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Luxúria - Como Ela Mudou A História Do Mundo - Série Sete Pecados Na História
Luxúria - Como Ela Mudou A História Do Mundo - Série Sete Pecados Na História
Art. 129. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser
amarrados e jogados dentro d’água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei
perdoa a seus escravos.
Art. 130. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-criança) de outro homem, o violador
deverá ser condenado à morte, mas a esposa estará isenta de qualquer culpa.
Código de Hamurabi
Por volta do quarto milênio a.C., a integridade do casamento encontraria um
aliado estratégico: a escrita. As comunidades agrícolas na Mesopotâmia (região
entre os rios Tigre e Eufrates, onde floresceram os impérios da Suméria,
Babilônia e Assíria) aumentaram sua produção o suficiente para gerar
excedentes. Elites políticas locais controlavam a armazenagem desses
excedentes e criavam taxas sobre ela. Assim, livravam-se da obrigação de obter
os próprios alimentos e conseguiam dedicar-se integralmente à atividade
política. Entre essas atividades, estava a construção de obras públicas que
ampliassem as áreas produtivas – por exemplo, um sistema hidráulico que
irrigasse novas áreas, armazenasse água para a estação seca e controlasse
inundações que, de tão terríveis, deram origem às primeiras versões do mito do
Dilúvio.
Vários vilarejos agrícolas se uniram em torno de alguns centros urbanos.
Neles, sacerdotes usavam a escrita em tabuletas de barro para a contabilidade
dos silos dos templos, que guardavam os grãos da cidade. Chegava-se a um
novo patamar da humanidade: uma estrutura social hierárquica, autogovernada
e economicamente autossuficiente, com um sistema administrativo, uma
religião complexa e uma comunidade cultural. Assim, iniciava-se o que
chamamos de civilização. Reis governariam com a sanção dos deuses que
guardavam a cidade, promoveriam seu esplendor com programas de construção
em massa e aumentariam a riqueza da população com projetos públicos de
canais de irrigação e o estabelecimento de rotas de comércio internacional – o
que mais tarde levaria à interligação da Mesopotâmia com a península da
Anatólia (atual Turquia) e com o Egito, a Arábia, a Pérsia e a Índia.
Mas com o Estado, além do poder do rei, surgiu também a lei escrita. E qual
não foi a surpresa ao ver que os códigos legais que as antigas civilizações
criaram se ocupavam não apenas de regular o comércio e garantir o direito à
propriedade, à vida e à integridade física, como também de normatizar o
casamento de seus sujeitos.
Aqui, ainda não estamos falando de leis sexuais cheias de rituais e
proibições, como surgiriam com os hebreus e depois seriam adotadas, a seus
modos, por cristãos e muçulmanos. Não. O que havia por trás das leis era a
grande ameaça aos interesses hereditários do homem: o filho bastardo.
Antes de tudo, as leis das civilizações mesopotâmicas garantiam ao marido –
ou futuro marido – o acesso exclusivo à vagina da esposa. De resto, era
liberdade total ao homem. Nada o impedia de se aventurar com prostitutas e
amantes – e chega a ser sintomático que o Código de Hamurabi, o mais
conhecido dos códigos legais mesopotâmicos, tenha sido talhado numa tábula
em formato de pênis com mais de dois metros de altura.
O sexo da Babilônia
Aqueles que tinham mulheres núbeis levavam-nas, todos os anos, a um certo lugar, onde se reunia em
torno delas grande quantidade de homens. Um leiloeiro apregoava-as e vendia-as, uma após outra.
Começava sempre pela mais bela, e depois de haver obtido boa soma por ela, passava a apregoar a que
se lhe aproximava em beleza, e assim por diante. Só as vendia, porém, com a condição de os
compradores desposarem-nas. Todos os babilônios ricos e em idade de casamento para lá se dirigiam,
fazendo suas ofertas. Quanto à gente do povo que desejava casar-se, como pouca pretensão tinha de
desposar belas criaturas, arrematava as mais feias com o dinheiro que dava a estas. Com efeito, mal o
leiloeiro terminava a venda das belas, erguia uma das mais feias ou uma das estropiadas, se as
houvesse, e, apregoando-a pelo mais baixo preço, perguntava quem queria desposá-la como condição
essencial, adjudicando-a àquele que o prometesse. Assim, o dinheiro proveniente da venda das belas
servia para fazer casar as feias e as estropiadas. Não era permitido ao pai escolher esposo para a filha, e
quem comprava uma moça não podia conduzi-la para casa sem a fiança do casamento.
História, de Heródoto
Poucas vezes dá para acreditar nas palavras de Heródoto, conhecido por ser
mais fiel ao conto do que à História. Mas o fato era que a luxúria estava
presente em toda a vida dos mesopotâmios. Em sua religião, os mesopotâmios
barganhavam a proteção de seu deus particular com rituais, sacrifícios e
orações – não com o autocontrole e a culpa, como os judeus e cristãos fariam
mais tarde. Não havia a ideia de céu ou inferno após a morte que forçasse uma
conduta moral sem recompensas em vida. Sendo generoso para com os deuses,
o mesopotâmio prolongaria a vida e os prazeres na Terra, e estes deveriam ser
bem vividos até que todos fossem para as sombras das entranhas da terra, onde
– não importa se santos ou ladrões – permaneceriam para sempre no frio, na
fome e na sede. Enquanto isso, restava aproveitar a vida.
Os mesopotâmios eram povos afeitos à música entoada com harpas, flautas,
tambores, trompas, címbalos e tamborins nos templos, nos palácios e nas festas
dos mais abastados. E não recusavam uma boa cerveja, compartilhada da
mesma grande jarra entre vários homens sentados em roda, cada um com seu
canudo.
Como em tantos outros povos, não havia restrições ao sexo entre homens.
Uma escapadela entre amigos ou o estupro de um escravo eram atividades
perfeitamente legais, tão inofensivas para seus casamentos quanto se satisfazer
com prostitutas e escravas. Alguns jovens rapazes pintavam e cacheavam os
cabelos, perfumavam-se, passavam rouge nas bochechas, usavam colares,
braceletes, anéis e brincos, e poderiam, por que não, também entreter outros
homens. Apenas duas coisas terminavam em encrenca: o homem que
espalhasse rumores de que outro homem se deixava penetrar regularmente
devia ser punido com chibatadas e multa, além de ter seus cabelos cortados –
afinal, uma coisa era uma brincadeira entre machos, outra coisa era pôr em
dúvida a masculinidade alheia. A segunda proibição era o estupro de um
homem por outro da mesma classe social. Nesse caso, o agressor deveria ser
não apenas estuprado de volta como também castrado.
Essa liberdade sexual diminuía consideravelmente depois de selado o
matrimônio, e o peso maior sempre sobrava para a mulher. O casamento era
arranjado pelos pais e condicionado à oferta de um presente pelo noivo e à
concessão de um dote pelo pai da noiva. A partir desse momento, a mulher
deveria ser estritamente monogâmica. As leis da Mesopotâmia eram muito
claras em relação a isso. O mais antigo código de leis conhecido na história é o
do reino sumério de Ur-Nammu (cerca de 2100 a.C.). E lá está também uma
das primeiras penas de morte, prevista já em seu sétimo artigo: a mulher casada
que seduzisse outro homem deveria ser executada. Já o homem que estuprasse
uma escrava, por exemplo, tinha apenas que pagar uma pequena multa de cinco
shekels de prata (55 gramas).
O Código de Hamurabi prescrevia para mulheres adultas penas semelhantes
às dos sumérios: “Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com
outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d’água”, diz o
artigo 129 – a não ser que o marido a perdoasse. Mesmo que não tivesse sido
pega em flagrante, mas alguém a acusasse de ter se deitado com outro, ela
deveria ser afogada em nome da honra do marido.
Muito diferente era o que acontecia com o homem. Caso sua mulher não lhe
desse filhos, ele poderia recorrer a uma segunda esposa, desde que a segunda
não ocupasse uma posição de igualdade em relação à primeira. O homem
também poderia ganhar da mulher uma serva sexual. Se tivesse filhos e, por
isso, ousasse rivalizar com a esposa infértil, a serva deveria ser reduzida à
escravidão. Se rivalizasse com a esposa sem ter ao menos produzido filhos,
poderia ser vendida por dinheiro. Enquanto isso, nada acontecia com o homem.
Na vizinha Assíria, um pouco mais ao norte, a virgindade era muito mais
valorizada do que na Babilônia. Homens que “desonrassem” uma menina –
prometida ou não – deviam ser mortos. Mas havia alternativas. O pai de uma
menina que perdesse a virgindade em um estupro tinha o direito de processar o
estuprador e receber uma indenização de três vezes o valor do dote da virgem.
Podia ainda obrigar o estuprador a se casar com a menina ou a ficar com ela até
que conseguisse vendê-la para outro homem. E mais: o pai da menina
estuprada podia estuprar e escravizar a mulher do estuprador. Assim, um
estupro levava ao sofrimento de duas mulheres – o da menina estuprada,
obrigada a viver com o estuprador, e o da mulher do estuprador, obrigada a
viver com a família da vítima – e à compensação de um homem – o pai, que
recebia a indenização.
Apesar dessas duras regras, as leis sexuais anteriores aos povos hebreus não
tinham muito a ver com moralidade, culpa ou pecado. Serviam, principalmente,
para garantir os interesses reprodutivos dos homens e os de linhagem e herança
das famílias. Egípcios e, mais tarde, gregos e romanos, também eram
notoriamente permissivos em relação ao prazer sexual do homem. Em um
ponto, porém, a Mesopotâmia se superou. Lá, a prostituição não apenas
abundou como também se tornou uma instituição sagrada.
Sexo no altar
(...) Toda mulher nascida no país é obrigada, uma vez na vida, a ir ao templo de Vênus para entregar-se
a um estrangeiro. Muitas delas, não querendo confundir-se com as outras pelo orgulho que lhes inspira
a riqueza, dirigem-se ao templo em carro coberto. Lá, permanecem sentadas, tendo atrás de si grande
número de criados; mas a maioria senta-se no recinto sagrado, com a cabeça cingida por uma corda.
Quando umas chegam, as outras se retiram. Veem-se, em todos os sentidos, alas separadas por cordas
estendidas. Os estrangeiros passeiam por entre as alas e escolhem as mulheres que mais lhes agradam.
Quando uma mulher toma lugar ali, não pode voltar para casa, senão depois que algum estrangeiro lhe
atire dinheiro aos joelhos e tenha relações com ela, fora do recinto sagrado. É preciso que o
estrangeiro, ao atirar-lhe o dinheiro, diga-lhe: “Invoco a deusa Milita” [os Assírios dão a Vênus o
nome de Milita]. Por mais que a soma seja módica, o estrangeiro não encontrará recusa; a lei proíbe tal
coisa, pois o dinheiro se torna sagrado. [...] Finalmente, depois de haver-se desobrigado do dever para
com a deusa, entregando-se ao forasteiro, regressa ao lar. Depois disso, ela não mais se deixa seduzir
por dinheiro algum. As que possuem um belo corpo ou um belo rosto não fazem longa permanência no
templo, mas as feias esperam, às vezes, três ou quatro anos, antes que possam cumprir a lei.
História, de Heródoto
É uma história difícil de acreditar, principalmente porque os indícios desses
rituais partem não de material arqueológico achado na região, mas de relatos
bíblicos e de autores gregos e romanos – estrangeiros que não estavam
necessariamente comprometidos com uma descrição precisa da cultura
mesopotâmica. Dito isso, a maior coletânea desses indícios, feita há mais de
um século pelo antropólogo britânico James Frazer (1854-1941), tenta
demonstrar que o sexo como ritual religioso estava longe de ser uma invenção
de Heródoto. Ritos parecidos aconteciam em Chipre, na Síria, na Fenícia, na
Lídia e na Armênia – mais especificamente, em templos dedicados à deusa do
amor. Na Babilônia era Ishtar, filha da Lua, que depois foi incorporada ao
panteão egípcio como Ísis, ao grego como Afrodite e ao romano como Vênus.
Mas a Ishtar dos babilônios era uma deusa muito mais ambígua do que as
deusas do amor de outros povos. Defendia as prostitutas e as mães – às vezes,
era representada como uma deidade bissexual com barba; às vezes, como uma
mulher nua oferecendo o seio. Era chamada de “A Virgem”, “Mãe Virgem” ou
“Virgem Sagrada”, mas sua adoração também envolvia sessões de sexo. Além
disso, Ishtar também era deusa da guerra, implacável contra os inimigos de
seus fiéis – o que a fazia ser duplamente adorada por homens.
As leis dos diferentes povos mesopotâmios tratavam a mulher e o homem de
formas diferentes. Mas, ao contrário do que ocorria em algumas civilizações da
Antiguidade, ela podia ser dona de propriedades e ter profissões. Algumas
eram comerciantes; outras se tornavam escribas. Enquanto as mulheres de
classe alta viviam reclusas em casa, as demais saíam livremente e sem véus
para fazer suas atividades do dia a dia – carregar água das fontes públicas,
moer cereais, cozinhar, fiar, tecer, lavar e cuidar dos filhos.
Mas, aparentemente, nenhuma civilização da Antiguidade deu status tão
elevado às mulheres quanto o Egito Antigo.
Com cofres esgotados por tais despesas, Quéops lançou mão da própria filha, fazendo-a prostituir-se
num lupanar e ordenando-lhe a tirar de seus amantes certa soma de dinheiro. Ignoro a quanto montou a
quantia assim obtida, pois os sacerdotes nada souberam dizer sobre isso. A princesa não só executou as
ordens do pai como quis deixar, ela própria, um monumento. Para isso, pediu a cada um dos que iam
vê-la uma pedra; e foi com as pedras assim reunidas que se construiu a pirâmide que se encontra entre
as outras três, de face com a grande pirâmide, e que mede um pletro e meio de cada lado
[aproximadamente, 45 metros].
História, de Heródoto
Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem; e um princípio mau que criou o caos, as
trevas e a mulher.
Pitágoras, citado em O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir
Se a vida dos deuses gregos era sexualmente animada, é possível dizer que ela
refletia, em parte, a vida sexual dos homens gregos – ou, mais especificamente,
dos atenienses, pois é de Atenas que vem a maior parte do que chegou até nós
sobre essa civilização. Observando de longe, a vida dos homens atenienses
parecia uma grande celebração dionisíaca. A mulher ateniense passava seus
quinze primeiros anos na casa dos pais, e, em seguida, seu pai a casava com um
homem que fosse de interesse para a família. Já o homem ateniense se casava
somente depois dos trinta anos. Ou seja, tinha pelo menos quinze anos de
solteirice para cair na gandaia.
Não era vergonha alguma em Atenas que os melhores rapazes se
encontrassem de tempos em tempos com as cortesãs, e mesmo os casados
podiam impunemente manter amantes, ainda que isso pegasse um pouco mal.
A prostituição era reconhecida oficialmente em tal nível que o legislador
Sólon estatizou a profissão. Ele estava preocupado basicamente com a
quantidade de jovens solteiros (quanto mais homens privados de sexo, maior é
a violência, em qualquer cultura, em qualquer tempo). Então, Sólon comprou
uma grande quantidade de prostitutas e as instalou em bordéis estatais em
vários cantos de Atenas ao preço fixo de um óbolo – 0,5 grama de prata. Era
barato. Muito barato, como mostra o poeta Filêmon (362-262 a.C.) na comédia
Adelphoi [irmãos, em grego]:
O Amor de Afrodite Pandêmia [Vulgar] é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os
homens vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente, não menos as mulheres que os jovens, e
depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais desprovidos de inteligência,
tendo em mira apenas efetuar o ato (...). Trata-se com efeito do amor proveniente da deusa que é mais
jovem que a outra e que em sua geração participa da fêmea e do macho. O outro, porém, é o da Urânia
[Celeste], que primeiramente não participa da fêmea, mas só do macho – e é este o amor aos jovens – e
depois é a mais velha, isenta de violência; daí, então, é que se voltam ao que é másculo os inspirados
deste amor, afeiçoando-se ao que é de natureza mais forte e que tem mais inteligência. E ainda, no
próprio amor aos jovens poder-se-iam reconhecer os que estão movidos exclusivamente por esse tipo
de amor; não amam eles, com efeito, os meninos, mas os que já começam a ter juízo, o que se dá
quando lhes vêm chegando as barbas. Estão dispostos, penso eu, os que começam desse ponto, a amar
para acompanhar toda a vida e viver em comum, e não a enganar e, depois de tomar o jovem em sua
inocência e ludibriá-lo, partir à procura de outro.
Esse tipo de texto não assustava os gregos, que estavam muito convencidos
da baixeza do sexo feminino. Na literatura grega, a volúpia muitas vezes não
partia deles, mas delas. Isso é representado em uma breve história que conta a
disputa entre Zeus e Hera. Certo dia, Zeus, depois de tomar bastante do néctar,
deixou suas graves ocupações de lado e partiu a gracejar com sua mulher Hera:
“Sem dúvida alguma, a sua volúpia é maior do que a que sente o homem”.
Hera discordou. Sem que fosse possível chegar a uma conclusão nesse debate,
o casal olímpico foi buscar o parecer do velho Tirésias. No passado, ele havia
interrompido a cópula de duas serpentes com um golpe de bengala. Iradas, elas
transformaram Tirésias de homem em mulher. Por sete outonos, ele viveu
assim, até que, no oitavo, encontrou novamente as mesmas serpentes e as
separou com a bengala para recuperar o sexo com que nascera. Tinha, portanto,
vivido tanto com um sexo quanto com o outro.
E, diante da pergunta do casal, concordou com Zeus – maior era a volúpia
das mulheres. Hera ficou tão contrariada que cegou Tirésias. O virtuoso Zeus,
no entanto, compensou o velho com a capacidade de conhecer o futuro.
Ora, veja só, sendo a mulher para os gregos um ser tão irracional e
voluptuoso, nobre e espiritual era o amor entre um homem e um rapaz e não as
vulgaridades que aconteciam entre um homem e uma mulher. Em vez de gerar
um filho, esse encontro geraria os pensamentos, as ideias, os projetos relativos
à justiça e à cidade. Fecundaria não um corpo, mas a alma. Criaria um cidadão
virtuoso. Isso não significa que os gregos não tivessem reservas em relação à
homossexualidade. O relacionamento gay estável era incomum – todo cidadão
ateniense devia se casar com uma mulher.
O amor celeste entre homens, portanto, não era equivalente à relação entre o
homem e a mulher. Não tinha a ver com a reprodução, claro, nem exatamente
com o prazer. Não incluía penetração anal – tanto que as pinturas em cerâmicas
que retratam o sexo entre homens costumam mostrar o sexo entre as coxas. Em
vez da lascívia, o amor celeste era a camaradagem de guerreiros, a celebração
da beleza física de atletas nus, o desejo de proteger e educar um jovem e a
ambição de ser admirado e iniciado por um homem mais experiente.
Mais do que carnal, essa afeição entre homens tinha uma função educativa e
social. Com ela, uma geração mais velha de aristocratas educava para a vida
cívica membros da geração mais nova e os incluíam com laços de
camaradagem em sua rede de contatos políticos. No início da relação, o erastes
podia amar tanto pela beleza do corpo do eromenos, quanto por sua alma; mas,
conforme o rapaz amadurecesse, deveria permanecer apenas a afeição pelas
almas – ou seja, a amizade. A pederastia servia tanto de rito de passagem para a
fase adulta, quanto para o fortalecimento das relações sociais entre a elite
ateniense.
Um dos lugares onde essa relação de amor entre protetores e protegidos era
posta em prática era o gymnasion – um amplo espaço cercado por colunatas e
uma arena onde jovens (os ephebi) passavam grande parte do dia se
exercitando nus (gymnos, em grego – ou seja, originalmente, “ginásio” era um
lugar para ficar pelado).
Nas laterais do gymnasion, banhos, salões e outros espaços eram ocupados
por filósofos, oradores, poetas e outros que iam procurar seus jovens amigos –
e assim pôr em prática o ideal de mente sã em corpo são. Lá, as únicas criaturas
femininas permitidas eram as esculpidas em mármore. E, de todas as esculturas
de deuses, a que ocupava o lugar mais importante era a de Eros.
Inspirados por esse deus do amor sensual, os rapazes fortaleciam os
músculos em busca da perfeita harmonia física. Depois dos exercícios,
desenvolviam seu intelecto conversando e caminhando com seus protetores.
Foi esse ambiente que formou os atletas de elite de tantas competições entre
cidades-Estado do mundo grego – das quais a mais conhecida era a Olimpíada.
Mas foi também nesse ambiente que floresceu parte da filosofia grega – era
passeando pelos caminhos dos gymnasia que Aristóteles dava suas palestras.
A relação de admiração mútua e camaradagem prosseguia fora do gymnasion
e invadia o andron, ou “lugar dos homens”, como se chamava a sala da casa
onde homens se reuniam para beber. Essa reunião de homens aristocratas se
chamava symposion, e não é de surpreender que fosse esse o título original de
O Banquete, de Platão.
Os homens começavam comendo petiscos e, depois, partiam para o vinho,
reclinados às duplas nos divãs espalhados pelo andron. O vinho, diluído em
uma grande bacia na proporção de duas medidas de água para uma de vinho,
era servido por jovens escravos e escravas escolhidos por sua beleza. Lá, os
aristocratas tratavam de assuntos políticos, entravam em debates filosóficos,
declamavam poemas, comemoravam os resultados de competições atléticas e
passavam o tempo com divertimentos, como o jogo do kottabos, ou lançamento
de vinho ao alvo.
O andron, ao contrário do que o nome diz, era aberto à presença de
mulheres, contanto que não fossem “respeitáveis”. As únicas que podiam
participar das conversas eram as hetairai, aquelas cortesãs de elite, que davam
a graça e a alegria da festa. De resto, havia as musicistas, as dançarinas e
também os dançarinos.
A mais celebrada presença, porém, era a dos jovens eromenos, trazidos por
seus erastes. Assim como eram exaltados por sua beleza no gymnasion, eram
admirados no symposion. É o que Xenofonte, discípulo de Sócrates, mostra
quando o jovem Autólico é trazido ao seu symposion:
Autólico sentou-se junto a seu pai; os outros convidados, como de costume, deitaram-se sobre os
leitos. Então, observando-se o que acontecia, imediatamente podia-se considerar que a beleza é de
natureza real, sobretudo quando ela está ligada a seu possuidor, como era o caso de Autólico, à
modéstia e à discrição. De fato, em efeito, como uma luz aparecendo na noite atrai os olhos de todos,
assim também a beleza de Autólico fazia voltar-se para si todos os olhares. Pois não havia nenhum
entre os que o olhavam que não sentiu a alma tocada por sua presença.
O Banquete, de Xenofonte
Pode ser que essa relação de admiração entre eromenos e erastes – chamada
também de “pederastia” – fosse de amor puramente platônico. Que o amor
fosse puramente de alma. Mas também é bastante possível que esse amor
idealizado fosse como as fantasias de amor cortês dos trovadores medievais –
puro na teoria e carnal na prática. Os textos de Platão e Xenofonte apontam
para um lado. Já as pinturas de vasos retratando a relação de pederastia com
beijos, toques, masturbação, ereções e sexo entre as coxas apontam para outro.
Mulheres de Atenas
(...)
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Geram pros seus maridos
Os novos filhos de Atenas
Quando um homem tem um fluxo que sai do seu corpo, tal fluxo é impuro. (...) Todo leito em que tal
homem se deitar ficará impuro, e todo móvel onde se assentar ficará impuro. Aquele que tocar o
seu leito deverá lavar as próprias vestes, banhar-se em água, e ficará impuro até a tarde. (...)
Aquele que se assentar em um móvel onde tal homem se assentou deverá lavar as suas vestes,
banhar-se em água, e ficará impuro até a tarde. E se este homem cuspir sobre uma pessoa pura,
esta deverá lavar suas vestes, banhar-se em água, e ficará impura até a tarde. Toda sela sobre a
qual viajar este homem ficará impura. E todos aqueles que tocarem em um objeto qualquer, que
tenha estado debaixo dele, ficarão impuros até a tarde.
Levítico, 15
No espaço entre as vastas planícies irrigadas pelo rio Nilo e pelos rios Tigre e
Eufrates, nas quais emergiram as civilizações do Egito e da Mesopotâmia,
pouco havia senão deserto. A exceção era um estreito trecho de terras férteis
que sobreviviam mais das esparsas chuvas do que do anêmico rio Jordão. Essa
faixa verde entre o Mediterrâneo e o Jordão não tinha mais de 80 km de largura
e 450 km de comprimento, mas sua localização estratégica para o trânsito de
mercadores e exércitos fez dela uma região cobiçada por povos e potências ao
longo da História.
Entre os que lá viviam, por volta do século XI a.C., havia um povo
organizado em tribos autônomas, mas unidas pela crença de descenderem dos
mesmos ancestrais. Cada uma tinha um território próprio, onde cultivavam as
próprias plantações e criavam as próprias cabras e ovelhas; mas, diante da
ameaça constante dos vizinhos poderosos, as tribos conviviam como numa
confederação, capaz de se reunir quando necessário. Eram os hebreus, os
ancestrais dos judeus.
Assim como os babilônios, os hebreus criaram um sistema legal. Mas entre
as leis de Israel e a desses povos orientais há uma diferença tremenda.
