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Einstein surfando em uma onda de luz: a história mal contada de um


experimento idealizado

Chapter · October 2016

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Carlos Alberto dos Santos Fernando Lang da Silveira


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Einstein surfando em uma onda de luz: a histó-
ria mal contada de um experimento idealizado

Carlos Alberto dos Santos


Departamento de Ciências Exatas e Naturais
Universidade Federal Rural do Semi-Árido

Fernando Lang da Silveira


Instituto de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

4.1 Introdução
Além de ter contribuído para as principais áreas da física no início do sé-
culo 20, Albert Einstein deixou para as gerações futuras um conjunto de intrigan-
tes enigmas a respeito da sua heurística em determinados estudos. Até hoje vá-
rios historiadores debatem a rota epistemológica seguida por ele para chegar a
alguns dos seus fantásticos resultados.
Neste ano de celebração da luz e suas tecnologias, consideramos instruti-
vo analisar um desses enigmas. Trata-se de um experimento imaginado por Eins-
tein, ao mesmo tempo inexecutável e gatilho para o surgimento da teoria da rela-
tividade restrita. Einstein tinha 16 anos quando a ideia lhe ocorreu. Ele acabara
de ser reprovado no exame de admissão da Escola Politécnica de Zurique, a fa-
mosa ETH (Eidgenössische Technische Hochschule), e estava cursando o último
ano do ensino médio na Escola Cantonal de Aarau.


- Capítulo do livro organizado pelo Prof. Carlos Alberto dos Santos (IF-UFRGS),
intitulado Sobre a luz e algumas de suas tecnologias (no prelo).
Antes que alguém se arvore em dizer que a reprovação na ETH confirma
que Einstein era mau aluno, vamos logo esclarecer essa história. Quando estava
no primeiro ano do ensino médio, Einstein resolveu abandonar o colégio e ir pa-
ra a casa de seus pais, que naquele momento residiam na Itália. Para não perder
o vínculo com a escola, consegue, de um médico amigo da família, um atestado
segundo o qual estava com estafa nervosa. Ao mesmo tempo, convence seu pro-
fessor de matemática a lhe dar uma declaração de que estava intelectualmente
apto e emocionalmente maduro para acompanhar qualquer curso superior que
exigisse conhecimentos de matemática (FÖLSING, 1997, p.30). Esta declaração
foi uma esperteza para fazer uso de uma legislação vigente na Suíça e na Alema-
nha daquela época. Alunos que não tivessem concluído o ensino médio poderiam
frequentar escolas técnicas, como a ETH, desde que apresentassem atestado de
maturidade emocional e intelectual, e fossem aprovados no exame de admissão.
Einstein foi malsucedido nas provas de francês e biologia, mas suas pro-
vas de matemática e física foram tão impressionantes, que o examinador de física
disse-lhe que o aceitaria como aluno ouvinte em seus cursos. O diretor da ETH
teve outra ideia: sugeriu que Einstein concluísse o ensino média numa escola em
Aarau e voltasse no próximo ano. Com o diploma do ensino médio ele seria admi-
tido sem ter que fazer o exame de admissão (PAIS, 1995, p.47).
Em suas notas autobiográficas, Einstein confessa que aquele ano em Aa-
rau foi o período escolar mais feliz da sua vida. Foi ali, com dezesseis anos de
idade, que ele teve a ideia que será discutida neste capítulo. Trata-se de um ex-
perimento mental no qual ele cavalga ao lado de um raio de luz, com a mesma
velocidade da luz. Em linguagem moderna, podemos dizer que ele estava surfan-
do numa onda de luz.
Existem dois relatos confiáveis a respeito dessa história, um deles escrito
pelo próprio Einstein, em suas notas autobiográficas (EINSTEIN, 1982, p.55), e
outro escrito por Max Wertheimer, um psicólogo alemão que o entrevistou em
1916 (WERTHEIMER, 1945).
O experimento, considerado como o gatilho para a teoria da relatividade
restrita, tem inúmeras interpretações, elaboradas por filósofos e historiadores,
alguns com formação em física. É nosso entendimento que a análise mais consis-

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tente é aquela apresentada por Norton (2004; 2005; 2011), razão pela qual a de-
talharemos mais adiante.
Na sequência, apresentaremos os relatos de Einstein e Wertheimer, a aná-
lise de Norton e a matemática por trás do experimento, a partir das equações de
Maxwell.

