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Livro - Teorias e Sistemas Psicologicos Iii
Livro - Teorias e Sistemas Psicologicos Iii
PSICOLÓGICOS III
autoras
JESIANE MARINS E
MARINA MELES
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
isbn: 978-85-5548-142-0
cdd 150.1
1. O Existencialismo 5
2. Fenomenologia 35
3. O Gestaltismo 59
OBJETIVOS
Vai ser bastante valoroso você saber quais foram os fatos e acontecimentos históricos que
influenciaram o pensamento existencialista, dentre os quais podemos citar desde as Grandes
Guerras Mundiais até a Fenomenologia de Husserl. É uma abordagem muito rica e complexa!
Você vai poder diferenciar os pressupostos que marcaram o pensamento de:
• Kierkegaard, que traz a necessidade da apropriação subjetiva da verdade, além dos três
estágios da existência humana - Estético, Ético e Espiritual;
• Heidegger, trazendo o conceito de Daisen (ou ser-no-mundo), ou seja, antes da consciên-
cia existe o próprio homem;
• Sartre, com sua concepção de homem, que nada mais é do que aquilo que se projeta ser.
Para ele, você vai perceber que não existe determinismo, o homem é livre.
É interessante perceber que, cada um destes autores, possuem conceitos próprios, mas carre-
gam algo em comum: qual o modo de ser do homem no mundo?
Vamos lá?
6• capítulo 1
1.1 Introdução ao existencialismo
Surgido no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais (de 1918 a
1945), o existencialismo foi um movimento filosófico e cultural que se localizou
no eixo Alemanha/França. (SÁ, 2013) O contexto em que o mundo encontrava-
se, devido às sequelas do conflito, era de uma crise geral, tanto política, social,
econômica, moral como também financeira. Esta experiência de guerra trouxe
desânimo e desesperança, que alcançaram principalmente os jovens, que esta-
vam incrédulos dos valores burgueses e da aptidão do homem em resolver de
maneira lógica as incoerências da sociedade.
GILES (1975) contextualiza também o cenário histórico em que surgiu o
existencialismo. O século XIX surgiu cheio de esperanças no homem, que dava
crédito ao futuro da ciência, com a certeza de um progresso da civilização, já
que esta se encontrava engrandecida pelas descobertas técnicas, além de crer
em uma verdade absoluta envolta numa razão clara e distinta. O positivismo
era a promessa de uma nova era. Entretanto, o século XX irrompe como um
tempo de dúvidas, sofrimento e desilusão. No século XIX enxergava-se clareza,
simplicidade e praticidade, já no século XX havia enigma e escuridão. Sob es-
tes termos que estes filósofos visavam repensar essa existência aparentemente
gratuita, da qual sentiam repugnância.
PENHA (2004) continua narrando que o existencialismo desponta e progri-
de neste contexto, repercutindo largamente, já que demostrava trazer as res-
postas para o momento histórico que surgia posterior à guerra. Claramente,
esta foi a causa deste movimento ter se propagado tão depressa. Ultrapassando
o âmbito acadêmico, o existencialismo transformou-se em um estilo de vida,
um jeito de se comportar.
A fama dos existencialistas era envolta em julgamentos de que esta reflexão
filosófica envolvia morbidez, amargura, intuito de cultivar as facetas sórdidas
da existência humana, focando-se nas exceções da vida humana. Cobertos de
injúrias, os existencialistas refutavam esta tese sustentando que o comporta-
mento deles não deveria ser avaliado por meio dos padrões vigentes, já que eles
possuíam um projeto de impelir os fundamentos de uma nova moral. (PENHA,
2004)
EDWALD (2008) aponta que o que une estes pensadores, que embora fos-
sem muito individualizados em suas concepções filosóficas, é a filosofia que é
desenvolvida e exercida como análise da existência, sendo que a existência quer
capítulo 1 •7
dizer o modo de ser do homem no mundo. O existencialismo então é questio-
nador do modo de ser do homem, e por julgar este modo de ser como modo de
ser no mundo, questiona também o próprio ‘mundo’, sem por isso conjecturar
o ser como já formado, constituído.
8• capítulo 1
foi considerada a verdadeira “ideia” das coisas atemporais e suprassensíveis e
vigorou no pensamento filosófico até a nossa época. “Em virtude dessa valori-
zação da essência em detrimento da existência, se diz que a tradição filosófica,
ou metafísica, do Ocidente é essencialista.” (IDEM, p. 365)
No século XIX, toda essa tradição metafísica, que sempre pautou a realida-
de em ideias abstratas e universais, foi alvo de críticas ferrenhas de Friedrich
Nietzsche (1844 – 1900) e Sören Kierkegaard (1813 – 1855), considerados pio-
neiros do existencialismo moderno.
M. Stirner – ex-hegeliano e rigoroso crítico de Hegel – é outro precursor bem
definido do movimento existencialista. Com o surgimento do método fenome-
nológico, no início do século XX, houve a expectativa de que se pudesse propi-
ciar a descrição da existência concreta em uma exatidão ainda não galgada. Há,
entretanto, uma diferenciação entre os que estabeleceram para a descrição do
existente, ou das maneiras de existir, o método fenomenológico dos que em-
preenderam uma descrição da existência voltando-se para uma ontologia ou
antropologia existencialista. Para o primeiro caso, podemos citar K. Jaspers e
no segundo, Heidegger e Sartre.
capítulo 1 •9
Podemos definir o existencialismo como:
O conjunto de doutrinas segundo às quais a filosofia tem como objetivo a análise e des-
crição da existência concreta, considerada como ato de uma liberdade que se constitui
afirmando-se e que tem unicamente como gênese ou fundamento esta afirmação em
si. (JOLIVET, apud FIGUEIREDO, 2010, p.187)
CONEXÃO
A fenomenologia de Husserl teve influência na obra existencialista. Podemos relembrar seus
principais conceitos com a leitura do livro “Introdução à Fenomenologia”, de BELLO, A.A.
Neste livro, podemos entender mais profundamente o conceito fenomenológico de redução,
ou epoché, além de outros pressupostos como intencionalidade da consciência e chegar “as
coisas mesmas”. Vale a leitura!
Ainda sobre esta autora, o existencialismo surge, então, com uma visão do
homem como ser-no-mundo. A valorização do homem passa a envolver a sua
própria subjetividade, liberdade e responsabilidade por suas escolhas.
Podemos definir o existencialismo também como uma corrente filosófica –
a mais discutida nas décadas de 1940 e 1950 – que significava fatos ou pessoas
que se distanciavam do pensamento usual, através da transgressão de regras
estabelecidas. (PENHA, 2004)
1 Redução fenomenológica: consiste em suspender todos os preconceitos, valores, teorias cientificas e crenças
pré-existententes. (LIMA, 2008, p.4)
10 • capítulo 1
Friedrich Nietzsche, Sören Kierkegaard, Martin Heidegger e Jean Paul
Sartre são os mais proeminentes pensadores existencialistas. Adiciona-se
Buber e Binswanger, que também cooperaram com ideias e pensamentos
existencialistas.
Você sabia que há uma opinião bastante propagada de que na filosofia existencialista,
justamente pela essência de seus temas, as contribuições pessoais prevalecem sobre
as outras circunstâncias? Isso ocorre devido ao fato de haver vários tipos de existencia-
lismos, sendo que cada um deles equivale a um autor específico, à sua noção subjetiva
das questões humanas e aos pormenores da vida particular de cada filósofo. “Por isso
mesmo, o existencialismo seria menos uma doutrina, no sentido próprio do termo, do
que um filosofar, uma maneira de o homem se expor a si mesmo, reconhecendo-se
autenticamente neste ato” (PENHA, 2004, p.15). Assim, o existencialismo seria a ma-
nifestação de uma experiência única, individual, um modo de pensar fundamentado por
uma situação muito singular.