Enquanto códigos como os de Ur-Nammu e de Hamurabi partiam de um rei
suserano a reis vassalos e seus povos, as leis de Israel emanavam de Deus.
Eram leis religiosas.
Respeitar as leis dos mesopotâmios era simples – bastava não roubar, não
estuprar virgens, não se deitar com a mulher alheia e não matar. Com os
hebreus, a história era outra. Seguir a lei das escrituras e seus rituais não era
apenas uma obrigação com Deus, que para eles era um deus único. Era uma
obrigação consigo mesmo e com todo o povo judeu – o indivíduo deveria ser
puro e livre de pecados; afinal, ele não era um mero servo de Deus, mas a
própria extensão d’Ele.
Algumas leis dos hebreus, contidas no Pentateuco (os cinco primeiros livros
do Velho Testamento), eram semelhantes às leis orientais – por exemplo, os
Dez Mandamentos e as leis previstas nos capítulos 21 e 22 do Êxodo são, em
sua maioria, leis civis herdadas dos códigos mesopotâmicos. Já no Levítico, as
leis de Israel deixam de se ocupar exclusivamente de questões civis e passam
também a regrar e ritualizar a vida privada. E era exatamente isso o que viria a
fazer dos hebreus um povo diferente dos demais.
As Escrituras envolviam todos os aspectos da vida do hebreu: definiam como
deveriam se vestir, fazer negócios, tratar e prevenir males de saúde, o que
poderia entrar em contato com o corpo e o que era permitido sair dele. No
Levítico, a proibição de alimentos e o controle dos fluidos sexuais se tornam
uma obsessão. Seguir as regras em seus pormenores era imprescindível para
que o indivíduo não se tornasse impuro e, assim, mantivesse todo o povo
escolhido protegido.
A mulher era considerada impura por sete dias após dar à luz um menino, e
duas semanas caso nascesse menina. Também por sete dias seria imunda
aquela que menstruasse – e, se ainda assim se deitasse com um homem, ambos
deveriam ser banidos de seu povo. Mesmo sem a mácula da menstruação, um
casal que se deitasse e houvesse descarga de sêmen, teria de se lavar em
seguida na água. Ainda assim, continuaria imundo até chegar a noite – que
nada tocasse até lá, sob a pena de também ficar imundo. A mesma coisa valia
para o homem que ejaculasse sem a participação da mulher e para qualquer
tecido que tocasse em seu sêmen. Ali, o “lavou, está novo” não valia – era
necessário lavar e ainda esperar até a noite para ficar limpo.
Como em outros códigos orientais, o incesto era proibido. Mas não apenas
ele. O sexo entre homens – que não era proibido nem na Mesopotâmia nem no
Egito – era detestado pelo Deus hebreu. “Quando também um homem se deitar
com outro homem, como com uma mulher, ambos fizeram abominação;
certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles”, diz o Levítico. Ao homem
estava reservada apenas a esposa. Ou as esposas. Um marido podia ter quantas
mulheres quisesse, mas nenhum caso extramarital era aceito. A mulher do
outro era proibida, assim como o homem da outra. O sexo com animais era
proibido – e, se era proibido, é porque era praticado, como em qualquer
comunidade rural em todos os tempos.
Se esses crimes sexuais fossem cometidos, a ira divina recairia não apenas
sobre o indivíduo, mas também sobre toda a coletividade. A terra vomitaria
seus moradores. No caso do adultério, a traição também recairia sobre a
comunidade inteira, não apenas sobre o cônjuge traído. A pena para isso?
Estrangular o casal em público. No caso do homem que se deitasse com uma
menina já prometida em casamento, os dois deveriam ser levados à porta da
cidade e apedrejados até a morte – “a moça, porque estava na cidade e não
gritou por socorro; e o homem, porque desonrou a mulher de outro homem.
Eliminem o mal do meio de vocês” (Deuteronômio 22:21).
Desperdiçar o sêmen também era uma abominação, e isso o Gênesis deixa
bem claro. Depois da morte do filho primogênito Er, Judá ordenou que o
segundo filho, Onã, engravidasse a cunhada enviuvada, chamada Tamar, para,
assim, dar filhos ao irmão morto. Onã, sabendo que os filhos não contariam
como seus, fez com que seu sêmen caísse no chão toda vez que se deitava com
a cunhada. Deus não gostou do que viu e matou Onã. Foi a partir dessa história
bíblica que o “onanismo” – ou seja, a masturbação – passou a ser condenado.
Tantas regras e rituais tinham uma função clara: unir os hebreus em torno de
uma identidade comum e separá-los dos povos à sua volta. Isso foi essencial
para a sobrevivência de sua cultura, dado que os hebreus foram
sistematicamente expulsos e dominados por grandes potências e, com isso,
exilados em diferentes cantos do mundo. Ao proibir para si o que era permitido
aos povos vizinhos, eles se reafirmavam como o povo escolhido. É como se
demonstra nas palavras do Levítico: o povo de Israel não deveria proceder
“como se faz na terra do Egito, onde vivestes” nem “de acordo com o costume
da terra de Canaã, para onde vos conduzo”.
Na rigidez, individualidade e complexidade da lei dos judeus é que começou
a se delinear um conceito completamente novo – o de pecado. Nas demais
civilizações do Oriente Próximo, cumprir as leis não era um enorme sacrifício.
Suas proibições diziam respeito apenas a transgressões extremas, que, acima de
qualquer coisa, implicavam prejuízo ao próximo. Matar, roubar, trair, estuprar,
e assim por diante. Já as leis do Livro Sagrado dos judeus condenavam não
apenas o prejuízo ao próximo, mas o desrespeito à vontade de Deus. Comer
camarão é agir mal, porque vai contra a lei divina comer qualquer animal
aquático que não tenha barbatanas e escamas. E que mal poderia haver em
comer um camarão? Um mal enorme: condenar toda a nação de Israel a não ser
a nação de Israel e sucumbir aos povos vizinhos.
Mas como a carne era fraca e a lei era complexa, o pecado era inevitável – e,
assim, o espírito do judeu se perpetuou sob a sombra do pecado e de sua maior
consequência, a culpa. Junto com o pecado, a culpa entrou para a história da
religião.
Quando o teu baixo-ventre incha, se tiveres à tua disposição uma serva ou um escravo de tua casa
sobre o qual possas lançar-te imediatamente, por acaso preferes morrer de tensão? Eu não, porque
adoro uma Vênus disponível e fácil.
Sátiras, de Horácio
Virtudes e vícios
(...) as mulheres, coitadas, vivem sob uma lei mais dura e mais desigual do que os homens. Se um
homem mete em casa, em segredo, uma prostituta, como se fosse uma esposa, e se a sua esposa vem a
saber, não há pena estabelecida para ele. Se uma esposa sai de sua casa sem conhecimento do marido, é
expulsa do casamento. Se ao menos a lei fosse a mesma para a mulher e para o marido! Uma boa
esposa contenta-se com um só marido; por que é que um bom marido não se contenta com uma só
esposa?
O Mercardor, de Plauto
Odes, de Horácio
Se gostares da primeira adolescência, ainda em desenvolvimento, virá ante teus olhos uma verdadeira
menina; se desejas uma jovem, mil jovens te agradarão (...). Mas se por acaso uma idade mais madura
e mais experimentada te agrada, crê-me, o bando será mais numeroso ainda. Terás apenas que passear
lentamente pela sombra do pórtico de Pompeu (...). Não evites o pórtico onde se acham os quadros
antigos, que têm o nome de Lívia (...). Não omitas as festas em honra de Adônis [adolescente amado de
Vênus], nem o sétimo dia consagrado aos judeus da Síria, e não fujas do templo da novilha de Mênfis
[Ísis] vestida de linho (...). Igualmente o Fórum (quem o poderia crer!?) convém ao amor. (...) Mas é
sobretudo nos teatros em semicírculo que tu podes caçar: aqueles lugares são os mais propícios aos
teus desejos. Lá encontrarás o que amar, com que te divertir, o que queiras tocar uma só vez ou que
queiras conservar.
– Senta-te perto da tua pretendida, se ninguém o impedir: aperta teu ombro contra seu ombro, enquanto
puderes; podes fazê-lo, mesmo que ela não queira, pois a linha de separação dos lugares a isso te
obriga, e é o próprio local que te força a tocar a jovem. (...) Se algum grão de poeira, como costuma
acontecer comumente, cair no seio da tua jovem, deve ser logo sacudido com os dedos; e se não há
poeira, sacode contudo esse nada: todo motivo serve para teus bons ofícios.
– Ainda que não te conceda os beijos, contudo, rouba-os. Talvez, no começo, lute e diga: “Atrevido!”;
em resistindo, ela quer ser vencida. (...) Depois dos beijos, por que diferir os teus desejos? Ai de mim!
Isto é rusticidade, não pudor! Ainda que chames isto de violência, essa violência é grata às jovens:
muitas vezes, querem conceder, malgrado elas mesmas. Todas aquelas que foram violadas por amorosa
rapina, estão bem contentes e têm aquela insolência na conta de presente. Mas aquela que pode ser
coagida e se retira intacta, ainda que seu semblante aparente alegria, está triste.
(idem)
– Não sejas tímido em prometer: as promessas atraem as jovens; toma todo e qualquer deus por
testemunha. (...) Júpiter tinha o costume de fazer a Juno falsos juramentos pelo Estige; ele nos encoraja
com seu exemplo. (...) As lágrimas também são úteis: com lágrimas amolecerás o diamante. Faze que
tua amante, se puderes, veja tuas faces úmidas; se as lágrimas falharem, pois nem sempre vêm no
momento desejado, toca teus olhos com a mão molhada.
(idem)
(...) entende-se que o prazer sensual não é um valor suficientemente digno da superioridade do homem
e que devemos desprezá-lo e afastá-lo de nós. Mas se existir alguém que valorize de algum modo a
gratificação sensual, este homem, com discernimento, deve manter o justo meio termo no desfrute da
mesma. Que os confortos e desejos do corpo atendam às demandas da saúde e da força física, não aos
chamados do prazer. Basta ter em mente a excelência e a dignidade de nossa natureza, e
compreendermos quão errado é abandonarmo-nos ao excesso e viver voluptuosa e lassamente e quão
honesto é viver parca, prudente, austera e sobriamente.
De Officiis, de Cícero
As muitas leis criadas por nossos ancestrais, as muitas passadas pelo divino Augusto, são hoje letra
morta. As primeiras, enterradas no esquecimento; as demais, para nossa vergonha, desprezadas. E isso
tornou a luxúria maior. Porque, quando você tem vontade de algo que não é proibido, você teme que
isso passará a ser proibido; agora, quando você atravessa o território do proibido com impunidade, não
lhe sobra nem medo nem vergonha.
Anais, de Tácito
Mandou vir da Grécia as estátuas dos deuses mais venerados, de mais formoso lavor, entre as quais a
de Júpiter Olímpico, a fim de substituir a cabeça delas pela sua. Prolongou até o Fórum uma ala do
Palatino e, transformando em vestíbulo o templo de Castor e Pólux, lá se postava frequentemente entre
seus irmãos, os deuses, oferecendo-se com eles à adoração dos visitantes. Alguns chegavam a saudá-lo
com o título de Júpiter Lacial. Para si mesmo, construiu um templo, estabeleceu sacerdócios e
sacrificou vítimas de espécies raras. Dentro desse templo erguia-se sua estátua em ouro, em tamanho
natural, que todos os dias era vestida com roupas iguais às suas.
Aos 28 anos, em 41 d.C., Calígula foi morto pela Guarda Pretoriana, cuja
função era protegê-lo – motivos para rancor, como vimos, não faltavam.
Seu sucessor, Cláudio (41-54 d.C.), tentou recompor o Império à imagem
sóbria de Augusto, mas acabou sucedido pelo jovem Nero (54-68 d.C.), ainda
mais libertino e insano que Calígula.
Em princípio, Nero estava fora da linha de sucessão imperial; afinal, Cláudio
já tinha como potencial sucessor Britânico, filho com sua terceira mulher,
Messalina. Mas eis que, nessa linha, entrou a maquiavélica figura de Agripina
Menor, mãe de Nero, prima de Cláudio e irmã de Calígula. Agripina
colecionou jogadas de alto risco em sua vida. Nos tempos em que Calígula era
imperador, Agripina tramou sua morte. Deu errado, e ela acabou exilada em
uma ilha até o assassinato de Calígula. Já viúva e mãe de Nero, ela se casou
novamente com um milionário, que morreu em seguida, deixando toda sua
herança para o garoto. Depois, Agripina investiu em seduzir Cláudio, então
casado com Messalina – mulher que ficou para a história das artes como
sinônimo de promiscuidade. Messalina foi condenada à morte por suspeita de
adultério, e o caminho ficou livre para Agripina. Não só se casou com o
imperador como também conseguiu convencê-lo a adotar Nero, assim fazendo
dele herdeiro do trono, no lugar do filho legítimo, Britânico. Quando Cláudio
começou a perder a confiança em Agripina e preparar Britânico para o trono,
morreu, provavelmente envenenado. Se Agripina matou Cláudio ou não, só se
pode especular. O fato é que, depois de sua morte, ela pôde usar o filho para,
na prática, governar o Império. Por um tempo.
Se, de um lado, Nero vinha de uma família de libertinos e psicopatas, de
outro, era apaixonado pela poesia, pela música, pelo teatro e pelos jogos
atléticos. Visitava bordéis disfarçado, roubava lojas, insultava mulheres,
deitava-se com rapazes e caía em brigas. Não havia mulher que lhe agradasse,
senão aquelas bem-versadas no deboche. No governo, foi manipulado pela mãe
e pelos assessores – até que começou a se emancipar. Livrar-se de uma mãe
como Agripina não seria fácil, e Nero acabou resolvendo a questão cortando o
mal pela raiz. Primeiro tentou envenená-la, mas não teve sucesso. Depois,
tentou afogá-la, mas ela sabia nadar bem. Até que foi morta a espadadas – e
isso somente após muitos golpes.
Nero tinha também seu lado artístico, em muito inspirado nos gregos.
Instituiu os Jogos da Mocidade nos moldes da Olimpíada, com corrida de
cavalos, atletismo, oratória e poesia – e, além de construir anfiteatros, ginásios
e banhos públicos, também competiu nos jogos. Não bastando ter poderes
políticos, queria também desenvolver suas habilidades líricas. Cantava, tocava
harpa, recitava poemas de sua autoria. Em suma, tinha a alma grega – para
horror do Senado romano, que considerava os palcos lugares de escravos.
Como artista, Nero se irritava com os defeitos arquitetônicos dos palácios
que havia herdado. E como não havia espaço para construir um novo, decidiu
remodelar Roma, rebatizando-a de Nerópolis. Foi então que, em julho de 64
d.C., um incêndio iniciou-se no Circus Maximus, o hipódromo da cidade.
Cronistas acusaram Nero de ter dado início ao fogo, mas não há provas a favor
nem contra o imperador. O que se sabe é que Nero rapidamente encontrou um
bode expiatório – os cristãos.
Na Judeia, o Cristianismo havia ganhado força. Os romanos acreditaram que,
com a crucificação do líder sentenciada pelo prefeito Pôncio Pilatos nos tempos
do imperador Tibério, o desenvolvimento dessa seita seria refreado. Não. Em
vez disso, ela encontrou mais seguidores. Agora, nos tempos de Nero, os
cristãos se espalhavam por vários pontos do Império, inclusive na cidade de
Roma. O historiador Tácito conta que Nero forjou a confissão de alguns
miseráveis, e as maiores punições foram dadas aos cristãos. Em seguida,
iniciou-se uma ampla perseguição aos cristãos com uma acusação sinistra: o
suposto ódio à humanidade:
Os primeiros a serem presos eram aqueles que confessavam. Então, através de suas informações, um
número de pessoas foi acusado, não de ter ateado fogo à Cidade, mas de ódio contra a raça humana. E,
conforme eles pereciam, zombarias eram acrescidas. Tanto que, cobertos com peles de animais
selvagens, eles morriam devido às mutilações que os cães lhes infligiam, ou eram queimados fixados a
cruzes, e no cair da noite eram usados para a iluminação noturna. Nero forneceu seus jardins para o
espetáculo e ofereceu jogos circenses misturando-se com a plebe disfarçado de condutor de carro de
guerra ou em sua própria biga. Daí que surgiu – embora os acusados merecessem o tratamento mais
exemplar – um sentimento de piedade (...)
Anais, de Tácito
(...) bom seria que o homem não tocasse a mulher; mas, por causa da fornicação, [é melhor que] cada
um tenha sua própria mulher, e cada uma tenha seu próprio marido. A mulher não tem poder sobre o
seu próprio corpo, mas tem-no o marido; e, da mesma maneira, o marido não tem poder sobre o
próprio corpo, mas tem-no a mulher.
[...] Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem [castos] como eu. Mas, se não
podem conter-se, casem. Porque é melhor casar do que abrasar-se.
Coríntios, 7:1-9
que elas tenham roupas decentes, se enfeitem com pudor e modéstia; nem tranças, nem objetos de
ouro, pérolas ou vestuário suntuoso; mas que ornem, ao contrário, com boas obras, como convém a
mulheres que se professam piedosas. Durante a instrução, que a mulher conserve o silêncio, com toda
submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Que ela conserve, pois, o
silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a
mulher que, seduzida, caiu em transgressão. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que,
com modéstia, permaneça na fé, no amor e na santidade.
Timóteo, 2:9-15
O culto primitivo
Vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão. Vossas riquezas apodreceram e
vossas roupas foram comidas pela traça. Vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem
dará testemunho contra vós e devorará vossas carnes como fogo. Entesourastes nos últimos dias! Eis
que o salário, que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos
de ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Tendes vivido em delícias e em
dissoluções sobre a terra, e saciastes os vossos corações para o dia da matança! Condenastes e matastes
o justo, e ele não vos resistiu.
Tiago, 5:1-6
O olhar para uma mulher é semelhante a um dardo venenoso: fere a alma, nos injeta veneno e,
quanto mais perdura, tanto mais espalha a infecção. Aquele que busca defender-se destas flechas
se mantém alheio das multitudinárias reuniões públicas e não divaga com a boca aberta nos dias
de festa; é muito melhor ficar em casa, passando o tempo orando, do que fazer a obra do inimigo,
crendo honrar as festas.
Logismoi, de Evágrio Pôntico
Embora Deus possa tudo, Ele não pode erguer uma virgem, uma vez caída. De fato, Ele pode dar alívio
àquela que se corrompera pelo pecado, mas não lhe dará a coroa. [...] Note, porém, que há também
virgens más. O Senhor diz que “qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração
cometeu adultério com ela”. A virgindade pode, portanto, perder-se até mesmo com um pensamento.
Tais são as virgens más; virgens na carne, mas não no espírito [...]
Se nem mesmo a virgindade física salva as virgens com outras fraquezas, o que há de acontecer com
aquelas que prostituíram os membros de Cristo e tornaram o templo do Espírito Santo em um bordel?
[...] Esgota-me dizer quantas virgens caem todo dia, quantas notáveis mulheres a igreja perde em seu
seio [...]. Vês quantas mulheres se enviuvaram antes mesmo de se casarem, tentando esconder sua
culpa por meio de suas roupas. A não ser que sejam traídas pela barriga inchada ou pelo choro dos
pequenos, elas andam de cabeça erguida. Algumas até garantem a esterilidade com poções, matando
humanos antes de que possam ser concebidos. Outras, quando se descobrem grávidas, abortam com
drogas, algumas se matando. Levam consigo para o mundo abaixo, assim, a culpa por três crimes:
suicídio, adultério contra Cristo e infanticídio.
Há ainda outro escândalo que me faz corar. De que fonte essa praga de “queridas irmãs” encontrou o
caminho até a Igreja? De onde vêm essas esposas não casadas, esse novo tipo de concubinas, ou
melhor, essas rameiras de um só homem? Elas vivem na mesma casa que seu namorado; ocupam o
mesmo quarto e, muitas vezes, a mesma cama. Ainda assim, nos chamam desconfiados quando
achamos que fazem algo de errado.
Desde a adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em coisas baixas, ousando entregar-me como
animal a vários e tenebrosos amores! Desgastou-se a beleza da minha alma e apodreci aos Teus olhos.
Confissões, de Agostinho
Agostinho tem uma obra extensa, mas uma de suas grandes sistematizações
teológicas foi a do “pecado original”. Não que a origem desse conceito fosse
coisa nova. Na verdade, ele está nas primeiras páginas do Antigo Testamento,
em uma das passagens mais conhecidas da Bíblia: o homem recebe da mulher o
fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e, contrariando a vontade de
seu Criador, come-o. Nesse mesmo momento, o casal perde o controle sobre a
sensualidade – ou, na linguagem bíblica, o homem e a mulher percebem-se nus
e se cobrem com uma tanga de folhas de figueira. Diante da desobediência,
Deus os torna mortais, sensíveis à dor. A mulher acabou condenada às dores do
parto e à dominação pelo marido. O homem, obrigado a trabalhar para comer
(“do suor do teu rosto comerás o pão”). E ambos foram expulsos do Jardim do
Éden.
Se essa história é conhecida desde o mais antigo dos judeus, os cristãos
deram a ela um significado diferente – o de que esse seria o “pecado original”,
herdado por todos os humanos, e que se derivaria nos demais pecados. Seria
tão perfeitamente original que explicaria por que Deus permitiria que os
inocentes morressem. Para entender a importância desse significado, vamos ver
uma enorme discussão da época – iniciada por um monge bretão chamado
Pelágio.
Segundo Pelágio, as pessoas nasciam inocentes, e, para se salvar, bastava não
pecar. Essa proposição trazia um grande problema: ela tornaria a igreja
desnecessária. Para chegar à salvação bastariam as ações humanas. Nesse jogo,
a vontade divina poderia até entrar para perdoar o pecado, mas, se o homem
não pecasse, seria salvo mesmo sem Deus entrar em campo. Então, Agostinho
defendeu que não adiantava apenas evitar o pecado, porque todos já nasciam
condenados pelo tal pecado original.
O testemunho evidente dessa condenação seria a fraqueza da carne. Ou, para
usar o termo que Agostinho trouxe de Platão, a “concupiscência”, a
incapacidade de controlarmos nossas vontades. Lembremos que, segundo a
Bíblia, Deus deu a ordem “crescei e multiplicai-vos”. E, de fato, Deus queria
que a humanidade se reproduzisse – prova disso é que havia dado ao homem
como auxiliar não outro homem, para trabalhar como colega e amigo, mas uma
mulher, e lhes disse que deveriam se casar. Antes mesmo de a serpente seduzir
a mulher e a mulher seduzir o homem, levando ao pecado original, já havia o
desejo divino de que os dois se casassem. A diferença era que, antes do pecado
original, a excitação dos órgãos genitais se dava pela razão, e não pela
sensualidade. Isso mesmo. Em Cidade de Deus, Agostinho propõe que a
fecundação no paraíso ocorreria sem a vergonha da luxúria. O homem e a
mulher seriam capazes de pensar “vamos nos reproduzir”, e assim se
reproduziriam. Não por meio da sensualidade desenfreada, mas pela razão. Da
mesma forma como no paraíso não haveria nem calor nem frio extremos, seus
habitantes não teriam o ardor descontrolado, apenas o arbítrio da vontade. Seria
possível mandar os órgãos genitais se excitarem tal como o pé é posto para
andar, as mãos para pegar e a língua para falar. Por isso, não havia motivo para
os dois se envergonharem nem para cobrirem os órgãos, porque não havia a
concupiscência – a maldita inclinação a gozar os prazeres dos sentidos.
Mas do Jardim do Éden caímos. Depois do pecado original, até mesmo o
sexo necessário para fazer filhos se tornou um mal – afinal, não podia ser
eliminado o seu elemento sensual. Desde os filhos de Adão e Eva, o pecado
original é passado adiante por meio do ato sexual. Apesar do mal do sexo, ele
era usado para um bom fim – a procriação –, e sem esse mal não era possível
alcançar esse bem. Assim, o casamento teria ao mesmo tempo uma face boa – a
face dos filhos, da castidade conjugal e do sacramento – e uma face má – a
tendência para a sensualidade carnal da qual o casamento também se
envergonha. Depois do pecado original, a humanidade se tornou uma massa de
condenados.
Romanos defenderam o autocontrole, gregos criticaram quem não usasse a
razão para dominar a alma concupiscente e judeus proibiram certas práticas
sexuais. Todas essas culturas haviam imposto algum tipo de restrição ao sexo.
Mas o que o Cristianismo agora fazia era condenar todo prazer sexual. Tudo o
que fugia da razão e que nos fazia lembrar a nossa natureza animal – o ato
sexual, as emoções anteriores a ele, a proximidade dos órgãos de reprodução
com os de defecação – nos separava da nossa natureza divina. E se o sexo
reprodutivo fosse considerado um mal, imagine só o que não seria o sexo não
reprodutivo? Um pecado capital – tal como o papa Gregório Magno definiria
em sua lista de sete pecados capitais.
Top 7 pecados
A lista dos pecados capitais é uma inovação posterior à Bíblia. Não está nem
no Velho Testamento nem no Novo. Mas, ao longo dos séculos em que se
construiu a tradição da igreja, teólogos se ocuparam em identificar os pecados
mais importantes – importantes não por serem os mais graves, mas por
originarem os demais pecados e vícios.
