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4.1 Introdução
Além de ter contribuído para as principais áreas da física no início do sé-
culo 20, Albert Einstein deixou para as gerações futuras um conjunto de intrigan-
tes enigmas a respeito da sua heurística em determinados estudos. Até hoje vá-
rios historiadores debatem a rota epistemológica seguida por ele para chegar a
alguns dos seus fantásticos resultados.
Neste ano de celebração da luz e suas tecnologias, consideramos instruti-
vo analisar um desses enigmas. Trata-se de um experimento imaginado por Eins-
tein, ao mesmo tempo inexecutável e gatilho para o surgimento da teoria da rela-
tividade restrita. Einstein tinha 16 anos quando a ideia lhe ocorreu. Ele acabara
de ser reprovado no exame de admissão da Escola Politécnica de Zurique, a fa-
mosa ETH (Eidgenössische Technische Hochschule), e estava cursando o último
ano do ensino médio na Escola Cantonal de Aarau.
- Capítulo do livro organizado pelo Prof. Carlos Alberto dos Santos (IF-UFRGS),
intitulado Sobre a luz e algumas de suas tecnologias (no prelo).
Antes que alguém se arvore em dizer que a reprovação na ETH confirma
que Einstein era mau aluno, vamos logo esclarecer essa história. Quando estava
no primeiro ano do ensino médio, Einstein resolveu abandonar o colégio e ir pa-
ra a casa de seus pais, que naquele momento residiam na Itália. Para não perder
o vínculo com a escola, consegue, de um médico amigo da família, um atestado
segundo o qual estava com estafa nervosa. Ao mesmo tempo, convence seu pro-
fessor de matemática a lhe dar uma declaração de que estava intelectualmente
apto e emocionalmente maduro para acompanhar qualquer curso superior que
exigisse conhecimentos de matemática (FÖLSING, 1997, p.30). Esta declaração
foi uma esperteza para fazer uso de uma legislação vigente na Suíça e na Alema-
nha daquela época. Alunos que não tivessem concluído o ensino médio poderiam
frequentar escolas técnicas, como a ETH, desde que apresentassem atestado de
maturidade emocional e intelectual, e fossem aprovados no exame de admissão.
Einstein foi malsucedido nas provas de francês e biologia, mas suas pro-
vas de matemática e física foram tão impressionantes, que o examinador de física
disse-lhe que o aceitaria como aluno ouvinte em seus cursos. O diretor da ETH
teve outra ideia: sugeriu que Einstein concluísse o ensino média numa escola em
Aarau e voltasse no próximo ano. Com o diploma do ensino médio ele seria admi-
tido sem ter que fazer o exame de admissão (PAIS, 1995, p.47).
Em suas notas autobiográficas, Einstein confessa que aquele ano em Aa-
rau foi o período escolar mais feliz da sua vida. Foi ali, com dezesseis anos de
idade, que ele teve a ideia que será discutida neste capítulo. Trata-se de um ex-
perimento mental no qual ele cavalga ao lado de um raio de luz, com a mesma
velocidade da luz. Em linguagem moderna, podemos dizer que ele estava surfan-
do numa onda de luz.
Existem dois relatos confiáveis a respeito dessa história, um deles escrito
pelo próprio Einstein, em suas notas autobiográficas (EINSTEIN, 1982, p.55), e
outro escrito por Max Wertheimer, um psicólogo alemão que o entrevistou em
1916 (WERTHEIMER, 1945).
O experimento, considerado como o gatilho para a teoria da relatividade
restrita, tem inúmeras interpretações, elaboradas por filósofos e historiadores,
alguns com formação em física. É nosso entendimento que a análise mais consis-
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tente é aquela apresentada por Norton (2004; 2005; 2011), razão pela qual a de-
talharemos mais adiante.
Na sequência, apresentaremos os relatos de Einstein e Wertheimer, a aná-
lise de Norton e a matemática por trás do experimento, a partir das equações de
Maxwell.
