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HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA

SHULTZ, SHULTZ

CAPÍTULO 3

Influências Fisiológicas sobre a Psicologia 56


O Papel do Observador Humano 56
Primeiros Avanços da Fisiologia 57
Os Primórdios da Psicologia Experimental 59
Por que a Alemanha? 59
Hermann von Helmholtz (1821-1894) 61
A Vida de Helmhoitz 61
Problemas da Psicologia Sensorial 63

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Primeiros Avanços da Fisiologia

A pesquisa fisiológica que estimulou e orientou diretamente a nova psicologia foi um produto do final do
século XIX. Como ocorre com todos os empreendimentos, ela teve seus antecedentes, e é instrutivo considerar
esses primeiros trabalhos.

A fisiologia tornou-se uma disciplina de orientação experimental na década de 1830, principalmente sob a
influência do fisiologista alemão Johannes Müller (1801-1858), que defendeu a aplicação do método
experimental à fisiologia. Müller tinha a prestigiosa posição de professor de anatomia e fisiologia na
Universidade de Berlim, sendo um cientista fenomenalmente produtivo: publicava, em média, um artigo
acadêmico a cada sete semanas, ritmo que manteve por trinta e oito anos. Uma de suas publicações mais
influentes foi o Handbuch der Physiologie des Menschen (Manual de Fisiologia Humana), que resumiu a
pesquisa fisiológica do período e sistematizou um vasto corpo de conhecimentos. Volumes do Handbuch
publica dos entre 1833 e 1840 citavam muitos trabalhos novos, indicando a enorme expansão da pesquisa em
fisiologia experimental. A necessidade de uma obra como essa refletiu-se na rápida tradução para o inglês do
primeiro volume, em 1838, e do segundo, em 1842.

Müller também é importante para a fisiologia e para a psicologia por causa de sua teoria das energias
específicas dos nervos. Ele propôs que a excitação ou estimulação de um dado nervo sempre produz uma
sensação característica, já que cada nervo sensorial tem sua própria energia específica. Essa ideia levou a
muitas pesquisas que buscavam localizar funções no sistema nervoso e delimitar mecanismos receptores
sensoriais na periferia do organismo.
Vários dos primeiros fisiologistas deram substanciais contribuições ao estudo das funções cerebrais. Seu
trabalho é significativo para a psicologia por causa de suas descobertas de áreas especializadas do cérebro e
por haverem desenvolvido métodos de pesquisa mais tarde amplamente usados pela psicologia fisiológica.

Um pioneiro na investigação do comportamento reflexo foi Marshall Hall (1790-1857), um médico escocês
que trabalhava em Londres. Hall observou que animais decapitados continuavam a se movimentar por algum
tempo quando submetidos a formas apropriadas de estímulo. Ele concluiu que os vários níveis de
comportamento dependem de partes distintas do cérebro e do sistema nervoso. Hall postulou especificamente
que o movimento voluntário depende do cérebro; o movimento reflexo, da medula espinhal; o movimento
involuntário, do estímulo direto da musculatura, e o movimento respiratório, da medula.

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Pierre Flourens (1794-1867), professor de história natural do Coilêge de France, em Paris, destruiu
sistematicamente várias partes do cérebro e da medula espinhal e observou as consequências, concluindo que
o cérebro controla os processos mentais superiores; partes do mesencéfalo controlam os reflexos visuais e
auditivos; o cerebelo controla a coordenação, e o bulbo raquidiano controla as batidas do coração, a respiração
e outras funções vitais.

Embora ainda sejam válidas de modo geral, as descobertas de Hall e Flourens têm, para nossos propósitos,
importância secundária diante da introdução por esses pesquisadores do método de extirpação. Nessa técnica,
o pesquisador tenta determinar a função de uma dada parte do cérebro removendo-a ou destruindo-a e
observando as modificações resultantes no comportamento do animal.

Na metade do século XIX houve a introdução de duas abordagens experimentais para o estudo do cérebro: o
método clínico e o uso de estímulos elétricos. O método clínico foi desenvolvido em 1861 por Paul Broca
(1824-1880), cirurgião de um hospício perto de Paris. Ele fez a autópsia de um homem que durante muitos
anos fora incapaz de falar inteligivelmente.

O exame revelou uma lesão na terceira convolução frontal do córtex cerebral. Broca denominou essa seção do
cérebro centro da fala, mais tarde chamada, apropriadamente, área de Broca. O método clínico é um útil
suplemento da extirpação, visto ser difícil conseguir sujeitos humanos que aceitem a extirpação de partes do
seu cérebro. Como uma espécie de extirpação póstuma, esse método oferece a oportunidade de examinar a
área danificada do cérebro, a área que se supõe ser responsável por uma condição comportamental existente
antes da morte do paciente.