As influências de Kierkegaard
capítulo 1 • 11
homem está sempre se construindo, é criador de si mesmo e da sua própria
essência. Deus surge como quem dá ao homem a vocação e a existência, junta-
mente com seu ímpeto para o crescimento e desenvolvimento. E a maior reali-
zação do homem é justamente reconhecer-se e tornar-se aquele que é diante de
Deus. Assim também foi percebido por Kierkegaard: o homem é criador de si.
Também reputado por alguns estudiosos como o precursor do
Existencialismo, Kierkegaard é porventura o pensador de maior saliência na
corrente existencialista por exercer influência em todos os filósofos fenome-
nológicos-existenciais. A busca deste filósofo é pela existência autêntica; sendo
que todo conhecimento deve enlaçar-se irrecorrivelmente à existência, à sub-
jetividade, em nenhuma vez ao abstrato, ao racional, e, se assim fizer, falhará
no propósito de penetrar no sentido profundo das coisas, por conseguinte, de
alcançar a verdade. “Segundo Kierkegaard, nada é uma verdade em si mesma,
mas depende de como a pessoa percebe e se relaciona com o objeto ou o fato.
Há um envolvimento do sujeito com a verdade. E assim, a verdade está no pró-
prio existir, no eu.” (LIMA, 2008, p.32)
JANSEN & HOLANDA (2012) relatam que o estilo de Kierkegaard era bastan-
te marcado por metáforas, além de ser extremamente sarcástico. Ele não se ca-
racterizou por escrever sobre o mundo, ou sobre as explicações que pudessem
advir disto; seu foco foi a vida humana, a existência e o ser-existente, abarcando
assim o desespero, a fé, o amor, a angústia, entre outros. A sua vontade era dis-
correr sobre a existência concreta, e não sobre uma busca de essência.
A única realidade que interessa de fato o indivíduo é a realidade singular e
concreta. A própria realidade é a única que o indivíduo pode conhecer. A apro-
priação da realidade só se dá de forma subjetiva. O universal nada mais é que
mera abstração do singular. O homem então para Kierkegaard “é espírito, é a
síntese de finito e infinito, de temporal e eterno, de liberdade e necessidade.
(...) O espírito é o eu. O eu é aquele que não estabelece relação com nada que lhe
é alheio.” (PENHA, 2004)
12 • capítulo 1
O ser do homem consiste em sua própria existência singular, sua subjetividade, que
é pura liberdade de escolha. Por isso a filosofia não se reduz à construção de siste-
mas abstratos, à especulação conceitual e à descrição de essências ideais; filosofar é
afirmar a existência enquanto liberdade e assumir a responsabilidade pelas próprias
escolhas. Vemos, portanto, que o primado tradicional da essência sobre a existência
é radicalmente invertido por Kierkegaard, justificando, assim, a opinião amplamente
aceita de que esse filósofo e teólogo dinamarquês é o principal e mais direto precursor
do existencialismo. (SÁ, 2013, p. 365)
capítulo 1 • 13
Este pensador separa a existência em três estágios – Estético, Ético e
Espiritual – segundo LIMA (2008), que são descritos a seguir:
1. Estético – dirigido para o prazer. Está atrás de sentido para sua existên-
cia. Convencido de que é absolutamente livre, o indivíduo se rende aos praze-
res e sensações, usufruindo e desfrutando, vivendo direcionado aos impulsos.
Porém, quando se encontra neste estágio, o homem se enlaça a uma existência
vazia, que leva a frustração e a insatisfação, desembocando no desespero. Este
desespero relaciona-se inconscientemente ao fato de se ter um eu. “O eu é uma
relação, que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas consigo
própria. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele consiste no
orientar-se dessa relação para a própria interioridade”. (KIERKEGAARD, apud
LIMA, 2008, p. 32)
GILES (1975) ainda traz que este estágio é de completa procura nos praze-
res e também no conhecimento, da âncora da existência. O homem permanece
sob o domínio completo dos sentidos e dos sentimentos e há a sensação de
que, idealmente, é capaz de tudo, é capaz de infindada subjetividade. Mas, o
que realmente ocorre é edificação de um mundo ilusório que é negado pelos
critérios da própria subjetividade.
PENHA (2004) acrescenta a este estágio o fato de que não há razões ló-
gicas que ordenem como deve ser encaminhada a vida de cada pessoa.
Racionalmente, não há motivos que justifiquem esta ou aquela forma de viver,
ou seja, não há critérios que instituam esta ou aquela forma de viver. Apesar
disso, em seu interior, o homem tem conhecimento de que agir de acordo com
seus impulsos pessoais não lhe acarreta satisfação. Frustrado, é tomado pela
melancolia e tédio. Caindo no desespero, o homem alcança o estágio seguinte.
Kierkegaard aponta que ato de desespero é o apogeu da angústia, embora
não seja obrigatoriamente um prejuízo para o homem. Entrar na angústia é
possibilidade de cura. O desespero pode ser tanto um proveito como uma in-
correção, na mais incontestável dialética. Quando se encontra no desespero, o
homem caminha para o estágio seguinte, que é o ético. Enquanto o homem que
se mantém no estágio da Estética tem o centro da realidade fora de si, o homem
que passa para o estágio Ético o tem em si. (LIMA, 2008)
2. Ético – alia paixão e razão, reajustando-se o social. Ao atingir este está-
gio, o homem deixa o marasmo existencial, mas ainda mantém sua individua-
lidade, o que impede que ignore os requisitos do mundo exterior, que vem en-
volto em normas e convenções. Estes limites estabelecidos pela sociedade não
impedem que a personalidade do indivíduo mantenha-se livre neste estágio.
14 • capítulo 1
Entretanto, Kierkegaard indica que é impossível achar realização existen-
cial plena neste estágio, já que é exatamente nele que emerge o grande embate
entre as exigências da interioridade e da universalidade.
O homem toma consciência de ser responsável, mas esta conscientização
vem juntamente com o peso do universal, ou seja, da necessidade de tomar
para si a forma da existência que a coletividade impõe, porque ele é submetido
à lei em toda sua generalidade.
Neste estágio, a personalidade de cada pessoa mantém-se livre, entretan-
to esta liberdade é estabelecida dentro dos limites impostos pela sociedade.
(PENHA, 2004)
3. Espiritual – junção com a espiritualidade pra atingir a existência hu-
mana. Somente neste estágio é possível encontrar-se com sua existência plena.
Deus transforma-se na norma e modelo do indivíduo, sendo que é o formato
exclusivo capaz de realizá-lo inteiramente. Neste estágio, a ação não necessita
mais de ordem racional.
GILES (1975) denomina este estágio de religioso, e o caracteriza como a en-
trada do indivíduo em um relacionamento particular com o Absoluto. É quan-
do ocorre o domínio da grande solidão, é quando Deus se torna a regra do in-
divíduo. Por não se basear em consequências sociais e históricas, mas sim na
justificação individual e instantânea, este estágio não se caracteriza por crité-
rios, nem justificativas.
O autor supracitado ainda traz que o salto para o estágio religioso será re-
cheado de combate constante, já que a fé revela-se uma conquista constante
sobre a dúvida. Não há espera em relação a entendimento, há sim uma relação
de resignação infinita. Há neste momento um duplo movimento dialético, pois
depois desta resignação infinita, o homem novamente vive o finito, mas des-
ta vez dentro do panorama do Absoluto, e este relacionamento independe de
racionalidade.
O intuito de descrever os estágios acima está ligado ao fato de Kierkegaard
procurar uma explicação para a sua existência. Suas ideias então visam edifi-
car a dialética2 percebida nesses estágios. Para ele, o homem transita por es-
tes estágios no decorrer da vida, iniciando pelo estágio Estético até chegar ao
Espiritual.