4.2 O relato de Einstein


Em suas notas autobiográficas, Einstein (1982, p.55) ao relatar sua deses-
perada busca por um princípio geral que conduzisse à explicação de todos os fe-
nômenos físicos exibidos pela natureza, ele lembra o paradoxo com o qual se de-
frontara quando tinha dezesseis anos. Essa busca, que desembocaria na teoria do
campo unificado, tem início no seu encantamento pela termodinâmica e na exis-
tência de um princípio geral, segundo o qual as leis da natureza são tais que é
impossível construir um moto perpétuo. Ele queria achar algo assim, um princí-
pio universal para os fenômenos eletromagnéticos, e foi busca-lo em um deva-
neio juvenil, quando, aos 16 anos se imaginou surfando em uma onda de luz. Dez
anos depois encontraria o princípio universal que está por trás da teoria da rela-
tividade restrita, ou seja, as leis da física devem ser as mesmas para qualquer ob-
servador, em qualquer sistema de referência.
Eis seu relato (EINSTEIN, 1982, p.55):
Se um raio luminoso for perseguido a uma velocidade c (velocidade da luz no vácuo), ob-
servamos esse raio de luz como um campo eletromagnético em repouso, embora com os-
cilação espacial. Entretanto, aparentemente não existe tal coisa, quer com base na expe-
riência, quer de acordo com as equações de Maxwell. Desde o início, tive a intuição clara
de que, segundo o ponto de vista desse observador, tudo devia acontecer de acordo com
as mesma leis aplicáveis a um observador que estivesse em repouso em relação à terra.
Pois, como poderia o primeiro observador saber ou determinar que está em estado de
movimento rápido uniforme?
Vemos nesse paradoxo o germe da teoria da relatividade restrita. Hoje todos sabem que
as tentativas de esclarecer satisfatoriamente esse paradoxo estariam condenadas ao fra-
casso enquanto o axioma do caráter absoluto do tempo, ou da simultaneidade, estivesse
enraizado no inconsciente. A compreensão do axioma e do seu caráter arbitrário é o pon-
to essencial para a solução do problema.

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4.3 Einstein, Wertheimer e a recordação do experimento
mental
Max Wertheimer era um jovem professor de Psicologia da Universidade
de Berlim, e ao longo de 1916 fez inúmeras visitas a Einstein, e em algumas delas
ficava para assistir suas aulas. Seu objetivo era o de explorar os meandros e os
segredos do que ele denominava de pensamento produtivo, no contexto da teoria
da Gestalt, que tinha em Wertheimer um de seus criadores (MEDEIROS; MEDEI-
ROS, 2006, p.131). Vinte e sete anos depois desses encontros, Wertheimer deci-
diu relatar as conversas com Einstein sob a forma de um capítulo para seu livro
Productive Thinking, publicado em 1945, dois anos após sua morte (WERTHEI-
MER, 1945).
Entre os estudiosos da obra de Einstein, apenas Medeiros, Norton e Ar-
thur I. Miller (MILLER, 1975) abordam o relato de Wertheimer, que tem como
objetivo tornar clara a pergunta: Quais foram os passos decisivos no desenvolvi-
mento da teoria da relatividade de Einstein?, sem levar em conta questões sobre o
éter e sobre a relatividade galileana.
O relato, que Wertheimer denomina drama, é narrado em 10 atos. Na in-
trodução do capítulo, Wertheimer escreve:
Aqueles foram dias maravilhosos, começando em 1916, quando por horas e horas eu tive
a sorte de estar sentado à frente de Einstein, sozinho em seu gabinete, e ouvi-lo contar a
dramática história do desenvolvimento da teoria da relatividade. Durante aquelas longas
discussões eu questionei Einstein a respeito dos eventos concretos do seu pensamento.
Ele os descreveu, não com generalidades, mas abordando a gêneses de cada questão.