O uso de estímulos elétricos para estudar o cérebro foi introduzido por Gustav Fritsch e Eduard Hitzig em
1870, e consiste em explorar o córtex cerebral com correntes elétricas fracas. Os dois pesquisadores
descobriram que a estimulação de certas áreas corticais produzia respostas motoras. Com o desenvolvimento
de equipamentos eletrônicos mais sofisticados e precisos, esse método tomou-se, provavelmente, a técnica
mais produtiva no estudo de funções cerebrais.

Os fisiologistas estavam aprendendo muito sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro humano. Além
disso, estavam sendo realizadas inúmeras pesquisas acerca da estrutura do sistema nervoso e da natureza da
atividade neural. Como observamos, havia duas teorias anteriores sobre o modo de transmissão da atividade
nervosa no corpo: a teoria dos tubos nervosos adotada por Descartes e a teoria das vibrações de Hartley.

Perto do final do século XVIII, o pesquisador italiano Luigi Galvani (1737-1798) sugerira que a natureza dos
impulsos nervosos era elétrica e seu sobrinho, Giovanni Aldini, deu prosseguimento às suas pesquisas. Aldini
“misturava a pesquisa séria com o exibicionismo. Uma das mais tenebrosas exibições de Aldini, destinada a
enfatizar a eficácia da estimulação elétrica na obtenção de movimentos musculares espasmódicos, envolveu o
uso das cabeças recém-cortada de dois criminosos” (Boakes, 1984, p. 96). As pesquisas prosseguiram com
tanta rapidez e cor resultados tão convincentes que, na metade do século XIX, a natureza elétrica dos impulsos
nervosos já era aceita como fato. Acreditava-se que o sistema nervoso era essencialmente ui condutor de
impulsos elétricos e que o sistema nervoso central funcionava como uma estação distribuidora, enviando os
impulsos para as fibras nervosas sensoriais ou motoras.

Embora essa posição fosse um avanço diante das teorias de Descartes e de Hartley, e termos conceituais não
havia muita diferença entre elas. Tanto o ponto de vista novo como antigos tinham natureza reflexa. Todos
sugeriam que alguma coisa vinda do mundo externo (um estímulo) entrava em contato com um órgão dos
sentidos e excitava um impulso nervoso que ia até o lugar apropriado no cérebro ou no sistema nervoso central.
Ali, em resposta ao impulso, era gerado um novo impulso, transmitido, através dos nervos motores, para
produzir alguma resposta da parte do organismo.

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No decorrer do século XIX, a estrutura anatômica do sistema nervoso também estava sendo definida. Veio-se
a compreender que as fibras nervosas se compunham, na realidade, de estruturas separadas chamadas
neurônios, que de alguma maneira se uniam ou entravam em contato em pontos denominados sinapses. Essas
descobertas eram compatíveis com uma imagem mecanicista e materialista dos seres humanos. Pensava-se
que o sistema nervoso, assim como a mente, era formado por estruturas atomísticas que se combinavam para
gerar o produto mais complexo.

Assim, o espírito do mecanismo dominava tanto a fisiologia como a filosofia do século XIX. Em nenhum lugar
isso era mais pronunciado do que na Alemanha. Na década de 1840, um grupo de cientistas, muitos deles ex-
alunos de Johannes Müiler, formou a Sociedade Física de Berlim. Esses cientistas, jovens na casa dos vinte
anos, se comprometeram com a seguinte proposição: todos os fenômenos, incluindo os pertinentes à matéria
viva, podem ser explicados em termos físicos. O que eles esperavam fazer era relacionar ou ligar a fisiologia
e a física. Seu objetivo era uma fisiologia que seguisse o espírito do mecanismo. Num gesto dramático, quatro
dos jovens cientistas (incluindo Hermann von Helniholtz, a quem vamos conhecer logo) fizeram um juramento
solene, assinando-o com o próprio sangue — de acordo com a lenda. O juramento afirmava que as únicas
forças ativas no organismo são as forças físico-químicas comuns. E assim foram encontrados os caminhos para
formar o núcleo da fisiologia do século XIX: o materialismo, o mecanicismo, o empirismo, a experimentação
e a medição.