2 Dialética: Arte do diálogo ou da discussão, que num sentido laudativo, como força de argumentação, que num
sentido pejorativo, como excessivo emprego de sutilezas; desenvolvimento de processos gerados por oposições que
provisoriamente se resolvem em unidades. (FERREIRA, A. B. H., 1996, p. 585)
capítulo 1 • 15
Na realidade, tudo é dialética no pensamento de Kierkegaard. Esta transpo-
sição que leva o indivíduo de um estágio para outro é dialético, já que este salto
é, ao mesmo tempo o abismo e o ato que o transpõe (LIMA, 2008).
As influências de Heidegger
16 • capítulo 1
ontológica3 – de investigar a essência dos entes – converte-se em uma questão
hermenêutica4. Intitulado por Heidegger de “fenomenologia hermenêutica”, o
método empregado neste questionamento ontológico difere do sentido trans-
cendental definido por Husserl quando não advém de algum a priori transcen-
dental, mas sempre de interpretação. (SÁ, 2013)
Heidegger crê que foi através do pensamento de Kierkegaard que houve a
análise mais profunda de questões existenciais fundamentais, como a angús-
tia. Heidegger realizou de maneira essencial a articulação entre a fenomenolo-
gia e o existencialismo e foi discípulo e sucessor de Husserl. Enfatizando a im-
portância de se elaborar uma interpretação ontológica do existir humano em
geral, Heidegger apontou que era importante o esclarecimento do que compõe
a ser humano enquanto existente. (SÁ, 2013).
Este filósofo repudiava veementemente que sua doutrina fosse denomina-
da existencialista. Perturbado pela teimosia de muitos que o denominavam
desta forma, Heidegger preocupou-se em mostrar as diferenciações que o dis-
tinguiam do existencialismo. Qual seria, então, a distinção entre existencialis-
mo e analítica existencial? Enquanto o existencialismo trata de uma filosofia
que discorre sobre a existência humana, focada na análise do homem particu-
lar, individual e concreto, a analítica existencial não demanda atenção alguma
na existência pessoal. Heidegger foca na discussão do Ser, e estabelece uma
ontologia geral, traçando os fenômenos que o caracterizam tais como se apre-
sentam à consciência. (PENHA, 2004)
Heidegger nasceu na Alemanha e seu filosofar é cheio de interrogações per-
sistentes, que objetivam revelar e compreender a questão sobre o ser. Não há
procura por soluções (e nem poderia, ainda que quisesse), “e, sim, procura ser
um pensamento que interroga dentro do âmbito a partir de onde todas as in-
terrogações e soluções se levantam. É um caminhar que nos dará pelo menos a
possiblidade de interrogar.” (GILES, 1975, p. 191)
Como já citamos, Heidegger possuía uma relação tão próxima com a feno-
menologia, que Husserl, principal expoente desta corrente filosófica, citava “A
fenomenologia somos eu e Heidegger”. Entretanto, Heidegger não segue a fe-
nomenologia como movimento, mas sim como uma possibilidade metodológi-
ca. Assim, este filósofo não caracteriza o “quê” dos objetos da pesquisa filosó-
fica, mas o “como” alicerçada no modo pelo qual entramos em contato com as
próprias coisas. (GILES, 1975)
3 Ontológico: pertencente ou relativo à ontologia; na filosofia de Heidegger, [existencialismo], relativo ao Dasein.
Ontologia: parte da filosofia que trata o ser enquanto ser, do ser concebido como tendo natureza comum que é
inerente a todos e cada um dos seres. (FERREIRA, 1996, p. 1225)
4 Hermenêutica: designa a arte ou ciência da interpretação. (SÁ, 2013, p. 367)
capítulo 1 • 17
A adesão de Heidegger ao nazismo foi um fato de sua bibliografia que influenciou di-
retamente sua relação com Husserl. Heidegger apontava a doutrina nazista como alter-
nativa entre o comunismo e o capitalismo e retirou a dedicatória a Husserl em seu livro
O ser e o tempo, a partir da quinta edição, justificando que as divergências doutrinárias
com seu mestre de outros tempos frisaram-se, sendo que foi Husserl quem fendeu a
amizade entre os dois publicamente. Também se credita que a retirada da dedicatória
de Husserl estivesse relacionada com o fato de que não haveria outra reimpressão de
seu livro caso houvesse referência ao filósofo judeu. (PENHA, 2004)
18 • capítulo 1
Para SZYMANSKI (2013), o Dasein indica a visão de homem-existente, e é no
mundo que se dá a existência. Este ser-no-mundo seria, então, uma unidade,
impossível de ser desatada, não significando “dentro de”, muito menos uma
contiguidade entre o Dasein e o mundo. A palavra “em” dentro da expressão
ser-em-um mundo quer dizer morar, habitar, e a palavra mundo seria o que se
mostra, o fenômeno.
(...) Dasein, que, numa tradução literal, corresponde a ser aí, e que vem sendo eventual-
mente traduzido como ser no mundo. O dasein, categoria central da analítica existen-
cial, implica a essencial relação do existente com o seu mundo. Existir é estar inevitavel-
mente situado no e projetado para o mundo. (...) A existência nunca resulta de uma livre
opção por existir, e por isso o sentimento original do existente é o de ter sido lançado
numa situação. Todavia, o dasein é essencialmente a possibilidade e a necessidade
de exercer o poder de escolha. (...) O dasein é obrigado a escolher, e é constrangido a
assumir a responsabilidade por suas escolhas. (FIGUEIREDO, 2010, p. 191)
PRADO & CALDAS (2013) definem o “ser com outros” vinculando-o ao modo
como nós nos relacionamos, sentimos, pensamos, vivemos com os outros. O
ser-no-mundo define nosso contexto relacional, nunca estamos encerrados em
nós mesmos. Mesmo que haja isolamento, é “ser-com”, copresença.
O termo “mundaneidade” é definido por Heidegger como a expressão de
“mundo”, e o Dasein é sempre mundano. Na cotidianidade do mundo ao nosso
redor, vivemos e enfrentamos as coisas do mundo com abundantes maneiras
de se ocupar da vida, em articulações de significação. Quando compreendemos
este ser-no-mundo como mundaneidade, o outro deve ser considerado como
um mundo constitutivo dele mesmo, ou seja, habitamos mundos que possuem
semelhanças, mas também abarcam muitas diferenças e meios para lidar com
situações, objetos e pessoas.
Continuando, o Dasein caracteriza-se por ser o “mundano”, distinguindo-
se dos entes simplesmente dados, também chamados de “intramundanos”,
porém privados de mundo. Podemos entender melhor esta separação quando
pensamos em pedras e árvores, por exemplo. Elas “estão no mundo, mas não
tem o mundo, isto é, não são aberturas de sentido não se podendo dizer que
elas ‘existem’. Mundo é estrutura de sentido, contexto de significação, lingua-
gem sempre historicamente em movimento.” (SÁ, 2013, p. 368).
capítulo 1 • 19
Por ser envolto nas possibilidades de ser, o dasein é fundamentalmente ina-
cabado. Dentro destas possiblidades de ser que determinam o existir huma-
no, o homem projeta e nega seu estado original de ser alienado. A existência
é fatalmente temporal: envolve uma antecipação do futuro para compreender
o presente e um assumir do passado. Para haver uma existência autêntica, é
necessária a responsabilidade pessoal, pelo inacabado e pela transcendência,
“no sentido da capacidade de ultrapassar constantemente a situação e a reali-
zação, assumindo o passado, compreendendo o presente virtual e negando-os
mediante um projeto livre e autodeterminando.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 192)
BARRETO (2013) explana que a decadência do homem ocorre quando este
se desvia e se retira de si mesmo, sentindo-se ameaçado pela própria presença,
quando o seu próprio ser-no-mundo o angustia. O que ameaça o homem é a sua
singularidade, o seu próprio poder-ser-no-mundo, e não algo concreto e determi-
nado. A angústia então aparece com uma função libertadora que é a de “arrastar a
presença para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que
já ‘é’, retirando o homem da aparente segurança de sua fuga decadente.” (p.36)
O morrer – a impossibilidade de qualquer possibilidade – para o dasein é
uma busca de refúgio da superficialidade do dia a dia, almejando, assim, se
livrar da angústia diante do fim que o paralisa, embora seja através dela que se
conceba o sentido de sua singularidade e assim possa alcançar a sua totalidade
enquanto ser, retirando-se da superficialidade do cotidiano (BARRETO, 2013).
