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XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2009 – Vitória, ES 1

HISTÓRIA DO PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA:


ALGUNS APONTAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
*
WELLINGTON PEREIRA DE QUEIRÓS (1), ROBERTO NARDI (2)
(1)
Universidade Estadual Paulista (UNESP-Bauru). Faculdade de Ciências. Doutorando do Programa
de Pós -Graduação em Educação para a Ciência. Faculdade de Ciências. Apoio: CNPq & Capes
[email: Wellington_fis@yahoo.com.br ].
(2)
Universidade Estadual Paulista (UNESP -Bauru). Faculdade de Ciências. Professor Adjunto, Depto.
de Educação. Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências. Programa de Pós-Graduação em
Educação para a Ciência. Faculdade de Ciências. Apoio: CNPq [email: nardi@fc.unesp.br]

RESUMO

As pesquisa s na área de Ensino de Ciências têm mostrado que estudantes, livros


didáticos, meios de comunicação e a formação de professores muitas vezes apresentam
uma concepção de ciência linear, absoluta , e isolada do contexto social. Deste modo, tais
pesquisas, reforçam a discussão de temas de História e Epistemologia da Ciência na
formação de professores, no ensino médio, nos livros didáticos e na divulgação científica.
Entretanto, ainda existem poucas pesquisas mostrando a história de fatos científicos que
visam contribuir para a mudança dessa realidade. Diante dessa problemática, neste trabalho
descrevemos aspectos históricos do princípio da conservação da energia, a partir da
pesquisa em fontes secundárias. Destacamos ainda alguns pontos dessa evolução histórica,
como elementos metafísicos, experimentais, a relação do estabelecimento do princípio da
conservação da energia com as várias áreas da física, e algumas disputas de cientistas
como Mayer e Joule sobre a prioridade da “descoberta” do princípio da conservação da
energia. Na análise histórica utilizamos as categorias epistemológicas: estilo de
pensamento, coletivo de pensamento e circulação intercoletiva e intracoletiva de idéias e
práticas de Ludwik Fleck. Além da análise do princípio da conservação da energia, tais
categorias epistemológicas contribuem também, no processo de formação de professores,
em que podemos considerar vários grupos de professores como coletivos de pensamento
diferentes influenciados por estilos de pensamento distintos. A circulação intercoletiva e
intracoletiva de idéias e práticas entre esses grupos podem ajudar na instauração e
transformação de estilos de pensamento. No caso particular do estudo do princípio da
conservação da energia, a apropriação da epistemologia fle ckiana possibilita os professores
entenderem a dinâmica da construção do conhecimento científico compreendendo que a
ciência é uma construção coletiva influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos.
Tal modelo epistemológico pode ser adotado por professores em suas práticas pedagógicas
na sala de aula do ensino médio.
Palavras Chave: Ensino de Física, História e Filosofia da Ciência, Princípio da
Conservação da Energia