Um dos primeiros a se ocupar dessas listas foi Evágrio Pôntico (345-399
d.C.), em sua obra Sobre os oito vícios capitais. Nela são citados gula, luxúria,
avareza, ira, tristeza, aborrecimento, vanglória e soberba. Já o papa Gregório
Magno diminuiu a lista para sete – orgulho, inveja, ira, melancolia, avareza,
gula e luxúria – e explicou detalhadamente como esses pecados traziam
consigo um “exército” de outros pecados:
Pois do orgulho emergem desobediência, vanglória, hipocrisia, rivalidade, birra, discórdia e presunção
de novidades. Da inveja nascem ódio, fofoca, detração, júbilo do infortúnio alheio e pesar de sua
prosperidade. Da ira são produzidos disputas, turgidez da mente, insultos, clamor, indignação,
blasfêmias. Da melancolia surgem malícia, rancor, covardia, desespero, preguiça na ora de cumprir
ordens e a ocupação da mente em assuntos ilícitos. Da avareza nascem perfídia, fraude, engano,
perjúrio, inquietação, violência e a falta de compaixão. Da gula se propagam o júbilo tolo, grosseria,
imundice, tagarelice, cegueira na capacidade de entendimento. Da luxúria se geram cegueira da mente,
falta de consideração, inconstância, precipitação, amor próprio, ódio a Deus, afeição ao mundo
presente e horror àquele que está por vir. Como sete vícios capitais produzem tamanha multidão de
vícios, quando eles tomam o coração, trazem os seus exércitos consigo.
Moralia, de Gregório
Depois de viver seu auge nos séculos I e II, o Império Romano entrou em
decadência até a deposição de seu último imperador no Ocidente, Rômulo
Augusto, em 476 d.C. Por um milênio, a Europa viveria o que se convencionou
chamar de Idade Média (séculos V a XV). Esse período é frequentemente visto
como um “retrocesso” civilizatório. Foi ao longo da decadência do Império
Romano e da Idade Média que o Cristianismo se expandiu e se
institucionalizou por praticamente todo o continente. A Europa medieval podia
não ter a unidade econômica, burocrática e militar do Império Romano, mas na
verdade criou uma unidade cultural por meio da igreja. Nos séculos IV e V, a
atividade missionária aumentou pelo continente. Tribos germânicas que
principalmente no século V pressionavam as fronteiras do antigo Império
acabaram se convertendo não por missões cristãs em seus territórios, mas
simplesmente por entrarem em contato com as populações que seguiam a
cultura romana. Os visigodos foram convertidos entre 382 e 395 d.C.; os
ostrogodos entre 456 e 472 d.C.; os lombardos entre 488 e 505 d.C.; os
borgonheses entre 412 e 436 d.C.; os vândalos entre 409 e 417 d.C.. De início,
haviam adotado o arianismo, até então uma das principais vertentes do
Cristianismo, que considerava Jesus subordinado a Deus, mas não o próprio
Deus. Mas nutriam afinidade com os cristãos romanos e lentamente aderiram à
religião. Formaram, assim, reinos cristãos.
Bispos, originalmente vindos de famílias romanas aristocráticas infiltradas
nos altos escalões da Igreja, governavam as cidades e aldeias a partir de suas
catedrais, que tinham monopólio do batismo e das relíquias cultuadas com
ardor pelos fiéis e, assim, assumiram o comando não só das almas, como
também de toda a cultura escrita nas suas respectivas regiões. Arcebispos –
bispos hierarquicamente superiores – partilharam o território cristão entre si
conforme as antigas divisões administrativas romanas, as dioceses. No século
VI, o arcebispo de Roma assumiu o nome de “papa”. Ao longo da Idade Média,
vários reinos apareceriam, deslocariam suas fronteiras, fariam guerras e
morreriam. Mas toda a Europa teria uma coisa em comum – a crença em
Cristo. O Cristianismo se tornara a unidade de um mundo extremamente
fragmentado.
A Igreja pode ter se fortalecido com as doações de fiéis, com a cobrança de
dízimo, com o fato de suas terras não serem divididas pela hereditariedade. A
sua maior força, porém, não foi material: foi ela quem forneceu os escribas
para que os povos bárbaros tivessem suas leis e histórias transcritas da
memória para o papel. Com o monopólio sobre a escrita, o Cristianismo foi
capaz de exercer poder sobre o passado e o futuro desses povos – podiam
construir relatos de suas origens nacionais, tendo a cristianização como ponto
de virada da existência primitiva para a futura salvação.
Com essa história, dá até para imaginar que a Europa se transformou em um
continente de povos pios e com a maior observância das leis de Deus. A
realidade, no entanto, foi muito diferente. Se a ética sexual construída pelos
teólogos medievais era muito bem-definida, na prática as coisas eram muito
distintas. Os ofícios religiosos católicos se definiram muito lentamente, e, por
muitos séculos, se sobrepunham a costumes locais pagãos bastante enraizados.
Entre os anglo-saxões, por exemplo, São Bonifácio se horrorizava porque
tanto os cristãos como os pagãos “recusam-se a ter esposas legítimas e
continuam a viver na luxúria e no adultério à maneira dos cavalos rinchantes e
asnos zurrantes”. Em 756, escrevia ao rei Etelbado:
O vosso desprezo pelo matrimônio legal, se fora por causa da castidade, seria louvável; mas uma vez
que vos chafurdais na luxúria e até em adultério com freiras, é vergonhoso e condenável. Ouvimos
dizer que quase todos os nobres da Mércia seguem o vosso exemplo, abandonam suas esposas
legítimas e vivem numa intimidade culposa com adúlteras e freiras. Atentai para isto: se a nação dos
anglos, desprezando o matrimônio, der liberdade desenfreada ao adultério, uma raça ignóbil e
escarnecedora de Deus deverá resultar necessariamente dessas uniões, e destruirá o país com suas
maneiras relaxadas.
Guilherme de Malmesbury, i, 4
• Aquele que pecar com um animal deverá cumprir penitência por um ano.
• Se pecar consigo mesmo, deverá cumprir três períodos de quarenta dias
[...]; se for um garoto de quinze anos, cumprirá por quarenta dias.
• Aquele que corromper sua mãe deverá cumprir penitência por três anos,
com exílio perpétuo.
• Aqueles que poluírem seus lábios deverão cumprir penitência por quatro
anos; se estiverem acostumados com o hábito, deverão cumprir penitência
por sete anos.
• Aqueles que cometerem sodomia deverão cumprir penitência por sete anos.
• Para o coito interfemoral, dois anos.
• Aquele que meramente deseja em sua mente cometer fornicação, porém não
é capaz de fazê-lo, deverá cumprir penitência por um ano.
• Aquele que for poluído por uma palavra ou por um olhar maus, mas que
não deseja fornicar, deve cumprir penitência por vinte ou quarenta dias,
dependendo da natureza de seu pecado.
• Mas se ele for poluído pelo assalto violento de um pensamento, ele deverá
cumprir penitência por sete dias.
• Aquele que por um longo período for tomado pelo pensamento de fornicar e
resiste ao pensamento de forma pouco comprometida cumprirá penitência
por um ou dois ou mais dias, dependendo da duração do pensamento.
• Aquele que voluntariamente tem uma polução na cama deverá levantar-se,
ajoelhar-se e cantar nove salmos na ordem; no dia seguinte, passar apenas a
pão e água; ou deverá cantar trinta salmos.
• Um leigo que desonrar a mulher ou a filha virgem de seu vizinho deverá
cumprir penitência por um ano a pão e água, sem sua própria mulher.
• Mas se ele corromper uma virgem de Deus e tiver um filho, ele deverá
cumprir penitência por três anos sem armas; o primeiro a pão e água e os
demais sem vinho nem carne.
• Se no entanto ele não produzir filho, porém corromper, deverá cumprir
penitência por um ano e meio sem mimos e sem sua mulher.
• Mas aquele que penetrar sua escrava deverá vendê-la e cumprir penitência
por um ano.
• Se ele der filho a ela, deverá libertá-la.
• Aqueles que são casados devem ser continentes durante os três períodos de
quarenta dias do ano e nos sábados e domingos, noite e dia, e em dois dias
da semana, assim como depois da concepção, durante o período menstrual e
depois do nascimento – por trinta dias, se for menino, e por sessenta dias, se
for menina.
Alguns, considerando que viver com temperança e abster-se de qualquer superfluidade ajudaria
muito a resistir à [peste], reuniam-se e passavam a viver separados dos outros [...], fugindo a toda
e qualquer luxúria, sem dar ouvidos a ninguém e sem querer ouvir notícia alguma de fora, sobre
mortes ou doentes [...]. Outros, dados a opinião contrária, afirmavam que o remédio infalível para
tanto mal era beber bastante, gozar, sair cantando, divertir-se, satisfazer todos os desejos
possíveis.
Decamerão, de Giovanni Boccaccio
Nada poderia ser mais desprezível para uma sociedade cristã do que uma
prostituta. Ela, que foi tão importante entre gregos e romanos, reunia em uma
só figura a fornicação, a contracepção e o aborto. Era o oposto da idealização
da castidade, da virgindade mariana, do desprezo pela carne e da condenação
da sensualidade. Basta lembrar-se de Paulo em Coríntios 6, 15: “Não sabeis
que vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei então os membros de
Cristo para fazê-los membros de uma prostituta? Por certo, não!”.
Ainda assim, a Igreja sempre manteve uma relação ambígua com a figura da
prostituta. Afinal, quando um homem casado solicitava seus serviços, diminuía
o risco de deflorar uma virgem ou “adulterar” o casamento alheio. A prostituta
era vista como um dreno pelo qual escorria todo o efluente sexual que impedia
que a humanidade chegasse a Deus. Um texto que resume bem isso é do
próprio Agostinho de Hipona, que considera mau todo desejo sexual, mas que
ao mesmo tempo reconhece que todos os homens cedem à carne:
O que é mais horrível que o algoz? E mais truculento e feroz que o seu ânimo? Ainda assim, ele tem
um lugar necessário nas leis e está incorporado à ordem com que se deve reger uma sociedade bem
governada. É um ofício degradante para o ânimo, mas contribui à ordem alheia castigando os
culpáveis. O que é mais sórdido e vão do que a beleza e as torpezas das meretrizes e outros cúmplices
da corrupção? Suprime o lenocínio das coisas humanas e tudo se perturbará com a lascívia; ponha as
meretrizes no lugar das matriarcas e tudo acabará envilecido, afeado e mancilhado. Assim, pois, essa
classe de gente da vida desordenada se reduz a um vilíssimo lugar pelas leis da ordem. Não há também
nos animais alguns membros que, vistos por si mesmos, sem a conexão que têm com o organismo
inteiro, nos repugnam? No entanto, a ordem da Natureza nem os há suprimido, por serem necessários,
nem os há colocado em um lugar preeminente, por causa de sua deformidade, porque eles, ainda sendo
disformes e ocupando seu lugar, enaltecem o dos membros mais nobres.
Prostitutas podiam ser condenadas ao inferno, mas sua alma era sacrificada
para o bem da sociedade. Durante a Alta Idade Média – que vai do final do
Império Romano, no século V, até o século X – elas foram uma figura pouco
proeminente – geralmente iam de cidade em cidade e adaptavam seu itinerário
conforme o calendário das feiras e mercados para satisfazer artesãos, peões e
comerciantes, mas não iam muito além disso. Afinal, o mundo ocidental havia
se voltado ao campo, às pequenas cidades em volta de catedrais e monastérios.
O centro da civilização não era mais a cidade romana, cheia de banhos públicos
e pontos de encontro onde centenas de pessoas trocavam olhares e se roçavam
em busca de oportunidades de sexo. O mundo da Alta Idade Média era
demasiadamente voltado para a casa do camponês e seu pedaço de terra
arrendado e, no máximo, a missas e festas. Se as prostitutas não deixaram de
existir, tornaram-se a figura da mulher que vagava de canto em canto em busca
de oportunidades.
Mas a partir do século XI, início da Baixa Idade Média, o comércio e as
cidades voltaram a se fortalecer na Europa. Novos processos de cultivo
aumentaram a produtividade e permitiram a venda de excedentes, e não só isso:
com a abundância de comida, a população do campo cresceu e acabou
migrando em parte para as cidades. Muitos jovens partiram para as Cruzadas,
que aumentaram o tráfego marítimo mediterrâneo e o tornaram mais seguro;
estradas que haviam desaparecido desde a queda do Império Romano foram
retomadas; produtos do Oriente chegaram às cidades italianas, francesas,
flamencas e alemãs. Com o êxodo rural, a produção excedente e a vinda de
produtos exóticos, cidades portuárias e encruzilhadas de rotas terrestres se
tornaram grandes centros comerciais – como Marselha, Paris, Bordeaux,
Bruges, Hamburgo, Lübeck e Barcelona, e, à frente de todas, as cidades
italianas de Veneza, Florença, Pisa, Milão e Gênova. E nelas floresceu todo
tipo de artesanato e comércio, inclusive o comércio sexual, graças ao excedente
de mulheres pobres.
Nas cidades medievais, também surgiram as universidades, como a de
Bolonha, dedicada ao direito romano; Oxford, notável pelas ciências; e de
Paris, especializada em teologia. No século XIII, a Universidade de Paris tinha
mais de 20 mil estudantes de vários países, e entre seus mestres estava o frade
Tomás de Aquino. Ele usava métodos de raciocínio próprios da filosofia
aristotélica para trazer luz à tradição católica, inclusive quando o assunto era
prostituição. Quase um milênio após o doutor Agostinho, Tomás de Aquino
expressaria de forma muito mais clara a postura ambígua da Igreja em relação
às meretrizes: “A prostituição nas cidades são como a fossa sanitária de um
palácio: tire a fossa sanitária e o palácio se tornará um lugar imundo e fétido”.
Na Paris do próprio Aquino, seminaristas e prostitutas viviam nos mesmos
bairros, às vezes dividindo as mesmas hospedarias. Em 1230, Jacques de Vitry
descreve “prédios com um colégio no andar de cima, um bordel no de baixo;
no andar térreo, professores dão aula enquanto prostitutas exercem sua
atividade vergonhosa. (...) Prostitutas arrastam clérigos que passam para
bordéis quase à força e a céu aberto pelas ruas; se eles se recusarem a entrar, as
prostitutas chamam-nos de sodomitas [homossexuais]”.
O fim do mundo, novamente
Tudo parecia apontar para uma vida com mais luxúria, com o prostibulum
servindo de acantonamento das impurezas sociais, de zona franca da
concupiscência carnal. As cidades se mostraram ambientes propícios para a
disseminação não apenas dos pecados da carne, mas também da peste negra. A
bordo de navios, a peste bubônica chegou de vez à Europa em 1348. Ao se
espalhar rapidamente pelo continente, matou pelo menos um terço de sua
população. E a peste não foi a única desgraça no fim da Idade Média, ela veio
com a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), com uma série de lutas civis, com o
Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), que dividiu a Igreja em duas, e com o
avanço otomano.
Quanto mais o homem se distanciava de Deus, maior era a sombra do pecado
sobre o mundo. Desde os tempos dos cristãos primitivos, que acreditavam que
o Juízo Final estava próximo, a Igreja sempre pregou o desprezo pelo mundo e
a desvalorização do homem. O fim do mundo não chegara, mas o desapego às
coisas mundanas continuou ao longo da Alta Idade Média, com a ruralização
econômica e a valorização da vida monástica. O homem havia nascido para o
trabalho, a dor, o medo e a morte, e a Terra era um vale de lágrimas.
Agora que o homem vivia sob a sombra do pecado trazido pelas cidades,
pelo comércio e pelo fortalecimento dos Estados, surgiam cada vez mais
indícios da ira de Deus. Como entender a fome, a guerra e a peste senão como
castigo divino? Deus, para o homem medieval, continuava sempre a punir com
seus golpes, ainda que não usasse sempre o mesmo flagelo. Se a guerra civil se
acalmava um pouco, Ele começava a afligi-lo ao mesmo tempo com a peste e
as guerras estrangeiras. Cronistas religiosos viam apenas o declínio do mundo.
Citando o poeta Eustache Deschamps (1346-1406), o historiador Jean
Delumeau faz um retrato vívido da desesperança da época:
O ar está quente quando devia estar frio. Os dias são curtos quando deviam ser longos. A ninguém
importa o inferno ou o paraíso (...) Eustache Deschamps ataca as modas indecentes. Ele troveja contra
aqueles que usam roupas tão curtas “que seus traseiros parecem de macacos” e contra mulheres que
“fazem aparecer os seios”. Por toda parte “reinam vícios e dissoluções. Pobres estão errados, ricos são
louvados. Maus vivem, bons são punidos. Só se veem “invejas, maquinações desordenadas, ódios...”.
Daí, como punições, as “mortes repentinas”, as chuvas, a neve, as tempestades, as geadas e as “guerras
por toda parte”.
Uma daquelas moças [...] era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão
graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha por não
terem a sua como ela.
Carta a El-Rey, de Pero Vaz de Caminha
Todos andam nus, homens assim como mulheres, e não têm gênero nenhum de vestido e por nenhum
caso verecundant [“envergonham-se”, em latim]; antes parece que estão no estado de inocência pela
honestidade e modéstia que entre si guardam, e quando algum homem fala com mulher vira-lhe as
costas.
Fernão Cardim
Os índios da terra andam nus e quando muito vestem alguma roupa de algodão ou de pano baixo e
nisto usam de primores a seu modo, porque um dia saem com gorro, carapuça ou chapéu na cabeça e o
mais nu; outro dia saem com os seus sapatos ou botas e o mais nu; outras vezes trazem uma roupa
curta até a cintura sem mais outra coisa. Quando casam, vão às bodas vestidos e à tarde se vão passear
somente com o gorro na cabeça, sem outra roupa, e lhes parece que vão assim mui elegantes.
José Anchieta
O problema não era apenas a vestimenta. Não demorou para que os jesuítas
percebessem que a nudez dos índios não era de todo desprovida de
sensualidade. “O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase
intoxicação sexual”, escreve Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala – um
clássico hoje criticado por alguns historiadores por contemporizar os conflitos
raciais no Brasil. “O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os
próprios padres da Companhia [de Jesus] precisavam descer com cuidado,
senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se
contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem
aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham
deuses.”
Para afirmar isso, Gilberto Freyre teve à sua disposição documentos
produzidos apenas pelos jesuítas e pelos colonizadores, mas não pelos
colonizados; portanto, é problemático afirmar categoricamente o quão
voluntários foram os contatos entre europeus e mulheres indígenas. O que é
possível dizer, no entanto, é que o pecado da luxúria era um conceito estranho
para os povos nativos. Como já vimos, a ideia de luxúria começou a ser
construída lentamente muito antes do Cristianismo. Atravessou toda a história
ocidental, com a teoria da alma de Platão, o meio-termo aristotélico, a
glorificação das virtudes romanas, o moralismo estatal do imperador Augusto,
as Escrituras dos judeus, a obsessão do apóstolo Paulo pela virgindade e depois
por toda a tradição católica acumulada até o Concílio de Trento. Não seria
fácil, de repente, os nativos trocarem seus rituais pelas Escrituras, sua nudez
tropical pelas incômodas roupas europeias, suas relações tribais pelo casamento
sacramentado e até os banhos nos riachos pela água benta. Tampouco seria
fácil manter intacta a cultura portuguesa nessa terra tão distante, tão diferente e
tão atraente.
O frei Vicente de Salvador reclamava da beleza física das índias – diante
delas, sentia-se tentado a quebrar o voto de castidade. Seu colega Antônio
Rocha confessou que, desde a sua chegada, não passava uma hora sem sentir
“estímulos gravíssimos”. O jesuíta Inácio de Azevedo dizia que era “milagre a
castidade da Companhia no Brasil”. E, em uma carta, o padre Anchieta relatou
a fuga de dois futuros padres “tentados do espírito de fornicação” – o que para
ele não era tão incompreensível, dado que “as mulheres andam nuas e não
sabem se negar a ninguém, mas até elas cometem e importunam os homens,
jogando-se com eles nas redes porque têm por honra dormir com os Cristãos”.
Mesmo alguns colonizadores que não pertenciam à Igreja se perturbavam
com a naturalidade com que os índios lidavam com o corpo. O cronista Pero de
Magalhães Gândavo escreveu, em sua História da Província de Santa Cruz,
que, “desumanos e cruéis”, os índios vivem como “brutos animais, [...]
desonestos e dados à sensualidade”. Entre índias, encontrou algumas
homossexuais. “Estas imitam os homens e seguem seus ofícios”, escreveu
horrorizado. “Cortam seus cabelos da mesma maneira que os machos trazem e
vão à guerra com seu arco e flechas e à caça: enfim, que andam sempre na
companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve e que lhe faz de
comer como se fossem casados.”
No Novo Mundo, as jovens índias podiam ter relações tanto com rapazes
nativos quanto com europeus. E nada disso significava desonra. Raras eram as
mulheres que se casavam virgens. E o casamento não era necessariamente uma
união eterna, pelo contrário. Segundo Anchieta, os índios quando se casam
“nunca têm ânimo de se obrigar, nem o marido à mulher, nem a mulher ao
marido”. Velhos abandonavam a família para se juntar a índias novas
aprisionadas em guerra, mulheres abandonavam o homem. Dos que tinham
várias mulheres, Anchieta diz que eles nunca sabiam com qual mulher tinham o
“verdadeiro ânimo marital”.
De todas as descrições do primeiro encontro do choque entre o pudor
católico dos portugueses e a vida comunal dos índios, as mais detalhadas são
de um certo Gabriel Soares de Sousa, um colono que veio ao Brasil em 1565 e
se instalou no Recôncavo Baiano como senhor de engenho e vereador da
Câmara de Salvador. Soares de Sousa entrou para a história com seu Tratado
descritivo do Brasil (1587), em que conta de forma bastante peculiar a vida
sexual dos índios:
São os tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam; os quais sendo de
muita pouca idade têm conta com mulheres, e bem mulheres, porque as velhas, já desestimadas pelos
que são homens, granjeiam estes meninos, fazendo-lhes mimos e regalos, e ensinam-lhes a fazer o que
não sabem, e não os deixam de dia, nem de noite. É este gentio tão luxurioso que poucas vezes têm
respeito às irmãs e tias, e porque esse pecado é contra seus costumes, dormem com elas pelos matos, e
alguns com suas próprias filhas; [...] E em conversação não sabem falar senão nestas sujidades, que
cometem a cada hora. [...] Não contentes estes selvagens [...] são mui afeiçoados ao pecado nefando [a
homossexualidade], entre os quais se não tem por afronta; e o que serve de macho, se tem por valente,
e contam esta bestialidade por proeza. [...] Os machos destes tupinambás não são ciosos, e ainda que
achem outrem com as mulheres, não matam ninguém por isso, e quando muito espancam as mulheres
pelo caso. E as que querem bem aos maridos buscam-lhe moças com que eles se desenfadem, as quais
lhe levam à rede onde dormem, onde lhes pedem muito que se queiram deitar com os maridos [...].
Os degredados e as índias
Desde a segunda metade do século XV, Portugal produzia açúcar nas ilhas
atlânticas da Madeira e de São Tomé, inicialmente comercializado por
mercadores venezianos. Com isso, surgiu na metrópole uma indústria de
equipamentos para os engenhos açucareiros. Essa produção começou a crescer
e, com parte da produção seguindo para os portos de Flandres, os venezianos
perderam o monopólio de seu comércio. Os holandeses refinavam o açúcar e
redistribuíam o produto por toda a Europa. Assim se criou um mercado
açucareiro que, na segunda metade do século XVI, já era grande demais para a
pequena produção das ilhas atlânticas.
Portugal, com seu conhecimento técnico e sua estrutura colonial, e Holanda,
com seu dinheiro e canais de comércio, replicaram então a produção de cana
para o Brasil. Só havia um problema: a mão de obra.
Portugal não tinha trabalhadores disponíveis. No entanto, já tinha a
experiência das feitorias instaladas ao longo da costa africana e mantinha
contato com os reinos e chefes locais envolvidos na captura de pessoas para o
tráfico. Bastava ampliar esse negócio para prover mão de obra para a produção
de açúcar no Brasil. Técnica produtiva, mercado consumidor, financiamento e
mão de obra: estavam resolvidas as condições necessárias para o início da
monocultura escravista na colônia.
Nas primeiras décadas do século XVII, Pernambuco já tinha 120 engenhos, e
de 130 a 140 navios partiam do país levando o açúcar produzido por uma
enorme população escrava. Os senhores de engenho puderam comprar tantos
escravos que não precisavam mais realizar atividades braçais. Assim como os
senhores de escravos no Sul dos Estados Unidos passavam os dias sentados em
suas cadeiras de balanço, os senhores de escravos do Brasil viviam em suas
redes, com os dias se passando iguais, dormindo e fumando na horizontal,
levantando-se apenas para depois ajoelhar-se e rezar. “Cada branco de casa-
grande ficou com duas mãos esquerdas, cada negro com duas mãos direitas. As
mãos do senhor só servindo para desfiar o rosário no terço da Virgem; para
pegar as cartas de jogar; para tirar rapé das bocetas ou dos corrimboques; para
agradar, apalpar e amolegar os peitos das negrinhas, das mulatas, das escravas
bonitas dos seus haréns”, escreve Gilberto Freyre.
