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Celso Halperin**
Lisiane Milman Cervo**
Caroline Milman***
Astrid Ribeiro****
Eliane Nogueira****
Ester Litvin****
2 – Outro ponto que nos despertou muito interesse nesse trabalho foi
o seguinte: Winnicott nos coloca que o Elemento Feminino, base para o
Ser, constitui-se a partir da identidade mãe/bebê; identidade essa que ainda
Celso Halperin et al.
não comporta uma diferenciação entre o Eu e o Não-Eu. Não havendo se-
paração entre sujeito e objeto, ainda não há lugar para o elemento instintivo
ou pulsão. Portanto, se a pulsão só tem espaço, nessa concepção de apare-
lho mental, a partir da separação do Eu e Não-Eu, Winnicott questiona aqui
um dos paradigmas da psicanálise freudiana, qual seja, de ser a pulsão a
propulsora, o fundamento do aparelho psíquico. Poderíamos, então, fazer
um exercício crítico e questionarmos:
Se o Ser se dá pela unidade mãe/bebê, não estaria o bebê sob influên-
cia não só do Ser da mãe, como propõe Winnicott, mas também sob a in-
fluência das pulsões da mãe? Ou seja, não está o bebê investido pela pulsão
como objeto sexual da mãe desde os primórdios?
Claro que, ao ressaltarmos que também há um instinto pulsional ma-
terno, ou seja, que há a presença de elementos masculinos presentes desde
os primórdios, estamos questionando a afirmação da primazia temporal
dos elementos femininos sobre os masculinos, ainda que reconhecendo que
a chamada “destilação”, ou “isolamento” dos elementos masculinos e fe-
mininos, se presta a uma mais fácil compreensão clínica na questão de
gênero do que na questão de estruturação do aparelho psíquico.
3 – Por outro lado, ficamos inquietos frente a uma proposição teórica
como a de Winnicott, que de alguma forma questiona o primado freudiano
das pulsões. Ainda que Winnicott coloque o Ser como prévio às pulsões,
também ele, ainda que sem muita ênfase, acena com a possibilidade de um
instinto vital presente nos tecidos, parecendo buscar uma origem ou fun-
damento biológico para o surgimento do Ser. Disso tudo, parece que tal
como Freud, que coloca as pulsões como a mitologia da psicanálise (32.ª
Conferência Introdutória, 1933), nós todos somos presas ou reféns de um
modelo de pensamento em que se fazem necessários a causalidade, o co-
nhecimento da origem, mesmo que mitológica. Caberiam aqui algumas
considerações: na civilização grega antiga, berço do pensamento ocidental,
o fundamento era o Logos. Logos aqui entendido como um sistema de rela-
ção (de coisas, de palavras, seres, etc) feito sob determinado critério
(SCHÜLER, 2000). Se pensarmos o Logos como uma relação, um conjunto
de palavras, por exemplo, estamos falando do Logos como um discurso.
Esse discurso tende sempre à união, à harmonia dentro do universo do ho-
mem grego, ou seja, na natureza. Alias, para os gregos, tudo era compreen-
dido como fazendo parte da natureza. Não existia a questão da origem no
sentido linear como estamos acostumados a pensar. Os homens, os mitos,
as histórias, os deuses; enfim, o universo era compreendido como fazendo
parte da natureza em um perpétuo movimento, em uma circularidade como
tão bem fundamenta Herácilto, segundo Schüler (2000). Há uma
circularidade, não uma lineralidade com uma origem determinada. No pen-
samento grego, o Zero (0) não é considerado como alguma coisa. Pitágoras
começa seu sistema a partir do Um (1). Zero não é nada, é coisa alguma.
Assim, nada não existe, pois a natureza é coisa alguma, é o Um. A partir da
aproximação do pensamento grego com o pensamento judaico, a noção de
origem, de criação, chega ao ocidente. Para o judaísmo, e mais tarde para
o pensamento judaico/cristão, o fundamento é a criação do mundo por
Deus. Deus, uma entidade fora do Universo, tem o poder de operar a trans-
formação do Zero ao Um. Deus é o criador. O Zero, que não existia para os
gregos, passa a existir para justificar o aparecimento do Um. Quem faz a
transformação? Deus. Assim, vai se cristalizando na nossa civilização um
modelo de pensamento linear que busca sempre a origem. Seja no pensa-
mento, seja na religião, na ciência, na mitologia, etc.
Qual é a origem do universo? O big-bang. Qual a origem do big-
bang?
Qual é a origem do aparelho psíquico? As pulsões. Qual é a origem
das pulsões?
Qual é a origem do Ser? O impulso vital. Qual é a origem do impulso
vital?
Com tudo isso queremos apenas poder pensar que o questionamento
do primado das pulsões, feito por Winnicott, não é um ataque à psicanáli-
se nem a Freud. Mas traz à psicanálise todo um questionamento filosófico,
trazido por Derrida (1967), que nos fala, a partir da desconstrução, de um
outro fundamento: “Já não mais o Logos, não mais o criador e criatura, mas
Celso Halperin et al.
uma nova circularidade dada pela permanente desconstrução, desconexão,
descentralização de qualquer conceito ou verdade dada, para uma contínua
reconstrução”. Ou seja, não se busca mais a origem, o início de tudo, o
Zero. Há um permanente movimento de desconstrução e reconstrução sem
que exista, necessariamente, essa questão.
Talvez isso nos traga algumas angústias, mas também pode nos esti-
mular e liberar para outros modelos teóricos de pensamento que repercu-
tam ou coincidam com muito da nossa clínica atual.
Abstratc: This paper seeks a connection on how the bisexuality is seen in Freud’s work
(in which the repression plays a crucial role), and the Pure Masculine and Feminine
Elements in Winnicott´s work (in which the dissociation is the cornerstone). Winnicott
develops an idea of bisexuality that goes beyond the issue of gender, assigning a new
meaning to it: the feminine element, which is linked to the experience of BEING, and the
masculine element that is the ground for DOING. Based on these references, the authors
try to understand this model of thinking adopted by Winnicott, in which there would be a
psychic state of BEING prior to the drive, questioning one of the psychoanalysis paradigms:
the prevalence of the instinctual drive.
Key-words: Bisexuality. Being. Doing.