áreas da Sociologia e da teoria sociológica. Foi Pró-Rei- de fomento à pesquisa e pós- ecologia ou a permacul-
de seus membros quanto conhecimento popular.
Política Urbana, com ênfase nos tora de Cultura e Extensão Uni- -graduação. Tem experiência tura, formas sustentáveis
de outros atores envolvi- Já realizou nove projetos
seguintes temas: trabalho e es- versitária da Universidade de acadêmica e profissional em por lidar com materiais
dos com o coletivo, por desde sua fundação.
truturação do território urbano; São Paulo (2010-2015). Atual- Planejamento Urbano e Regio- pouco processados e
meio dos projetos, espa-
Autores do texto: Patrick com baixo impacto social,
autogestão urbana; cooperati- mente é Diretora da Faculdade nal, com ênfase em: Estatuto ços de debate e vivência. Morais de Lima, estudante
vismo habitacional e produção de Filosofia, Letras e Ciências da Cidade; planejamento e ges- ambiental e energético,
da FAUUSP, integrante da
Autores do texto: Ana Cristi- como terra crua e bambu,
e representação da cidade. Pes- Humanas da Universidade de tão urbano-ambiental; cidade entidade FAU Social ; Lucas
na da Silva Morais e Beatriz
quisadora da rede Observatório São Paulo e membro do Comi- e política pública; cidade e de- Piaia Petrocino, estudante disponíveis nos contex-
Mendes Oliveira, estudantes
da FAUUSP, Representante tos de cada lugar e que
das Metrópoles. tê Institucional da Associação mocracia; e desenvolvimento da FAUUSP, integrantes do
Discente da Comissão de
Nacional de Pós-Graduação e sustentável. É pesquisadora coletivo Caetés.
Cultura e Extensão Universi-
buscam recuperar um co-
Pesquisa em Ciências Sociais visitante no LABCIDADE da tária da FAUUSP e membro nhecimento construtivo e
do Conselho da entidade FAU produtivo tradicional.
– ANPOCS. FAUUSP (Projeto Observatório
Social.
de Remoções). Autores do texto: Daniel Jhun
de Oliveira e Giulia Perei-
ra Patitucci estudantes da
FAUUSP e integrantes do
GCA
[
crédito imagens

capa parte dois . página 48


[Paula Vicente] Paranapiacaba [Gabriel Pietraroia] Favela do Vietnã
[Victor Del Prete] Ocupação São João
apresentação . página 6
[Paula Vicente] Paranapiacaba
capítulo 4 . páginas 50/51
[Gabriel Pietraroia] Centro Cultural Jabaquara
FICHAS oficinas de práticas urbanas . página 68/69
parte um . página 12
[Melina Moscardini] Oficina 8 ANPUR
[Ariane Destefano] Ocupação Mauá
capítulo 5 . páginas 92/93
capítulo 1 . páginas 14/15 [Camila D’Ottaviano] Assentamento MST
[Flávia Massimetti] Represa Billings Irmão Alberta

capítulo 2 . páginas 26/27 capítulo 6 . páginas 112/113


[Rayssa Cortez] Ocupação Mauá [Felipe Moreira] Favela Jardim Jaqueline

capítulo 3 . páginas 36/37 capítulo 7 . páginas 122/123


[Flávia Massimetti] Casa Ecoativa [Rayssa Cortez] Ocupação Mauá

posfácio . página 138


[Rayssa Cortez] Ocupação Mauá
Impressão papel pólen 75 g/m²

Tiragem 300 exemplares

capa Champs; Josefin Sans

corpo texto Roboto

cabeçalho Open Sans

títulos das partes Eras Light ITC

títulos e números de capítulos Josefin Sans

número de página e das oficinas Orator

no quadro Lato

Paint Splodge by Richard Slade | the Noun Project

FAUUSP

LPG . Publicação e Produção Gráfica


extensão universitária e planejamento urbano e regional
PA R A A L É M DA SA L A D E A U L A
PA R A A L É M DA SA L A D E A U L A

extensão universitária e planejamento urbano e regional

[ organização
Camila D’Ottaviano
João Rovati

FAUUSP

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