1 - INTRODUÇÃO

As pesquisas na área de ensino de ciências têm mostrado que estudantes,


livros didáticos, meios de comunicação e a formação de professores apresentam
uma visão de ciência que tenta ficar isenta das influências econômicas, políticas,
sociais e culturais. Nessa perspectiva, o principal objetivo dos cientistas parece ser
descobrir leis naturais e verdades constituídas de teorias absolutas, isoladas do
contexto externo. No entanto, tais pesquisas vêm mostrando também através de
estudos históricos, e a utilização de referenciais da filosofia contemporânea, que
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essa visão de ciência é equivocada (PRETTO, 1995; PORLAN et. al; 1998;
HARRES, 1999; KOHNLEIN E PEDUZZI, 2002).
Assim, diante dessa problemática essas pesquisas reforçam cada vez mais,
a discussão de temas de História e Filosofia da Ciência e da epistemologia da
ciência na formação de professores, no ensino médio, nos livros didáticos e na
divulgação científica, de forma a contribuir para uma visão mais adequada da
ciência, bem como, promover um ensino de ciências mais humano e
contextualizado.
A utilização da História da Ciência em sala de aula requer que os
professores possuam uma formação que lhes permita fazer uma seleção de material
histórico adequado ou mesmo a construção de materiais específicos para a situação
de ensino-aprendizagem. Faz -se necessário, uma maior vinculação da formação
científica com a pedagógica, além disso, exige-se uma compreensão do
desenvolvimento científico em uma linguagem técnica e especializada, presente nos
textos originais, como ainda conhecimentos epistemológicos que permitam fazer
uma seleção e utilização pedagógica fundamentada (PACCA e DION, 1999). Isso
quer dizer um professor capaz de entender como o conhecimento científico é
construído e ainda saber fazer a transposição didática desse conhecimento.
Diante disso, o professor tem um papel importante no processo ensino-
aprendizagem, e a História da Ciência pode ajudar o professor, pois, de acordo com
Martins (1990) o professor conhecendo as concepções antigas de um determinado
conceito, terá maior facilidade em compreender as dificuldades e resistências de
seus alunos e poderá mais facilmente respeitar as suas concepções e fazer uma
transposição didática para o conhecimento atual.
Portanto, o entendimento de como um conceito foi construído ao longo da
história facilita o aprendizado da concepção final desse conceito. Um exemplo é o
conceito de energia, que para facilitar o entendimento precisamos recorrer ao
processo histórico da construção do princípio da conservação da energia.
Segundo Assis e Teixeira (2003, p.46), na prática educativa, ao
desconsiderar o processo histórico evolutivo sobre o conceito de energia, partindo
rapidamente à formalização matemática de cada tipo de energia, que constitui o
resultado final desse processo, corre -se o risco de o conhecimento ser transmitido
de forma fragmentada, o que dificulta para o aluno a viabilidade de articular as várias
formas de energia e compreender sua conservação e transformação.
Estudar o desenvolvimento histórico do princípio da conservação da energia
é de fundamental importância, pois, foi a partir dele é que houve a emergência do
conceito de energia. O conceito de energia é um elemento de ligação entre
diferentes partes da física, bem como possibilita estabelecer relações com outras
áreas do conhecimento. Segundo Angotti (1991), “é o conceito de energia que
sinaliza para o mais sofisticado princípio da termodinâmica, o do crescimento da
entropia, princípio atualmente considerado como grande inspirador para os avanços
da pesquisa em Ciência e Tecnologia.”
Diante de toda a problemática explicitada acima, e de poucos materiais
históricos que ajude na formação e na prática de professores é que a presente
comunicação pretende fazer um estudo histórico do princípio da conservação da
energia. Tal estudo não tem a pretensão de preescrever uma forma de abordar a
história do princípio da conservação da energia, mas contribuir como um material
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histórico, que possa servir como subsídio para discussão nos cursos de formação de
professores de física e para os professores em serviço. A análise do estudo seguirá
a perspectiva epistemológica de Ludwik Fleck.
A teoria de conhecimento de Fleck fundamenta -se na idéia de que a relação
do sujeito com o objeto é influenciada por fatores externos como cultura, economia e
política. Assim para Fleck (1986), os fatos científicos são condicionados e explicados
sócio-historicamente e introduz as categorias: coletivo de pensamento e estilo de
pensamento. O estilo de pensamento é caracterizado pelas condições sociais,
culturais de uma época. Enquanto o coletivo de pensamento seria constituído por
um coletivo de cientistas que compartilham o ideal de um estilo de pensamento. Os
coletivos de pensamento dividem-se em círculos esotéricos e exotéricos.
O significado dos círculos esotéricos e exotéricos é relativo. Como por
exemplo, podemos ter um coletivo de físicos interagindo com outros coletivos de
físicos formando assim um círculo esotérico. O coletivo de pedagogos entre eles
constitui um círculo esotérico, mas esse mesmo círculo é exotérico em relação aos
físicos, e assim da mesma forma os físicos em relação aos pedagogos. A interação
entre esses círculos se dá através da circulação intercoletivas e intracoletivas de
idéias que como conseqüência pode estabelecer a instauração, extensão e
transformação de um estilo de pensamento.