Embora Wertheimer use palavras, expressões e frases entre aspas, suge-


rindo ser de autoria de Einstein, em momento algum ele usa Einstein como inter-
locutor. Sua narrativa assemelha-se a uma análise da obra de Einstein, como se a
tivesse conhecido da literatura. De fato, a narrativa é uma mistura das conversas
e das leituras da obra de Einstein. Antes da descrição dos atos, Wertheimer es-
creve:
Os artigos originais de Einstein apresentam seus resultados. Eles não contam a história
de suas reflexões. Em um dos seus livros ele descreve alguns passos do processo. Eu o ci-
tarei nos locais apropriados neste capítulo.

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No primeiro ato, intitulado O início do problema, Wertheimer aborda o
experimento mental da perseguição da luz.
O processo começou de um modo que não era muito claro, sendo portanto difícil de des-
crever. Inicialmente surgiram questões como: o que acontece se perseguirmos um raio
de luz? O que acontece se estivermos montado no raio? E se o perseguirmos, sua veloci-
dade diminuiria? E se o perseguirmos em alta velocidade, ele pararia? . . . Para o jovem
Einstein isso parecia estranho.
Na sequência Wertheimer aborda a questão do referencial, afirmando que
para outra pessoa o raio de luz teria outra velocidade, e questiona: qual seria es-
sa velocidade? Então, a luz poderia ter diferentes velocidades em diferentes dire-
ções. Essa confusão poderia ser elucidada por meio de medidas da velocidade da
luz em relação a um sistema em movimento, uma ideia que Einstein teve quando
estava concluindo a escola secundária, em Aarau, sem saber que isso já tinha sido
feito por Fizeau e Michelson, entre outros.
Wertheimer conclui o primeiro ato com uma frase de Einstein:
Eu sei que a velocidade da luz é em relação a um sistema. O que acontece se outro siste-
ma é considerado parece claro, mas as consequências são muito confusas.

No segundo ato, intitulado A luz determina um estado de repouso absolu-


to?, Wertheimer introduz a séria e complicada questão do éter, que está associa-
do ao repouso absoluto. Inicia a discussão atribuindo ao jovem Einstein a convic-
ção de que é impossível sabermos se estamos num sistema parado ou em movi-
mento, de modo que não pode existir movimento absoluto. Esse era o conflito.
Enquanto a luz exigia um estado de repouso absoluto, o éter, a mecânica e outros
processos físicos não o exigiam. Consistente com essa conclusão, na época da es-
cola secundária, o éter era apenas um meio para a ocorrência de fenômenos elé-
tricos.
A partir do terceiro ato, sem fazer qualquer alerta, Wertheimer salta da
época da escola de Aarau para a Escola Técnica de Zurique, a famosa ETH, onde
Einstein concluiu seu curso universitário. A narrativa não explicita esse salto. In-
ferimos que é assim pelo assunto tratado.
Wertheimer inicia o terceiro ato assim:
Começa o trabalho sério. Nas equações de Maxwell do campo eletromagnético, a veloci-
dade da luz desempenha um papel importante; e ela é constante. Se as equações de

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Maxwell são válidas em um sistema, elas não o são em outro. Elas teriam que ser altera-
das.

