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R : O primeiro problema desse tipo, de que tenho notícia, foi em 1985; há 20 anos. Mas até 1993 /
1994, eram casos esporádicos. Algum tempo depois, os episódios começaram a tornar-se
freqüentes. Como consultor, tenho dezenas de laudos e pareceres sobre mais de 80 edifícios com
problemas sérios de estouro de alvenaria e patologia em revestimentos, por causa da deformação
excessiva. Em 1997, fiz as primeiras apresentações, sobre o assunto, na Abece (Associação
Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural), no Instituto de Engenharia e no Secovi.
R : Acredito que há uma incompatibilidade, um divórcio, entre a estrutura e a alvenaria. Assim que a
parede é encunhada, os dois sistemas se casam e passam a trabalhar conjuntamente, em relativo
equilíbrio. No entanto, se as movimentações diferidas no tempo (deformação lenta, fluência) forem
excessivas, pode ocorrer uma ruptura desse equilíbrio. O fenômeno adquiriu amplitude epidêmica,
porque as estruturas, de maneira geral, tornaram-se muito mais deformáveis, induzindo tensões
nas vedações, de uma magnitude tal, que as alvenarias não têm condições de absorver.
R : A racionalização tem um limite e esse limite foi ultrapassado poucos anos após o Plano Real,
pois o custo de produção passou a ser um fator essencial para o sucesso dos empreendimentos.
Nós, na universidade, incentivamos muito os conceitos de racionalização e conseguimos colaborar
para que as estruturas e as alvenarias passassem a ser executadas com maior precisão
dimensional. Dessa forma, passou a ser possível executar revestimentos de pequena espessura.
Em paralelo, a evolução acentuada dos métodos de cálculo estrutural possibilitou o
dimensionamento de estruturas mais esbeltas. Tudo isto trouxe um alívio de cargas muito grande
nas edificações, pela redução do volume de materiais empregados. O lado ruim é que as estruturas
tornaram-se mais deformáveis e as vedações mais suscetíveis às patologias.
Pode-
Pode-se afirmar que o problema está equacionado ?
R: Ainda não. Temos uma incógnita para resolver: o concreto. Nessa busca de redução de custos,
ocorreram mudanças significativas na dosagem dos concretos estruturais, nos últimos 12 a 15
anos. Sob o aspecto de custo, essas mudanças foram muito positivas, mas o desempenho global do
material endurecido ficou prejudicado. Os fornecedores conseguiram desenvolver um “novo”
concreto, que utiliza agregados finos como a areia rosa e o pó-de-pedra, com teores de cimento
muito menores. Esse concreto atende o requisito de especificação de resistência, mas é diferente.
O concreto mudou ?
R: A tecnologia permitiu desenvolver um concreto com baixo teor de cimento e com teores de
“clínquer” muito menores que os usados até então. Essas alterações podem ocasionar problemas
de deformações excessivas em peças que trabalham à flexão e dimensionadas no estádio 2, devido
às micro fissurações resultantes. Apesar de atender à resistência à compressão especificada, o
que pode ser comprovado nos ensaios, esse concreto – que tem menos cimento e uma outra matriz
– pode ser mais suscetível à deformação lenta, em peças fletidas. Houve também um aumento do
teor de argamassa no concreto, pela necessidade de bombear o material e transformá-lo. O quanto
essa e outras alterações interferem na deformação lenta, é uma incógnita.
R: Quando o concreto exibe baixo módulo de elasticidade, o problema pode ser identificado mais
facilmente, pois pode provocar deformação instantânea excessiva. Então, a partir do momento em
que se ensaia o módulo e se impõe um valor mínimo, consegue-se evitar deformações elásticas
inadequadas, Mas a deformação diferida no tempo, conhecida como deformação lenta, continua
atuando e seus efeitos se somam. O equilíbrio é alcançado apenas cinco a seis anos depois da
entregue a obra. Por isso o efeito não pode ser avaliado em curto prazo.