Os primeiros desenvolvimentos da fisiologia indicam os tipos de técnicas de pesquisa e as descobertas que


sustentavam uma abordagem científica da investigação psicológica da mente. Como sugerimos, a direção da
pesquisa fisiológica influenciou a psicologia recém surgida. A questão principal é que, enquanto os filósofos
preparavam o caminho para uma abordagem experimental da mente, os fisiologistas investigavam
experimentalmente os mecanismos fisiológicos que estão na base dos fenômenos mentais, O próximo passo
era aplicar o método experimental à própria mente.

Os empiristas britânicos tinham afirmado que a sensação é a única fonte do conhecimento, O astrônomo Bessel
tinha demonstrado a importância da sensação e da percepção na ciência. Os fisiologistas estavam definindo a
estrutura e a função dos sentidos. Tinha chegado o momento de fazer experimentos e quantificar esse acesso
para a mente, a vivência subjetiva e mentalista da sensação. Havia técnicas para investigar o corpo; a partir de
então essas técnicas são desenvolvidas para explorar a mente. A psicologia experimental estava pronta para
começar.

Os Primórdios da Psicologia Experimental

Quatro cientistas são responsáveis diretos pelas primeiras aplicações do método experimental ao objeto de
estudo da psicologia: Hermann von Helmholtz, Ernst Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. Os
quatro eram alemães, conheciam fisiologia e estavam a par dos impressionantes desenvolvimentos da
fisiologia e da ciência havidos na metade do século XIX.

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Por que a Alemanha?

O pensamento científico progredia na maioria dos países da Europa Ocidental no século XIX, especialmente
na Inglaterra, na França e na Alemanha. Nenhum país monopolizava o entusiasmo, a determinação ou o
otimismo com que os instrumentos da ciência eram encarados e usados. Por que, então, a psicologia
experimental começou na Alemanha, e não na Inglaterra ou na França? Havia alguma característica peculiar
que fazia da ciência alemã um terreno mais propício à fecundação da nova psicologia?

Embora as generalizações sejam suspeitas e se encontrem frequentes exceções à regra, é possível sugerir que
a época favoreceu a Alemanha como lugar de origem da nova psicologia. Durante um século, a história
intelectual alemã preparara o caminho para uma ciência psicológica experimental. Ali, a fisiologia
experimental estava firmemente estabelecida e era reconhecida num grau ainda não alcançado na França e na
Inglaterra. O chamado temperamento alemão ajustava-se bem à descrição e classificação taxonômicas,
cuidadosas e minuciosas, e necessárias ao trabalho em biologia, zoologia e fisiologia. A abordagem dedutiva
e matemática da ciência era privilegiada na França e na Inglaterra, enquanto a Alemanha, com a sua ênfase na
coleta conscienciosa e detalhada de fatos observáveis, tinha adotado uma abordagem classificatória ou
indutiva.

Como a ciência biológica e fisiológica não se presta a grandes generalizações a partir das quais os fatos possam
ser deduzidos, a biologia só foi aceita muito lentamente nas comunidades científicas da Inglaterra e da França.
A Alemanha, no entanto, que se interessava pela descrição e pela categorização e acreditava nesses métodos,
acolheu a biologia na sua família de ciências.

Além disso, a ciência tinha para os alemães uma acepção bem ampla. Na França e na Inglaterra, a ciência era
algo limitado à física e à química, que podiam ser abordadas quantitativamente. Na Alemanha, em
contrapartida, a ciência incluía áreas como fonética, linguística, história, arqueologia, estética, lógica e crítica
literária. Os estudiosos franceses e ingleses eram céticos quanto à aplicação da ciência a algo tão complexo
como a mente humana. Isso não ocorria com os alemães, que partiram bem à frente, sem a restrição dos
preconceitos, usando o instrumental da ciência para examinar e medir as facetas da vida mental.

A Alemanha também oferecia maiores oportunidades de aprendizagem e prática das novas técnicas científicas
— e, nisso, vemos a influência do fator contextual das condições econômicas vigentes. Por causa de sua
situação política, a Alemanha tinha um grande número de universidades. Antes de 1870, ano em que a
Alemanha se tornou uma nação unificada com um governo central, o país consistia em uma frouxa
confederação de reis, ducados e cidades- Estado autônomos. Cada um desses distritos ou províncias tinha
estabelecido sua própria bem- financiada universidade. Cada uma delas tinha um corpo docente extremamente
bem pago e os mais avançados equipamentos científicos de laboratório.