Einstein só estudou as equações de Maxwell na ETH. Então, o terceiro ato


trata das reflexões de Einstein durante seu curso universitário. Em determinado
momento Einstein questiona: O que aconteceria com as equações de Maxwell e
com sua concordância com os fatos se assumíssemos que a velocidade da luz de-
pende do movimento da fonte? Essa hipótese tem a ver com a teoria da emissão
que andou sendo considerada entre o final do século 19 e início dos anos 1900.
Trataremos disso na sequência.
Wertheimer não explora essa questão, ele conclui o terceiro ato dizendo:
Crescia a convicção de que a situação em relação à luz não devia ser diferente daqueles
em relação aos processos mecânicos (nenhum movimento absoluto, nenhum repouso
absoluto). O que tomou muito tempo de Einstein foi isso: ele não podia duvidar da cons-
tância da luz e ao mesmo tempo que deveria ter uma teoria eletromagnética satisfatória.

A partir do quarto ato Wertheimer passa a discutir vários aspectos da te-


oria da relatividade restrita, que não têm a ver com o experimento mental.

4.4 A análise de Norton


Em três artigos, John D. Norton analisa o relato de Einstein a respeito des-
se experimento mental (NORTON, 2004; 2005; 2011). Norton não acredita que o
relato, publicado em suas notas autobiográficas (EINSTEIN, 1982, p.55), corres-
ponda exatamente às reflexões que Einstein tenha feito aos 16 anos. Se o expe-
rimento foi tão importante para o desenvolvimento da teoria da relatividade res-
trita, como afirma Einstein, por que ele não o mencionou no trabalho de 1905?
Naquele trabalho de apresentação da teoria da relatividade, Einstein usa outro
experimento mental, envolvendo o movimento relativo entre um condutor elé-
trico e um ímã (STACHEL, 1998, p.123). Outra indicação de que o relato prova-
velmente não corresponde aos fatos é a referência que Einstein faz às equações
de Maxwell, um assunto que ele só viria estudar durante seu curso universitário.
Então, como o relato de Einstein tomou a forma que ele apresentou em
suas notas autobiográficas? A hipótese de Norton é que ele foi influenciado pelo

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relato de Wertheimer, apresentado na seção anterior. O texto de Einstein, escrito
em 1949, é muito similar ao de Wertheimer publicado em 1945.
Coincidentemente, Einstein recebeu o manuscrito de Wertheimer para
revisão, aproximadamente cinco anos antes de escrever suas notas autobiográfi-
cas. Nos arquivos de Einstein, há uma carta de Wertheimer, de 9 de agosto de
1943, na qual ele agradece os comentários de Einstein, e sobretudo sua aprova-
ção, ao dizer que o texto era bom, imganzengut (NORTON, 2004, p.77).
A referência que Einstein faz às equações de Maxwell (Entretanto, aparen-
temente não existe tal coisa, quer com base na experiência, quer de acordo com as
equações de Maxwell), que ele não conhecia na época do experimento, parece ter
sido induzida pelo relato que Wertheimer apresenta no Ato III:
(...) Nas equações de Maxwell do campo eletromagnético, a velocidade da luz desempe-
nha um papel importante; e ela é constante. Se as equações de Maxwell são válidas em
um sistema, elas não o são em outro. Elas teriam que ser alteradas.