A casa de brancos era o reino do homem. Nela, o senhor tinha poder absoluto
sobre sua mulher, seus filhos, seus agregados e seus escravos. Já a partir dos
treze anos, sua noiva era escolhida para o casamento, muitas vezes sem jamais
ter saído da casa-grande. O noivo, uns dez a vinte anos mais velho, no mais das
vezes era um completo desconhecido, escolhido pelo pai conforme os
interesses da família. “Bacharéis de bigodes lustrosos de brilhantina, rubi no
dedo, possibilidades políticas. Negociantes portugueses redondos e grossos;
suíças enormes; grandes brilhantes no peitilho da camisa, nos punhos e nos
dedos. Oficiais. Médicos. Senhores de engenho”, descreve Freyre de forma
caricata. O que importava, claro, não era o amor ou a afinidade sexual, mas o
interesse de duas famílias em formar uma aliança.
Para essa moça, não havia espaço para “paixonites” – ela só podia deixar a
casa dos pais para se mudar para a casa do marido. Sem ter escolha, restava
servir ao esposo. Nesse casamento valia o pudor prescrito pela Igreja. Já para o
sexo fora do casamento, com escravas, era o oposto. E ainda tinha uma função
econômica. Como conta um engenheiro francês conhecido como Delabat, que
passou pelo Rio de Janeiro por volta de 1700, “é costume entre os portugueses
deixar suas mulheres brancas, ainda que sejam muito belas, para deitarem-se
com as negras e mulatas. Há, a seus olhos, duas vantagens nisso. Em primeiro
lugar, dizem, a mudança de carne renova o apetite; em segundo, todas as
crianças provenientes de tal relação fazem crescer o plantel de escravos da
família”. Exato: era comum escravizar os próprios filhos mulatos.
A senhora fazia o papel de mãe e dona de casa. Já as mulatas que
trabalhavam como mucamas podiam servir de escravas sexuais ou viver em
concubinato com seus senhores – algumas acabavam sendo mais tarde
alforriadas pelos amantes, com a condição de que não se casassem. Para
proteger o casamento, alguns senhores mantinham a mulher na casa-grande e a
concubina escrava na vila. Tanto que o hediondo ditado corrente da época era
“branca para casar, mulata para f... e negra para trabalhar”. Enquanto
engordava em casa contando seus terços, a senhora era rodeada por escravas
jovens, sujeitas à vontade do senhor. “Gordas, nédias, flácidas, assim se refere
às senhoras a grande maioria dos autores, tanto aqueles contemporâneos à
escravidão quanto os que posteriormente estudaram esse período”, escreve a
antropóloga Sônia Maria Giacomini em Mulher e escrava. Quanto às escravas,
são descritas como negras e mulatas de boas coxas, bons dentes, peitos
salientes, flexíveis.
A sinhá conhecia muito bem sua posição social elevada. Nascia, criava-se e
continuava vivendo rodeada de escravos que lhes deviam obediência. Mesmo
suas ordens mais absurdas deviam ser acatadas. Era considerada superior de
nascença, criação e casamento. Mimada, ela se aborrecia facilmente. Falava
alto, gritava. São inúmeros os casos de crueldade de senhoras de engenho
contra escravos registrados por viajantes, pelo folclore e pela tradição oral.
Conta Gilberto Freyre: “Sinhá-moças que mandavam arrancar os olhos de
mucamas bonitas e trazê-los à presença do marido, à hora da sobremesa, dentro
da compoteira de doce e boiando em sangue ainda fresco. Baronesas já de
idade que, por ciúme ou despeito, mandavam vender mulatinhas de quinze anos
a velhos libertinos. Outras que espatifavam o salto de botina nos dentes das
escravas; ou mandavam-lhes cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar a cara
ou as orelhas. Toda uma série de judiarias. O motivo, quase sempre, o ciúme
do marido”.
Já os escravos entre si não tinham espaço para exercer livremente sua
sexualidade. Segundo a historiadora Kátia Mattoso, em Ser escravo no Brasil,
a vida sexual do escravo respondia apenas às necessidades físicas, não à
procriação. “Nas fazendas, dormitórios de homens e mulheres são separados, e
os encontros de casais, mesmo legalmente casados, são realizados furtivamente
durante a noite. A política dos senhores é tornar os contatos sexuais difíceis,
mas não impossíveis.”
A igreja até exigia dos senhores que autorizassem o casamento religioso de
seus escravos, mas isso não difundiu o casamento na senzala. Primeiro porque
as mulheres eram minoria entre os escravos. Dependendo da região, as
mulheres poderiam variar de um terço a um quinto do total. Há relatos de
fazendas de gado no Piauí sem nenhuma mulher. A falta de mulheres entre
homens encarcerados é um barril de pólvora, e é por isso que alguns
fazendeiros acabavam por reservar mulheres para seus escravos. Conforme
observou Debret em Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, “o fazendeiro
brasileiro soube cuidar de sua fortuna (...) com certa moralidade flexível. Como
não pode, sem ir contra a natureza, impedir aos negros frequentarem as negras,
tem-se o hábito, nas grandes propriedades, de reservar uma negra para cada
quatro homens; cabe-lhes arranjar-se para compartilharem sossegadamente o
fruto dessa concessão feita tanto para evitar os pretextos de fuga como em vista
de uma futura procriação destinada a equilibrar os efeitos da mortalidade”.
Sinhozinho
A relação íntima do senhor com seus escravos começava cedo. Muito cedo.
Pouco depois de ele nascer. Quem o amamentava não era sua mãe, mas a ama
de leite negra. Logo que a criança deixava o berço, recebia um escravo do
mesmo sexo e idade. Os dois cresciam juntos, mas não como iguais. O menino
negro era o brinquedo sobre o qual o menino branco podia exercer seus
caprichos.
Quando chegava à puberdade, era a hora de o sinhozinho se iniciar
sexualmente – e era desejável que isso acontecesse cedo. Embora as primeiras
experiências pudessem acontecer por volta dos dez anos com moleques e
animais domésticos, logo os “nhozinhos” imitavam o pai e se iniciavam com
uma escrava – às vezes a mesma que lhe serviu de ama de leite, ou outra
menina que já tivesse sido sexualmente abusada pelo senhor. “O que sempre se
apreciou foi o menino que cedo estivesse metido com raparigas. Raparigueiro.
Femeeiro. Deflorador de mocinhas. E que não tardasse em emprenhar negras,
aumentando o rebanho e o capital paternos”, escreve Freyre.
Cristina, preta angola, moradora no Morro, costumava entregar a sua filha Leandra, parda forra,
para alguns homens a ‘deflorarem’, levando-a pessoalmente às suas casas. Indo procurar a sua
testemunha, esta lhe deu uma esmola e aconselhou que casasse Leandra, ‘para o que lhe daria
maior esmola, e muita gente concorreria com as suas, e lhe respondeu a dita Cristina que casando
a sua filha não ganhava coisa alguma, e que andando naquela vida ganharia doblas [sic].
Desclassificados do ouro, de Laura de Mello e Souza
Olhando para a vida sexual do Brasil colônia descrita por Gilberto Freyre em
Casa-Grande & Senzala, parece ter predominado uma dupla moral – de um
lado, as recatadas mulheres livres brancas, que ficavam enclausuradas seja na
casa-grande, seja nos sobrados; de outro, as negras e mulatas submetidas aos
desejos de seus senhores brancos. Na prática, porém, as coisas tinham outras
nuances. Fora da casa-grande, as regras do casamento eram pouco seguidas.
Entre os “desclassificados” da colônia – brancos pobres e negros e pardos
livres sem trabalho –, o normal era ter relações menos estáveis do que o
casamento, como o concubinato, as ligações fortuitas e a prostituição.
Até o fim do século XVII, o sexo dos desclassificados não foi um grande
tema de estudo – as relações que mais tiveram registros foram as dos sinhôs
com a mulher e as mucamas. Isso até que os engenhos entrassem em
decadência e a mineração se tornasse a atividade econômica mais importante
da colônia, na virada dos anos 1600 para os 1700. Dali em diante, começam a
pulular registros de outra atividade: a prostituição endêmica, que tomou as
Minas Gerais em um nível até então nunca visto no Brasil.
Quando os invasores holandeses foram expulsos de Pernambuco, onde
estiveram por quase um quarto de século (1630 a 1654), levaram consigo a
técnica da produção de açúcar e a replicaram nas Antilhas. Com isso, Portugal
perdeu não só o monopólio da produção de açúcar, cujo preço despencou,
como também a rede de distribuição na Europa, dominada por comerciantes
holandeses. Os engenhos no Brasil, localizados principalmente no Nordeste,
entraram em uma crise brava.
Enquanto isso, outra história começava a se delinear nas Gerais. Desde o
início da colonização, portugueses, mamelucos e índios cativos seguiam pelo
interior do Brasil em busca de índios para a escravidão e de metais preciosos.
Eram os bandeirantes. Em 1695, em um rio próximo às atuais cidades mineiras
de Sabará e Caeté, em Minas Gerais, o bandeirante Borba Gato finalmente
encontrou uma quantidade significativa de ouro. Nos quarenta anos seguintes,
mais ouro foi achado em Minas Gerais, na Bahia, em Goiás e no Mato Grosso,
além de diamantes no norte de Minas. Portugal finalmente encontrava seu
Eldorado no Brasil, e a colônia entrava em seu novo ciclo – o Ciclo do Ouro.
A promessa de riqueza rápida trouxe a primeira grande corrente migratória
para o Brasil. Nas seis primeiras décadas do século XVIII, conta o historiador
Boris Fausto, cerca de 600 mil pessoas chegaram de Portugal e das ilhas do
Atlântico. Outras tantas vieram de todo canto do próprio Brasil, de brancos
pobres a negros alforriados.
Isso resultou em um grande desequilíbrio demográfico. Quem vinha para as
Minas Gerais não eram casais nem famílias. Eram, sobretudo, homens
aventureiros e desenraizados que, casados ou não, invadiam rios em busca de
metais, em expedições transitórias e itinerantes, seguindo o ritmo das chuvas e
da fome, vivendo sempre para o dia. Em geral, traziam consigo alguns poucos
escravos – um, às vezes dois, e havia até mesmo quem se aventurasse a
procurar ouro por conta própria. Em suma, era muito homem para pouquíssima
mulher – o que, entre 1728 e 1745, chegou à proporção insuportável de 35 por
uma.
Quando o ouro foi encontrado, as Gerais já tinham desenvolvido uma
pequena economia local que ia além dos aventureiros. Passado um terrível
período de desabastecimento na virada do século XVII para o XVIII, foi se
estabelecendo na região uma cultura de subsistência, com muitos alambiques,
criação de porcos, currais de gado, além do comércio de secos e molhados, da
venda de carne e do transporte de mulas. Mulheres trabalhavam na produção e
na venda de alimentos e gêneros de primeira necessidade. Assim, em geral,
mulheres alforriadas se punham em barraquinhas ou saíam com seus tabuleiros
às ruas e às áreas de mineração para vender de tudo: doces, bolos, frutos,
hortaliças, queijos, leite, tecidos, instrumentos de trabalho, bebidas, fumo e
sabões, e por essa razão passaram a ser chamadas de “negras do tabuleiro”.
Nas vilas, por sua vez, mulheres mantiveram também quitandas onde os
homens, de escravos a alfaiates, se reuniam para beber. Na prática,
funcionavam como tabernas. Seus proprietários de início eram homens, mas
em 1773 as mulheres já eram donas de 70% das 697 vendas da cidade de Vila
Rica.
Com tantos homens solteiros, o sexo rápido e fácil se tornou uma mercadoria
em alta, e, dada a miséria da vida na região, a maior parte das poucas mulheres
que lá estavam se viu incentivada a vender o corpo. Nas quitandas onde os
homens bebiam, dançavam e festejavam, as proprietárias ofereciam mulheres
aos clientes. O mesmo acontecia nas hospedarias instaladas nos caminhos das
minas e nos assentamentos urbanos. Pessoas pobres também ofereciam sua
casa como um proto-motel, onde se pagava por encontros amorosos. Algumas
“negras do tabuleiro”, quando iam até as áreas de mineração levar alimentos,
bebidas e atender todo tipo de necessidade dos mineiros, acabavam
aumentando sua renda satisfazendo-os com favores sexuais. Até a igreja servia
de ponto de encontro.
Tamanhas eram a pobreza e a procura por sexo que mães prostituíam suas
filhas e homens cafetinavam suas enteadas, cunhadas e até esposas. O
meretrício foi para dentro de casa não na forma de prostituição profissional,
especializada, mas como uma maneira desesperada de aumentar a renda.
Comércios surgiam oferecendo um tipo de produto, mas, conforme a demanda
por sexo regulava a economia local, transformavam-se em “casas de alcouce”.
E as prostitutas acabavam ganhando sua fama na cidade, com apelidos como
“Rabada”, “Cachoeira” e “Foguete”.
O Santo Ofício fez algumas visitas ao Brasil, mas não chegou a ir à região
das Gerais. Ainda assim, os bispos da região tiveram o cuidado de realizar
devassas em suas dioceses. Graças a esses interrogatórios é que temos detalhes
da vida meretrícia das Minas Gerais setecentistas. Certa Maria Franca, nas
palavras dos religiosos, “consentia” que suas três escravas fossem à casa de
vários homens. Ficavam dias e noites nessa função até que fizessem
determinada quantia. Manuel Da Silva, de Itaubira, “consentia” que as escravas
fossem meretrizes e, por causa do lucro com as mulheres, desejava “que os
negros se lhe convertessem em negras, porque lhe rendiam mais”. E a “negra
forra” Justa de Sampaio era “pública consentidora das desonestações” das
próprias escravas e admitia em sua casa “vários homens que com elas pecam”.
As índias, chamadas geralmente de “carijós” e “bastardas”, também se
prostituíam nesse ambiente. Segundo os autos do Arquivo Eclesiástico da
Arquidiocese de Mariana, era “pública e notória” a presença de duas “bastardas
meretrizes escandalosas” em Bonsucesso. Em Mariana, a “carijó” Maria Lopez
da Silva foi advertida de que não admitisse “homens para fins torpes e
desonestos” e que vivesse com “o temor de católica”. Na região da freguesia
dos Carijós, uma certa Antônia foi denunciada com suas duas filhas – Joana e
Teodora – por serem “mal procedidas e públicas meretrizes, admitindo homens
em sua casa para fins torpes e desonestos”. Em Vila Rica, Josefa Maria de
Souza tinha uma casa que servia de estalagem e prostituição para toda “casta de
estrangeiro”, “cozinhando e prestando outros serviços”, como “servir aos
hóspedes em atos torpes e lascivos, por si e sua filha Jacinta e por Rosa, mulher
bastarda que tinha em sua casa”. Por mais que houvesse prostitutas em outras
partes do Brasil, o desequilíbrio entre homens e mulheres causado pela
imigração de aventureiros, a miséria e a instabilidade da vida dos mineradores
fizeram das Minas Gerais o maior polo de prostituição da colônia.
Isso não impediu que surgissem também famílias na região mineradora. Mas,
mesmo nesse caso, apenas uma minoria se casava na Igreja. Apesar da
reprovação religiosa, a profana união consensual, ou concubinato, era regra.
Uma das barreiras era o fato de a Igreja exigir uma série de papéis para realizar
o casamento – certidão de batismo para comprovar a idade núbil, atestados de
residência e, no caso de viúvos, certidão de óbito do primeiro cônjuge, para
evitar a bigamia. Obter essa documentação era especialmente complicado para
os forasteiros vindos de Portugal, do Nordeste, do Rio de Janeiro e de tantos
outros cantos. Mulheres que haviam perdido a virgindade ou que não possuíam
dote também não se qualificavam para casar na igreja. Mas talvez a maior
barreira para o casamento tenha sido a instabilidade da vida dos
desclassificados sociais – negros forros, brancos pobres e mestiços sem eira
nem beira que vagavam em busca de serviços eventuais, de aventura nas minas,
de oportunidades no banditismo. Sem nada fixo em suas vidas, também não
tinham por que se casar. Tão diferente da sociedade que vivia estática nas
grandes fazendas produtoras de cana do Nordeste, a população mineradora era
movediça demais para a eternidade prevista pelo casamento religioso.
Ambos tiraram os calções e se deitaram em cima da cama, e depois de terem feito por diante como
das outras vezes, o dito clérigo se deitou com a barriga para baixo e disse a ele confessante que se
pusesse em cima dele, e assim o fez e dormiu com o dito clérigo carnalmente por detrás,
consumando o pecado de sodomia.
Confissões da Bahia, de Ronaldo Vainfas
O “nefando”
Sendo ele de idade de treze ou catorze anos [na época] e sendo seu irmão mais moço de idade de doze
ou treze anos, dormiam ambos juntamente em uma cama. Um mameluco forro criado em casa, por
nome Marcos, que então seria de idade de dezessete ou dezoito anos, se ia de noite da sua rede em que
dormia, às vezes por si mesmo, às vezes chamado por eles, deitar-se com eles na sua cama, o qual se
deitava entre eles irmãos, e chegaram a acontecer-lhes que ele Marcos e ele confessante pecaram o
pecado nefando deitando-se ele confessante de bruços e sobre ele se deitava o dito Marcos, metendo
seu membro desonesto pelo vaso traseiro dele confessante, e cumprindo nele por detrás como homem
com mulher por diante, consumando e efetuando o pecado de sodomia.
E pelo semelhante modo fazia ele confessante, lançando-se também de barriga o dito Marcos e ele,
confessante, pondo-se em cima dele por detrás, dormindo com ele carnalmente como homem com
mulher, penetrando com seu membro o vaso traseiro do dito Marcos e cumprindo dentro em seu vaso
traseiro, efetuando o dito pecado de sodomia de maneira que alternados o faziam. [...] Isto lhes
ocorrem a cada um deles algumas quinze ou vinte vezes em um espaço de um mês.
[...] depois do jantar, pela sesta, lhe começou de falar muitos requebros e amores e palavras lascivas,
melhor ainda do que se fora um rufião à sua barregã [concubina], e lhe deu muitos abraços e beijos e,
enfim, a lançou sobre sua cama, e estando ela confessante de costas, a dita Felipa de Souza se deitou
sobre ela de bruços com as fraldas [ceroulas] delas ambas arregaçadas, e assim, com seus vasos
dianteiros ajuntados, se estiveram ambas deleitando até que a dita Felipa de Souza, que de cima estava,
cumpriu, e assim fizeram uma com a outra como se fora homem com mulher, porém não houve
nenhum instrumento exterior penetrante entre elas mais que somente seus vasos naturais dianteiros.
[...] A dita Felipa de Souza tornou depois à sua casa e pretendeu dormir uma noite na sua cama, mas
ela confessante o não consentiu. E disse mais, que a dita Felipa de Souza se lhe gabou que tinha a
desonesta e nefanda amizade com Paula de Siqueira, mulher do contador, e com Paula Antunes,
mulher de um pedreiro, e com Maria Pinheira, mulher de Simão Nunes Dutra, e que, em uma sesta, se
fechara com Paula de Siqueira e que Paula de Siqueira lhe dera um anel de ouro, e que assim todas lhe
faziam muitos mimos, motejando a ela confessante de esquiva e seca.
Mas o que poderia dizer a Igreja quando o próprio clero estava embolado nos
lençóis da carne? De todos os relatos colhidos pela Inquisição, nenhum mostra
mais as fraquezas da própria Igreja quanto a do padre Frutuoso Álvares.
Natural de Braga, já havia consumado em Portugal “o pecado de sodomia” com
um estudante, “metendo seu membro desonesto pelo vaso traseiro, dormindo
com ele por detrás como um homem dorme por diante com uma mulher pelo
vaso natural”. De tantos “tocamentos desonestos com outras pessoas” foi
denunciado e acabou condenado ao degredo para as galés. Não cumpriu a pena
e foi parar em Cabo Verde, onde também foi acusado de “tocamentos torpes”
com dois mancebos. Foi assim que recebeu a condenação de degredo eterno no
Brasil. A Inquisição, então, registrou as aventuras sexuais que o padre teve
durante os quinze anos em que viveu na Bahia:
(...) cometeu a torpeza dos tocamentos desonestos com algumas quarenta pessoas. (...) Teve
tocamentos desonestos e torpes em suas naturas e abraços, e beijando, e tendo ajuntamento por diante e
dormindo com alguns algumas vezes na cama, e tendo cometimentos alguns pelo vaso traseiro com
alguns deles, sendo ele o agente, e consentindo que eles o cometessem a ele pelo seu vaso traseiro,
sendo ele o paciente, lançando-se de barriga para baixo e pondo em cima de si os moços e lançando
também os moços com a barriga para baixo, pondo-se ele confessante em cima deles, cometendo com
seu membro os vasos traseiros deles (...)
Em especial, lhe lembra que cometeu isto desta maneira algumas dez vezes nesta cidade onde ele ora é
vigário com um moço que chamam Gerônimo, que então podia ser de doze ou treze anos (...).
Já o frei Lucas de Souza, que atuava no Pará, era tão efeminado que se dizia
mulher aos amantes. Quando servia de capelão em Portugal, seduzira um
jovem de 23 anos com quem manteve “200 cópulas anais por espaço de ano e
meio, sendo sempre paciente”. Dizia ao rapaz que seu ânus era “vaso de
mulher” e que o sangue que eventualmente dele saía ser “mênstruo”. Em seu
currículo internacional, contabilizou 99 homens.
E mais recorrente ainda do que os poucos casos de padres “sodomitas”, no
entanto, foi o que a historiadora Lana Lima encontrou no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, em Lisboa, enquanto fazia a pesquisa para sua tese de
doutorado. Entre os séculos XVII e XVIII, foram feitas 462 denúncias contra
padres por se aproveitarem da confissão para fazer investidas contra as
mulheres. Foi o caso de Maria Francisca, “solicitada” pelo padre José Correia
de Queirós durante a Quaresma. Seu pai recorreu ao Santo Ofício para contar o
que aconteceu: “Resistindo-lhe a penitente, ele a quis violentar, com
desordenado e furioso ímpeto que resultou grande escândalo às pessoas que o
presenciara”.
Esse tipo de crime não era julgado pela Justiça comum, mas pela Eclesiástica
e pela Inquisição. A Igreja se preocupava muito com isso que chamava de
“solicitação”, porque colocava em xeque a própria confissão – era exatamente
no confessionário que padres se aproveitavam das meninas, principalmente
quando elas revelavam pecados da carne, segundo Lana Lima.
Mas o problema vinha antes dos crimes dos padres. Vinha de como eles se
tornavam padres. Até a chegada da família real ao Brasil, a colônia não tinha
universidades. Então, sobravam dois caminhos para os filhos da elite chegarem
ao ensino superior: ir à Europa ou ao seminário. O caminho mais fácil era o
seminário, e foi o escolhido mesmo por quem não tinha vocação religiosa.
Como não era fácil preencher as vagas existentes, não convinha à Igreja ser
demasiadamente rígida. Como denunciava o padre Manuel da Nóbrega, os
religiosos encontravam no vasto território brasileiro o ambiente ideal para o
achaque. Conforme o explorador francês François Froger, que visitou o Brasil
no fim do século XVII, “até os religiosos podem manter ‘mulheres públicas’
sem temer a censura e a murmuração por parte do povo, que os respeita
particularmente”.
Diante dos crimes sexuais, não cabia à Coroa punir os padres. Era a própria
Igreja a responsável pelo julgamento. E poucas foram as punições. O padre
Antônio Vieira de Mattos, por exemplo, teria não só mantido uma concubina,
chamada Maria Antônia, como também renegado seus filhos e açoitado até a
morte uma menina negra de dez anos. Foi inocentado – não era raro a culpa das
“solicitações” recair sobre as mulheres, com o pároco transformado em vítima
diante da sedução feminina.
A REVOLUÇÃO SEXUAL DO SÉCULO
XVIII
Na Corte francesa, onde o prazer era um dever, as amantes do rei ganham
status de princesas. Surgem as primeiras sociedades secretas de orgia.
Com a ascensão da burguesia, brincadeiras sexuais viram moda entre os
jovens, e bombam os índices de gravidez antes do casamento. Na
Inglaterra, puteiros testam uma nova ferramenta de marketing.
Todos se perguntam bem baixo
O rei consegue ou não consegue
A rainha se desespera
[...]
Canção satírica anônima contra Maria Antonieta e Luís XVI, citado em Les Jours de Trianon, de
Albert Savine e François Bournand (tradução do autor)
A vida da nobreza, que já era cheia de excessos sob Luís XIV, tornou-se ainda
mais luxuriante nos regimes de seus sucessores. Antes de Luís XV subir ao
trono, a França viveu a Regência (1715-1723), período em que o governo foi
assumido por Felipe, duque de Orléans – irmão de Luís XIV e um “fanfarrão
de vícios”. Embora o duque de Orléans tivesse a inteligência, a curiosidade de
espírito e a bravura necessárias para assumir o período da regência, sua
“depravação moral desconcertava e indignava” a Corte de Versalhes, segundo
o historiador francês Pierre Gaxotte. Vivia bêbado, produzia filhos bastardos e
blasfemava da manhã à noite. Foi acusado de ter se deitado com a filha, que
seria tão depravada quanto ele. Vivia do prazer de receber propostas sujas,
escutar histórias obscenas, fazer orgias.
O duque de Orléans não estava sozinho. Um número crescente de confrarias
libertinas secretas surgia no início do século XVIII, usando como modelo de
organização a Maçonaria. Por exemplo, a Ordem da Felicidade era uma
sociedade hedonista dedicada à galanteria, mas de excessiva licenciosidade. Já
a Ordem Hermafrodita era voltada à organização de orgias.
