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ALERTA!

DEFORMAÇÕES EXCESSIVAS

Edifícios expõem patologias de todo tipo, principalmente na alvenaria. Por que as estruturas
estão deformando como nunca?

Houve uma profunda mudança na maneira de construir no Brasil nos últimos dez anos. O concreto
evoluiu, as estruturas e tipologias são mais arrojadas e as alvenarias mais precisas. O processo
construtivo também não é o mesmo, nem o cálculo, nem as técnicas gerenciais. Por isso, novos
fenômenos estão sendo observados nas construções, infelizmente nada bons. Paredes de
vedação estão rompendo, trincas nas alvenarias são visíveis e problemas nos revestimentos são
mais freqüentes. Tudo por causa das deformações imediatas e lentas que, se não previstas,
desencadeiam as patologias.

Controlados muitas vezes empiricamente, os problemas são agora menos comuns que há três
anos, mas deram um susto no mercado. Foram muitos casos. Apesar das ações corretivas, ainda
faltam conhecimentos para entender completamente o que está acontecendo com essas
construções.

Os edifícios de hoje são mais altos e esbeltos, a concepção privilegia grandes vãos, há menos
pilares e as lajes apresentam espessuras reduzidas. Essas características, sem dúvida, trouxeram
implicações e tornaram as estruturas mais deformáveis. Todos concordam também que as
alvenarias ficaram mais rígidas com o advento de blocos vazados mais resistentes e de dimensões
maiores, o que reduziu a capacidade das paredes de absorver deformações. Aí está o paradoxo.

Os revestimentos são como fusíveis: ao estourarem


denunciam problemas que podem ser de
movimentação excessiva da estrutura

O processo de racionalização da construção trouxe também problemas, acreditam os especialistas.


"O enxugamento talvez tenha ido além da conta", suspeita Valério Paz Dornelles, da Tecno Logys,
empresa especializada em projeto e execução de alvenarias. "Agora estamos chegando a um
ponto de equilíbrio, recuperando e atualizando algumas práticas", diz Dornelles. Segundo ele,
algumas construtoras já reduziram a velocidade das obras para cerca de três lajes por mês, para
ganhar em qualidade. Outras até voltaram a fazer o transporte manual do concreto, para não
utilizar concreto bombeável, que tem grande resistência à compressão, mas módulo de
deformação menor.
Juntar conhecimento

Para Dornelles, quando o conhecimento das novas estruturas for maior, poderá se voltar a acelerar
a racionalização. "Nos próximos cinco anos vamos passar por um processo de aprofundamento,
conhecer as soluções e obter mais subsídios para construir estruturas melhores", acredita. É
preciso, segundo ele, entender esse novo modelo, com estruturas geometricamente mais perfeitas
e revestimentos mais finos, e que deve considerar a contribuição da alvenaria de vedação na
resistência do edifício.

De fato, não seria possível imaginar mudanças tão profundas sem que novos comportamentos
surgissem. Para o projetista estrutural Ricardo França, da França e Associados, a visão
integradora é o caminho. Por isso, é necessário repensar a interação estrutura-vedações.
"Acabamos olhando muito para a estrutura e pouco para a alvenaria", alerta França.

As patologias mais comuns relacionadas à deformação na estrutura


acabam se manifestando na alvenaria, como esmagamento de blocos

Para França, além disso, é preciso estudar o concreto, que passou por uma mudança acentuada.
"Trata-se de conhecer as características desse novo material", sugere. "Levar em consideração
apenas a resistência à compressão já não é mais suficiente para prever o comportamento da
estrutura. Nas novas tipologias construtivas, o módulo de elasticidade, a resistência à tração e a
fluência se tornam mais importantes", completa.

O projetista adverte que o concreto em geral atende de uma maneira rasante às especificações,
com as novas condições de controle colocadas. "Há uma grande variabilidade do concreto e, volta
e meia, não dá o resultado esperado. Além disso, parte desse concreto está sendo entregue com
menos cimento", acredita.