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4.3 Einstein, Wertheimer e a recordação do experimento
mental
Max Wertheimer era um jovem professor de Psicologia da Universidade
de Berlim, e ao longo de 1916 fez inúmeras visitas a Einstein, e em algumas delas
ficava para assistir suas aulas. Seu objetivo era o de explorar os meandros e os
segredos do que ele denominava de pensamento produtivo, no contexto da teoria
da Gestalt, que tinha em Wertheimer um de seus criadores (MEDEIROS; MEDEI-
ROS, 2006, p.131). Vinte e sete anos depois desses encontros, Wertheimer deci-
diu relatar as conversas com Einstein sob a forma de um capítulo para seu livro
Productive Thinking, publicado em 1945, dois anos após sua morte (WERTHEI-
MER, 1945).
Entre os estudiosos da obra de Einstein, apenas Medeiros, Norton e Ar-
thur I. Miller (MILLER, 1975) abordam o relato de Wertheimer, que tem como
objetivo tornar clara a pergunta: Quais foram os passos decisivos no desenvolvi-
mento da teoria da relatividade de Einstein?, sem levar em conta questões sobre o
éter e sobre a relatividade galileana.
O relato, que Wertheimer denomina drama, é narrado em 10 atos. Na in-
trodução do capítulo, Wertheimer escreve:
Aqueles foram dias maravilhosos, começando em 1916, quando por horas e horas eu tive
a sorte de estar sentado à frente de Einstein, sozinho em seu gabinete, e ouvi-lo contar a
dramática história do desenvolvimento da teoria da relatividade. Durante aquelas longas
discussões eu questionei Einstein a respeito dos eventos concretos do seu pensamento.
Ele os descreveu, não com generalidades, mas abordando a gêneses de cada questão.
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No primeiro ato, intitulado O início do problema, Wertheimer aborda o
experimento mental da perseguição da luz.
O processo começou de um modo que não era muito claro, sendo portanto difícil de des-
crever. Inicialmente surgiram questões como: o que acontece se perseguirmos um raio
de luz? O que acontece se estivermos montado no raio? E se o perseguirmos, sua veloci-
dade diminuiria? E se o perseguirmos em alta velocidade, ele pararia? . . . Para o jovem
Einstein isso parecia estranho.
Na sequência Wertheimer aborda a questão do referencial, afirmando que
para outra pessoa o raio de luz teria outra velocidade, e questiona: qual seria es-
sa velocidade? Então, a luz poderia ter diferentes velocidades em diferentes dire-
ções. Essa confusão poderia ser elucidada por meio de medidas da velocidade da
luz em relação a um sistema em movimento, uma ideia que Einstein teve quando
estava concluindo a escola secundária, em Aarau, sem saber que isso já tinha sido
feito por Fizeau e Michelson, entre outros.
Wertheimer conclui o primeiro ato com uma frase de Einstein:
Eu sei que a velocidade da luz é em relação a um sistema. O que acontece se outro siste-
ma é considerado parece claro, mas as consequências são muito confusas.
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Maxwell são válidas em um sistema, elas não o são em outro. Elas teriam que ser altera-
das.
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relato de Wertheimer, apresentado na seção anterior. O texto de Einstein, escrito
em 1949, é muito similar ao de Wertheimer publicado em 1945.
Coincidentemente, Einstein recebeu o manuscrito de Wertheimer para
revisão, aproximadamente cinco anos antes de escrever suas notas autobiográfi-
cas. Nos arquivos de Einstein, há uma carta de Wertheimer, de 9 de agosto de
1943, na qual ele agradece os comentários de Einstein, e sobretudo sua aprova-
ção, ao dizer que o texto era bom, imganzengut (NORTON, 2004, p.77).
A referência que Einstein faz às equações de Maxwell (Entretanto, aparen-
temente não existe tal coisa, quer com base na experiência, quer de acordo com as
equações de Maxwell), que ele não conhecia na época do experimento, parece ter
sido induzida pelo relato que Wertheimer apresenta no Ato III:
(...) Nas equações de Maxwell do campo eletromagnético, a velocidade da luz desempe-
nha um papel importante; e ela é constante. Se as equações de Maxwell são válidas em
um sistema, elas não o são em outro. Elas teriam que ser alteradas.