“Heidegger também reconhece a possibilidade da morte como algo que vem
dar sentido à vida. (...) Cada presença deve, ela mesma e a cada vez, assumir a
sua própria morte.” (LIMA, 2008, p.33)
(...) o existir humano nunca se reduz a uma simples presença, pois esse existir supõe
um ser também ausente, já que é um-ser-para-a-morte, que acontece independente de
todos os aspectos e de todas as razões, revelada na angústia diante da impossibilidade,
isto é, do “nada”. (...) O ser humano pode aprender a viver projetando-se na direção do
“nada” ou agarrando-se a entes/verdades que parecem sólidos, estáveis, e que possibi-
litam uma ilusória experiência do não vazio, de fugir do “nada”. (BARRETO, 2013, p.37)
20 • capítulo 1
conservamo-nos vivos, temos a consciência de ter terminado algo. Por poder
acontecer de forma repentina, a morte põe termo na existência individual.
Embora possa parecer algo exterior, fora de nosso controle, nos abate sem avi-
so. Isso nos inquieta, nos assusta: a imprevisibilidade da morte. E esta é a expe-
riência mais pessoal e intransferível. Não há como experimentarmos a morte
alheia, ainda que seja sofrida a morte do outro. (PENHA, 2004).
A angústia é, então, o único caminho para se alcançar a plenitude do ser.
Através dela, o homem chega ao íntimo de sua existência. A angústia diante do
nada transporta o homem para existência autêntica. E para isso, é necessária a
interiorização do pensamento da morte. Assumindo a morte, alcançamos a au-
tenticidade. Mesmo assim, ainda há a angústia, que estaria relacionada ao nada.
O nada para Heiddeger não é a negação do ser, como a maioria dos manu-
ais de filosofia o definem. “Ao contrário, a negação é que é possibilitada pelo
nada.” (PENHA, 2004, p. 47). O nada representa os limites temporais do Dasein:
anteriormente ao seu nascimento, o “Ser-aí” é nada, e é por meio deste nada
que o Dasein pode se totalizar, se completar.
capítulo 1 • 21
O existencialismo de Sartre
22 • capítulo 1
O humanismo de Sartre parte de uma conjectura de que Deus não existe.
Assim, o existencialismo que ele representa é um esforço para extrair todas as
consequências de uma posição ateia coerente. Mesmo que Deus existisse, afir-
ma Sartre, em nada mudaria a questão de o homem precisa convencer-se de
que nada pode salvá-lo de si próprio, nem mesmo uma evidência da existência
de Deus. (PENHA, 2004).
Em um nível teórico:
a) o cogito, ou a subjetividade, é de onde advém obrigatoriamente toda
filosofia e verdade, não havendo a possibilidade de desconsiderá-lo;
b) somente a partir do cogito é possível salvar o homem como sujeito, não
o transformando em objeto;
capítulo 1 • 23
c) no cogito há o reencontro com os outros necessariamente, como cor-
relativos do “eu”, além de se tornarem testemunhas de sua existência e de seus
atos;
d) há o pressuposto de que existe uma universalidade de condição huma-
na, não uma universalidade de natureza humana, determinada por aquilo que
vem antes de seu estar no mundo (Por exemplo, em um zoológico, a condição
dos animais é universal – todos estão em cativeiro – porém não há universalida-
de de natureza).
24 • capítulo 1
CONEXÃO
Que tal conhecer mais sobre o cogito cartesiano? “O cogito cartesiano, além de impor a
superioridade do mundo espiritual sobre o físico, estabelece uma distinção ontológica tão
forte entre corpo e alma que é praticamente impossível uni-los novamente” (SANTOS, 2005,
p. 121). Leia mais e aprofunde seus conhecimentos sobre o cogito cartesiano e o existen-
cialismo de Sartre em SANTOS, M. P., O problema da natureza humana a partir do cogito
cartesiano. In: Revista de Filosofia do Mestrado Acadêmico em Filosofia da UECE.
Nesse contexto, o termo existência não é um mero sinônimo de ser, como o empre-
gamos no linguajar cotidiano. Existir é um modo específico de ser relacionado ao ente
cujo sentido nunca está dado a priori – o homem. Antes que existisse esta folha de
papel diante de nós, foi preciso que alguém pensasse nela, concebesse idealmente seu
ser, sua essência, para então produzi-la, dando-lhe existência. Podemos dizer, então,
que sua essência vem antes de sua existência.
capítulo 1 • 25
No caso do homem, a relação se inverte, primeiro é preciso ser homem, existir, para
depois pensar sobre isso e atribuir-lhe sentido. Assim sendo, somente em relação ao
homem é válida a inversão da fórmula tradicional da metafísica que dava precedência
para as essências. No caso do homem, o existencialismo postula que a existência pre-
cede a essência. (SÁ, 2013, p. 366).
Neste raciocínio, somente o homem é livre, pois apenas ele não se encontra
determinado quanto ao seu sentido, contrariamente aos outros entes. Desta
forma, somente o homem existe, enquanto a folha de papel é. PENHA (2004)
exemplifica claramente esta súmula ao citar a semente de uma planta, em que
se encontra tudo o que ela será ao desenvolver-se regularmente. Em sua essên-
cia, há determinada sua essência. O homem, entretanto, diferentemente dos
outros seres, não é predeterminado. Enquanto a essência equivaleria a algo de
abstrato, a existência estaria ligada a algo de concreto. NOGARE (2008) cita
que a essência precede a existência quando há o pensamento de uma ideia pré-
via sobre algo que leva a uma fórmula técnica para sua elaboração. Por exem-
plo, um corta-papel foi pensado e não foi fabricado à toa. Mas quando pensa-
mos em um Deus criador, Ele seria como um Artífice superior, possibilitando
existência às coisas a partir de uma ideia ou conceito pré-formado em mente,
igualmente como faz o fabricante de corta-papel.
Deste modo, para o existencialismo ateu de Sartre, retomamos a máxima
de que a existência precede a essência, que significa que um ser “que existe an-
tes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou,
como diz Heidegger, a realidade humana” (NOGARE, 2008, p. 143). Assim, ini-
cialmente o homem surge, existe e se descobre para posteriormente se definir.
Nesta linha de pensamento, não há natureza humana, já que não há Deus para
conceber. Partindo para o primeiro princípio do existencialismo, define-se o
homem sendo o que se lança ao futuro, consciente de se projetar no futuro. O
homem então para Sartre é dotado de liberdade total e absoluta.
O homem para Sartre é o que projeta ser. Considerando o primeiro princí-
pio do existencialismo, em que o homem é antes de qualquer coisa, um pro-
jeto que vive subjetivamente, ele transforma-se naquilo que fizer de sua vida,
sendo que não há nada, além dele mesmo, de seu desejo, que demarque seu
destino. A construção da história do homem ocorre de acordo com suas esco-
lhas, e também conforme o caminho que escolher percorrer. Assim, não há
26 • capítulo 1
determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Com esta liberdade,
atrelada à responsabilidade e capacidade de escolher, a angústia pode emer-
gir. Somos sentenciados a sermos livres, responsáveis pelos nossos próprios
atos, e assim responsáveis por nós mesmos, “o homem se escolhe a si mesmo”.
(SARTRE, apud LIMA, 2008, p. 34)
Com esta convicção existencialista do homem, o homem é conduzido a
construir sua própria definição, cada um passa a ser aquilo que faz de si mes-
mo. São as opções que o homem faz entre as alternativas que enfrenta que for-
mam sua essência.