2 - O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA

O estabelecimento do princípio da conservação da energia surge pela


integração de áreas do conhecimento científico aparentemente desconexas,
contribuindo para o avanço da termodinâmica e do conceito de energia. Segundo
Martins (1984) para se chegar ao princípio da conservação da energia foi necessário
o trabalho de muitos pesquisadores que contribuíram de diferentes formas para a
elaboração da teoria e sua fundamentação experimental. Isto é corroborado por
Fleck (1986) em que a emergência de um fato científico se dá pelo trabalho
individual que contribui para o coletivo mediado por um estilo de pensamento
inserido em um contexto histórico. Segundo ele, isso pode ocorrer pela circulação
intercoletiva e intracoletivas de idéias e práticas, por meio, de divulgação dos
trabalhos dos cientistas em revistas científicas, palestras, conferências.
Para Kuhn (1977) existem dois momentos fundamentais para elaboração do
princípio da conservação da energia. Um entre 1800 e 1842 em que o princípio de
convertibilidade das várias forças 1 em especial de calor em trabalho era
compartilhado por vários pesquisadores da época (C. F. Mohr, Willian Grove,
Faraday e Liebig) sem, contudo envolver a idéia de conservação. Esta “força” mais
tarde viria a ser chamada pelos cientistas de energia.
O outro entre 1842 e 1847 que ocorre a “descoberta” simultânea do princípio
da conservação da energia, este período é marcado pela “generalidade na
formulação” e “aplicações quantitativas concretas” são características que fez do
princípio da conservação da energia como uma das descobertas mais importantes
da história da ciência.

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Naquela época o que conhecemos hoje como energia era chamado de força.
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Essa generalidade na formulação e aplicações quantitativas concretas pode


ser exemplificada em Martins (1984) na sua análise feita do primeiro artigo publicado
por Mayer (1842) no qual enfatiza, como um princípio filosófico a idéia de que
alguma coisa deve se conservar nas transformações físicas. Ele justifica essa idéia a
partir dos princípios metafísicos de que “nada pode surgir do nada”, e a causa é
igual ao efeito. Um exemplo da quantificação é do cálculo feito por Mayer do
equivalente mecânico do calor como sendo: 1cal = 3,6 J, que atualmente sabemos
ser aproximadamente 4,18J.
Segundo Martins (1984) o problema fisiológico detectado por Mayer, da
diferença da cor do sangue de um europeu na Europa da de um europeu em Java
serviu de motivação para Mayer estudar os processos de conservação. Para Mayer
a distinção entre a cor do sangue arterial e venoso seria devido a diferença entre
suas quantidades de oxigênio e gás carbônico e para que um corpo possa manter a
sua temperatura constante, o calor interno desenvolvido deve manter uma relação
quantitativa com o calor perdido pelo corpo. Isto necessariamente depende da
temperatura do meio ambiente, logo a produção de calor e o processo de oxidação,
assim como a diferença de cor dos dois tipos de sangue, devem ser no total, menor
nas zonas tórridas do que em regiões temperadas.
Mayer se aprofundou ainda mais nas questões físicas, fisiológicas e
químicas dos efeitos produzidos pelo calor corporal. Contudo suas idéias não
tiveram grande aceitabilidade na comunidade científica da época, mas para alguns
historiadores da ciência como Martins e Sarton os seus trabalhos foram significativos
para o estabelecimento do princípio da conserva ção da energia.
A descoberta deste princípio se deu de forma desordenada, do surgimento
de elementos experimentais e conceituais por alguns cientistas como Mayer, Joule,
Colding, Helmholtz, Sadi Carnot, Marc Séguin entre outros. Apesar de terem feito
experimentos distintos em momentos diferentes, o fato é que eles estavam falando
da mesma coisa: o princípio da conservação da energia, e que isso é chamado de
descoberta simultânea (KUHN, 1977).
Kuhn (1977, p. 106) comenta que os cientistas não trabalharam de forma
independente e que Grove e Helmholtz conhecia o trabalho de Joule e citaram nas
suas publicações de 1843 e 1847. O mesmo acontece com Joule e Faraday.
Segundo Martins (1984) suspeita-se que as idéias de Faraday tenham influenciado
Joule, pois, os primeiros trabalhos de Joule foram o estudo das reações químicas e
fenômenos eletromagnéticos que eram semelhantes aos trabalhos de Faraday.
No entanto Kuhn acrescenta que:...Mas estas interdependências, pelo
menos identificáveis, parecem pouco importantes (Kuhn, 1977, p. 106). Através
dessa passagem percebemos que Kuhn não valoriza a circulação intracoletiva e
intercoletiva de idéias, o que para Fleck é um fator importante na construção de um
fato científico. Para Fleck (1986) a interação entre os membros de um coletivo e
entre aqueles de distintos coletivos se dá, respectivamente, pela circulação
intracoletiva e intercoletiva de idéias. A circulação de idéias pode contribuir para
instauração, extensão e transformação de um estilo de pensamento.
Segundo Kuhn (1977) existem três fatores significativos que desencadearam
a descoberta simultânea do princípio da conservação da energia: A disponibilidade
dos processos de conversão, a preocupação com motores, e o movimento da
Naturphilosophie. O primeiro fator retrata uma época marcada pela descoberta de