Em contraste, a Inglaterra contava, na época, com apenas duas universidades, Oxford e Cambridge, e nenhuma
facilitava, encorajava ou apoiava a pesquisa científica em qualquer disciplina. Na realidade, elas se opunham
ao acréscimo de novos campos de estudo ao currículo. Em 1877, Cambridge vetou um pedido de ensino de
psicologia experimental, porque isso iria “insultar a religião ao pôr a alma humana num par de pratos de
balança” (Hearnshaw, 1987, p. 125). A psicologia experimental só seria ensinada em Cambridge vinte anos
depois, e só foi oferecida em Oxford em 1936. A única maneira de praticar ciência na Inglaterra era ser um
cavalheiro-cientista, com renda própria, como Charles Darwin ou Francis Galton (ver o Capitulo 6). A situação
era semelhante na França e, nos Estados Unidos, só em 1876 passou a haver universidades dedicadas à
pesquisa, com a fundação da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland.

Logo, havia mais oportunidades de pesquisa científica na Alemanha do que em qualquer outro lugar. Em
termos pragmáticos, era possível viver como cientista pesquisador na Alemanha, mas não na França, na
Inglaterra ou nos Estados Unidos.

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No início do século XIX, uma onda de reformas educacionais varreu as universidades alemãs. Desenvolvia-se
um novo tipo de instituição, desconhecido em outros lugares e voltado para os princípios da liberdade
acadêmica e da pesquisa, envolvendo professores e alunos. Os membros do corpo docente podiam ensinar o
que quisessem, sem interferência exterior, e pesquisar o que preferissem. Os alunos podiam escolher os cursos
e não tinham um currículo rígido como estorvo. Essa liberdade também se estendia à consideração de novas
ciências como a psicologia.

Esse sentido de universidade propiciava o ambiente ideal para o florescimento da investigação científica. Os
professores podiam não só fazer palestras, mas também orientar alunos em pesquisas experimentais, em
laboratórios bem equipados. Em nenhum outro pais uma tal abordagem científica era promovida nessa época.

O clima de reforma nas universidades germânicas também encorajou o seu desenvolvi mento, o que se traduzia
na oferta de mais cargos aos interessados em carreiras científicas acadêmicas. As oportunidades de alguém se
tornar um professor bem pago e respeitado eram bem maiores na Alemanha, embora permanecesse difícil
chegar ao topo. O cientista universitário promissor tinha de produzir pesquisas, julgadas relevantes por
especialistas no campo, pesquisas que iam além da dissertação típica de doutorado. Isso significou que a
maioria das pessoas aceitas para docência universitária eram profissionais extremamente capazes. Quando
esses cientistas ingressavam na comunidade universitária, era imensa a pressão feita sobre eles para que
dessem contribuições ainda maiores.

Embora a competição fosse intensa e as exigências grandes, o ganho que se obtinha compensava em muito o
esforço. Somente os melhores tinham sucesso na ciência alemã do século XIX; o resultado foi uma série de
grandes avanços em todas as ciências, incluindo a nova psicologia. Não foi uma coincidência o fato de as
pessoas diretamente responsáveis pelo surgimento da psicologia científica serem professores universitários
alemães.
Hermann von Heimholtz (1821 -1894)

Helmholtz, prolífico pesquisador no campo da física e da fisiologia, foi um dos maiores cientistas do século
XIX. A psicologia estava em terceiro lugar entre as áreas de suas contribuições científicas; contudo, o seu
trabalho, ao lado do de Fechner e Wundt, foi decisivo para a fundação da nova psicologia.

A Vida de Helmholtz

Nascido em Potsdain, Alemanha, onde seu pai era professor no Gymnasiwn (na Europa, um liceu preparatório
para a universidade), Helniholtz de início foi educado em casa por causa de sua saúde delicada. Aos dezessete
anos, ingressou num instituto médico de Berlim em que não se cobravam anuidades de quem se dispusesse a
ser cirurgião do exército depois da graduação. Helmholtz serviu por sete anos, período durante o qual
prosseguiu com seus estudos de matemática e física e publicou vários artigos. Apresentou uma tese sobre a
indestrutibilidade da energia, na qual formulou matematicamente a lei da conservação da energia. Quando
deixou o exército, aceitou o cargo de professor-associado de fisiologia da Universida de de Knigsberg. Nos
trinta anos seguintes, exerceu funções acadêmicas no campo da fisiologia em universidades de Bonn e
Heidelberg e, no da física, em Berlim.