O cálculo estrutural também mudou muito com o advento dos software, o que permitiu o
refinamento e sofisticação dos projetos. Entre uma fase e outra, até que o mercado se adaptasse
às novas condições, estabeleceu-se uma zona nebulosa, suspeitam os especialistas. Antes eram
usadas metodologias de projeto adequadas às estruturas menos esbeltas, os edifícios projetados
eram menos sofisticados e de menor número de pavimentos. Quando a altura dos edifícios e o
tamanho dos vãos aumentaram, no início da década de 1990, muitos calculistas continuaram
usando a metodologia de cálculo antiga. Os problemas não demoraram a aparecer.
As tensões causadas pelas deformações na estrutura
podem sacrificar as argamassas de assentamento

"As metodologias para cargas horizontais eram insuficientes ou inexistentes", lembra França.
Segundo o projetista, vários escritórios de projeto não consideravam os efeitos de vento, achando
que a estrutura tinha reservas para resistir. Isso valia para os edifícios baixos e rígidos, embora
não tivessem sido calculados adequadamente. "Mas as reservas foram enxugadas", alerta o
engenheiro.

França enfatiza que a nova norma NBR 6118/03 deixa claro que é obrigatório considerar a ação do
vento, cujo impacto nas estruturas significa um aumento substancial de armaduras. "Claramente, a
estrutura com mais de 25 andares é muito diferente das que eram construídas há dez anos", diz
França. "Também é preciso tomar cuidado para não tornar a estrutura resistente ao vento, porém
anti-econômica", pondera.

Flechas limite

Segundo o engenheiro Milton Rontani, que prepara sobre o assunto uma dissertação de mestrado
para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, sob orientação de Roberto
Nakaguma do Laboratório de Estruturas, os limites de deformação adotados nas estruturas mais
esbeltas continuam, de forma geral, os mesmos das estruturas convencionais. "Na literatura
técnica sobre esse problema, registram-se casos de aparecimento das primeiras fissuras em
alvenarias com flechas da ordem de L/1150 até L/4000", informa Rontani.

No projeto estrutural, a antiga limitação das flechas para os elementos estruturais em L/300 ou
L/500 (NBR 6166/78), adotada como parâmetro pelos projetistas, era incompatível com a maioria
dos sistemas de vedação utilizados. Alvenarias mais resistentes e argamassas de baixo módulo de
deformação acabam funcionando como uma espécie de fusível: quando rompem, alertam para o
problema. "Além disso, as deformações estruturais iniciais tendem a ser maiores em função do
aumento da velocidade de execução da estrutura, períodos menores de escoramento e início
antecipado das alvenarias", explica.
Para facilitar o bombeamento, o concreto é muito mais plástico do que antes,
com poucas britas. Isso influi no módulo de elasticidade do material

O engenheiro realizou uma série de ensaios no IPT com quadros em grande escala sobre o
comportamento das alvenarias. Foram considerados quatro tipos de fixação (encunhamento) na
borda superior da alvenaria (interface com a viga), a fim de analisar também os limites de
deformação especificados em normas para as estruturas de concreto.

Nos ensaios observaram-se várias ocorrências de esmagamento da argamassa de fixação (que


pode estourar o revestimento), ruptura da fiada de respaldo e formação de fissuras formando
bielas de compressão (arqueamento), indicando transmissão de cargas para os apoios.

Novos desafios

Para o projetista de estruturas Nelson Gomes, que há 30 anos estuda as deformações estruturais
e seus efeitos nas alvenarias, a questão é clássica. "Começou a estourar muita parede de vedação
em edifícios com estruturas em pórtico", diz o projetista. Para ele, o assunto tem que ser estudado,
pois as providências que estão sendo tomadas pelas construtoras são apenas empíricas e não
garantem que os problemas não venham a ocorrer.

O ritmo acelerado da obra pode fazer com que fôrmas e cimbramentos


sejam retirados antes do momento adequado

Gomes acredita que hoje se despreza o efeito de contribuição das alvenarias nas estruturas, que
vem sendo estudado desde a década de 40 em vários países do mundo. No caso brasileiro, o
advento dos blocos vazados, tanto de cerâmica como de concreto, colaborou para as patologias
sem que essa mudança fosse estudada. Quando os edifícios eram mais baixos e tinham vãos
menores, não havia tantos problemas, segundo Gomes. "Depois, tornou-se uma questão séria. Por
isso, sou contra a apologia dos grandes vãos e poucos pilares."