Cada um, a partir de seu projeto de vida, de sua formação de crenças e valores, e de
sua história construída até então, irá se constituindo pelos seus atos, suas escolhas e
suas formas de viver o mundo. Para os existencialistas, o homem é um ser livre, a sua
liberdade faz dele plenamente responsável pela sua escolha e a sua escolha sendo ver-
dadeira, é também uma escolha que o homem faz para todos os homens. Dessa forma,
o ato individual acaba engajando toda a humanidade. Isto é, se ele acredita que aquilo
que ele escolhe, por base em seus valores próprios, é o certo, então, ele também está
escolhendo para todos os homens. (LIMA, 2008, p.35)
capítulo 1 • 27
homem tem que escolher a cada momento como será seu instante seguinte,
ou seja, o homem deve ser inventado todos os dias, resume Sartre. As escolhas
que o homem realiza em meio às opções que tem constitui sua essência. É esta
escolha que lhe autoriza criar seus valores.
A liberdade, na visão existencialista, é algo além do livre-arbítrio. Em Sartre,
ela assume o papel de decisão que o indivíduo tem sobre sua vida, quando esco-
lhe e se responsabiliza por esta escolha. Porém, esta liberdade não é absoluta,
já que é submetida a regras e convenções sociais. O homem conscientiza-se das
limitações advindas da manifestação de sua existência. (PENHA, 2004)
• Angústia:
Sartre define “Se existir é escolher, existir é sofrer angústia” (NOGARE, 2008,
p. 145). Embora muitas pessoas acreditem que não sentem angústia, ela se
abriga continuamente no coração do homem. A angústia, obviamente, se torna
mais sensível para quem tem que fazer escolhas significativas. Observando o
exemplo de Abraão, ou de um chefe militar que necessita decidir entre atacar
ou não e assim possivelmente entregar a morte vários homens, Sartre fala da
reponsabilidade direta e o aumento proporcional da angústia.
A angústia também se relaciona com o fato de que o homem precisa esco-
lher sem o apoio e orientação de ninguém. É puro desamparo. O homem está
condenado a ser livre. Condenado porque não criou a si próprio e livre, pois,
atirado ao mundo, é responsável por tudo o que fizer. Por exemplo, uma pessoa
se faz covarde ou herói, e isso pode se modificar: depende da sua liberdade.
(PENHA, 2004)
Com a liberdade de escolha, o homem nota a responsabilidade assumida
sobre seus atos e também sobre a humanidade inteira; consequentemente sur-
ge a angústia. “A angústia da liberdade é a angústia de optar, de fazer escolhas.”
(PENHA, apud LIMA, 2008, p. 35). A angústia surge quando se escolhe algo em
detrimento de outro.
• Desamparo:
O desamparo é quando o homem se vê diante de escolhas de sua vida e
de seu destino, sem o apoio ou orientação de ninguém. É interessante perce-
ber que o desamparo provém da ausência de valores para o homem se sentir
28 • capítulo 1
orientado e estimulado. Mantendo-se firme na inexistência de Deus, Sartre
afirma que tudo é permitido. Não há afirmação alguma de que o bem existe,
de que é necessário e prudente ser honesto, de que não se deve mentir; pois
estamos em um plano onde só há homens. Sem algo para se apegar, o homem
fica abandonado por não encontrar nem em si mesmo nem fora de si um algo
para afeiçoar-se. “Desamparado também o homem existencialista, porque não
há mais desculpas para ele. Porque, se é livre, projeto de si mesmo, autor de seu
destino, ele é inteiramente responsável por si mesmo.” (NOGARE, 2008, p. 146)
Sem sinais, sem moral (nem cristã, nem kantiana, nem qualquer outra), que
possa mostrar de forma certa o percurso a seguir, o homem deve escolher por
ele próprio, tornando-se assim a sua própria lei e sua própria moral. Sartre cita
que interpretamos os sinais que nos são mostrados no decorrer da vida de acor-
do com nosso próprio temperamento e simpatias, deste modo, sempre somos
nós que decidimos, mesmo quando acreditamos que seguimos a opinião de
outras pessoas. Somente podemos contar conosco, com nossas responsabili-
dades e com nossos recursos.
• Desespero
Por causa deste abandono total, emerge o desespero, que é considerado a
terceira característica do homem existencialista. Sartre assume uma posição
bastante drástica em relação ao desespero: somente podemos contar com
o que provém da nossa vontade. Estamos desamparados por não poder ter
‘apoio’ de Deus, nem da humanidade, nem de partido algum ou de qualquer
companheiro.
NOGARE (2008) traz uma citação do próprio Sartre, de sua famosa confe-
rência “O Existencialismo é um humanismo” de 1964 (traduzida por Virgílio
Ferreira), em que o existencialista até considera contar com companheiros
de luta, desde que haja uma mesma meta de luta, um objetivo em comum.
Também julga ser importante ter certo controle, certo conhecimento dos movi-
mentos do grupo. Fora esta situação, Sartre julga não ser possível contar que a
bondade humana ou mesmo o interesse genuíno do homem pelo bem da socie-
dade. Pelo fato de a liberdade ser uma característica do ser humano, não existe
uma natureza humana sobre a qual possa se basear.
Por todas estas afirmações, Sartre rechaça qualquer possibilidade de exis-
tência de álibis para justificar a própria incapacidade ou derrota.
capítulo 1 • 29
Sartre defende que o existencialismo é otimista quando o vê como doutrina
de ação, já que o desespero obriga o homem a agir. (PENHA, 2004)
Há observações críticas ao que postulava Sartre, que envolvem o fato de que sempre
interpretamos os fatos de acordo com nossas simpatias e nosso temperamento e só
escolhemos de acordo com isso. Não se podemos, entretanto, excluir que um sinal,
recheado de significação objetiva, não nos leve a seguir um caminho oposto ao nos-
so temperamento e simpatia. Outra crítica envolve a questão levantada por Sartre da
liberdade absoluta do homem, que é considerada anti-humana, anticientífica e mítica.
Anti-humana por retirar do homem qualquer motivação para agir, já que não há Deus,
valores etc. Sem a motivação, a ação se torna impossível ou absurda. Anticientífica visto
que as ciências humanas e naturais são cada vez mais enfáticas em verificar os condi-
cionamentos da liberdade, estes mesmos que Sartre nega veementemente. E a parte
mítica envolve a “escolha fundamental do homem é colocada no começo e ninguém
sabe qual é” (NOGARE, 2008, p.149). Quando Sartre julga uma espécie de criação de
si, com uma autodeterminação absoluta, cria uma teoria completamente utópica.
CONEXÃO
Agora que você já está começando a entender o que é o existencialismo, assista a esta
aula que o professor Franklin Leopoldo e Silva ministra sobre Sartre: O Existencialismo é um
Humanismo. Assim, fica mais fácil compreender esta filosofia. Acesse: https://www.youtube.
com/watch?v=ct1FfOGvBkY
30 • capítulo 1
A psicoterapia Existencial
Em qualquer caso, resulta claro que o conceito de psicoterapia não é o de uma técnica
destinada a “curar” perturbações mentais, mas sim o de uma intervenção psicológica
que contribui para o crescimento e para a transformação do cliente como pessoa. Mais
especificamente, que promove o encontro da pessoa com a autenticidade da sua ex-
periência, para que venha a assumi-la e possa projetá-la mais livremente no mundo.
(TEIXEIRA, 2006, p. 290)
capítulo 1 • 31
consciência e decidir, por si mesmo, a futura orientação a se dada à sua vida.”
(COREY, apud LIMA, 2008)
A autora supracitada ainda aponta que em todas estas psicoterapias, pode-
se perceber intensa contribuição de Heidegger, relativa a seu conceito de com-
preensão de si mesmo enquanto ser-no-mundo e ser-com, no ato particular e
concreto de sua existência dividida com os outros. Já no pensamento de Sartre,
enfoca-se as questões relacionadas a liberdade e responsabilidade humana.