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vários processos de conversão entre as diferentes formas de energia. Vejamos na


tabela 1 algumas destas conversões:
Tabela 1: Alguns Processos de Transformação de Energia
Ano Pesquisador Conversão
1768 Watt (1736-1819) Térmica → cinética (máquina térmica)
1800 Volta (1745-1827) Química → elétrica (pilha)
1820 Oersted (1777-1851) Elétrica → magnética (eletroímã)
1821 Seebeck (1770- Térmica → elétrica (termopar)
1831)
1831 Faraday (1791-1867) Magnética → elétrica (indução
eletromagnética)
1840 Joule (1818-1889) Elétrica → térmica (efeito Joule)
Fonte: Textos de apoio ao professor de física -IF-UFRGS, v. 17, n.3, 2006.

Assim, o calor pode produzir eletricidade, a eletricidade pode produzir calor.


Com esses processos de conversão, áreas e problemas anteriormente separados
começaram a se inter-relacionarem, isso foi um dos fatores que contribuiu para a
emergência da conservação da energia.
As investigações de James Prescott Joule (1818-1889) foi o marco principal
de como os processos de conversão demarcaram a base experimental da
conservação da energia e possibilitou os laços fundamentais entre os vários
cientistas principalmente os da engenharia do vapor. Em 1838, Joule estava
preocupado com os motores elétricos, em 1840 o seu estudo dos motores em
termos de trabalho e funcionamento aproxima dos investigadores das máquinas a
vapor, Carnot, Séguin, Hirn e Horltzmann. Em 1841 e 1842 desviou a sua atenção
para os problemas químicos vinculados às baterias que moviam os motores
elétricos.
Em 1843, preocupado com a descoberta de um erro no seu trabalho anterior
com baterias fez com que ele voltasse a suas pesquisas para o motor em termos de
trabalho-funcionamento estudando as conversões entre os diferentes tipos de
“forças” (elétrica em calor, mecânica em calor) determinando, inclusive a
equivalência entre trabalho e calor.
Segundo Martins (1984), Joule no seu primeiro artigo publicado em 1843
mostra que o calor gerado na bobina de um eletroímã é proporcional ao quadrado da
corrente elétrica que a percorre - o primeiro estudo quantitativo do efeito Joule. No
mesmo trabalho Joule mostra ainda por meio do motor elétrico uma relação entre o
calor produzido pelas correntes elétricas e o trabalho gerado ou consumido. Suas
primeiras medidas mostraram que o aquecimento de uma libra de água a 10 F era
equivalente ao trabalho mecânico capaz de erguer 896 libras à altura de um pé – ou
seja, um resultado correspondente a 1 cal = 4,8 J. Em outras medidas descritas no
mesmo artigo, os resultados apresentam uma ampla oscilação, entre 3,2 J/cal e 5,5
J/cal. Como esses resultados ainda eram incertos, não eram muito adequados como
provas empíricas da existência de uma relação constante entre trabalho e calor.
Como um exemplo de circulação de idéias em outra versão do seu primeiro
artigo, Joule se referencia às experiências de Rumford relativas à produção de calor