Um dos mais célebres retratos desse período foi escrito no primeiro
parágrafo de 120 dias de Sodoma, do notório libertino marquês de Sade,
enquanto ele próprio estava preso por uma série de crimes sexuais:
As guerras prolongadas com que Luís XIV foi sobrecarregado durante o seu reinado, esgotando as
finanças do Estado e a substância do povo, continham todavia o segredo de enriquecer uma enorme
quantidade desses sanguessugas sempre alertas às calamidades públicas que eles mesmos provocam, ao
invés de atenuar, e isto para melhor se aproveitarem delas. O final deste reinado, por outro lado tão
sublime, foi talvez uma das épocas em que o império francês viu emergir o maior número de fortunas
misteriosas, de origens tão obscuras quanto a luxúria e o deboche que as acompanharam.
• Uma jovem garota para Alderman Osso-Seco. Nelly Botão de Flor, cerca de
19 anos, que não esteve com ninguém por quatro dias e é virgem: 20
guinéus.
• Uma menina de 19 anos, não mais do que isso, para o Barão Harry Flagelo.
Nell Durona da rua Bow, Taco Florescente da rua Berners ou miss Vara da
rua Chapel: 10 guinéus.
• Para o coronel Lacrimoso, uma gentil mulher. A servente da senhora
Mitchell, que acabou de chegar ao país e ainda não viu o mundo: 10
guinéus.
• Para o dr. Frettext, depois de horas de consulta, uma pessoa agradável,
sociável com pele branca e mão macia. Polly Punho-Rápido de Oxford, ou
Jenny Mão-Ligeira de Mayfair: 2 guinéus.
• Para sua excelência conde Alto, uma mulher da moda por uma só hora.
Senhora Sorriso-Amarelo que veio de Dunkirk ou senhorita Graciosa de
Paddington: 10 guinéus.
[Berkeley] estudava cada desejo e cada capricho do cliente e tinha a disposição para gratificá-los,
desde que sua avareza fosse recompensada. Seus instrumentos de tortura eram mais numerosos do que
os de qualquer outra governanta. Seu suprimento de varas era extensivo e mantido na água, para que
sempre estivesse verde e flexível. Ela tinha fachos com uma dúzia de tiras de couro, uma dúzia de
chicotes com múltiplas tiras – alguns deles com agulhas nas pontas (...). Tinha também esfregões com
espinhos e uma sempre-viva que era chamada de “arbusto do açougueiro”; no verão, mantinha vasos
de porcelana repletos de urtigas verdes, com as quais ela trazia os mortos de volta à vida. Portanto, em
seu estabelecimento, quem quer que viesse com muito dinheiro, poderia ser açoitado, chibatado,
fustigado, furado com agulhas, enforcado, esfregado com espinhos, urtigas e pregos, flebotomizado e
torturado até que tivesse com seu estômago cheio.
Novos membros também ganhavam nome feminino, e era comum que se casassem em capelas. Os
casais, então, se retiravam para uma câmara por perto e produziam crianças de mentirinha, que então
eram “dados à luz” em salas de parto enquanto o grupo os assistia, munidos de toalha e bacias com
água. Em uma operação realizada nas proximidades do Strand, em Londres, a polícia encontrou várias
“mães” com “filhos” recém-nascidos. Um dos homens fez o papel tão bem que as autoridades se
convenceram de que era uma mãe de verdade e o deixaram com seu filho – uma boneca grande. Para
homens que não encontrassem um marido à disposição, havia sempre prostitutos.
O que vi foi menos um ser humano do que um cadáver deitado no estrado, magro, pálido, liberando um
fedor odioso, quase incapaz de mover-se. Um sangue pálido e aquoso escorria frequentemente de seu
nariz (...); sujeito a ataques de diarreia, ele defecava em sua cama sem perceber; havia um fluido
constante de sêmen; seus olhos, pegajosos, opacos, perdidos, perderam todo movimento; seu pulso era
extremamente fraco, a respiração trabalhosa, emaciação extrema, exceto seus pés, que mostravam
sinais de edema. Transtorno mental era igualmente evidente, sem ideias, sem memória (...). Assim
decaiu abaixo do nível da bestialidade, um espetáculo de horror inimaginável. Era difícil crer que ele já
pertencera à raça humana.
Plenamente convencido de que a existência do criador é um absurdo revoltante no qual nem mesmo as
crianças acreditam mais, desde cedo me coloquei acima das quimeras da religião. Não sinto a menor
necessidade de restringir minhas inclinações no intuito de agradá-lo. Recebi essas inclinações da
natureza e irritá-la-ia, se a elas resistisse; se ela as fez malévolas, é porque se tornaram necessárias aos
seus desígnios. Sou apenas uma máquina em suas mãos, que ela move a seu bel-prazer e não há crime
meu que não lhe sirva; quanto mais os inspira em mim, mais ela precisa deles: eu seria um tolo, caso
lhe resistisse. Portanto, nada há contra mim, a não ser leis que desafio; meu ouro e meu crédito me
colocam acima desses flagelos vulgares que devem apenas afligir o povo.
É claro que o prazer obtido pelo sexo com bebês, defuntos, desmembrados e
orifícios forjados no corpo de crianças envolve um problema básico do Direito
liberal – o direito de o indivíduo buscar seu prazer acaba imediatamente
quando esbarra nos direitos dos outros indivíduos. Mas essa não era a questão
naquele momento de tumulto revolucionário, em que a preocupação era romper
e recriar as estruturas da sociedade francesa. Apelar para a natureza humana era
uma arma forte contra a Igreja, a Coroa e a nobreza.
LIBIDO A TODO VAPOR
O progresso tecnológico do século XIX se alia à medicina na Inglaterra
vitoriana e cria um novo equipamento médico, que promete curar a
“histeria”: o vibrador elétrico. Na França, os bordéis entram para o
centro da vida cultural, e ajudam a moldar a Belle Époque. E ninguém
poderia imaginar que, em questão de décadas, tudo isso acabaria numa
distopia, com duas guerras mundiais e um ditador que reduziu as
mulheres à condição de vacas reprodutoras.
Períodos de decadência moral na história de um povo são sempre acompanhados de afeminação,
sensualidade e luxúria. Essas condições só podem ser relacionadas ao aumento de demandas do
sistema nervoso. Como resultado do aumento do nervosismo, há um aumento da sensualidade, e,
dado que isso leva ao excesso entre as massas, também deteriora a fundação da sociedade – a
moralidade e a pureza da vida familiar. Quando isso é destruído por excessos, infidelidade e
luxúria, a destruição do Estado é, então, traduzida inevitavelmente em ruína material, moral e
política. Exemplos que servem de advertência são apresentados por Roma, Grécia e França sob
Luís XIV e XV.
Psychopathia Sexualis, de Richard von Krafft-Ebing (tradução do autor)
“Casar ou não casar, eis a questão”, escreveu em uma folha de papel azul o
naturalista Charles Darwin aos 29 anos. Ele tinha acabado de completar a
famosa viagem de cinco anos ao redor do mundo, em que fez observações da
natureza que levaram ao desenvolvimento da teoria da seleção natural. Mas,
naquele momento, sua preocupação não era a evolução das espécies. Ele já
estava na idade em que os homens de sua classe social arrumavam suas trouxas
e se mudavam para um sobrado de tijolinhos à vista em um subúrbio londrino,
acompanhados de uma mulher dona de casa. Então, em uma coluna, Darwin
rascunhou os argumentos a favor do matrimônio; noutra, as razões para
continuar solteiro.
Casar-se:
Filhos – (se isso agradar a Deus) – Constante companhia (e amizade na velhice) que se interessará pela
gente – objeto de amor e distração – melhor do que um cão, de qualquer forma. – Um lar e alguém para
tomar conta da casa – Clássicos da música e tagarelice feminina. – Essas coisas que fazem bem para a
saúde. – mas uma terrível perda de tempo. –
Meu Deus, é inconcebível passar a vida inteira como uma abelha operária trabalhando, trabalhando, e,
depois de tudo, nada. – Não, nem pensar. – Imagine viver todos os dias solitariamente num quarto sujo
e enfumaçado de Londres. – Pense numa bela e delicada esposa num sofá com uma boa lareira, livros e
música, talvez – Compare essa visão com a realidade sombria da Great Marlborough Street.
Não se Casar:
Liberdade para ir aonde quiser – escolha de vida social, e pouco dela. – Conversa com homens
inteligentes em clubes – Não ser forçado a visitar parentes nem a se envolver em toda discussão. –
gasto e ansiedade com filhos – discussões – Perda de tempo. – não poder ler à noite – gordura e ócio
– Ansiedade e responsabilidade – menos dinheiro para livros e afins – se tiver muitos filhos, ser
forçado a ganhar o pão. – (Mas, então, é muito ruim para a saúde trabalhar demais).
Talvez minha mulher não goste de Londres; então, a sentença é o banimento e a degradação em meio a
gente tola e ociosa.
Claro que essa classe média britânica era um estrato amplo, e certamente não
se chamava “média” por representar a média dos britânicos, mas por estar no
meio das duas outras classes sociais – entre a nobreza ociosa e o proletariado
explorado (ou a “classe trabalhadora”). No topo desse estrato havia a alta classe
média, com banqueiros, industriais e homens de negócios. Eram aqueles
homens representados pelo estereótipo do casaco longo, cartola, relógio de
bolso e monóculo. Depois, vinha a classe média comum, de profissionais
liberais e funcionários públicos. Em seguida, a baixa classe média, com seus
pequenos comerciantes e funcionários públicos de baixo escalão. Apesar do
enorme vão entre um banqueiro e um funcionário do correio, esses estratos
compartilhavam alguns hábitos e valores, entre eles o da privacidade.
Antes de essa classe se estabelecer, os moradores da cidade geralmente
trabalhavam e dormiam no mesmo lugar. Um vendedor abria a porta da frente
de sua casa para montar sua loja, um artesão montava sua bancada e ajuntava
suas ferramentas em casa, um médico atendia de casa em casa. Isso mudou
conforme as cidades cresceram e especializaram seus espaços, separando
ambientes de moradia e de trabalho.
Os centros urbanos receberam um grande fluxo de habitantes, atraídos pelas
indústrias. O homem atravessava uma cidade barulhenta, suja, superlotada de
desconhecidos para ir trabalhar em um escritório estressante junto de seus
colegas e empregados. Era uma vida cheia de conflitos e incertezas a tal vida
sombria da Great Marlborough Street, como dissera Darwin.
Mas havia um consolo para o homem vitoriano, que em 1851 veria pela
primeira vez a população inglesa urbana superar a rural: o tal retiro de paz e
segurança. A sua casa. Nascia o “Querida, cheguei”. Nisso, a família nuclear
burguesa era bem diferente da aristocrática, que vivia no campo com a família
estendida e recebia renda de propriedades em vez do trabalho. E mais diferente
ainda era da família trabalhadora, que vivia em cortiços superpovoados,
alojamentos ou na casa de seus patrões, praticamente sem uma vida privada. A
classe média vitoriana se isolou do exterior inóspito e criou um ambiente
estritamente privado em suas casas repletas de móveis e objetos de decoração,
paninhos bordados, papéis de parede e quadros com molduras rebuscadas. A
paz morava ao lado do piano e da reconfortante lareira. Era uma vida íntima,
morna e controlada.
Quem garantia que a vida doméstica fosse uma vida de paz era a mulher.
Desde a infância, ela era criada para ser uma boa dona de casa. Mas, agora, não
estamos falando da dona de casa reprodutora, faxineira, cozinheira, lavadeira e
passadeira. A vitoriana era a soberana do lar e administradora doméstica,
responsável pela compra dos produtos prontos usados em casa e pelo
gerenciamento dos empregados. De um lado, homem e mulher eram
completamente diferentes: ele devia ser ativo, forte, empreendedor; ela,
graciosa, tenra, discreta, paciente, maternal e estável. De outro, os dois tinham
um status semelhante. Ele era patrão; ela, patroa.
E as famílias vitorianas gostaram bastante da ideia de serem servidas – tanto
que o número de serventes em casa se tornou um índice de sucesso material.
Quando a rainha Vitória morreu, 1,3 milhão de mulheres e 242 mil homens
trabalhavam como serventes domésticos na Inglaterra e no País de Gales, com
a maioria morando na casa dos patrões. O serviço doméstico se tornou o
segundo maior empregador do país, depois da indústria. Copeiros, faxineiros,
cozinheiros, garçons, mordomos, lavadeiras, jardineiros, porteiros, motoristas,
babás, governantas, tutores, secretárias, e assim por diante, devidamente
acomodados em minúsculos aposentos e orientados a serem invisíveis.
No tempo livre permitido por essa profusão de criados, a mulher de classe
média cultivava uma vida tranquila. Lia manuais de etiqueta, revistas femininas
repletas de histórias sentimentais e novidades da moda, estudava piano, saía
com as amigas para fazer compras ou as convidava para um chá, até que seu
marido voltasse do trabalho para casa.
Vibrador vitoriano
Esse era o mundo vitoriano do lado de dentro das casas da classe média. Já nas
ruas de Londres, a moral cristã não parecia prevalecer. Foi para, então, acabar
com o cenário de “bebedeira, blasfêmia, palavreado profano, xingamento,
indecência, profanação do dia do Senhor e outras práticas dissolutas, imorais e
desordeiras” que os vitorianos criaram em 1802 a Sociedade pela Supressão do
Vício, formada principalmente por clérigos anglicanos, homens de negócio,
advogados e servidores civis.
De início, a Sociedade pela Supressão do Vício não conseguiu muita coisa
além de virar piada nos teatros londrinos. Mas, com o tempo – e com a
contratação de informantes –, obteve vitórias na perseguição da rede de
distribuição de materiais pornográficos. Só no ano de 1845, apreendeu 12.346
ilustrações, 393 livros, 351 chapas de impressão, 188 pedras de litografia e um
monte de tipos móveis. E, em seu 55o aniversário, totalizou 159 prisões – cerca
de três por ano. Seu grande trunfo viria em 1857, quando a Sociedade
emplacou no Parlamento a Lei das Publicações Obscenas, que levou ao
fechamento de centenas de lojas de fotografias pornográficas.
Mas os livrinhos de sacanagem eram coisa pequena perto do mercado da
prostituição. A sociedade vitoriana conseguiu cultivar dentro de suas casas
muitas imitações da virgem Maria. Do lado de fora, contudo, criou outras
tantas sósias de Maria Madalena. As expectativas morais dos vitorianos eram
distantes demais da natureza humana.
Se a mulher de casa deveria ser pura, modesta, recatada e dedicada à fé e à
maternidade, o homem vitoriano deveria canalizar a sua pulsão sexual em outro
canto. Se fosse rico, mantinha uma amante ou sustentava uma cortesã. Se não
tivesse tanto dinheiro assim, procurava uma profissional menos sofisticada.
Não é por acaso que a sociedade vitoriana tenha ficado conhecida tanto pelo
moralismo quanto pela prostituição em massa.
Segundo as estimativas da Sociedade pela Supressão do Vício, a região
metropolitana de Londres tinha por volta de 80 mil prostitutas em 1839. Na
área, a polícia contava 2.825 prostíbulos em 1857. E eles estavam longe de se
limitar a bairros sórdidos. Do centro da cidade aos bairros frequentados pelas
mulheres de classe média, lá estavam as prostitutas de tarde até o fim da noite.
Mulheres do bairro de Westminster, por exemplo, chegavam a fazer protestos
contra prostitutas e clientes que barravam a circulação de “mulheres honestas”
nas cercanias da Regent Street, assim como na saída de teatros. Foi essa a
Londres que serviria de parque de diversões a Jack, o Estripador, o serial killer
de prostitutas que cortava gargantas, mutilava corpos e removia órgãos
internos.
A quantidade de prostitutas não era resultado apenas da demanda dos
homens. A pressão também vinha do lado da oferta. Esse período na história
inglesa foi de extrema desigualdade social. Havia crianças de doze anos
vagando pelas ruas para trazer dinheiro para casa de qualquer forma, às vezes
forçadas pelos pais. E havia também mulheres da classe trabalhadora que viam
na prostituição um meio para obter mais dinheiro e independência financeira.
Afinal, as alternativas não eram favoráveis. Como operária numa fábrica,
ganharia uma fração do que o homem, que por sua vez já ganhava pouco.
Como empregada em uma casa de família, teria sua vida resumida à servidão.
Prostituindo-se, porém, poderia até juntar dinheiro para abrir um negócio
próprio.
Os vitorianos, aliás, acreditavam que a mulher era naturalmente frígida. O
sexo era visto como uma investida unilateral do marido, e ele não deveria
impor seus desejos animais além do que fosse necessário para o casamento. No
entanto, não havia grande pressão social para que o marido refreasse seus
instintos fora de casa. Por isso, a prostituta era parte necessária para fechar a
equação da moral vitoriana: satisfazer o marido e proteger a suposta frigidez da
mulher.
Tão frequente era o recurso à prostituição que um novo problema surgiu. As
doenças venéreas. E a crença histórica de que o defloramento de virgens curava
essas doenças criou um novo filão da prostituição: a oferta de meninas virgens.
Com a miséria do campesinato e, agora, também do proletariado que já se
formava em toda a Europa, não foi difícil suprir tamanha demanda.
Em Londres, o estupro de meninas era um negócio altamente organizado e
eficiente. Alguns bordéis especializados em virgens buscavam suas
mercadorias nos terminais ferroviários aonde chegavam trens vindos do
interior; outros procuravam em parques. Até mesmo babás podiam ceder
temporariamente suas crianças em troca de dinheiro. Para garantir a virgindade
das meninas, alguns bordéis tinham médicos prontos para fornecer certificados
exigidos pelos clientes – ou mesmo para tornar as meninas “virgens” de novo,
com a inserção de uma esponja com sangue ou uma bexiga de peixe com
sangue na vagina.
O médico e o monstro
Com a prática diária de sua profissão por muitos anos, os olhos das prostitutas ganham uma expressão
penetrante e trêmula; ficam indevidamente proeminentes em consequência da tensão contínua de seus
músculos oculares, dado que os olhos são principalmente empregados para espiar e atrair clientes.
Muitos órgãos mastigatórios são fortemente desenvolvidos; a boca é conspícua em sua atividade
contínua de comer e beijar; a testa é geralmente plana; a região occipital é às vezes extremamente
proeminente; o cabelo é escasso – de fato, muitas acabam carecas. Para isso, não faltam razões. Acima
de tudo, a vida sem descanso; o contínuo vagar nas ruas independentemente do tempo, às vezes sem
usar nada para proteger a cabeça; o contínuo escovar, mexer e frisar do cabelo; e, entre as mais baixas
classes de prostitutas, o consumo de conhaque. A voz dura é a característica fisiológica da mulher que
perdeu suas funções corretas – aquelas de uma mãe.
O crime mais comum das prostitutas é o roubo, principalmente a cumplicidade no roubo. Prostitutas
mais velhas frequentemente praticam chantagem. (...) Elas enganam seus clientes e seu cafetão,
fazendo o papel de um irmão ou marido, pegam-nos em flagrante, forçando o cliente a dar dinheiro
para evitar um escândalo. Outro crime bastante comum entre prostitutas, que são facilmente irascíveis,
é o esfaqueamento. Seu gosto pelo álcool se aproxima ao do homem criminoso e acaba as
enfraquecendo até, às vezes, arruinar seus reflexos musculares.
O visitante descortina ao entrar cenas de extravagância sensual às quais seus olhos não estão
habituados na Inglaterra. Aqui o vício encontra um voluptuoso esplendor de que se vê apartado em
climas mais sóbrios. O visitante é recebido pela dona da casa e conduzido a uma suntuosa antessala;
quando uma cortina é puxada para um lado, ele descobre a existência de uma porta equipada com um
dispositivo circular de vidro mais ou menos do tamanho de uma coroa, através do qual pode constatar
tranquilamente a existência de uma sala de estar de pequenas proporções, mas bem iluminada e
elegantemente mobiliada, onde se encontram as mulheres do estabelecimento. Quase sempre elas estão
sentadas em poltronas, elegantemente vestidas em sedas de várias cores, com corpetes baixos e cabelo
arranjado segundo o último grito da moda; o grupo inteiro costuma estar disposto artisticamente, como
um quadro vivo, e os indivíduos que o compõem representam as atitudes de diferentes estátuas
famosas, aparentemente selecionadas com o objetivo de exibir, valorizando ao máximo, as atrações
específicas das diferentes mulheres.
Outros bordéis caros se destacavam não pela sofisticação, mas pela fantasia,
e isso ficou ainda mais claro no período que sucedeu o Segundo Império. O
período da Terceira República francesa (1870-1940) que antecedeu a eclosão
da Primeira Guerra (1914-1918) é mais conhecido como a Belle Époque – um
tempo de otimismo econômico, relaxamento moral e euforia cultural. Não era
só na França. Essa efervescência podia ser sentida nos cafés de Viena, nos
cabarés de Berlim, nas lojas de departamentos de Londres. Mesmo assim,
nenhuma cidade oferecia tanto quanto Paris – é o que podemos ver no guia de
viagem Cassell, de 1884. “Nenhum povo do mundo aprecia tanto os
divertimentos – ou ‘distrações’ como eles os chamam – quanto os parisienses.
Manhã, tarde e noite, verão e inverno, há sempre algo para ser visto, e uma
grande parte da população parece absorvida na busca do prazer”.
As imagens mais memoráveis da vida boêmia dessa época foram pintadas
por Toulouse-Lautrec – que morava em um precursor sexual da Disneylândia.
No número 24 da rue des Moulins, o cliente encontraria tudo que o imaginário
da época oferecesse. Tão impressionante era o bordel que, de tempos em
tempos, recebia excursões de outras cidades. Suas camas copiavam os estilos
de vários reis “Luís”, inclusive uma cópia da cama real de Versalhes, com
cortinas de veludo carmesim onde se lia “O Triunfo de Vênus”. Espelhos no
teto e nas paredes, candelabros, quadros e tapeçarias se espalhavam pelos
quartos – o que incluía quartos chineses, aposentos africanos, um salão
mourisco e uma câmara gótica. Nada podia ser mais característico da Belle
Époque do que misturar fantasias sexuais com o exotismo das terras que as
potências europeias colonizavam pelo mundo.
Havia também os bordéis de classe média, com música e serviços típicos de
salões de dança. Um exemplo delas é a provinciana Pensão Tellier, descrita em
1881 em um conto de Guy de Maupassant:
A casa era de aspecto familiar, bem pequena, pintada de amarelo, no canto de uma rua, atrás da Igreja
de Santo Estêvão (...). Madame, originária de uma boa família de camponeses do Departamento do
Eure, havia escolhido essa profissão do mesmo modo que se teria tornado modista ou bordadeira. (...)
Invariavelmente alegre e de cara aberta, brincava prazenteiramente, com um misto de compostura que
as suas novas ocupações não lhe haviam feito perder totalmente. Os palavrões a chocavam sempre um
pouco; e quando algum malcriado chamava o estabelecimento que ela dirigia pelo seu nome próprio,
zangava-se revoltada. (...) A casa tinha duas entradas. No canto, uma espécie de café duvidoso abria-se
de noite para as pessoas do povo e os marinheiros. Duas das mulheres encarregadas do comércio
particular da casa eram especialmente destinadas a atender às necessidades dessa parte da clientela.
Elas serviam (...) canecas de vinho, que colocavam em cima das mesas instáveis de mármore.
Abraçadas ao pescoço dos fregueses, ou, sentadas entre as pernas deles, forçavam o consumo. As três
outras (eram cinco ao todo) formavam uma espécie de aristocracia e eram reservadas à clientela do
primeiro andar (...). O Salão de Júpiter, onde os burgueses da localidade se reuniam, era forrado de
papel azul ornamentado com um grande desenho representando Leda deitada debaixo de um cisne.
Chegava-se ao salão por uma escada circular que dava em uma porta estreita, de aparência modesta,
abrindo para a rua e em cima da qual brilhava, durante toda a noite, uma pequena lanterna (...). O
prédio úmido e velho cheirava ligeiramente a mofo. Em certos momentos, um odor de água de colônia
passava pelos corredores, ou então uma porta, que se entreabria embaixo, fazia ecoar por toda a
habitação a explosão de um trovão, os gritos plebeus dos homens instalados no andar térreo, o que
punha no rosto dos senhores do primeiro uma expressão inquieta e enojada.
Depois dos bordéis de luxo e das casas de classe média, vinha a prostituição
mais barata. Eram basicamente quartos alugados em cortiços e barracos
lúgubres na frente dos quais clientes faziam filas para um sexo rápido e barato.
Na verdade, essa base clandestina se expandiu bastante conforme o controle
sobre a prostituição, tão forte durante a monarquia, foi se afrouxando.
Sobreviveram (e enriqueceram) os bordéis focados em gostos especializados ou
com serviços diversificados, enquanto os demais perderam espaço para
prostitutas clandestinas e lojinhas de fachada, que vendiam luvas, tabaco e
sexo.