O foco não é o de fornecer interpretações prontas aos clientes, como ocorre
em outras abordagens de psicoterapias. É exatamente o oposto: busca-se permi-
tir que cada pessoa, através de suas potencialidade e capacidades para o cresci-
mento, encontre o próprio caminho, partindo de suas observações e reflexões.
Podemos perceber de uma maneira geral que os terapeutas fenomenoló-
gicos existenciais mostram-se em uma postura que mira um encontro com o
paciente verídico, de respeito e valorização da criatividade que surge de cada
um. (LIMA, 2008)
As psicoterapias de cunho científico-naturalista pretendiam, na maior par-
te das vezes, ajustar os clientes em sua teoria, e não tinham o enfoque de buscar
uma descrição fenomenológica da existência singular. Ao tentar encaixar o pa-
ciente em suas teorias de conhecimento, as transformações existências efetivas
não aconteciam.
A preocupação do terapeuta fenomenológico-existencial, além de tentar
compreender melhor a pessoa do cliente, é também a de levá-la a uma auto
compreensão que o permita ressignificar seu futuro, podem assim aceitar a res-
ponsabilidade que acompanha a liberdade de conduzir sua própria vida. O que
se que é ajudar a pessoa a encontrar um sentido para a vida. (LIMA, 2008, p. 37)
REFLEXÃO
Podemos perceber que o existencialismo influenciou de maneira bastante expressiva a visão
sobre o homem e a forma com que este se relaciona com o mundo. Ao assumir as respon-
sabilidades pela sua vida, o homem também passa a estar sujeito a todas as sensações e
sentimentos que esta liberdade lhe dá. E estes sentimentos que aparecem podem prejudicar
e frear o desenvolvimento do homem, momento em que a psicoterapia pode vir a auxiliar na
ressignificação da existência, além de ajudá-lo a compreender seu mundo. Entretanto, estes
sentimentos, quando bem compreendidos, podem também ser o motor propulsor da mudan-
ça e evolução do homem.
32 • capítulo 1
LEITURA
“Existencialismo”, de REYNOLDS, J., é um exemplar interessante que abarca os conceitos
desta corrente filosófica.
De autoria do próprio Kierkegaard, “O conceito de angústia” trata psicologicamente do
conceito de angústia, com seu humor sarcástico e irônico. Outro livro, também de sua autoria,
que aborda o pensamento deste filósofo é “É preciso duvidar de tudo”, em que ele aborda
através de um conto o amor de um jovem pela filosofia.
O livro “Heidegger: Introdução a uma leitura”, de DUBOIS, C. traz as conceituações de
Heidegger mais aprofundadas. Mas se você quiser entender este filósofo e a atuação prá-
tica pode se interessar pelo livro “Do Desabrido à Confiança: Daseinsanalyse e terapia”, de
SAPIENZA, B. T.
A complexidade da obra de Jean-Paul Sartre é bem explanada na conferência “O Exis-
tencialismo é um Humanismo”, já que o filósofo achou oportuno divulgar seu pensamento
para um publico mais extenso. Há vários outros livros que podem te ajudar a aprofundar-se
neste autor, como “Freud, além da alma” e “o Ser e o Nada”. Este último apresenta uma es-
crita bastante complexa, mas é a maior obra satriana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, C.L.B.T. Reflexões para pensar a ação clínica a partir do pensamento de Heidegger:
da ontologia fundamental à questão da técnica. In: BARRETO, C.L.B.T; MORATO, H.T.P.; CALDAS, M.T
(Org.) Prática psicológica na perspectiva fenomenológica. Curitiba: Juruá, 2013
BELLO, A. A. Introdução à Fenomenologia. Bauru: Edusc, 2006. 108p.
BUYS, R.C. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia –
Rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2013. p. 383-394
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Pesquisas em Psicologia, n.2, Rio de Janeiro, 2008, p.149-165.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
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FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010
GILES, T.R. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo: EPU, Editora da
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JANSEN, M.R.; HOLANDA, A. Elementos para uma psicologia no pensamento de Søren
Kierkegaard. Estud. Pesquis. Psicol., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 572-596 2012
capítulo 1 • 33
LIMA, B. F. Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias fenomenológicas-
existenciais. Rev. Abordagem Gestalt. v.14, n.1, Goiânia, 2008, p. 28-39
NOGARE, P. D. Humanismo e Anti-Humanismos – Introdução à Antropologia Filosófica. 14 ed. Rio
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PENHA, J. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 124
SANTOS, M. P., O problema da natureza humana a partir do cogito cartesiano. In: Revista de
Filosofia do Mestrado Acadêmico em Filosofia da UECE.
SÁ, R. N. As influências da fenomenologia e do existencialismo na Psicologia In: JACÓ-VILELA,
A. M.; FERREIRA, A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia – Rumos e percursos Rio de
Janeiro: Nau Editora, 2013. p. 361-382
SZYMANSKI, H., SZYMANSKI, L. Repercussões do pensamento fenomenológico nas práticas
psicoeducativas. In: BARRETO, C.L.B.T; MORATO, H.T.P.; CALDAS, M.T (Org.) Prática psicológica na
perspectiva fenomenológica. Curitiba: Juruá, 2013
TEIXEIRA, J. A. C. Introdução à psicoterapia existencial. Aná. Psicológica [online]. 2006, vol.24, n.3,
pp. 289-309.
34 • capítulo 1
2
Fenomenologia
2.1 Antecessor da Fenomenologia
Antes de darmos início aos conceitos da Fenomenologia é preciso entender o
seu surgimento e o tempo da história. Como qualquer conceito novo, a fenome-
nologia surgiu a partir de transformações sociais do Século XX e que trouxeram
a necessidade de uma nova forma de compreender o comportamento e os pro-
cessos psíquicos.
Mas antes da fenomenologia existir, bem antes, no final do Século XVI e iní-
cio do século XVII, alguns filósofos começaram a contestar a predominância
da Filosofia sob o raciocínio da sociedade. Alguns deles foram Francis Bacon,
Galileu Galilei, René Descartes, entre outros.
Alegavam que a Filosofia era uma verdade única, impregnada por um
Positivismo e que era preciso contestar para saber se de fato as teorias eram
verdadeiras. Mas, para criticar, era preciso ter instrumentos precisos que pu-
dessem medir os fenômenos sociais e dizer se os pensamentos anteriores esta-
vam certos ou errados e por que deveria ser diferente ou igual.
Nesta perspectiva de maiores garantias sobre o real que Bacon, foi o primei-
ro a ter coragem e buscar uma liberdade para conhecer. O seu lema era “Saber é
poder”. Ele queria dizer com isso que para ter conhecimento é preciso ter liber-
dade para pesquisar, estudar, contestar e replicar.
Bacon afirmava que era preciso conseguir criticar os preconceitos e os erros
para se fundar uma nova maneira de investigação, por meio da OBSERVAÇÃO.
Para observar era preciso seguir 3 tábuas. Uma conhecida como presença,
ou seja, se me proponho a pesquisar “Motivos mais comuns na atualidade para
o divórcio”, primeiro eu preciso saber onde encontro pessoas que estão divor-
ciando ou divorciadas (fóruns, cartórios, bares); depois eu vou para a segunda
tábua, chamada de ausência, sendo esta oposta a primeira, ou seja, onde eu
não devo ir, porque terei mais dificuldades para encontrar pessoas divorciadas
ou divorciando (igrejas, escolas, academias, praças públicas). Por último, uti-
lizarei a terceira tábua chamada de graus, que identificarei onde o fenômeno
variou com maior e menor intensidade. Ou seja, dos lugares que fui em qual
deles eu tive maior facilidade e maior dificuldade para obter os meus dados.
(RAMPAZZO, 2005).
Nesta visão, Bacon tinha como hipótese de pesquisa buscar explicar a cau-
sa dos fenômenos. Suas principais ferramentas eram a dúvida (Por quê?) e a
observação.