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por atrito 2 como evidências de que o trabalho mecânico pode se transformar em


calor. No artigo ele apresenta dados de uma experiência medindo o aquecimento de
água que passa através dos tubos finos, sob pressão, tendo observado seu
aquecimento, e calculando que um trabalho capaz de erguer 770 libras à altura de
um pé era capaz de aquecer de 10 F uma libra de água (1 cal = 4,1). No mesmo
artigo Joule apresenta argumentos metafísicos acerca dos fenômenos de conversão.
Discute ainda, o problema da geração de calor pelos animais, e sugere que para
uma mesma ação química ocorrida no organismo vivo, o calor desenvolvido será
maior se ele estiver parado do que se estiver realizando um esforço mecânico.
No entanto o artigo do Joule não suscitou muito interesse da British
Association, porque as experiências de Joule eram muito difíceis de serem
interpretadas e reproduzidas, e os resultados sofriam muitas oscilações. Um fato
interessante é que as experiências de Joule eram muito específicas. Como o pai de
Joule era um industrial dono de uma cervejaria, e logo depois de sua morte, Joule
assume o lugar do pai na indústria, isso nos faz inferir que possivelmente ele estava
preocupado em resolver algum problema reivindicado pela indústria. Maiores
comentários a respeito disso poderão ser feito após a pesquisa em artigos originais
de Joule.
A junção com a engenharia do vapor foi estabelecida, e paralelamente os
escritos de joule começaram a serem considerados como estudos de energia.
Porém, somente após ele ter conseguido nos anos 1844-47 estabelecer conexões
com as diversas conversões conhecidas na época é que sua descoberta
assemelhou com à conservação da energia.
O aspecto das conversões de energia já dava uma concepção qualitativa, e
uma concepção quantitativa pouco precisa da conservação da energia. No trabalho
de alguns cientistas da época a vis viva que veremos uma definição melhor abaixo,
não aparece, por exemplo, no trabalho de Joule e de outros cientistas, com exceção
de Carnot, Mayer e Helmholtz que na verdade como veremos é esse conceito que
vai propiciar a quantificação mais precisa da conservação da energia .
O segundo fator, a preocupação com os motores, para Kuhn é um produto
secundário da revolução industrial, e que este aspecto da ciência foi determinante
na formulação quantitativa da conservação da energia. O conceito de trabalho vindo
da tradição da engenharia forneceu um pano de fundo para a quantificação pouco
precisa dos processos de conservação da energia. O modelo para essa
quantificação dos processos foi o teorema dinâmico conhecido, como a conservação
da vis viva.
A vis viva é dada pelo produto da massa pelo quadrado da velocidade
(mv2), o que nos sugere uma relação com o conceito moderno de energia cinética
(1/2mv2), que na verdade foi uma redefinição para preservar a prioridade conceitual
de trabalho, que está relacionada a formulação do teore ma trabalho-variação da
energia cinética.
A conservação da vis viva foi importante para homens como Helmholtz na
dedução do princípio da conservação da energia, que juntamente com o
conhecimento que ele tinha dos vários trabalhos publicados pelos seus
contemporâneos, nas áreas da mecânica, dos fenômenos térmicos e
eletromagnéticos ele utilizou todo esse arcabouço para deduzir de forma detalhada e

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Calor no sentido atribuído ao início do século XIX, e não no moderno sentido como forma de energia.
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unificada em um só princípio que é a conservação da energia. Este é mais um


exemplo de circulação de idéias e práticas a partir de artigos publicados, em
periódicos, das reuniões das academias de ciências, os cientistas no caso de
Helmholtz, conheciam o trabalho dos outros, e isso contribuiu para que ele desse
uma formulação mais generalizada, contribuindo para o estabelecimento do princípio
da conservação da energia.
O teorema da vis viva também foi utilizado por Mayer para um caso especial
de queda livre. Kuhn (1977, p. 106) comenta que Helmholtz conhecia o trabalho de
Joule, apesar de que para ele os trabalhos de Joule eram poucos precisos, citou nas
suas publicações, no entanto não se referiu aos trabalhos de Mayer. Além da vis
viva, estes cientistas também obtiveram elementos significativos de uma segunda
tradição - a da engenharia do vapor - que também levaram a outros cientistas
produzirem uma versão quantitativa da energia.
Segundo Kuhn só a partir de 1819 é que o conceito de trabalho passará
receber a importância necessária e que esse conceito é a contribuição mais decisiva
para a conservação da energia, devido o interesse pelos motores:

[...] Entre outros resultados significativos e típicos desta reformulação


estavam a introdução do termo “trabalho” e de unidades para a sua
medição, a redefinição da vis viva como 1/2mv2 para preservar a prioridade
conceptual da medida trabalho, e a formulação explícita da lei da
conservação em termos da igualdade de trabalho realizado e da energia
cinética [...] ( KUHN 1977, p.123-4).