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Dotado de uma tremenda energia, Helmholtz escrevia acerca de várias áreas diferentes. No curso de seu
trabalho sobre a óptica fisiológica, inventou o oftalmoscópio, um aparelho para examinar a retina do olho. Seu
trabalho em três volumes nessa área (Handbuch der Physiologischen Optik — Manual de Óptica Fisiolágica),
publicado entre 1856 e 1866, foi tão influente e duradouro que veio a ser traduzido para o inglês sessenta anos
mais tarde. Publicou suas pesquisas sobre problemas acústicos em 1863, na obra Sobre as Sensações Tonais,
que resumia suas próprias descobertas e toda a literatura disponível na época. Ele também publicou obras sobre
tópicos tão diversos quanto as pós-imagens, a acromatopsia, a escala musical arábico-persa, os movimentos
oculares humanos, a formação de geleiras, axiomas geométricos e a febre do feno. Anos mais tarde, contribuiu
indiretamente para a invenção da telegrafia sem fio e do rádio.

No outono de 1893, quando retornava de uma viagem aos Estados Unidos que incluira uma visita à Exposição
Mundial de Chicago, Helinholtz sofreu uma grave queda no navio. Menos de um ano depois, teve um derrame
que o deixou semiconsciente e delirante. “Seus pensamentos vagavam confusamente”, escreveu sua esposa,
“a vida real e a vida onírica, o tempo e as cenas, tudo flutuava como névoa em seu cérebro — na maior parte
do tempo, ele não sabia onde estava... É como se a sua alma estivesse longe, bem distante, num belo mundo
ideal, dominado apenas pela ciência e pelas leis eternas” (Koenigsberger, 1965, p. 429).

Problemas da Psicologia Sensorial.

Têm interesse para a psicologia as pesquisas de Helmholtz sobre a velocidade do impulso nervoso, e sobre a
visão e a audição. Antes de sua época, pensava-se que o impulso nervoso fosse instantâneo, ou ao menos que
viajasse rápido demais para ser medido. Helmholtz forneceu a primeira medida empírica da velocidade de
condução ao estimular o nervo motor e o músculo correspondente da perna de uma rã, num experimento feito
de modo a ser possível registrar o momento preciso da estimulação e o movimento resultante. Trabalhando
com diferentes comprimentos de nervos, ele registrou o intervalo entre a estimulação do nervo próximo ao
músculo e a resposta deste último, fazendo o mesmo para a estimulação mais afastada do músculo. Essas
medidas lhe deram o tempo requerido para a condução, a modesta velocidade de vinte e sete centímetros por
segundo.
Helmholtz também realizou experimentos sobre os tempos de reação dos nervos senso- riais de sujeitos
humanos, estudando o circuito completo, desde a estimulação de um órgão dos sentidos até a resposta motora
resultante. As descobertas revelaram tamanhas diferenças entre os sujeitos, e para o mesmo sujeito em várias
experiências, que ele abandonou a pesquisa.

A demonstração de Helmholtz de que a velocidade de condução não era instantânea sugeriu que o pensamento
e o movimento se seguem um ao outro com um intervalo mensurável, em vez de ocorrerem simultaneamente,
como antes se pensava. Helmholtz, no entanto, só se interessava pela medida, e não pelo seu significado
psicológico. Mais tarde, as implicações psicológicas de sua pesquisa foram reconhecidas por outros, que
tornaram os experimentos com o tempo de reação uma proveitosa linha de investigações na nova psicologia.
Sua pesquisa foi uma das primeiras indicações de que era possível fazer experimentos com um processo
psicofisiológico e medi-lo.

Seu trabalho sobre a visão também teve influência sobre a psicologia. Ele investigou os músculos oculares
externos e o mecanismo mediante o qual os músculos oculares internos fazem a acomodação do cristalino.
Além disso, ampliou uma teoria da visão cromática, publicada em 1802 por Thomas Young; essa teoria hoje
é conhecida como teoria Young-Helmholtz.

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Não menos importante é a investigação de Helmholtz sobre a audição, isto é, a percepção de tons combinados
e individuais, e a natureza da harmonia e da dissonância. Ele também formulou uma teoria da ressonância
auditiva. A influência duradoura da sua obra acerca da visão e da audição é evidenciada por sua inclusão em
modernos manuais de psicologia.

Helmholtz não era psicólogo, nem tinha a psicologia como seu principal interesse, mas contribuiu com um
amplo e importante acervo de conhecimentos para a psicologia sensorial, ajudando a fortalecer a abordagem
experimental do estudo de problemas psicológicos. Ele considerava a psicologia uma disciplina independente,
afim com a metafísica. A psicologia dos sentidos era para ele uma exceção por causa de sua ligação com a
fisiologia. Helmholtz não estava voltado para o estabelecimento da psicologia como ciência independente, mas
foi tão ampla a sua influência que ele merece ser incluído entre os que deram uma contribuição direta nesse
sentido.

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