Outra causa importante das deformações, como já foi citado pelos especialistas, é o concreto.
"Antes, o concreto na obra tinha brita 1 e brita 2, o que influi bastante no módulo de elasticidade",
enfatiza Gomes. "Hoje, o concreto é um argamassão, com pouca brita, que precisa deslizar para
que possa ser bombeado, além de ter muito superplastificante", define Gomes.

O engenheiro destaca ainda que os concretos atuais, aos sete dias, têm uma resistência à
compressão alta, pois as reações são muito rápidas, mas não apresentam as reservas de
resistência que apresentavam os concretos de tempos atrás. Por isso, defende o engenheiro, os
novos concretos deveriam ser mais estudados e passar por outros crivos, pois se comportam de
uma maneira que a maioria dos projetistas desconhece. "Acredito que a NBR 6118/03 já merece
um anexo", sugere Gomes.

O engenheiro Milton Rontani desenvolveu um sistema de ensaios de paredes em verdadeira


grandeza (4,60 x 2,60 m). Para simular os reticulados estruturais foram construídos dois quadros
metálicos preenchidos com alvenaria de blocos cerâmicos

Corrida contra o tempo

Por todas essas razões, a execução torna-se uma etapa fundamental para minimizar as patologias
decorrentes de deformações. Depois de fazer apologia do ciclo cada vez mais curto, o mercado
começa a rever esse comportamento. Já existe a consciência de que não se deve carregar a
estrutura precocemente e dar um tempo razoável para que ocorram as reações do cimento.
Quanto mais curto o ciclo de execução, mais a estrutura sofre.

O projetista Ricardo França lembra que, se o concreto é maltratado durante a execução da obra, a
resistência à tração é muito afetada. "A resistência à tração depende da interface entre o agregado
e a argamassa, por isso deve-se tomar cuidado com a cura", alerta França. "Como as
microfissuras só aparecem em microscópio eletrônico, ninguém dá importância", ressalta.

Muitas construtoras começaram a tomar precauções para amenizar as deformações. A Sinco


Construtora, de São Paulo, orgulha-se de executar as estruturas dos seus edifícios com muito
critério e vários cuidados. Segundo o diretor da construtora, Paulo Sanchez, quando muda o
patamar tecnológico, é preciso mudar também o processo. Por isso, assim que a construtora
constatou problemas com a alvenaria, ampliou o tempo de escoramento de lajes e vigas.
Os ensaios simularam o carregamento das vigas superiores, impondo deformações controladas,
com o uso de macacos hidráulicos. Nos ensaios realizados para sua tese, na situação de
esmagamento da argamassa de fixação, alguns quadros apresentaram uma relação flecha¿vão
que varia de 1/1.100 a 1/1.600

O meio técnico ainda não considera com tanto cuidado


a contribuição das alvenarias nas estruturas

"O mercado todo escorava e reescorava a laje e deixava um escoramento e uma linha de
reescoramento durante duas semanas", conta Sanchez. "Começamos a perceber que isso não era
eficiente. Depois de 15 dias a laje continuava a se deformar. E como ninguém conhecia o
problema, resolvemos nos precaver", conta Sanchez.

Hoje a Sinco conseguiu diminuir os efeitos da deformação imediata e da lenta. "Cuidamos melhor
da estrutura, fazemos uma cura cuidadosa e deixamos as lajes e as vigas escoradas por muito
mais tempo, em torno de 30 a 40 dias", explica Sanchez. Para o escoramento de cada laje a
empresa adota 100% de escoramento durante três semanas e mais duas de escoramento residual
com 50% das escoras mantidas" conta Sanchez. "No total são cinco semanas de escoramento e
ciclos de cinco andares." Portanto, deixamos cinco andares escorados."