Norton aponta duas possibilidades para o exame do experimento, uma


explicitamente colocada por Einstein, ou seja, o exame da compatibilidade com
as equações de Maxwell, e outra imaginada por Norton, orientada por uma teoria
da emissão da luz. Pelo que se sabe dos estudos de Einstein, a primeira possibili-
dade só foi por ele considerada anos depois de imaginar o experimento. Uma te-
oria de emissão de luz foi publicada por Walter Ritz em 1908, mas tudo indica
que, antes de Ritz, Einstein considerou a possibilidade de algo similar (NORTON,
2004, p.63). Essencialmente, a teoria da emissão preconiza que a velocidade da
luz deve ser somada à da fonte emissora.
Em seu artigo de 2011, Norton apresenta duas razões para considerar de-
cepcionante esse experimento mental (NORTON, 2011, p.2-3.):
Em primeiro lugar, ao contrário de outros [experimentos mentais de Einstein], não é cla-
ro como este experimento funciona. Ao ler tomar conhecimento do experimento, muitos
leitores provavelmente o acharão sedutor, mas logo ficarão com um sentimento de en-
tendimento incompleto. Por que, perguntarão, é problemático o congelamento da luz
neste experimento? (...) Ele não contradiz a teoria eletrodinâmica baseada no éter. Este é
o problema físico do experimento.
Em segundo lugar, há um problema histórico. O experimento que surgiu entre o segundo
semestre de 1895 e o primeiro de 1896, tem uma referência às equações de Maxwell,
mas Einstein só estudou esse assunto por volta de 1898. Estará Einstein meramente des-

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crevendo um experimento mental de 1895-1896, ou trata-se da descrição com adição de
análises posteriores?

Vejamos alguns pontos da análise de Norton para entender porque ele


chegou a essa avaliação negativa a respeito desse famoso experimento mental de
Einstein. A análise de Norton consiste em responder as questões de Einstein, do
ponto de vista da teoria eletrodinâmica clássica e da teoria da emissão da luz.
Para facilitar, vamos reproduzir o relato de Einstein por partes. O início
do relato é este:
Se um raio luminoso for perseguido a uma velocidade c (velocidade da luz no vácuo), ob-
servamos esse raio de luz como um campo eletromagnético em repouso, embora com os-
cilação espacial. Entretanto, aparentemente não existe tal coisa, quer com base na expe-
riência, quer de acordo com as equações de Maxwell.
Norton não entende por que Einstein levantou essa questão da experiên-
cia, uma vez que ninguém pode viajar à velocidade da luz. Se isso fosse possível,
certamente veríamos a luz congelada. Em nossa opinião, Einstein não afirma que
não se pode viajar com a velocidade da luz. Ele apenas afirma que a experiência
não nos dá acesso a campo eletromagnéticos oscilantes no espaço e estáticos no
tempo. Ou seja, ele está simplesmente dizendo que campos com tais característi-
cas não podem existir.

Por outro lado, de acordo com a eletrodinâmica clássica, no éter, onde va-
lem as equações de Maxwell, a luz se propaga sob a forma de uma onda eletro-
magnética, cujas expressões para os campos elétrico e magnético são, em relação
ao éter, o sistema de referência que denominaremos S:
𝐸⃗ = ⃗⃗⃗⃗ ⃗ ∙ 𝑟)
𝐸0 𝑠𝑒𝑛(𝑤𝑡 − 𝑘 (1)
⃗ = ⃗⃗⃗⃗
𝐻 ⃗ ∙ 𝑟)
𝐻0 𝑠𝑒𝑛(𝑤𝑡 − 𝑘 (2)
O surfista, o jovem Einstein, movimenta-se no seu próprio sistema de re-
ferência, S’, com uma velocidade v em relação a S. As variáveis espaço e tempo
nesses sistemas relacionam-se assim:
𝑡 = 𝑡′ (3)
𝑟 = 𝑟′ + 𝑣𝑡′ (4)
Para atender a exigência de que o surfista ande à mesma velocidade da
onda, deveremos ter:

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⃗ ∙𝑣 =𝑤
𝑘 (5)
Substituindo (3-5) em (1-2), obtêm-se:
⃗ ∙ 𝑟′)
𝐸⃗ ′ = 𝐸⃗0′ 𝑠𝑒𝑛(−𝑘 (6)
⃗′=𝐻
𝐻 ⃗ ∙ 𝑟′)
⃗ 0′ 𝑠𝑒𝑛(−𝑘 (7)