A Belle Époque foi o berço da indústria do entretenimento e Paris era o seu
centro. Não havia Paris sem espetáculo, e nenhum lugar no mundo tinha
espetáculos à sua altura. Até o necrotério construído atrás da catedral de Notre
Dame era aberto ao público todos os dias, de manhã até o anoitecer, para
mostrar sua sala de exposição com duas filas de cadáveres. Uma das
memoráveis exposições foi a do corpo fresco de uma menina de quatro anos
encontrada morta em um vão de escada em 1886. Em uma semana, a exibição
teve 50 mil visitantes, em pleno verão. Para preservar o cadáver, era preso à
noite a uma cadeira e deixado no frigorífero. Menos mórbido era o Museu
Grévin, com estátuas de cera representando figuras como Victor Hugo
segurando sua caneta e Jean-Paul Marat na banheira em que fora assassinado.
Mas, acima de tudo, a Belle Époque foi o momento da Segunda Revolução
Industrial, em que a substituição do carvão pelo petróleo e pela eletricidade
permitiu o surgimento do telefone, do automóvel, da iluminação elétrica, do
avião – e do cinema. Em Paris os irmãos Lumière apresentariam pela primeira
vez, em 1895, o cinematógrafo. Com ele, espetáculo e tecnologia se uniam.
Nenhuma arte teria um impacto tão grande sobre a luxúria no Ocidente
quanto o cinema – seja para explorar a sensualidade, seja para repreendê-la.
Rapidamente, os cinematógrafos entraram para a lista de espetáculos
parisienses e, tão logo isso aconteceu, ele foi apropriado pelo mercado da
luxúria.
No finalzinho do século XIX, frequentadores dos primeiros cinematógrafos
de Paris e Nova York já podiam ver, por um níquel, os requebros lascivos de
bailarinas insinuantes ou uma mulher vestida de roupão de banho em posições
extravagantes. Essa espécie de coreografia repetida em loop já bastava para
entusiasmar a fantasia dos homens nessa época, em que ainda não havia
censura oficial.
Médicos e sanitaristas rapidamente perceberam a função didática do cinema.
Foi assim que surgiram fitas sobre drogas, doenças venéreas, educação sexual.
Como já vinha acontecendo por dois séculos com publicações impressas sobre
os mesmos temas, a indústria pornográfica aproveitou esse filão para criar
filmes de sacanagem pretensamente educativos. Usando um álibi pedagógico,
surgiu a série francesa Positions, na qual um douto sexólogo comentava
longamente as evoluções de um dócil casal.
O Ocidente vivia seu período de maior prosperidade material, ainda que
extremamente mal-distribuída. Por um século inteiro, não houve guerras
prolongadas entre grandes potências – a Franco-Prussiana, que foi a maior
delas, durou menos de um ano. O livre comércio entre as nações, as estradas de
ferro e os navios a vapor permitiram uma economia global. Entre 1800 e 1913,
o comércio por habitante do planeta foi multiplicado 25 vezes. Como o
economista John Maynard Keynes notara, um inglês podia sorver seu chá na
cama de manhã, enquanto encomendava produtos de todo o mundo para serem
enviados diretamente à sua porta, e ainda achar que isso era algo
completamente normal, certeiro e permanente. Empresas britânicas, francesas,
alemãs, holandesas e americanas construíam ferrovias, portos, canais,
telégrafos e usinas elétricas em todos os continentes. Manufaturados europeus
seguiam em direção a Hong Kong, Qingdao e outras concessões estrangeiras na
China. O látex ligava a Amazônia a Londres e Nova York. O chá da colônia
indiana entrou para o dia a dia britânico. O café brasileiro fazia as metrópoles
industriais se moverem. Garotas judias do Leste Europeu eram traficadas para a
prostituição em Buenos Aires, Rio de Janeiro, Nova York, Bombaim e Xangai.
O excedente populacional causado pelo crescimento demográfico, pela
diminuição da mortalidade, pelo êxodo rural e pela miséria nas cidades levou
milhões de imigrantes dos países que se industrializavam para os Estados
Unidos, Argentina, Uruguai, Brasil, Chile, África do Sul e outros países. A
globalização econômica havia criado uma interdependência tamanha que
parecia impedir qualquer tentativa maior de guerra entre nações.
Tudo ilusão. Entre 1914 e 1918, todas as potências mundiais entraram em
guerra entre si. Alimentados pela competição econômica sem limites dos
impérios alemão, britânico e francês, grande parte dos Estados independentes
do mundo se envolveram no conflito que mataria 9 milhões de pessoas. Outras
30 milhões ficariam feridas – muitas mutiladas, desfiguradas. O Ocidente que
vivera um século movido pela pulsão da vida conheceu a mais destruidora
pulsão de morte.
Eu gostaria de observar que a geração anterior teve bastante sucesso em arruinar este mundo
antes de passá-lo adiante para nós. Eles nos entregaram essa “coisa” despedaçada, vazando, em
ponto de ebulição, ameaçando explodir. Agora, estão surpresos que nós não o aceitamos com o
entusiasmo decoroso com que o receberam.
Atlantic Monthly, de John F. Carter Jr.
Em 1923, os mais velhos, cansados de observar o Carnaval com uma mal disfarçada inveja,
descobriram que a vivacidade do álcool pode muito bem substituir o vigor do sangue jovem – e, com
um trago, a orgia começou. A geração mais jovem já não detinha o papel principal. Toda uma raça
tornou-se hedonista, decidindo pelo prazer. As intimidades precoces da geração mais jovem teriam de
acontecer com ou sem proibição – estavam implícitas na tentativa de adaptar os costumes ingleses às
condições americanas.
Enquanto Paris vivia seus tempos de loucura, outra cidade do continente estava
à beira da explosão. Passados quatro anos de guerra, Berlim era tomada por
greves, manifestações e marchas sob a liderança da Liga Espartaquista, que se
uniria à Internacional Comunista para formar o Partido Comunista da
Alemanha. Seus líderes – Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo – foram
assassinados por paramilitares dias antes das eleições da Assembleia
Constituinte que criaria a Constituição da República de Weimar (1919-1933).
Por quatro anos, a República foi sinônimo de crise: ressentimento de militares
desmobilizados depois da derrota, assassinatos políticos impunes, ocupação da
região industrial do vale do rio Ruhr pela França, imposição de reparações de
guerra do Tratado de Versalhes, que, de tão elevadas, pareceram aos alemães
mais vingança do que acordo. Tudo isso incendiou monarquistas, militaristas,
antissemitas, xenófobos, industrialistas, comunistas e massas de jovens
amadurecidos na guerra. Nenhum desses grupos acreditava na República.
Era de se esperar que desse caldo surgisse um período politicamente instável.
Mas a República de Weimar foi também um período intelectualmente
revolucionário e sexualmente libertário. Apesar de a Alemanha ter sido
derrotada na Primeira Guerra e de as condições do Tratado de Versalhes
massacrarem sua economia, Berlim rapidamente passaria a competir com Paris
pelo posto de capital da intelectualidade e da boemia europeia. Enquanto
Munique albergava a conservadora alta cultura dos tempos imperiais, as
pessoas inquietas com ideias novas iam para Berlim, que, com 4 milhões de
habitantes, já era a segunda maior metrópole do mundo.
Tão logo a República de Weimar derrubou a censura dos tempos do Kaiser
Guilherme II, jovens escritores, gente do teatro, músicos e artistas plásticos de
toda a Alemanha chegaram a Berlim com o objetivo de construir a cena
cultural do futuro. E ela estava aberta ao mundo. Recebia ao mesmo tempo as
vanguardas francesas, a ideologia soviética e a cultura de massa dos Estados
Unidos. Como diria o escritor Carl Zuckmayer, “Berlim tinha o gosto do
futuro; em troca disso, aceitávamos de boa vontade a sujidade e o frio”. Mesmo
em 1923, quando a hiperinflação chegou a levar o caneco de cerveja ao preço
de 4 bilhões de marcos, os cabarés estavam lotados.
Em 1924, um plano econômico parcelou as dívidas de reparação de guerra e
injetou bilhões de dólares de empréstimos norte-americanos na economia
alemã. Assim, desapareceu o fantasma da inflação e a Alemanha começava
uma marcha de modernização. Em quatro anos, o padrão de vida alemão
voltara a ser equivalente ao anterior à guerra. Partidos radicais de esquerda e de
direita abaixaram o tom de voz, enquanto o Partido Social Democrata expandiu
direitos civis e a proteção social do Estado. A República de Weimar começava
a ser um lugar agradável para se viver.
Mas nem só de pão queriam viver os jovens berlinenses. Eles queriam
diversão, e isso não faltava. A noite da maior cidade do continente tinha opções
para todos os gostos. Prostitutas não eram uma parte excluída nem
marginalizada da população; embora vizinhos pudessem ver com maus olhos
sua presença, eram uma parte visível da cidade. Estavam entre garçonetes, nas
plateias de teatros e salas de concerto, nos passeios públicos, nos cortiços onde
a classe operária se amontoava. A boemia se reunia em cafés refinados em
volta da Potsdamer Platz, nos bordéis tanto para heterossexuais quanto para
homossexuais e transgêneros – incluindo aí masculinos e femininos –, e nos
vários cabarés, onde comediantes apresentavam sátiras, dançarinas e cantoras
entoavam canções politizadas, atrizes de cabelo curto vestiam-se de homem,
atores de peruca vestiam-se de mulher... porque, sim, Berlim às vésperas do
nazismo era o refúgio europeu da comunidade gay e lésbica.
“Reforma sexual” era a palavra de ordem do momento. E o seu epicentro
estava longe das ruas e dos cabarés. Em 1919, o médico Magnus Hirschfeld
havia iniciado sua luta em defesa dos homossexuais fundando com dois colegas
o Instituto de Pesquisa da Sexualidade. Comprou um antigo palácio no nobre
bairro do Tiergarten e a casa vizinha e, unindo os dois edifícios, formou um
conjunto com vários departamentos – entre eles, medicina, biologia, sociologia,
etnologia, radiologia, cirurgia e direito –, todos voltados ao estudo do sexo. Na
virada do século, Sigmund Freud havia legitimado em Viena a existência de
sexualidade para a metade feminina da humanidade, e agora a sexualidade era
posta como objeto de estudo científico. O instituto de Hirschfeld contribuía
para a emancipação sexual das mulheres, com o gabinete de planejamento
familiar e de conselhos matrimoniais; promovia a educação sexual e a
contracepção; formava médicos, enfermeiras e assistentes sociais; dava
aconselhamento para problemas sexuais de qualquer natureza; tratava doenças
sexualmente transmissíveis; militava contra artigos do Código Penal que
reprimiam o ato homossexual e o aborto; e pesquisava as várias nuances que há
entre o “homem inteiro” e a “mulher inteira”, como ele chamava os
heterossexuais. O dr. Hirschfeld não considerava a homossexualidade uma
“doença” e, em vez de procurar “curar” seus pacientes, ajudava-os a se assumir
e a viver em uma sociedade hostil. O fato de o Instituto ter-se tornado um
ponto de encontro de homossexuais pode ter ajudado bastante nisso.
Ainda assim, em Berlim o Instituto era mais conhecido por seu museu, com
gravuras eróticas em posições acrobáticas, retratos de travestis notórios, um
acervo de cintos de castidade, instrumentos para masoquistas, aparelhos de
madeira, concha e borracha usados como pênis artificial, sapatos em miniatura
colecionados por adoradores de pés, entre outros.
Mas as maiores fantasias de Berlim aconteciam em outras salas – as de
cinema. A Alemanha era o único país europeu que produzia mais filmes do que
importava e, mesmo nos tempos de hiperinflação, o número de filmes alemães
superava a soma de filmes de todo o resto da Europa. Centralizada nos estúdios
da Universum Film Aktiengesellschaft (UFA), a indústria cinematográfica
alemã produziu 646 filmes em 1921, 472 em 1922, 347 em 1923, 271 em 1924
e 228 em 1925. Se esse número foi diminuindo, é porque filmes curtos e
baratos foram dando espaço para as grandes produções de diretores como F. W.
Murnau e Fritz Lang.
Foi essa indústria que criaria uma das maiores divas do cinema: Marlene
Dietrich (1901-1992). Ela já era uma figura famosa dos cabarés no pós-guerra,
até que, em 1930, o diretor Josef von Sternberg a chamou para atuar em Der
blaue Engel (O Anjo Azul) como Lola, uma femme fatale indiferente às
investidas masculinas. Não demorou para que fosse tragada por Hollywood.
Em seu primeiro filme americano, Marrocos (1930), Dietrich viveria uma
cantora de cabaré que se vestia com roupas de homem e beijava outra mulher.
A contrarrevolução sexual
Porque o seu universo é o marido, a família, os filhos e o lar. Mas que seria do mundo mais vasto se
ninguém se ocupasse desta esfera mais reduzida? [...] Não aprovamos que a mulher se introduza no
universo do homem. Pelo contrário, achamos natural que esses dois universos permaneçam separados.
[...] Pertence a um o poder do sentimento, o poder da alma [...]; ao outro pertence a força da visão, a
força da firmeza [...]. O homem mantém a nação e a mulher mantém a família. A igualdade dos direitos
para a mulher consiste no fato de, no interior da esfera para ela delimitada pela natureza, gozar da
grande estima que lhe é devida. A mulher e o homem representam dois tipos de seres muito diferentes.
No homem, é a razão que domina. Ele procura, analisa e abre frequentemente as vias para novos reinos
incomensuráveis. Mas tudo o que aborda exclusivamente guiado pela razão é suscetível de mudança. O
sentimento, pelo contrário, é muito mais estável do que a razão, e a mulher, que é o sentimento,
constitui por consequência o elemento de estabilidade.”
O mito da devassidão
Imaginem-se as mais detestáveis contrações musculares, sem cadência, os mais indecentes requebros
das pernas e braços seminus, os mais ousados saltos, as saias esvoaçantes, a mímica mais nojenta, em
que se revelava a mais crua volúpia carnal – tal era a dança em que, desde o começo, as graças se
transmudavam em bacantes e fúrias.
Entre as mulheres do Brasil [...] não há intervalo entre os períodos de perfeição e decadência; como os
delicados frutos do solo, o poderoso calor do sol amadurece-as prematuramente e, após um
florescimento rápido, deixam-nas apodrecer; aos quatorze anos tornam-se mães, aos dezesseis
desabrochou toda a sua beleza, e, aos vinte, estão murchas como as rosas desfolhadas no outono. [...]
Na zona tórrida, se o homem ficar circunscrito a uma mulher, precisará passar quase dois terços de
seus dias unido a uma múmia repugnante e inútil para a sociedade, a não ser que a depravação da
natureza, ligada à irritação das paixões insatisfeitas os conduzisse a livrar-se do empecilho por meios
clandestinos. Essa limitação a uma única mulher, nas povoações europeias da Ásia e das Américas, é
uma das principais causas de licenciosidade ilimitada dos homens e do espírito intrigante das mulheres.
No Brasil, as relações sexuais licenciosas talvez igualem o que sabemos que predominou no período
mais degenerado do Império Romano.
... não só pela sua brilhante atuação no palco, mas, principalmente, pelas diabruras que praticava fora
dos bastidores, pois conseguira transformar em verdadeiro inferno muitos lares que, até então, haviam
vivido na mais perfeita paz do Senhor.
O luxo ostentado pelas infelizes que destituídas de pudor entregam-se à prostituição é obtido à custa da
dissipação do patrimônio de famílias que são reduzidas à miséria pelos desregramentos de seus chefes,
e bem vezes é devido ao uso de meios imorais e criminosos.
A ciência sexual
Inúmeros são os casos de histeria, de esgotamento nervoso de ninfomania e outras nevroses, e até de
loucura, em meninas e mocinhas, que praticam o ‘safismo’ e outros atos imorais, contra a natureza,
com as fâmulas e ainda mais com as falsas amigas, ou prostitutas clandestinas, que conseguem viver
em grande intimidade com as vítimas inocentes.
Se virdes estas mulheres (...), julgá-las-eis frescas qual uma rosa, asseadas sem rival, puras como um
anjo, porque a ilusão é perfeita (...). Os cosméticos são os incumbidos de suportar a sua fealdade (...): o
polido e a frescura da pele é do dever dos pós impalpáveis fazê-lo; a rósea cor das faces, dos lábios e
das gengivas está ao encargo do minio e do carmim: as equimoses sub-palpebrais, o negrume dos cílios
(...) devem o seu encanto às pomadas e à rolha carbonizada; o aroma agradável que de seus cabelos e
corpo sentirdes é filho querido, não do asseio habitual, mas por momentos, da substância contida em
vidros de diferentes extratos.
Moças de família
De tempos a esta parte, tem-se tornado tão frequentes entre nós os casamentos pelo rapto e
acompanhados de tanta imoralidade que espantam e fazem tremer aqueles que olham para a família
como fundamentos da sociedade. Moças (e até moços!) têm havido que, sendo menores, são raptados
de casa de seus pais e daí a pouco estão casados sem a intervenção do consentimento paterno! (...) E
qual o resultado de tão graves abusos? O enfraquecimento da autoridade paterna, a dissolução dos mais
poderosos vínculos da família e consequentemente a desmoralização e o aniquilamento da sociedade.
Como esses casos de “rapto” deviam ser julgados por juízes, e não resolvidos
pelos pais, o Estado tirava do pater familias o último quinhão de autoridade
sobre o destino de sua filha.
Isso não significava que a mulher tivesse ampla liberdade sexual, apenas que
cada vez era mais comum se casar “por amor”. O casamento ainda era uma
camisa de força social. A elite da cidade e do campo mantinha a separação
entre a mulher “respeitável”, feita para casar e se reproduzir, e as demais. Os
noivados eram necessariamente curtos, para proteger a virgindade. Na noite de
núpcias, o marido, em geral iniciado por prostitutas, deflorava a virgem em um
quarto observado pelo Cristo na cruz. A nudez permanecia um tabu, e médicos
recomendavam que o homem não desperdiçasse esperma, para economizá-lo
para o período fértil.
Ainda assim, transcorrido o século XIX, o individualismo romântico tirou o
ponto de equilíbrio do pater familias. Por mais que os olhos vigilantes da mãe
seguissem a moça nas festas, por mais que os rapazes não pudessem visitar sua
amada sem que tivessem um compromisso sério e por mais que a virgindade
fosse uma exigência inquestionável para as histórias de amor romântico, a
autoridade do pai sobre a família já não era a mesma.
O Carnaval
As saias atuais escalam o joelho, na ânsia de se evadirem da toilette. Os decotes descem às costas
e ao ventre e em matéria de mangas há a simples ilusão de terem outrora existido (...). Por último,
um decreto das modistas aboliu as meias. Nesse andar, brevemente Moema e Paraguassu ditarão a
moda.
Revista Feminina, junho de 1920,
citado em Os Prazeres da Noite, de Margareth Rago
Assisti ao desnudamento do homem como da mulher no meu século. Esta coitada, até minha
adolescência, esmagava o corpo entre espartilhos e barbatanas de cintas ferozes. Era preciso tirar dela
os últimos traços do natural. Nada de canelas à mostra, nem braços, nem começos saltitantes de seios.
Tudo isso era o arsenal do demônio que atravancava o nosso celestial destino. Esmagada em seu
espírito, como em sua carne, espirrava dela uma mitra de cabelos muitas vezes postiços sobre os rostos
lívidos que ignoravam o baton e o rouge. Isso fazia a mola do desrecalque das noites de núpcias, de
onde muitas vezes as recém-casadas saíam de maca, furadas de todos os lados pela força patriarcal em
desespero.
Massagista diplomada pela Academia de Paris, e completamente habilitada para qualquer tratamento
de beleza, acaba de receber diretamente os preparativos com que pode garantir o bom êxito nas
massagens elétricas, tiragem de pelos, rugas, manchas, sinais de bexigas, obesidade, pintura e
descoloração dos cabelos e tudo mais concernente ao embelezamento das senhoras.
Namoro à antiga
O cavalheiro, passando de bonde pela casa da namorada, podia fazê-la chorar, rir, cantar, ficar triste,
alegrar-se. Para isso, bastava fazer um gesto [...]. Se vinha baforando um grosso charutão, significava
apenas: não te dou a mínima importância. Se limpava o suor do rosto: quanto trabalho me dás! Se
passava com a ponta da bengala para o ar: estou de ponta contigo! Se trazia o braço em decúbito: estou
com dor de cotovelo [...]. Se trazia o dedo na fronte: as coisas não vão bem! Se coçava o nariz: lá vem
gente!
Depois, o rapaz esperava pela moça em frente à casa dela. Se ela aparecesse
à janela, mostrava que estava interessada. Havendo a correspondência dos
interesses, começava o namoro – e aqui namoro significa simplesmente que os
dois se comunicavam diretamente, muitas vezes por meio de cartas.
Feito o troca-troca de palavras, o rapaz podia sentir-se finalmente confiante
para buscar o consentimento da família. Com a chancela familiar, o pretendente
poderia ficar à janela ou ao portão – e só entraria na casa se tivesse a intenção
de se casar. Irmãos serviam de guardas e espiões para proteger as irmãs de
galanteadores que não demonstrassem o “devido respeito”.
Mesmo que a família já conhecesse o moço, a filha não podia ficar a sós com
ele. Somente depois de o pretendente pedir a mão da filha aos futuros sogros é
que o casal poderia se sentar junto em casa – com a presença de alguém da
família – ou passear em lugares públicos.
Tantos acompanhantes serviam para uma única coisa: preservar a virgindade
da moça. E o controle sobre o sexo não se limitava às mulheres. Os rapazes
também eram controlados, ainda que em uma intensidade muito menor. A
escola, a medicina e a religião orientavam para que resistissem ao máximo à
tentação da carne – mas principalmente à masturbação. Seguindo as teorias do
século XVIII desenvolvidas pelo médico suíço Samuel-Auguste Tissot, o
prazer solitário traria o envelhecimento prematuro, a perda da memória, a
indolência e a perda de inteligência. O médico e memorialista Pedro Nava
lembra, em Chão de Ferro, como o professor Floriano de Brito (também
chamado de “flor e ânus”) atribuía esse crime a todos os seus alunos no
tradicionalíssimo Colégio Pedro II, no período entre 1916 e 1920:
O Floriano tonitruava. Fazia cara de nojo para gritar: “Seus onanistas! Seus quiromaníacos! Seus
manualizadores, mastupradores! Masturbadores! Seus porcalhões solitários! Seus fazedores de sacana,
bronhistas, punheteiros! Seus corpo-de-bombeiros, seus tocadores de flautim-de-capa!” [...] Vaticinava
morte próxima, horrenda, à nossa espreita. E enquanto não vinha, as prometidas anasarcas, [...] os
estupores, os embrutecimentos, as paralisias e a demência – ele nos enchia de zeros em aplicação e
zeros em comportamento.
– Eu sei como é que faz filho! Não é passarinho que traz, nem vem do céu. O homem tira a coisa dele e
põe na coisa da mulher e depois nasce a criança!
Eu protestei incrédulo e ele reafirmou a revelação. Acredito ter sido esse o maior trauma da minha
idade escolar. Pedi detalhes. Ele deu:
– Sai uma água grossa do homem e outra da mulher. É gostoso!
Um homem sem profissão: memórias e confissões, sob ordens de mamãe,
de Oswald de Andrade
As calças das mulheres nesse tempo desciam até o meio das coxas. Ela tendo erguido a saia toda,
verifiquei a existência do líquido grosso que brotava do meu sexo excitado. Continuava, no entanto,
virgem.
(idem)
Mas as primeiras investidas nas empregadas de sua casa não foram mais
longe. O início de sua vida sexual transcorreu, mesmo, nos bordéis de São
Paulo:
Caí afinal num bordel da rua Líbero. Procurava, porém, dourar sempre de romantismo minhas visitas
noturnas e rápidas. E muito me desgostei quando uma mulher que se desnudara no leito exclamou para
mim: – Não precisa de tirar as botinas!
Nenhuma experiência tive, no entanto, de doenças venéreas. Por pura sorte. Pois tinha me atirado às
“fêmeas” como todos os rapazes da minha geração. Muitos deles vi se orgulharem de um cancro duro –
pura sífilis. Era um atestado de virilidade pegar uma boa gonorreia.
[...] O bordel passou a ser um ideal para a mocidade de meu tempo. Das pensões, escapando à tirania
das cafetinas, saíram inúmeras senhoras da nossa alta sociedade, pois as profissionais do amor sabiam
prender muito mais os homens do que as sisudas sinhás da reza e da tradição.
Casadas, as mulheres transbordavam de gordura em largas matinês, o que fazia os maridos, saudosos
de carne muscular e limpa, voltarem aos bordéis. Uma vida de simulação ignóbil, abençoada e retida
por padres e confessores, recobria o tumulto das reivindicações naturais, que não raro estalavam em
dramas crus. Um pai matava a filha porque esta amara um homem fora de sua condição[...]. As
mulheres não podiam sequer revelar a sexualidade natural que todas têm. Eram logo putas.
(idem)
Quando a loira parisiense Marcelle d’Abreux descia as escadas da Pensão Milano, propriedade de
Mme. Serafina, em direção ao carro que a esperava na porta na rua São João, n. 30, escandalizava os
provincianos da São Paulo dos inícios do século XX. Todos os olhares voltavam-se para suas roupas
coloridas e extravagantes e para seu enorme chapéu enfeitado com longas penas de avestruz – as
pleureuses –, cuidadosamente encrespadas e emendadas para parecerem mais longas e mais caras. Ao
lado de outras cocotes de fama internacional, como se acreditava, a cançonetista Jeanne Peltier, Mimi
Turris, Maria Cabaret, Hélène Chauvin, recém-chegada de Paris, costumava desfilar pela cidade.