O fato dos motores serem aparelhos de transformação e permitirem estudos


de conversão dos tipos de energia abriu possibilidade de quantificação. Para
fazerem os cálculos, precisavam do conceito de trabalho, e a fonte desse conceito
estava na tradição da engenharia.
Podemos inferir que a circulação de idéias (o conceito de trabalho) vindo de
um outro grupo o dos engenheiros considerado um grupo exotérico em relação aos
físicos e químicos, colaborou para a instauração do estilo de pensamento do
princípio da conservação da energia.
Um exemplo notório disso foi o trabalho feito por Joule que utilizou o
conceito de trabalho advindo da engenharia. A publicação em 1845 da sua famosa
experiência de agitação de água através das pás, os primeiros resultados eram
muito variáveis, mas em 1847 ele começa a obter resultados mais consistentes e
publica na revista da Academia Francesa de ciências. Suas idéias tiveram apoio de
diversos cientistas da época entre eles William Thomson, mais conhecido como Lord
Kelvin.
Entretanto a publicação de Joule provocou indignação a Mayer, com isso em
1848 Mayer envia uma carta à mesma revista que aceitou o trabalho de Joule. Na
carta, Mayer narra que em 1842 antes de Joule, ele já havia tentado publicar o seu
artigo em que mostrava ter sido ele o primeiro a calcular as transformações mútuas
do poder mecânico em calor, e as transformações de poderes magnéticos, elétricos,
químicos etc. Depois desse episódio foram muitas cartas de Joule se defendendo e
Mayer contra argumentando.

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Martins (1984) afirma que existem fortes indícios que Joule conhecia o
primeiro trabalho de Mayer, pois foram encontrados nos seus manuscritos vários
artigos traduzidos inclusive o de Mayer, embora não se pode precisar à época
desses manuscritos, pode se afirmar que devem ser anteriores a 1847. Grande parte
dos cientistas da época entre eles Pouillet que havia rejeitado o primeiro artigo de
Mayer, Tait, entre outros ficaram a favor de Joule.
O terceiro fator foi o movimento Naturphilosophie que buscava o princípio
unificador de todos os fenômenos, usando o “organismo” como metáfora para a
ciência, as bases desse movimento foram alanvacadas por Kant e Leibniz. Para
Kuhn, essa escola filosófic a influenciou grande parte dos cientistas que estudaram o
princípio da conservação da energia. Oersted um Naturphilosoph persistiu na
relação entre a eletricidade e o magnetismo devido à sua convicção filosófica que tal
relação existia.
Podemos dizer a partir da epistemologia de Fleck que esse movimento
representava o estilo de pensamento da época, que determinou a forma do coletivo
de pensamento (comunidade de indivíduos) olhar para o objeto de conhecimento.
Assim muitos destes cientistas principalmente os de cultura alemã foram
influenciados pela idéia do princípio unificador que não saíram de idéias empiristas
indutivistas, mas de motivações metafísicas fundamentadas na filosofia da natureza.
Como afirma Kuhn (1977 p.133):

A ocorrência persistente de saltos mentais como estes sugere que muitos


dos descobridores da conservação da energia estavam profundamente
predispostos a ver uma única força indestrutível na raiz de todos os
fenômenos naturais.

Martins (1984) cita alguns exemplos na história da ciência da idéia


metafísica de que algo deveria se conservar nos fenômenos. Na filosofia grega,
procurava-se algo imutável por trás do mundo dos fenômenos, e isso gerou, entre
outras idéias férteis, o modelo atômico. Outro exemplo foi a crença de Lavoisier na
conservação das massas, mesmo em casos em que observava uma variação de
massa nas reações químicas, ele persistiu até conseguir elementos para explicar
tais variações.
Enfim, o fato é que o estabelecimento do princípio da conservação da
energia, não foi tão simples, porque era possível interpretar as experiências de
muitas formas diferentes, e por isso grande parte dos cientistas continuou a admitir
uma conservação do calórico, ao invés de aceitar uma transformação de trabalho
em calor, como podemos perceber que para o estabelecimento do princípio da
conservação da energia houve influências de diversas áreas do conhecimento,
fisiologia, filosofia, física e engenharia. Além disso, houve disputas de cientistas
como Mayer e Joule na prioridade da descoberta do princípio da conservação da
energia. O que para muitos historiadores, como Martins e Sarton defendem que
apesar de Helmholtz ter contribuido de uma forma mais rigoroza, por conhecer
outros procedimentos para generalizar tal princípio, no entanto, se deve atribuir a
Mayer a prioridade na formulação da primeira lei da termodinâmica.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Diante da abordagem histórica do princípio da conservação da energia