R: Exato. As alvenarias podem apresentar fissuras ou até romper, porque não suportam toda a
deformação induzida pela estrutura, ao longo do tempo. Os revestimentos também podem se soltar
ou fissurar, como resultado da deformação induzida na alvenaria sob tensão. Se forem mais rígidos
que a alvenaria, como argamassas industrializadas, a chance de isso ocorrer é elevada. As
deformações também podem provocar danos na impermeabilização, tubulações e esquadrias.
R: Depende muito dos fornecedores de concreto. Eles continuam dosando o material sem
considerar a deformação lenta potencial como uma das variáveis. Esse fenômeno não é avaliado,
experimentalmente, no processo de dosagem. As construtoras sérias sofrem muito com isso, pois
quando as patologias acontecem, precisam assumir a responsabilidade e arcar com os prejuízos,
por causa da imagem.
Não existe controle dessa dosagem ?
R : As construtoras não têm controle do material que recebem, pelo menos das propriedades, que
não são avaliadas no recebimento. Quando se compra concreto, especifica-se, apenas, a
resistência à compressão e o módulo de deformação (que avalia a deformação instantânea
potencial), mas não se estabelece um parâmetro que limite a deformação lenta. Portanto, é
necessário avaliar, previamente, essa característica. E a liderança, nesse processo, tem que ser
assumida por todo o setor envolvido na produção do concreto. O “novo” concreto, com CP III e
agregados finos, pode ser muito bom como pode ser uma bomba-relógio. A única certeza é que o
desempenho futuro é uma incógnita.
Quer dizer que só a resistência não é suficiente para prever a deformação lenta ?
R : Correto. O problema é : como o construtor pode se precaver contra os problemas se não tem
nenhuma informação à respeito das deformações ? Se eu conheço qual será a deflexão final de uma
viga, posso mudar algumas configurações na alvenaria, como o encunhamento; ou posso empregar
uma argamassa mais flexível nos revestimentos. Ou seja: dispomos de mecanismos para controlar
o fenômeno e evitar problemas, desde que consigamos prever o que vai acontecer.
R : As construtoras insistiram, junto à ABCP, para estudar o problema, por ser a entidade
fomentadora do desenvolvimento das tecnologias de uso do cimento Portland. Solicitaram,
também, que não fossem produzidos concretos, com essas características, enquanto os estudos
não avançassem. Como a entidade não atendeu às solicitações, as empresas e consultores
decidiram continuar os estudos prospectivos. Numa segunda etapa, o objetivo é tentar identificar
quais variáveis, na produção do concreto, apresentam maior significância em termos de
deformações diferidas. Se for possível identificar algum fator de grande relevância, ele será
divulgado.
E qual a expectativa ?
R : Não devemos ter grandes expectativas, pois o assunto é complexo e apenas estudos
prospectivos não são suficientes para gerar conclusões. Entendemos que o mais produtivo seria
realizar uma pesquisa ampla, envolvendo diversas instituições, para podermos orientar todo o meio
técnico sobre como especificar o concreto e como dimensionar as estruturas, conhecendo esse
novo comportamento do material.
Há notícia desse problema em outros países ?
R : Em outros países o dimensionamento estrutural leva em conta a deformação lenta, com base em
parâmetros normativos. O conhecimento existe, mas talvez não seja aplicável, pois utilizamos um
concreto diferente.
Diferente e desconhecido ?
R : Os profissionais que se obrigam a obedecer a um código de ética devem recusar ações que não
se fundamentam no conhecimento vigente. Quando a sociedade compra um produto, supõe que é o
resultado da melhor técnica e de conceitos cientificamente inquestionáveis. Mas nós sabemos que
isso não é verdade; nem possível. Falta conhecer muita coisa. Nos pareceres técnicos que fizemos,
conseguimos evitar que queixas se transformassem em demandas judiciais, mostrando que as
patologias não resultaram de ações tecnicamente questionáveis, mas eram resultado de fatores
imponderáveis, decorrentes da busca pela evolução construtiva.