Apesar de as medidas terem surtido efeito, Sanchez lamenta não conhecer melhor os efeitos da
deformação. "Com mais escoramento, preciso de mais tempo e não posso entrar com os serviços
seguintes antes do prazo", diz Sanchez. "Tenho executado as vedações somente na quinta ou
sexta semana, o que prejudica a velocidade e aumenta os custos da obra."
A NBR 6118 obrigou os projetistas estruturais a considerarem a ação do vento nas edificações. As
cargas horizontais estão entre os elementos mais importantes em construções de estruturas
esbeltas e muito altas

A cura, segundo ele, é um ponto fundamental. Para o concreto atingir as características


contratadas e para que o cimento consiga ter tempo para desenvolver todas as suas propriedades,
a Sinco realiza cura úmida.

Tanto as deformações lentas quanto as instantâneas são uma preocupação de todas as


construtoras hoje. Apesar de o concreto ter evoluído, não foram tomados cuidados com relação à
deformação, de acordo com Sanchez. "Talvez tenhamos que dar um passo atrás, fazer uma
análise e verificar, por exemplo, como os aditivos mudam as propriedades do concreto",
recomenda. "O mercado precisa encontrar as respostas para as patologias", defende Sanchez, que
também é vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da
Construção Civil do Estado de São Paulo).

Projeto e execução cuidadosa da alvenaria podem torná-la


mais apta a absorver os esforços causados pelas deformações, reduzindo o risco de patologias

Ensaio de carregamento e deformações realizado no edifício Mandarim, em São Paulo.


Dados contribuirão para monitorar desempenho de alvenarias
Estudo in loco

A Tecno Logys, empresa especializada em pesquisa e desenvolvimento de sistemas construtivos,


está realizando, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Alvenaria Estrutural da Unesp de Ilha
Solteira, coordenado pelo professor Jefferson Camacho, um estudo para avaliação da
deformabilidade de vigas e lajes e seus efeitos nas alvenarias de vedação. Nesse momento, os
estudos estão sendo realizados no edifício Mandarim, de 40 andares, construído pela Cyrela.

Valério Paz Dornelles, diretor da Tecno Logys, conta que a medição da movimentação de painéis
de lajes e vigas é feita diariamente, a partir de pontos fixos. "Começamos a medir as deformações
quando a estrutura estava no 15o andar, desde a fase de concretagem, escoramento, até a
execução da alvenaria de vedação. Ainda não fechamos os dados, portanto, não tenho ainda um
relatório final. Mas as deformações têm sido bem menores que as previstas em projeto", explica
Dornelles.

O trabalho que está sendo feito no edifício Mandarim tem como objetivo estudar a interface
estrutura-alvenaria. "Existem poucos dados a respeito disso. Mas sabe-se que hoje as alvenarias
de vedação recebem de 1,5 MPa a 2 MPa. Nos ensaios que estamos realizando na Unesp, a
alvenaria recebeu cargas de até 2,5 MPa. No Mandarim, as deformações não ultrapassam o
previsto em cálculo", diz. E isso por causa dos cuidados que a construtora vem tomando na
execução das estruturas e das alvenarias. É feita a cura úmida e o escoramento permanece por 28
dias. São impostos critérios e limites.

Camacho explica que o estudo pretende avaliar a real deformabilidade de alguns panos de laje,
relacioná-los com os eventos da própria obra, como a execução das alvenarias, revestimentos e
retiradas de escoramentos. "Depois, vamos comparar os resultados das deformações reais com as
previsões obtidas com o modelo de cálculo adotado. A idéia é levantar informações que permitam
prever de modo mais eficiente a deformabilidade dos panos de lajes, que pode provocar,
dependendo de sua magnitude, patologias nas alvenarias e revestimentos."

Segundo Dornelles, essa pesquisa irá fornecer dados para futuras simulações em laboratório, que
servirão para observações sobre comportamento das alvenarias. Os resultados deverão aparecer a
médio e longo prazos: "Se no meio do caminho surgirem dados relevantes para o aprimoramento
das técnicas construtivas, pretendemos utilizar e divulgar para a comunidade", esclarece o diretor
da Tecno Logys. "De modo geral, as construtoras e o consumidor final também poderão aproveitar
os resultados das pesquisas, pois a aplicação dos novos conhecimentos deve melhorar os níveis
de segurança e conforto das edificações e, principalmente, reduzir patologias."

Texto Heloísa Medeiros

Téchne 97 - abril de 2005

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