realizada neste trabalho, podemos perceber que o conceito de energia do senso
comum das pessoas, como energia tendo a mesma definição de força, tem uma
relação com as concepções dos cientistas que estudaram o princípio da
conservação, para eles na época era uma força que se conservava nos fenômenos.
Essa comparação é de grande potencial para o professor compreender as
concepções prévias dos estudantes, e a partir disso, elaborar estratégias didáticas
utilizando a história da ciência, para tentar romper esses conceitos de senso comum
para os de senso científico.
Para o estabelecimento do princípio da conservação da energia houve
simultaneamente a interação entre as várias áreas do conhecimento Mecânica,
Termodinâmica, Eletromagnetismo, Fisiologia. Tinham cientistas preocupados com
problemas diferentes, que conduziram a elaboração de um princípio com uma
generalidade significativa. Essa reflexão para o ensino básico é de grande
importância, pois, os livros didáticos organizam os conteúdos de forma a-histórica
fazendo com que os estudantes vejam esses diversos fenômenos de maneira
desconexa.
Outra questão é a interdisciplinaridade que desse conceito pode emergir,
pois, uma das motivações para se chegar a tal princípio foi a fisiologia. Em uma
abordagem tanto nos cursos de formação inicial e continuada, como para
professores em serviço é de extrema importância perceber as relações entre as
diversas ciências, pois possibilita os estudantes entenderem que os princípios não
são de uma ciência específica, mas podendo valer para toda a natureza.
A motivação que os cientistas tinham era de natureza filosófica, a maioria
deles acreditava que existia uma “força” que se conservava nos fenômenos, antes
mesmo de uma comprovação experimental muito precisa. Isso ficou claro com os
vários exemplos citados, e com o estilo de pensamento da época propiciado com o
movimento Naturphilosofie que influenciou vários cientistas. Mesmo Joule que veio
tradição da Engenharia tinha motivações metafísicas. Isso nos mostra que a ciência
não é construída somente por motivações empiristas -indutivistas, como preconiz ada
nos livros didáticos e nos cursos de formação de professores, mas também por
motivações metafísicas.
A partir das categorias epistemológicas Estilo de Pensamento, Circulação
intercoletiva e intracoletiva de idéias de Ludwik Fleck, podemos perceber com esse
recorte da história do princípio da conservação da energia que a circulação
intercoletiva de idéias propiciou a motivação de práticas experimentais, como no
caso de Joule com experimentação nas áreas de química e do eletromagnetismo
oriundas do trabalho de Faraday. As intrigas entre Joule e Mayer na prioridade da
“descoberta” do princípio da conservação da energia, que possivelmente através da
circulação das idéias de Mayer, Joule poderia ter se apropriado das idéias de Mayer,
o que contribuiu na aceitação de seus trabalhos na comunidade científica.
As categorias epistemológicas contribuem também, no processo de
formação de professores, em que podemos considerar vários grupos de professores
como coletivos de pensamento diferentes influenciados por estilos de pensamento
diferentes. A circulação inter e intra coletiva de idéias e práticas entre esses grupos,
podem ajudar na instauração e transformação de estilos de pensamento. No caso
particular do estudo do princípio da conservação da energia, a apropriação da
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epistemologia fleckiana possibilita os estudantes entenderem a dinâmica da


construção do conhecimento científico compreendendo que a ciência é uma
construção coletiva influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos. Tal
modelo epistemológico pode ser adotado por professores em suas práticas
pedagógicas na sala de aula do ensino médio.

4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGOTTI, J. A.P. Fragmentos e totalidades no conhecimento científico e no


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http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xviii/ 26 a 30 de Janeiro de 2009

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