36 • capítulo 2
Posteriormente a ele surge o método de Galileu que propõe EXPERIENCIAR
o fenômeno para ter certeza se de fato ele acontece como as teorias pregam. O
que isto quer dizer? Se as pessoas afirmam que o produto da marca X é mais
caro, mas é melhor que o produto da marca Y. Para eu ter certeza que X é me-
lhor que Y, eu comprarei os dois produtos, experimentarei e analisarei os pon-
tos positivos e negativos de cada um. Por meio dessa experiência eu posso ter
dados concretos para argumentar a teoria da preferência de um produto, por
exemplo.
Galileu afirmava que uma vez que a hipótese fosse confirmada, esta viraria lei.
Voltando ao caso do produto... Se o produto tiver a proposta de tirar manchas no
corpo e você tem essas manchas e tem o desejo de removê-las, só conseguirá com
aquele que foi testado e comprovado como melhor. (RAMPAZZO, 2005).
Um outro exemplo sobre hipótese virar lei poderia ser: Terapia ocupacional
diminui o estresse no trabalho (hipótese). Se testar e comprovar que isto é ver-
dade; a empresa que desejar diminuir o estresse dos seus funcionários terá que
oferecer Terapia Ocupacional neste mesmo ambiente (Lei).
Outro trazer novas reflexões sobre os novos métodos científicos da ciência
foi Descartes. Ele trouxe uma proposta de pesquisa mais exata e quantitativa.
Para ele, uma hipótese para ser confirmada ou negada precisa ter resultados
precisos, assim propôs o método MATEMÁTICO DEDUTIVO.
Descartes também propôs algumas etapas que a pesquisa precisa seguir
para que a investigação seja realizada de maneira precisa. São elas:
3. Regra da evidência: busca evitar precipitação, preconceitos e juízos.
Nesta etapa você verifica se o fenômeno que deseja pesquisar é algo evidente na
sociedade ou se está presente em outra sociedade. Exemplo: Aplicação da pena
de morte. Na sociedade brasileira isto não é evidente, portanto não tem como
medir se é eficaz ou não no nosso país.
4. Regra da análise: neste momento é preciso dividir a pesquisa em hie-
rarquia de dificuldades. Faz-se necessário saber onde o pesquisador terá maior
dificuldades para coletar dados sobre a sua pesquisa. Por exemplo: você quer
pesquisar ansiedade em crianças de 8 a 17 anos, mas o questionário tem 10
páginas. O pesquisador deverá saber que as crianças de 8 anos, que ainda não
estão acostumadas com leitura extensa terão maior dificuldades para concluir
o questionários e assim deverá ir preparado para este obstáculo.
5. Regra de síntese: saber separar a pesquisa das partes mais simples e
singelas às mais complexas. Se coletar dados é parte que demanda mais tempo,
comece então por esta, para que assim você consiga cumprir os prazos.
capítulo 2 • 37
6. Regra de enumeração: refere-se a responsabilidade que o pesquisador
tem de não omitir informações. Todo e qualquer resultado encontrado deve ser
divulgado e não pode ser negado, mesmo que este venha trazer impactos para a
comunidade ou grupo pesquisado. (RAMPAZZO, 2005).
38 • capítulo 2
compreendido e julgado quando confrontado com a cultura estética, religiosa,
intelectual e moral do período histórico ao qual os estudos estavam se referin-
do e não aos valores morais que não se modificam ao longo da história. Essa
ideia era predominantemente de Hegel:
....” que consagrava a tese de que todas as concepções filosóficas produzidas
ao longo da história, na medida em que expressavam as condições históricas
em função das quais foram propostas, tinham garantida uma legitimidade re-
lativa” (Penna, 2001, p.30).
A filosofia hegeliana teve por efeito enfraquecer o impulso filosófico-científico, com sua
doutrina de legitimidade relativa de toda e qualquer filosofia, para a respectiva época-
doutrina essa cujo sentido foi, porém, dentro do sistema de pretenso valor absoluto,
completamente diverso do significado historicista com que acolheram as gerações que,
perdendo a fé na filosofia hegeliana, perderam a fé em toda a filosofia absoluta. (Penna,
2001, p.30).
capítulo 2 • 39
Quando se inseriu na Universidade de Leipzig tinha muito interesse pelos
cursos de Matemática, física, astronomia e filosofia. Mas como se dedicava
mais a matemática, transferiu-se para a Universidade de Berlim.
Um professor de matemática tinha um grande entusiasmo de falar sobre
Descartes e isso fez com que Husserl se despertasse para a Filosofia. Esse mes-
mo professor levantou a possibilidade de Husserl se tornar seu assistente, mas
não foi concretizado.
Transferiu-se para a Universidade de Viena em 1884 e passou a assistir os
cursos de Brentano e lá aderiu a Psicologia Descritiva e ao Psicologismo que
mais tarde veio a criticá-lo.
40 • capítulo 2
Na Universidade de Gotinga dois textos muito importantes foram funda-
mentadas: “A ideia da Fenomenologia” e A Filosofia como ciência de rigor”,
que só foram editados após a sua morte.
Em 1916 se transfere para a Universidade de Friburgo e lá se une a Martin
Heidegger. Juntos publicam alguns textos e em todos eles Husserl sempre mui-
to grato a Heidegger pela sua amizade e companheirismo. Nessas obras foi des-
tacada “a exposição do caráter intencional da consciência de tempo, indispen-
sável para o esclarecimento radical da intencionalidade” (Penna, 2001, p.23).
Em vida Husserl não publicou, mas deixou 40 mil páginas escritas para re-
flexão sobre a fenomenologia e que muito contribui para seus estudos. Essas
obras foram encontradas em grande quantidade na Universidade de Leipzig,
que era o grande centro de antiquários.
Fenomenologia
capítulo 2 • 41
Principais conceitos:
a) Consciência e Intencionalidade:
A intencionalidade é o que une objeto a consciência tornando consciência e
objeto em uma unidade indissociável e estabelendo a existência de ambas na/
em relação. Por isso escrevemos sempre que será um objeto-para-uma-consci-
ência e uma consciência-para-um-objeto. O recurso dos tracinhos entre as pa-
lavras é para dar a idéia de unidade. A intencionalidade então é o ato de atribuir
sentido atuando com isso, na composição do mundo psicológico. Pensando as-
sim podemos conduzir essas palavras para afirmar que a consciência é sempre
intencional .
Como vimos a junção da consciência com o objeto formam uma unidade in-
dissociável e que desta unidade obtemos o fenômeno. Como bem diz Forghieri,
42 • capítulo 2
b) Retorno às coisas mesmas:
Para nos debruçarmos sobre este conceito precisaremos retomar o conceito
de fenômeno, pois é o fenômeno, como nos aponta Forghieri
c) Redução fenomenológica
Conhecida também como epoche, são informações recebidas pelos órgãos
dos sentidos, mas que são transformadas pela consciência. Por exemplo: olhar
para uma comida e dizer que não quer porque é ruim, sem nunca ter provado é
um tipo de redução fenomenológica. A aparência da comida foi recebida pelo
olhos e pelo olfato, talvez, mas o significado que a comida trouxe é formado
pela consciência.
Segundo Cobra (2005) Husserl propôs então que, no estudo das nossas vi-
vências, dos nossos estados de consciência, dos objetos ideiais, desse fenôme-
no que é estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele correspon-
de ou não a objetos do mundo externo à nossa mente.
Para que haja a redução fenomenológica é preciso excluir todos os julga-
mentos, as crenças, os estereótipos e as impressões que temos do mundo.