Oxalá ainda à última hora aparecesse um pintor, a fim de retratar essas ruas, quando elas à noite
brilham com luzes verdes, vermelhas, amarelas e brancas e sombras fugitivas, constituindo um
espetáculo oriental, misterioso pelos destinos acorrentados uns aos outros e semelhante ao qual não vi
outro em toda minha vida. Nas janelas, ou melhor, nas portas se acham como animais exóticos por trás
das grades, mil ou talvez mil e quinhentas mulheres, de todas as raças e todas as cores, de todas as
idades e naturalidades, negras senegalescas ao lado de francesas, que já quase não podem encobrir com
arrebiques as rugas produzidas pelos anos, caboclas franzinas e croatas obesas, e esperam os fregueses,
que em incessante préstito espiam pelas janelas, a examinar a mercadoria. Por trás de cada uma dessas
mulheres se veem lâmpadas elétricas de cor, que iluminam com reflexos mágicos o aposento posterior,
no qual se destaca da penumbra o leito, que é mais claro, um clair-obscur de Rembrandt, que torna
quase mística essa atividade cotidiana e, além disso, assombrosamente barata. Mas o que é mais
surpreendente, o que, ao mesmo tempo, é brasileiro, nessa feira, é a calma, o sossego, a disciplina; ao
passo que em ruas como essas, em Marselha, em Toulon, reinam grande barulho, se ouvem risadas,
gritos, chamados em voz alta e gramofones, ao passo que lá os fregueses bêbados, europeus, berram
nas ruas, aqui, nas do Rio reina calma e moderação. Sem se sentirem envergonhados, os homens
passam diante daquelas portas para às vezes desaparecerem ali, como um rápido raio de luz.
Antes dos filmes nós nos regalávamos de ver [...] os personagens dos livrinhos que líamos no colégio.
O movimento era inusitado. [...] Tinha do desfile cívico, do passeio monacal num claustro, de parada
militar e de Procissão do Encontro. Subiam e desciam marinheiros, soldados, fuzileiros, paisanos de
todas as classes e todas as idades, desde o furtivo funcionário de fraque e coco ao galego escrachado de
toalha à cinta; meninos de colégio, malandros, vagabundos e rufiões. Mais fuzileiros, soldados e
marinheiros apertados e policiando os companheiros. Os guardas-civis, como de direito, só prendiam e
espancavam os civis. Todo aquele povaréu, procurava, subia, comparava, descia, olhava, afinal
escolhia e entrava para o rápido êxtase. As fêmeas eram legião. Havia velhas hediondas e meninas de
uma beleza radiante e apodrecida. Louras, morenas, mulatas, negras. Hiperbolicamente pintadas,
seminuas, exibindo todas as variedades de teta: altos e duros seios (com bico de pera ou bico de cabra),
vastas mamas, ubres repletos, muxibas gastas ou peito chato que nem de macho. Debruçadas nas
rótulas ou sentadas diante da portinhola que abriam e fechavam [...] De dentro dos lupanares saía um
cheiro de água morna, incenso, sabonete, arruda, ácido fênico, sarro, funcho, defumação e extrato
barato. Elas chamavam ora só badalando as bochechas com a língua exímia, ora só com um
movimento de cabeça, com palavras cochichadas de confessionário ou bradadas como num leilão.
Ficavam repetindo como gramofones o seu vencá-vencá-vencá, o seu entrrrassimpát-entrrrrassimpát,
vencá-vencá, o fástud-fástud, vencá, fástud, porcarriegostoze, vencá. [...] Às vezes era pororoca de
gritaria, trilos de apito, cassetete comendo, tiros, cabeças abertas, tripas ao léu. Vencá-vencá. Tonteava
e tentava: era atraente e hediondo como ver exumação. Aquela carniça tinha vindo de queda em queda,
de michê em déu das transversais de Catete, da Glória, Conde de Laje, Beco, Joaquim Silva, Marrecas,
Arcos, Silva Jardim – cada vez mais velha, cada vez mais barata – até aquelas cloacas onde a tabela ia
dos dez tostões de São Jorge aos 2$000 de Núncio, Tobias, Vasco. Os colegiais passavam e
repassavam prodigiosamente divertidos. Alguns, dos maiores, paramentavam, entravam. Os menores
iam pelo meio da rua, fascinados e em pânico porque sabiam que havia mulheres que tomavam de
repente dos bonés e só os devolviam depois de repastadas de carne tenra de menino. [...] Putas. Era ali,
naquelas ruas rios que descia à deriva a continuação dos nossos livrinhos de sacanagem – passados de
fotografia a fato. E como era pungente, meu Deus!
“(...) Conclamamos a todos os judeus que nos ajudem a fortalecer a muralha que erguemos com tanto
esforço espiritual e moral para separar a honrada comunidade judaica local dos traficantes da
escravatura branca, que, por insistir na sua descendência judaica, tanto nos envergonha e nos
enxovalha.
Exigimos de todos os membros de nossa comunidade a evitar os lugares onde aqueles elementos
indesejáveis se reúnem e a não frequentar os empreendimentos ou espetáculos teatrais onde esse lixo
humano se encontra, para que a opinião pública não confunda, como se pertencêssemos ao mesmo
meio.
Todos devemos ajudar a ação da Liga das Nações contra a escravatura branca. Apelamos a todos os
judeus a nos ajudarem a desfazer a acusação de que todos somos partícipes dessa criminosa atuação.”
Quando Alfred Kinsey começou sua vida acadêmica, sexologia não era uma
carreira. O primeiro instituto a levar pesquisas sobre sexualidade a sério, o
berlinense Instituto de Pesquisa da Sexualidade, fora fechado por nazistas
jovens e furiosos, e seu fundador, Magnus Hirschfeld, morrera em 1935 de um
ataque cardíaco. Então, Kinsey passou suas primeiras duas décadas de
pesquisador estudando a vespa-da-galha – uma família de insetos cujas larvas
parasitam plantas. Até que, em 1938, ele enviou às ruas uma equipe de
pesquisadores para investigar o comportamento sexual de outra espécie: o
homem norte-americano.
Naquele tempo, a maioria dos estados americanos considerava crime o sexo
antes ou fora do casamento, o sexo oral e anal e o sexo entre homens. Os
resultados do Relatório Kinsey, publicados no mesmo tom objetivo com que
descreveria o comportamento sexual de insetos, mostraram-se bastante
diferentes do que a moral vitoriana, a fé cristã e os bons costumes faziam crer.
Em 1953, Kinsey traria a segunda bomba – a pesquisa voltada agora às
mulheres: • 14% tinham orgasmos múltiplos;
• 21% tiveram um ou mais de um parceiro extraconjugal;
• 69% disseram ter fantasias eróticas com homens, e 64% usavam essa
fantasia para se masturbar; • 70% das mulheres já tiveram sonhos sexuais;
• 62% das mulheres afirmavam que se masturbavam; dessas, 84%
manipulavam o clitóris e os lábios, 20% penetravam a vagina, 11%
estimulavam os mamilos, 10% pressionavam suas coxas; • nas preliminares,
91% masturbavam o homem e 49% faziam sexo oral nele.
O maior propulsor dessa transformação, no entanto, não teve nada a ver com
luxúria, ou pelo menos não diretamente, e sim com guerra. A entrada dos
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial mobilizou sua economia de tal
forma que finalmente deu fim à Grande Depressão e os transformou na maior
potência militar, política, econômica e cultural do mundo. O inglês com
sotaque norte-americano desbancou o francês como língua franca mundial, e
Paris foi ultrapassada por Nova York como a principal fonte de referências
culturais (e, cada vez mais, Los Angeles, por conta de Hollywood, também se
impunha). Tudo graças à entrada – e à vitória – na guerra.
É verdade que o “New Deal” – um pacote de reformas sociais implementado
a partir de 1933 pelo presidente Franklin D. Roosevelt – ajudou a recuperação
norte-americana depois que a bolsa de Nova York perdeu 90% de seu valor em
1929. Ainda assim, ele não fez milagre. Mesmo em 1940, os Estados Unidos
tinham 15% de sua mão de obra desempregada. Somente a entrada formal na
Segunda Guerra em 1941 e a mobilização da indústria norte-americana no
esforço de guerra foram capazes de acabar de vez com a crise. De botas a
aviões, a guerra aumentou a demanda pela produção de todo tipo de produto.
Em 1945, o orçamento federal norte-americano estava 86% voltado para a
guerra e a taxa de desemprego havia caído para inacreditáveis 1,2%. Com o fim
da guerra, o complexo militar-industrial continuou alimentado pelo Estado – a
Guerra da Coreia, por exemplo, elevou o gasto militar a um pico de 67% do
orçamento federal.
Isso trouxe três novos fatores que contribuíram para transformar não só o
papel dos Estados Unidos na economia e na geopolítica mundial, como
também a vida sexual no Ocidente: a entrada de donas de casa no mercado de
trabalho, a criação de uma economia de consumo de massa incluindo todas as
classes sociais e o desenvolvimento de novas tecnologias, que rapidamente
saíram do campo de batalha e entraram para a indústria de bens de consumo
duráveis. Tudo isso preparou o campo, nas décadas de 1940 e 1950, para que
nos anos 1960 e 1970 o Ocidente transformasse a forma como se lidava com o
sexo.
O primeiro fator permitiu uma limitada emancipação feminina na primeira
geração, mas uma grande reviravolta na geração seguinte. Assim como havia
ocorrido na Primeira Guerra, grande parte das mulheres jovens entrou para o
mercado de trabalho durante a Segunda. O fato de elas terem saído de casa para
trabalhar, porém, não as tornava independentes. Em vez de fazerem o que
quisessem com seu salário, elas o somavam aos ganhos do marido. Dessa
forma, a esposa ajudava a família a comprar uma bela casa no subúrbio, um
segundo carro, eletrodomésticos, um belo estoque de comida industrializada
não perecível e os vários anos de universidade dos filhos.
O grande ponto de virada não está na condição dessa mulher, mas na forma
como afetaria seus filhos. No pós-Segunda Guerra e nos anos 1950, as jovens
norte-americanas ainda estavam longe do estereótipo de universitárias que
queimam sutiãs. Foi, porém, o trabalho dessa geração de mães-esposas-
trabalhadoras que permitiu às gerações seguinte entrar na universidade, mesmo
nas classes trabalhadoras. Também foi ela que mostrou que a mulher era capaz
de trabalhar dentro e fora de casa. Ao crescerem em tempos de paz e
prosperidade excepcionais e com acesso inédito à informação e à educação, os
filhos dessas mulheres formaram uma geração ávida por romper com a cultura
“careta” a que seus pais pertenciam. Eram os baby boomers. Separados
culturalmente da geração anterior e unidos entre si por meio da televisão, os
baby boomers deixaram de lado os estilos de vida aristocrático e burguês
baseados no autocontrole e se jogaram no elogio à espontaneidade, à
desinibição, à autoexpressão.
O segundo fator que favoreceu a revolução sexual foi o enorme crescimento
econômico do país, que ao fim da Segunda Guerra se tornou um país de
consumo de massa. Enquanto a Europa foi economicamente dizimada pela
guerra, os Estados Unidos passaram por um período de enorme otimismo,
atingindo um crescimento superior a 9% em cinco dos anos entre 1947 e 1955.
Mesmo a classe trabalhadora podia agora trazer para o dia a dia produtos antes
considerados supérfluos. Com essa afluência econômica, tudo poderia ser
mercadoria, pois haveria sempre alguém disposto a consumir o que fosse. O
luxo era para todos. E a luxúria, também.
Foi o que o escritor Hugh Hefner percebeu quando pediu demissão da revista
Esquire e se afundou em empréstimos (com um banco e 45 investidores,
incluindo sua mãe) para lançar a revista Playboy. Inspirado pelas descobertas
de Kinsey, ele passou a explorar as tortuosidades do apetite sexual masculino –
assim como seus desejos de consumo. Carros, televisores, aparelhos de som,
comidas processadas, bebidas, equipamentos de filmagem, mulheres. A ética
proposta por sua revista era a de levar uma vida boa sem ter de lidar com
consequências desagradáveis – por exemplo, as amarras do casamento – e
colocar em primeiro lugar as recompensas proporcionadas pelo consumismo,
no lugar da casa de família no subúrbio lotada de eletrodomésticos e filhos.
Hefner criava a figura do solteirão. Menos casas de subúrbio e mais
garçonières. Menos suco de laranja e mais Martini. No lugar dos utilitários de
família, carros conversíveis e cupês esportivos. Tudo isso propagado ao lado da
foto de jovens coelhinhas que pareciam oferecer sexo sem nenhum tipo de
compromisso. A verdadeira vida para a Playboy era a vida de solteiro, mesmo
se, eventualmente, o cavalheiro viesse a ser casado. A verdadeira vida era a
vivida no altar máximo do consumismo, mesmo que poucos de seus leitores
realmente tivessem grana para viver conforme propunha a revista.
Na primeira edição – que teve Marilyn Monroe acenando para os leitores na
capa –, a Playboy vendeu 54 mil exemplares, e continuou a aumentar sua
tiragem até ultrapassar a Esquire, em 1956. Nos anos 1970, a Playboy atingiu
5,5 milhões de cópias por edição e já era uma das maiores revistas do mundo.
A glorificação da luxúria se tornou parte do mainstream – e isso no país com
a maior população cristã do mundo. Quase dois milênios depois de o apóstolo
Paulo de Tarso dizer que “casamento é superior a queimar no fogo”, Hefner
dizia, sobre o casamento: “A vida é curta demais para viver o sonho de outra
pessoa”.
Além da formação da geração baby boomer e do crescimento econômico dos
Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial produziu um terceiro fator
favorável à transformação da sexualidade no Ocidente: o complexo militar
norte-americano. A indústria bélica desenvolvida durante a guerra não apenas
estabeleceu mulheres no mercado de trabalho e criou uma cultura de consumo
em massa, como também produziu uma revolução tecnológica em todas as
frentes da indústria, inclusive na indústria erótica.
O gasto em pesquisa militar norte-americana se tornou o principal pilar da
pesquisa científica do mundo, com agências de segurança nacionais
financiando departamentos das principais universidades e contratando as
maiores indústrias do país. Isso respingou em todos os mercados possíveis: a
tecnologia para produzir alimentos não perecíveis para soldados aliados
transformou a indústria alimentícia; a energia nuclear foi convertida para
finalidade civil; a indústria aeronáutica e o treinamento de pilotos de guerra
deram origem ao turismo de massa; a indústria farmacêutica de guerra levou à
produção de penicilina em massa; materiais desenvolvidos para a guerra –
como a fibra de vidro, vários tipos de plásticos, o poliéster e o compensado –
reinventaram a indústria civil; e a produção de câmeras portáteis para
documentação e treinamento de guerra transformaram a pornografia em
indústria pornô – a irmã mais barata e prontamente disponível da velha
prostituição. Nada mais apropriado para a cultura de consumo de massa do que
a produção de pornografia em massa. E nenhuma tecnologia foi mais
apropriada para a pornografia do que o cinema.
Do front ao frontal
Se você não encorajar uma expressão sexual saudável em público, você terá uma expressão sexual
nociva em privado. Se você tentar suprimir o sexo em livros, revistas, filmes e mesmo na conversa
do dia a dia, você não vai ajudar a fazer o sexo mais privado, mas, sim, mais escondido. Você
manterá o sexo no escuro.
PLAYBOY – África do Sul, entrevista com Hugh Hefner, fundador da Playboy Nas décadas de 1960
e 1970, os filhos da geração pós-guerra chegaram à juventude. Desde a Belle Époque, essa era a
primeira geração a nascer em um período de prosperidade e relativa paz. E essa prosperidade
material atingia níveis inéditos. Pela primeira vez, ser estudante universitário não era mais um
privilégio da elite econômica. Agora, o acesso ao estudo superior começava a se estender a rapazes
e moças de classe média baixa ou mesmo da classe trabalhadora. Em 1950, os Estados Unidos
tinham 2,3 milhões de universitários, e isso aumentou para 3,6 milhões em 1960 e 8,6 milhões em
1970. Na França, de 200 mil em 1960 o número de estudantes subiu para 651 mil na década
seguinte.
A geração anterior, que vivera a juventude no pós-guerra, se apegava à
segurança da família e do trabalho. Quando pais comparavam sua atual
prosperidade com as dificuldades de uma economia de guerra, eles concluíam
que não deveria haver mudanças de rumo. Era o que os norte-americanos
chamam de “geração silenciosa”. Seus problemas sempre foram mais concretos
e urgentes – eles nasceram nas dificuldades da crise econômica dos anos 1930,
viveram a Segunda Guerra Mundial e agora queriam viver em paz com uma
esposa hábil nos afazeres do lar, uma ninhada de filhos obedientes, uma boa
casa e um trabalho seguro que lhes permitisse os confortos materiais que os
pais não tiveram.
Já seus filhos nunca viveram a guerra total e estavam acostumados com a
prosperidade econômica, como se a afluência fosse o estado natural da
humanidade. Os baby boomers não tinham na memória a comparação entre o
fim da guerra e o auge da sociedade de consumo. Esses universitários só
conheciam tempos de prosperidade. E, nesse cenário, viam que muito podia ser
transformado. Como disse o historiador marxista Eric Hobsbawm: “[...] eles
sentiam que tudo podia ser diferente e melhor, mesmo não sabendo exatamente
como. Os mais velhos, acostumados a tempos de aperto e desemprego, ou pelo
menos lembrando-os, não esperavam mobilizações radicais numa época em
que, sem dúvida, o incentivo econômico a elas nos países desenvolvidos era
menor do que nunca.”
Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm Uma das bandeiras dessa geração idealista foi a “Revolução
Sexual”. Não seria a primeira vez que isso acontecia – o século XVIII teve libertinos que se opunham à
Igreja e defendiam a satisfação de seus instintos naturais; o fim do século XIX teve o movimento
sufragista feminino; o entreguerras teve os pesquisadores de sexologia e a cultura gay de Berlim. Mas,
desta vez, a onda de abertura sexual era impulsionada por uma massa enorme de estudantes de ambos os
sexos, e alcançava dimensões ainda maiores com a televisão.
Até o fim da década de 1950, as mulheres estavam encasteladas dentro de
casa. Cerca de 80% dos adultos norte-americanos eram casados, e grande parte
dos solteiros era trabalhadores migrantes em estados distantes, como Alasca,
Montana e Nevada. O acesso à educação superior era limitado a uma pequena
elite econômica e os meios de comunicação tinham um alcance reduzido.
O sino da igreja competia com o rádio, e vencia. O cenário mudou
completamente com a geração baby boomer. Jovens questionavam a jornada
dupla adotada pela geração de suas mães, dentro e fora de casa, milhões de
estudantes desvinculados de uma elite econômica ingressavam na universidade
e, com a popularização da televisão e a diversificação do mercado de revistas,
os meios de comunicação atingiram as massas. Mais de dois terços dos lares
norte-americanos tinham televisor em 1960.
Esse caldeirão de jovens informados e engajados poderia seguir o caminho
dos intelectuais da República de Weimar – o de abraçar o socialismo. E muitos
o fizeram, principalmente em países periféricos que tiveram regimes
democráticos derrubados e ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos, mas, lá, o
caminho foi bastante diferente. Por um lado, o país vivia uma perseguição
contra marxistas. Por outro, a própria União Soviética dera um golpe contra
esses ideais. O caráter autoritário dos partidos comunistas já desiludia a
esquerda, que acabou se rompendo de vez em 1956, quando o líder soviético
Nikita Kruschev denunciou ao mundo os crimes que Stálin cometera. Enquanto
parte manteve-se ligada ao marxismo – talvez olhando mais para Cuba do que
para a União Soviética –, outra formou uma “nova esquerda”, voltada não à
luta de classes, mas a transformações culturais e ao questionamento da
autoridade. E as universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra se tornaram
as grandes casas da “New Left” (nova esquerda). Contracultura, feminismo,
ambientalismo, direitos civis de negros. E libertação sexual.
Mas a libertação sexual da mulher dependeria de mais uma libertação: a do
fantasma da gravidez indesejada. A solução, no entanto, não demoraria.
Da procriação à recreação
A geração baby boomer ganhou esse apelido por ser resultado de um boom
demográfico. Seus pais se casaram cedo e se reproduziram conforme a máxima
bíblica – “Crescei e multiplicai-vos”. Já os baby boomers, quando foram fazer
sexo pela primeira vez, descobriram algo mais satisfatório, eficiente e prático
do que qualquer meio contraceptivo jamais criado: a pílula, que foi ao mercado
em 1960 nos Estados Unidos.
Quando a pílula anticoncepcional surgiu, sua promessa era acabar com a
miséria humana em um mundo que vivia sob a ameaça da “bomba
demográfica”. Superpopulação era um tema quase tão recorrente quanto a
ameaça nuclear, e certamente uma preocupação prioritária em países
densamente povoados do então Terceiro Mundo. Para médicos, a pílula
anticoncepcional era uma solução para a fome, a pobreza e a multiplicação da
miséria que se esperava da “bomba demográfica”. O controle populacional era
uma panaceia para os males do subdesenvolvimento.
Hoje sabemos que o que a pílula conseguiu não foi limitar os nascimentos
em lugares miseráveis, mas sim ajudar a diminuir o abismo de direitos entre a
mulher e o homem nas classes médias.
Essa mudança teve dois fronts – um com pouca importância, outro com
muita. O primeiro foi uma suposta maior liberdade para que a mulher buscasse
prazer com o homem que bem entendesse, sem o ônus de uma possível
gravidez. Não demorou para que os mais conservadores entrassem em estado
de horror diante do suposto impacto da pílula sobre a família. Em 1962, já
havia 1,2 milhão de norte-americanas utilizando-a. Em 1963, eram 2,3 milhões.
E, passados dois anos, chegou a 6,5 milhões, ultrapassando qualquer outro
método anticoncepcional. Aquela era uma época de medos apocalípticos – só
para lembrar, em 1962 soviéticos instalaram mísseis nucleares em Cuba –, e a
metáfora da Destruição Mútua Assegurada ameaçada pela bomba atômica
contaminava todas as possíveis grandes mudanças sociais. O medo era o de que
a pílula destruísse primeiro o casamento e a família; depois, a sociedade toda.
Não foi para tanto, você sabe. A maioria das mulheres que buscava
contraceptivos era casada. Seus planos não eram viver uma versão feminina da
vida de solteiro das páginas da Playboy; apenas evitar a gravidez em série, o
que antes era feito com o anticlimático coito interrompido ou com a pouco
eficiente tabelinha. Mesmo entre as mulheres solteiras que buscaram a pílula
estavam aquelas que já eram sexualmente ativas – a pílula apenas diminuiria o
risco de casamentos apressados e abortos. Uma revolução cultural em relação
ao sexo já estava em curso antes mesmo da pílula. Em 1959, quase metade das
noivas norte-americanas tinha menos de dezenove anos e metade já tinha feito
sexo antes do casamento. A pílula era apenas mais um capítulo dessa história.
Em um segundo aspecto, porém, a pílula trouxe de fato uma revolução sexual
– não em termos de ato sexual, mas de emancipação da mulher. Com o sexo de
um lado e a gravidez de outro, filhos poderiam vir quando elas estivessem
física, financeira e emocionalmente preparadas para tê-los. Isso daria liberdade
para que se dedicassem às suas carreiras de uma forma como suas mães e avós
nunca sonharam fazer. Para muitas, trabalhar não significava mais apenas
complementar a renda do marido, mas ter uma renda própria. Foi com ela que
universitárias seguiram em frente e se tornaram advogadas, engenheiras,
médicas, veterinárias, administradoras, acadêmicas, e assim por diante, sem
precisar de restrições na vida sexual, nem recorrer a um eventual aborto. Em
1970, estavam empregadas 43% das norte-americanas adultas, e a proporção de
norte-americanas casadas na força de trabalho era maior até do que a de suecas,
que viviam em um país muito mais progressista moralmente.
Até uma Playboy para mulheres elas ganharam – a Cosmopolitan, que havia
nascido em 1886, mas foi totalmente reformulada em meados da década de
1960 para se tornar referência para mulheres profissional e sexualmente
independentes. Não se tratava mostrar homens pelados e chamá-los
“coelhinhos”, claro, mas de falar sobre sexo de mulher para mulher, sem
vergonha de ser sacana. Assim como a Playboy, ganharia uma versão
brasileira: a revista Nova.
Paz e amor
Dois anos depois, uma fazenda no Estado de Nova York receberia cerca de 400
mil jovens para ouvir Joan Baez, o mestre da cítara (e pai de Norah Jones) Ravi
Shankar, Carlos Santana, Grateful Dead, Janes Joplin, The Who e Jimi
Hendrix. Mas ao lado da música, o Festival de Música e Arte de Woodstock
ficou para a história pela intensa e generalizada prática do consumo de drogas e
de sexo livre. Em um chuvoso fim de semana prolongado, essas centenas de
milhares de corpos se uniram espiritual e carnalmente, nadando, pulando e
deitando-se nus, elevados por ácido, mescalina, haxixe e rock.