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crevendo um experimento mental de 1895-1896, ou trata-se da descrição com adição de
análises posteriores?
Por outro lado, de acordo com a eletrodinâmica clássica, no éter, onde va-
lem as equações de Maxwell, a luz se propaga sob a forma de uma onda eletro-
magnética, cujas expressões para os campos elétrico e magnético são, em relação
ao éter, o sistema de referência que denominaremos S:
𝐸⃗ = ⃗⃗⃗⃗ ⃗ ∙ 𝑟)
𝐸0 𝑠𝑒𝑛(𝑤𝑡 − 𝑘 (1)
⃗ = ⃗⃗⃗⃗
𝐻 ⃗ ∙ 𝑟)
𝐻0 𝑠𝑒𝑛(𝑤𝑡 − 𝑘 (2)
O surfista, o jovem Einstein, movimenta-se no seu próprio sistema de re-
ferência, S’, com uma velocidade v em relação a S. As variáveis espaço e tempo
nesses sistemas relacionam-se assim:
𝑡 = 𝑡′ (3)
𝑟 = 𝑟′ + 𝑣𝑡′ (4)
Para atender a exigência de que o surfista ande à mesma velocidade da
onda, deveremos ter:
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⃗ ∙𝑣 =𝑤
𝑘 (5)
Substituindo (3-5) em (1-2), obtêm-se:
⃗ ∙ 𝑟′)
𝐸⃗ ′ = 𝐸⃗0′ 𝑠𝑒𝑛(−𝑘 (6)
⃗′=𝐻
𝐻 ⃗ ∙ 𝑟′)
⃗ 0′ 𝑠𝑒𝑛(−𝑘 (7)
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Figura 1 – Onda eletromagnética se propagando na direção do eixo dos x.
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A integral de linha do campo elétrico nos trajetos ab e cd resulta ser não
nula, enquanto nos trajetos bc e da ela é nula devido à ortogonalidade entre a li-
nha e o campo. Portanto a integral de linha fechada do campo elétrico é não nu-
la.
∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 ≠ 0. (9)
∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 = 0 (11)
Bibliografia
EINSTEIN, A. Notas autobiográficas. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1982.
MEDEIROS, A.; MEDEIROS, C. Einstein e a educação. São Paulo: Livraria da Física,
2006.
MILLER, A.I. Albert Einstein and Max Wertheimer: a Gestalt psycholo-
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103. Disponível em <http://articles.adsabs.harvard.edu/cgi-bin/nph-
11
iarticle_query?1975HisSc..13...75M&defaultprint=YES&filetype=.pdf>.
Acesso em 11/11/2015.
NORTON, J.D. Einstein’s Investigations of Galilean Covariant Electrodynamics
Prior to 1905. Arch. Hist. Exact Sci. 59 (2004) 45–105. Disponível em
<http://philsci-archive.pitt.edu/1743/2/Norton.pdf>. Acesso em
11.11.2015.
NORTON, J.D. Chasing a Beamof Light: Einstein'sMostFamousThoughtExperi-
ment. 2005. Disponível em
<http://www.pitt.edu/~jdnorton/Goodies/Chasing_the_light/>. Acesso
em 11.11.2015.
NORTON, J.D. Chasing a Beamof Light: Einstein'sMostFamousThoughtExperi-
ment. In: FRAPPIER, M. et al. (Eds). ThoughtExperiments in Philosophy,
Science, and. The Arts. New York: Routledge (2011), p. 123-140. Dis-
ponível em <http://www.pitt.edu/~jdnorton/papers/Chasing_final.pdf>.
Acesso em 11.11.2015.
STACHEL, J. Einstein’sMiraculousYear. Five papersthatchangedthe face ofphysics.
Princeton: Princeton University Press, 1998.
WERTHEIMER, M. Einstein: The thinkingthatledtothetheoryofrelativity. In:
WERHEIMER, M. ProductiveThinking. New York: Harper &Bros., 1945,
p.168-188. Disponível em
<https://archive.org/details/EinsteinThinking>. Acesso em 11.11.2015.
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