Então, no sistema, S’, do surfista, a onda oscila no espaço independente-


mente do tempo. Ou seja, tem-se uma onda congelada. Portanto, o experimento é
consistente com a teoria clássica do eletromagnetismo.
Vejamos agora como essas questões podem ser vistas a partir de uma teo-
ria da emissão da luz. Ao contrário do que afirma Einstein, a experiência do sur-
fista resultaria na observação de uma onda congelada. Aliás, ele também veria
uma onda congelada se estivesse parado e a onda fosse emitida por uma fonte
que se afastasse com a velocidade da luz, em relação ao observador, já que a ve-
locidade da fonte deve ser somada à velocidade da luz.
Finalmente, Einstein questiona: como poderia o primeiro observador saber
ou determinar que está em estado de movimento rápido uniforme? Ninguém com-
preende por que Einstein levanta essa questão. Na teoria clássica, o observador
sabe que está em movimento rápido, ou seja com a velocidade da luz, porque es-
ta lhe aparece congelada.
Então, os questionamentos de Einstein, como expressos em seu relato,
não fazem sentido em termos de uma contraposição em relação à teoria clássica
da eletrodinâmica. Todavia, analisando o experimento sob outro ângulo, encon-
tramos uma contradição na aplicação das equações de Maxwell, como veremos a
seguir.

4.5 O experimento e as equações de Maxwell


Imaginemos uma onda eletromagnética plana se propagando na direção
do eixo dos x conforme a figura 1, sendo o campo elétrico orientado segundo o
eixo dos y, oscilando no espaço e no tempo. O campo magnético também oscila
no espaço e no tempo, em fase com o campo elétrico, mas orientado segundo o
eixo dos z.

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Figura 1 – Onda eletromagnética se propagando na direção do eixo dos x.

No experimento mental proposto por Einstein passa-se para o sistema de


referência que se move juntamente com a onda e, portanto, os campos elétricos e
magnéticos em tal sistema de referência não mais oscilam no tempo (são campos
estáticos), apesar de oscilarem no espaço.
Consideremos agora a Lei de Faraday-Lenz na forma integral, dada pela
expressão 1:
𝑑
∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 = − Φ . (8)
𝑑𝑡 𝐵

A figura 2 representa os campos elétricos e magnéticos no sistema de re-


ferência que se move juntamente com a onda e uma linha de integração retangu-
lar (retângulo abcd) contida no plano xy e percorrida no sentido indicado.

Figura 2 – Campos elétrico e magnético estáticos e oscilantes espacialmente.

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A integral de linha do campo elétrico nos trajetos ab e cd resulta ser não
nula, enquanto nos trajetos bc e da ela é nula devido à ortogonalidade entre a li-
nha e o campo. Portanto a integral de linha fechada do campo elétrico é não nu-
la.

∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 ≠ 0. (9)

Mas como o campo magnético é estático, a derivada temporal do fluxo


magnético sobre a área do retângulo abcd é trivialmente nula. Ou seja, de acordo
com a Lei da Faraday-Lenz decorre que
𝑑
∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 = − Φ =0 (10)
𝑑𝑡 𝐵

∮ 𝐸⃗ ∙ 𝑑𝑙 = 0 (11)

Ora, estabelece-se então uma contradição, um paradoxo entre as expres-


sões 2 e 4. Daí decorre que no vácuo não podem existir campos elétricos e mag-
néticos estáticos (temporalmente constantes) e oscilando no espaço.
De maneira semelhante é possível também mostrar a impossibilidade de
tais campos estáticos e espacialmente oscilantes através da Lei da Ampère-
Maxwell para o vácuo.
Então, embora Einstein não tenha explicitado esse ângulo da questão,
nem tampouco Norton em sua análise, talvez tenha sido por esse caminho que
Einstein afirmou a não existência dos fatos levantados no experimento mental da
perseguição do raio de luz, ou da surfagem no raio de luz.

Bibliografia
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NORTON, J.D. Chasing a Beamof Light: Einstein'sMostFamousThoughtExperi-
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