A ebulição juvenil não se limitava à Califórnia e a Nova York. Em 1968,
jovens de diferentes partes do mundo também assumiram as rédeas de
manifestações de diferentes graus de erotismo e pacifismo. Em maio de 1968,
estudantes franceses protestavam por uma reforma universitária e, quando
viram que o país havia paralisado com o apoio de dois terços de seus
trabalhadores, tentaram pôr em prática o slogan “Seja realista: exija o
impossível” – assim como “Abra a sua mente e suas calças”. Em Madri,
estudantes protestavam contra a ditadura do general Franco; a Tchecoslováquia
entrava em um período de reforma e protestos por direitos civis, só para em
seguida ser invadida pela União Soviética; por volta de uma centena de
manifestantes mexicanos eram mortos e mais de mil eram presos no massacre
de Tlatelolco, às vésperas das Olimpíadas do México; o movimento estudantil
brasileiro organizava a Passeata dos Cem Mil em protesto contra a ditadura
militar. E no centro de tudo isso não estavam as velhas lideranças partidárias,
mas a geração de jovens idealistas nascidos depois da Segunda Guerra.
Antes de tudo, a revolução cultural em curso no Ocidente foi um choque
entre duas gerações – os jovens nascidos em tempos de relativa abundância
material e o establishment controlado por uma casta geriátrica e reproduzido
por adultos conformistas. Os políticos não eram sequer da geração de seus pais,
que lutaram na Segunda Guerra e depois se dedicaram a comprar uma casa e
um carro no subúrbio. Não, eles eram da geração de seus avós – a geração que
chegou à vida adulta no entreguerras, não impediu a Segunda Guerra e
finalmente governava esse mundo sobre o qual pairava a ameaça da Destruição
Mútua Assegurada. O democrata cristão Konrad Adenauer, nascido em 1876,
foi eleito chanceler da Alemanha Ocidental aos 73 anos (1949-1963). O
general Charles de Gaulle, nascido em 1890, era a principal figura política da
França desde a Segunda Guerra. O secretário-geral do Partido Comunista da
União Soviética, Nikita Krushev (1953-1964), nasceu em 1894 e entrou para o
Partido ainda em 1918. O democrata John Kennedy podia ser atraente aos
jovens por ter apenas 44 anos quando assumiu a presidência, em 1961 – era o
mais jovem eleito da história norte-americana e foi aclamado por fazer sua a
causa da integração racial. Mas foi assassinado em 1963 e sucedido por
Lyndon Johnson (1963-1969), nove anos mais velho. Ainda que tenha
expandido os direitos civis e os serviços públicos para os mais pobres e
vulneráveis, acabou ficando para a história como o responsável pela escalada
bélica no Vietnã.
Conflitos entre gerações não são nenhuma novidade. Mas o abismo entre a
geração baby boomer e quem se mantinha no poder era enorme. Os jovens
eram muitos por conta da explosão de nascimentos no pós-guerra; os que
chegavam a passar duas décadas ou mais dentro do sistema educacional já
eram uma massa, e não apenas uma minoria ilustrada; a prosperidade material
lhes deu uma independência econômica que os livrava das amarras da família,
a indústria cultural tornou popular o que antes seria visto como erudito (pense
em Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band). Isso deu à contracultura dos anos
1960 uma escala imensamente maior do que a de movimentos parecidos que
lhes precederam e inspiraram – como os próprios beatniks. Os jovens
derrubavam os pais, o país, o padre e os professores na disputa pela dianteira
da cultura ocidental. Se os velhos no poder eram os inimigos dos jovens, seus
heróis eram os demais jovens. Pessoas como Che Guevara e Fidel Castro, que
derrubaram a ditadura de Fulgencio Batista em Cuba aos 30 e 32 anos,
respectivamente. E também jovens como os músicos de Woodstock, muitos
dos quais morreriam antes da vida adulta. Como cantaria The Who, em My
Generation: “I hope I die before I get old” (“Tomara que eu morra antes de
envelhecer”).
E Jesus?
Como já vimos, o filme The Immoral Mr. Teas (1959) abriu espaço para um
filão de filmes pornôs soft nos Estados Unidos, que, junto aos filmes “B” de
ficção científica e terror, lotavam os cinemas chamados de grindhouses.
Tamanho era o público de filmes como Wild Gals of the Naked West (1962),
Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965) e Vixen! (1968), que em uma década o
número de cinemas que projetavam exclusivamente filmes pornôs subiu de 60
para 750 no país. Havia uma grande razão econômica para isso – enquanto as
produções de Hollywood eram caras e traziam retornos incertos, um pornô não
custava mais do que algumas dezenas de milhares de dólares, e seu faturamento
chegava a US$ 15 milhões – uma margem de lucro que dificilmente algum
estúdio de Hollywood conseguiria alcançar.
Em sua maioria, eram “girly movies”, com uma garota fazendo strip-tease,
brincando um pouquinho com os peitos, mostrando um mínimo de pelos
pubianos. Qualquer coisa mais ousada do que isso se limitava às exibições
clandestinas de filmes Super-8mm. Mas a indústria pornográfica é
extremamente competitiva; com muitos entrando no mesmo mercado, acabava
ganhando quem oferecesse mais a seu público. Cada vez era necessário mostrar
mais. Mais sexo, mais vagina. Surgia o action beaver, em que uma mulher
abria os lábios da vagina de outra e simulava sexo oral, e a cada inovação as
telas das grindhouses tornavam mais tênue o limite entre soft-core e hard-core.
Até que, em 1972, uma jovem católica chamada Linda Boreman foi coagida
por Chuck Traynor – seu marido, cafetão e empresário – a fazer um pornô. Não
era seu primeiro filme de sexo explícito, mas seria o primeiro em que Linda
precisaria não só transar, mas também atuar. O filme Garganta profunda foi o
primeiro pornô com roteiro de cinema.
Em Garganta profunda, Linda Lovelace (nome artístico de Boreman)
interpretaria uma mulher frustrada por não sentir prazer no sexo. A
protagonista chegara até mesmo a pedir ajuda a uma amiga, que a levou a uma
festa orgiástica para descobrir o que enfim poderia trazer-lhe prazer. Nada
adiantou. Restou ir ao médico, que descobriu que seu clitóris não estava lá
embaixo, mas em cima, na garganta da moça. O doutor então a ajudou a
dominar a prática do sexo oral, em uma variação mais profunda. Apaixonada,
ela o pediu em casamento. Não sendo uma opção, o médico se propôs a ser seu
terapeuta e a ajudá-la a fazer a garganta profunda em vários homens até que ela
encontrasse aquele com quem quisesse se casar.
Garganta profunda não era um “stag”, nem um pseudodocumentário, nem
uma exposição aleatória de vaginas. Era um filme de 61 minutos com atores,
diálogos, um roteiro linear ao modo dos filmes mainstream e a adição de atos
sexuais explícitos. Garganta profunda inaugurava uma nova fórmula do pornô,
com baixo orçamento impulsionado pelo nome de estrelas.
Até então, os frequentadores das grindhouses eram facilmente reconhecíveis
por vestirem um sobretudo para disfarçar sua identidade. Desta vez, veio para o
cinema o público comum. A crítica falou muito mal do filme, de como seu
roteiro era “indigente” e de como todas as intenções dele eram “baixas”. Mas
isso não importava. O fato era que a crítica de cinema estava falando pela
primeira vez de um filme pornô. E que Garganta profunda foi um sucesso
estrondoso de bilheteria: com um orçamento de US$ 25 mil, faturou
aproximadamente US$ 100 milhões.
Depois dele, viriam filmes como Atrás da porta verde (1972) e O Diabo na
carne de Miss Jones (1972) – história de uma virgem depressiva que corta os
pulsos e se vê no limbo: não pode ir nem ao céu por ter se suicidado; nem ao
inferno, por ser virgem; com raiva, pede a oportunidade de voltar à terra e
cometer todo tipo de luxúria que deixara de cometer para que pudesse merecer
o lugar no inferno. Nas palavras do cartunista brasileiro Henfil, então nos
Estados Unidos, em uma carta dirigida a um amigo no Brasil: Nunca vi tanta
sacanagem na minha vida. A tal Miss Jones passa meia hora no pirulito. Depois
transa um pela frente e outro pela retaguarda. Depois, ela com uma mulher. E
aí – horror! Horror! – a Miss Jones engole a cabeça de uma cobra vivinha com
linguinha e tudo! (...) Foi a mesma sensação que senti quando fui na zona de
Belo Horizonte pela primeira vez. (...) Depois saímos todos com a solenidade
de saída de concerto sinfônico. Quebrou minha expectativa e desmoralizou
minha certeza de que tínhamos praticado um pecado mortal.
O biquíni é a degradação da nudez. A nudez, para que tenha um valor plástico, para que tenha um
interesse visual, na pior das hipóteses, exige o desejo. Mas eu vou além: a nudez exige o amor.
Portanto, a nudez sem o desejo e, pior ainda, a nudez sem o amor é o que há de mais feio. E isso se
verifica observando na praia os corpos mais lindos do mundo, ali no Castelinho, ou em
Copacabana, corpos adolescentes, meninas de dezessete anos, com aquela nudez molhada de gotas
estilhaçadas nas costas, a água deslizando pelos seios, o umbigo em flor. E nada disso inspira a
mais vaga, a mais remota curiosidade a ninguém. Ninguém se volta para ver essa nudez que
ninguém pediu, que ninguém desejou, que ninguém amou.
Eu Sou um Ex-Covarde, entrevista de Nelson Rodrigues a
Luiz Fernando Mercadante, em: VEJA, 4 de junho de 1969
Mas para toda repressão há uma válvula de escape. Foi na década de 1970
que o cinema nacional começou a produzir pornochanchadas – filmes de baixo
orçamento com roteiro simples, que valorizavam menos o enredo e mais a
exibição do corpo da mulher. Suas histórias se prendiam às paqueras, às
conquistas amorosas, à virgindade, ao adultério, à viúva disponível e fogosa,
aos “dilemas do dar e do comer”. Estavam longe da pornografia hard-core.
Tinham um erotismo implícito, com títulos de duplo sentido e piadas
maliciosas, mas jamais o sexo explícito. E fizeram um sucesso estrondoso no
país.
Os escritórios de produtores, distribuidores e exibidores de pornochanchadas
ficavam em São Paulo, em um quadrilátero do bairro da Luz apelidado de Boca
do Lixo – a “Hollywood Brasileira”, que desde o início do século já era
ocupada por bordéis. Em sua época de ouro, de 1972 a 1982, a Boca produzia
cerca de 60 dos 90 filmes anuais brasileiros. De forma muito semelhante aos
filmes exploitation americanos, abusou de todos os subgêneros possíveis –
comédia, pornô-drama, pornô-horror – com Zé do Caixão –, pornô-policial,
pornô-western e até mesmo pornô-experimental, como A Ilha dos Prazeres
Proibidos (1979, Carlos Reichembach) e O Império dos Desejos (1981, idem).
Dele nasceu também um “star system” que lançou Vera Fischer (Anjo Loiro,
1973), Sônia Braga (A Dama do Lotação, 1978), Nuno Leal Maia (Bem
Dotado – O Homem de Itu, 1978).
Tudo ia bem para a Boca do Lixo, até que a crise econômica dos anos 1980
derrubou o mercado do cinema no Brasil. A participação dos filmes nacionais
no mercado retraiu e salas de exibição foram lentamente se fechando. E mais: a
vinda de filmes hard-core estrangeiros apresentou uma alternativa muito mais
lucrativa do que a pornochanchada. Então, para se defender da crise econômica
e da invasão estrangeira, a Boca do Lixo se radicalizou, e alguns transitaram
para o hard-core.
Com a força de um mandato judicial, chegou aos cinemas em 1981 o
primeiro hard-core nacional: Coisas Eróticas, de Raffaele Rossi. Teve uma das
maiores bilheterias da história do cinema brasileiro, 4 milhões de espectadores.
Como o filme de sexo explícito era muito mais barato do que a
pornochanchada, ele acabou tomando uma fatia importante do mercado
brasileiro. Em 1984, de 105 filmes nacionais produzidos, 69 eram de sexo
explícito. E, para fazer frente ao pornô estrangeiro, o nacional foi explorar os
limites, com filmes como Meu marido, meu cavalo, Um jumento em minha
cama, A menina e o cavalo, Emoções sexuais de um jegue e Mulheres taradas
por animais.
Relaxa e goza
Se para o cinema erótico nacional a década de 1980 não trazia bons ventos,
para a vida sexual a democratização do Brasil foi um alento. O orgasmo
feminino passou a ser discutido na televisão de manhã, de segunda a sexta, com
o programa TV Mulher, em que Marta Suplicy chegou a explicar como se
masturbar. Em outubro de 1984, o livro de não ficção mais vendido no Brasil
era O Complexo de Cinderela, que critica a espera de mulheres por um príncipe
encantado. E o segundo era Repressão Sexual, de Marilena Chauí. Como
escrevera em 1980 a colunista Carmem Silva, da revista Cláudia, o sexo se
tornou “simples e inconsequente como beber um copo d’água”. Surgiam o
biquíni asa-delta e o fio dental, e o topless chegou até a ser ensaiado nas praias
do Rio de Janeiro em 1980, mas foi reprimido pela polícia e por conservadores,
que chegaram a jogar latinhas nas moças de peito de fora.
Em 1987, uma pesquisa com 1.530 jovens de 15 a 24 anos feita pela Editora
Abril mostrou que um terço das moças tinha feito sexo, um terço só esperava as
condições ideais e outro terço queria se casar virgem. Só que o sexo dos jovens
dos anos 1980 não foi tão simples. Uma vez começada a vida sexual, quase a
metade não ia ao ginecologista, metade não usava regularmente métodos
anticonceptivos e 18% tiveram gravidez indesejada. A grande maioria resolveu
o impasse com aborto – e um quarto delas chegou a fazer dois ou mais abortos.
Se apenas um terço das meninas tinham feito sexo, um terço dos meninos
não tinham transado. E a grande diferença aí podia ser explicada por algo
muito simples: um em cada cinco meninos perdia a virgindade com uma
prostituta e um em cada quatro, com uma amiga. Já entre meninas, três quartos
perderam a virgindade com o namorado. Ou seja, os meninos tendiam a se
iniciar precocemente com uma prostituta ou com uma amiga que transava com
vários, e as meninas só iam explorar sua sexualidade mais tarde, dentro de um
relacionamento afetivo. O Brasil ficou mais liberal. Mas nem tanto.
O SEXO NOS TEMPOS DE CÓLERA. E
DO TINDER
O HIV transforma o amor livre em comportamento de risco, mas, graças à
medicina e à camisinha, o fantasma aos poucos deixa de ser o que foi. Os
antigos casais de “sodomitas” se tornam famílias. Facebook e Tinder
trazem de vez o sexo virtual para a vida real, e ajudam a moldar um
mundo novo: o dos relacionamentos de bolso.
A Aids não é apenas o castigo de Deus contra homossexuais; é o castigo de Deus contra uma
sociedade que tolera homossexuais.
Reverendo Jerry Falwell, líder da extinta organização fundamentalista cristã Maioria Moral, dos
EUA
A retomada conservadora
O “câncer gay”
Sexo é bom. Não deixe a Aids acabar com isso. Evite o contato com o esperma. Use camisinha.
Reduza o número de parceiros. Masturbação a dois é gostoso e oferece menos risco.
Rede sexual
O estilo de vida solteiro também busca um hábitat. Sex and the City passa-se
em Nova York, não em um vilarejo do Alabama. É nas metrópoles que homens
e mulheres encontram o anonimato e subculturas bem específicas que
compartilham classe social, valores, gostos e interesses sexuais. Lá, podem
transitar entre si sem esbarrar em maiores amarras sociais como a família
estendida, a igreja e o trabalho. A virada do milênio, porém, viu redes de
comunicação virtual estenderem o hábitat do solteiro em todas as direções.
Uma pessoa em São Francisco Xavier, no interior de São Paulo, poderia entrar
em contato com as mesmas subculturas que fervilhavam em São Francisco,
Califórnia.
Em meados da década de 1990, surgiram as salas de bate-papo em portais
separadas por áreas de interesse e sites especializados em encontros sexuais e
relacionamentos. Era tamanha novidade que se tornou tema de novela de
Gloria Perez. Em Explode Coração (1995-1996), a cigana Dara conhece o
empresário Júlio Falcão pela internet e passa a se esquivar do cigano Igor, a
quem é prometida desde a infância.
Não demorou para que viessem os uh ohs do ICQ (1996) e seu concorrente
MSN Messenger (1999). Esses programas permitiam adicionar pessoas a uma
lista de contatos, saber quais estavam on-line e trocar instantaneamente
mensagens e arquivos. Assim, o hábito de “teclar” entrou para o dia a dia de
muitos. E para a vida íntima também.
Foi nessa época que o termo “sexo virtual” chegou ao auge. Usuários
puderam buscar pessoas ou comunidades de pessoas que compartilhassem
interesses sexuais, alguns bastante específicos e socialmente marginalizados.
Não havia nada que impedisse transformar o virtual em real. Foi a redenção
dos tímidos, dos enrustidos, dos swingers, dos sadomasoquistas. Agora, não
havia opinião alheia que os impedisse de se encontrar – na real.
Em 2004, foram lançados o finado Orkut e o Facebook. Em breve a
expressão “sexo virtual” entraria em desuso – não porque tivesse deixado de
existir, mas porque já se tornara parte integrante do sexo real. A internet se
tornou uma ferramenta para prospectar e gerenciar parceiros sexuais de carne e
osso.
Após conhecer uma pessoa em uma balada, o usuário buscava por ela depois
nas redes sociais e vasculhava seu perfil. Caso gostasse, adicionava-a, como se
a pusesse em um carrinho de compras. Garantia, assim, uma transa, um
possível caso ou, ao menos, uma carta na manga. Se depois a pessoa virasse
problema, era só deletar. Tal como o especulador que dilui riscos investindo
seu capital em um portfólio diversificado, pessoas começaram a costurar redes
de “ficantes”, “fast-fodas”, “P.As.” (“pau-amigo”) que conheciam em baladas,
por meio de amigos, em sites de encontros ou na própria rede social. As
comportas para o networking sexual foram abertas para não mais se fecharem.
Em 2009, as redes sociais ganhariam um salto revolucionário. Nesse ano,
surgiu uma primeira onda de aplicativos de celular com geolocalização – ou
seja, capazes de identificar onde os usuários estão. O mais conhecido pelo
público na época foi o Foursquare – usado principalmente para usuários
dizerem para seus amigos “eu estou aqui” em lugares bacanas. Mas foi dentro
da comunidade gay que a geolocalização começou a revolucionar a forma
como as pessoas flertavam, com um aplicativo chamado Grindr (ou “moedor”,
em inglês).
A ideia é bastante simples – um aplicativo com fotos de diferentes usuários
on-line organizadas por distância geográfica. Um homem pode estar no
supermercado, checar o celular e descobrir que, a 50 metros de distância, há
outro homem interessante querendo sexo. Basta trocar algumas mensagens,
algumas fotos e, se concordarem, “tcha-ram”, encontro marcado. Sem precisar
de fila, bebida, pista de dança nem comanda para pagar.
Três anos depois, a ideia se espalhou para além do mundo gay, agora em uma
interface de jogo ainda mais viciante, o Tinder. O aplicativo é ainda mais
simples do que o Grindr. Nele, o usuário escolhe o gênero e a idade da pessoa
que está buscando. Digamos que um homem de 30 anos procure mulheres entre
25 e 35 anos. Ao selecionar esse perfil, o aplicativo passa a mostrar
sucessivamente, como um baralho, as fotos de mulheres que procuram homens
na faixa etária a que ele pertence, junto a uma pequena descrição e nome de
amigos em comum. É uma espécie de hot or not com pessoas com potencial de
sair com você. Se achar interessante, dá-lhe um like. Se não, nope, e passa para
a próxima. O pulo do gato é que, se duas fotos forem mutuamente curtidas, o
Tinder avisa que houve um match e abre espaço para as duas pessoas
conversarem, o que, em princípio, diminuiria o risco de rejeição logo de cara.
Pode parecer bem pouco sofisticado em relação aos sites que, há anos,
afirmam usar logaritmos capazes de unir “caras metades” – como OkCupid,
eHarmony, Match.com e ParPerfeito. Mas é essa falta de sofisticação que traz
seu sucesso. Enquanto os sites servem de tia casamenteira, os aplicativos são
uma balada de bolso. Os primeiros buscam as compatibilidades entre quem
procura um compromisso de longo prazo; os segundos catalogam um número
imenso de fotos de potenciais parceiros sexuais, carregados de marketing
pessoal – exatamente o que se encontra em uma balada. Enquanto os sites são
acessados dentro de casa, à noite e sozinho, com o peso e as amarras da busca
de um relacionamento de longo prazo, os aplicativos são usados a qualquer
momento, em público, junto a amigos, na mesa de bar, apontando para uma ou
outra foto como diante de um catálogo de produtos, com a leveza de ir às
compras.
Certamente, esses aplicativos são eficientes para parear dois parceiros
sexuais. É aí que entramos em um novo patamar dos “relacionamentos de
bolso” criticados por Zygmunt Bauman uma década antes do lançamento do
Tinder. Há algo intrínseco ao aplicativo que dificulta o desenvolvimento de
relacionamentos de maior profundidade. Ele amplia o “custo de oportunidade”
de um relacionamento estável com uma pessoa ao tornar facilmente disponíveis
inúmeras outras. Seu catálogo de parceiros sexuais amplia tremendamente as
escolhas, como em uma loja de departamentos, de tal forma que, ao escolher
alguém, continue a dúvida – “e se houver alguém melhor?”. Haverá, claro,
sempre um próximo parceiro melhor, e os relacionamentos do Tinder têm
leveza e rapidez suficientes para que se possa continuar a descartar o anterior e
consumir o próximo, sempre melhor.
Relacionamentos sólidos, duráveis e seguros exigem que pessoas
pacientemente construam-nos, usando seu poder de planejamento – antes de
tudo, que o investimento de longo prazo tornem pequenos seus “custos de
oportunidade”. Mas, no longo prazo, todos estaremos mortos. Para que se ater a
uma única pessoa e conviver com seus defeitos se é possível buscar somente as
qualidades em sua maior variedade, com diferentes peles, cheiros, diferentes
corpos, diferentes idades, diferentes cores, diferentes tamanhos? Se construir
um relacionamento fixo é árduo, e sua qualidade às vezes decepciona, por que
não procurar a salvação na quantidade, sempre com a possibilidade de deletar o
outro?
E, ainda assim, há sempre a esperança de que, à base de tentativa e erro e da
experiência acumulada com inícios e fins prematuros, é possível aprender a
amar – que, com o tempo, as experiências serão mais profundas e estimulantes,
que os erros serão evitados e que, no fim das contas, poderemos encontrar no
caos a nossa cara-metade. Mas o desejo acaba em si próprio, assim que ele se
satisfaz, e o corpo ao lado se torna dejeto. Enquanto busca o próximo e remove
o anterior, o amante ansioso vai desaprendendo a amar e acaba rodando em
torno de si, no que gregos chamavam de “concupiscência”– a inclinação a
ceder à vontade dos sentidos. É exatamente aquilo que o Cristianismo
convencionou chamar de luxúria.
Seja como for, a ideia de que o sexo puro é um “pecado” praticamente
deixou de existir. Esse seria, então, o fim do termo “luxúria”. Se ceder aos
desejos carnais deixa de ser algo reprovável, então não dá mais para chamar
esse comportamento de “luxúria”. É só uma parte da vida.
Mas não funciona assim. A luxúria, no fundo, é a ideia de excesso, e implica
transgredir barreiras socialmente estabelecidas ao sexo. Quando essa barreira
era a religião, até o sexo recreativo entre marido e mulher era uma
transgressão. Hoje, obviamente, não é mais. É um consenso no Ocidente que
ter vida sexual é mais saudável do que não ter. Por outro lado, continuamos a
ter barreiras, independentemente de religião. E a luxúria de hoje está em
transgredir essas barreiras. Quando o limite é a privacidade, a luxúria está no
sexo em lugar público – como mostram os eventuais casais flagrados em
praias, parques, construções. Quando o limite é a monogamia, a luxúria está na
troca de parceiros dos clubes de swing. Quando é a higiene, a luxúria está no
sexo “sujo”, traduzido em termos como golden shower (“chuva dourada”, ou
seja, quando um parceiro faz xixi no outro), para ficarmos em um menos
ousado. Quando o limite é o risco de contrair o HIV, a luxúria está no sexo
casual feito ostensivamente sem preservativo. Quando é a integridade física, a
luxúria está em provocar (ou sentir) dor como uma forma de erotismo. Ou seja:
com ou sem religião, o mundo continua repleto de barreiras, e cheio de gente a
fim de rompê-las. Como sempre foi. E sempre será.
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YAVETZ, Zwi. Julius Caesar and his Public Image. Londres: Thames and Hudson, 1983.
Índice
CAPA
Ficha Técnica
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO
UMA HISTÓRIA DE SETE PECADOS
INTRODUÇÃO
NO ESCURINHO DAS RUÍNAS
A DOUTRINA
ÍNDIAS, MULATAS E “VASOS TRASEIROS”
A REVOLUÇÃO SEXUAL DO SÉCULO XVIII
LIBIDO A TODO VAPOR
FRANCESAS E POLACAS: O BRASIL DE PORTOS ABERTOS
A LIBERAÇÃO SEXUAL
O SEXO NOS TEMPOS DE CÓLERA. E DO TINDER
BIBLIOGRAFIA