Devemos nos concentrar apenas na experiência e levar em consideração a sua
pureza. Esse ato de perceber é conhecido como Noesis. Mas aquilo que é perce-
bido ou o objeto da percepção é conhecido como Noema.
capítulo 2 • 43
Assim, Heidegger (2001, p.33 apud Barreto e Morato, 2009, p. 44) afirma
que:
A finalidade deste desenho é apenas mostrar que o existir humano em seu fundamento
essencial nunca é apenas um objeto simplesmente presente num lugar qualquer, e cer-
tamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrário, este existir consiste em ‘meras’
possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser
apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as representações encapsuladas objetivan-
tes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na
Psicologia e na psicopatologia, devem desaparecer da visão deseinsanalítica em favor
de uma compreensão completamente diferente. A constituição fundamental do existir
humano a ser considerada daqui por diante se chamará ‘Da-sein’ ou ‘ ser-no-mundo’.
d) Redução eidética
Após olhar para um objeto e dar o significado subjetivo à ela (Noema) é pre-
ciso compreender o motivo desta interpretação e isto é conhecido como redu-
ção da ideia.
Para Cobra (2005): “dar-se conta dos objetos ideais, uma realidade criada
na consciência, não é suficiente - ao contrário: os vários atos da consciência
precisam ser conhecidos nas suas essências, aquelas essências que a experi-
ência de consciência de um indivíduo deverá ter em comum com experiências
semelhantes nos outros”.
44 • capítulo 2
Vamos ao exemplo:
Você olhará a imagem abaixo e me dirá o que está vendo. Pode falar sobre o
objeto em si ou sobre os seus detalhes.
Uns vão dizer que estão vendo uma árvore, outros vão detalhá-la afirmando
tronco, folhas, “verdinha”, e por aí vai. Essas várias informações precisam ser
deixadas de lado para que se tenha a redução eidética, é preciso ser objetivo e
afirmar que é o desenho que retrata uma árvore.
A redução eidética são as características que estarão presentes em toda ár-
vore e que as caracterizarão como tal, independente da cor, do local, do tama-
nho e outras informações.
Mas por que a redução eidética é importante para a ciência? Ela ajuda a dar
rigor aos objetos da ciência, fazendo com que as pessoas os percebam como
atemporais e isto é que garante suas características imutáveis.
capítulo 2 • 45
e) Intuição Invariante
Para Husserl o perceber é ter notar sua existência, mas não necessariamen-
te atribuir significado a isto ou intuir algo sobre o mesmo. Por exemplo: você
vai todos os dias a pé do seu trabalho para a faculdade. Neste percurso vários
estímulos estão presentes. Uns variáveis e outros constantes. Você percebe que
há padarias, bancos, lojas, papelarias, mas pra você nenhum desses estabeleci-
mentos até o presente momento teve utilidade. Você não conseguiu associar o
que estes espaços podem te beneficiar.
Um dia, em uma aula na faculdade, a professora pede que você comprem
Pincel e tinta para a próxima aula. Você logo pensa: Onde vou achar isto nessa
minha correria do dia a dia? Aí você busca na sua memória que no caminho do
trabalho para a faculdade você acha que tem uma papelaria. No momento que
você vai a papelaria você passa a intuir significados à ela que anteriormente não
atribuídos, apenas percebidos.
Para chegar a esta conclusão foi preciso se prender ao invariável ou as carac-
terísticas permanentes do objeto para que a necessidade fosse satisfeita.
Husserl trazia esse discurso como Eu Percebedor e eu Percebível. Para
Husserl antes de percebermos a verdade, percebemos qualquer coisa ou objeto
que esteja presente no nosso espaço presente, mas isso só será percebível por
mim de acordo com a minha consciência, ou seja, de acordo com a minha men-
te que visa algo, chamado consciência intencional. O mundo do observador
(eu percebedor) só é visado por esta observação quando entra em contato com
a realidade (algo percebível). Os fenômenos a nossa volta só são construídos
através do ato do algo percebível, caso contrario fica apenas como percebedor,
sem formamos pensamentos, lembranças, imaginação, não poderemos tornar
o fenômeno como algo percebível.
f) Redução transcendental
Consciência de um objeto, purificada, durante o processo de redução feno-
menológica, presente no individuo capaz de atribuir significado ao mundo real.
g) Idealismo:
Lida com objetos ideais e com as ideias sobre as coisas na sua essência. Para
Husserl não interessa o que os outros pensam ou consideram sobre um acon-
tecimento, mas qual significado que você consegue atribuir à ele e qual relação
você faz desse significado a sua realidade.
46 • capítulo 2
Sobre essa visão do real que muitos defendem como pura e verdadeira, Kant
afirma que “nós não podemos conhecer as coisas inteiramente, porque nem
todos os sinais que recebemos das coisas são aceitos pela mente, e disto resulta
que não podemos conhecer inteiramente o real” (Cobra, 2005).
Conhecer o real é praticamente impossível, pois nossos órgãos dos sentidos
impedem essa visão pura, além da consciência vir impregnada de experiências
anteriores ou defesas.
Vamos a um experimento: Olhe para as figuras abaixo e me descreva o que
vê. Fique à vontade para falar o que vem a sua mente.
h) Linguagem
A palavra descreve a junção de diversos conteúdos ou experiências como se
estivesse fazendo um somatório de diversas partes ou acontecimentos.
Exemplo: Quando alguém te pergunta: Posso ir embora com você amanhã?
E você responde sim. Esse sim não é apenas a palavra. Ele tem um significado,
que pode ser: companhia, solidariedade, intolerância, entre outras.
Isto nos faz perceber que a palavra nunca está isolada, mas sempre acompa-
nhada de outros significados.
capítulo 2 • 47
i) Influência
A fenomenologia não teve influência apenas dos Filósofos, mas também de
psicólogos e sociólogos, tais como: Heidegger; Sartre; Merleau Ponty.
Heidegger (existencialista) foi discípulo de Husserl (na Alemanha) e
Merleau-Ponty (na França) desenvolveu a filosofia fenomenoilógica e marcou
indiretamente o movimento existencialista.
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) era francês, escritor e filósofo líder do
pensamento fenomenológico na França; Sofreu influência da fenomenologia
de Husserl e Heidegger, foi amigo de Sartre; Voltou sua atenção para a questões
sociais e políticas; Manifestou com vigor qualidades primordiais de autêntico
filósofo: a perplexidade diante do mundo e o anseio constante em reaprender
a ver este mundo; Para ele, as grandes questões da existência humana não se
resolvem de uma forma absoluta e definitiva; A linguagem, o corpo, a relação
homem-mundo revelam um movimento ambíguo, em que constantemente
deslizamos da polaridade universal para a polaridade particular, e desta para
aquela; Não há verdade absoluta, nem mesmo a do reconhecimento da ambi-
güidade. A interrogação e a investigação devem permanecer em aberto; Estuda
a percepção e a linguagem.
Jean-Paul Sartre (1905-1980) segue estritamente o pensamento de Husserl
na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, L'Imagination (1936)
e L'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), nos
quais faz a distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa
aplicando o conceito de intencionalidade de Husserl. (Cobra, 2005).
48 • capítulo 2
Atitude
Intelectual
Fenômeno
Fenômenos que
se apresentam à
consciência.
Percepção
Fenomenologia
Clara e imediata
mediante a
interação.
Refere-se sempre
a alguma coisa Essência
diferente dela mesma
Intuição
capítulo 2 • 49
estudei aquele conteúdo, quando a professora falou em sala de aula etc. A prin-
cípio causa estranheza e receios, medo de não saber responder, medo de inter-
pretar errado a questão. Mas depois tudo isso vai se tornando familiar, a essên-
cia não vai sendo perdida (conteúdo da prova) e a resposta organizada por meio
da consciência.
www.analista.psc.br
www.existencialismo.org.br
www.psicoexistencial.com.br
www.cuidardoser.com.br/solidao-ser-so-ou-so-ser.htm
www.psicologoterapia.psc.br/logoterapia.asp
www.espacolivreexistencialista.com.br
50 • capítulo 2
HUMANISMO
capítulo 2 • 51
Conseguiu no seu percurso apoiar o movimento dos grupos de sensibilida-
de e em 1967 tornou-se presidente da APA (Associação Psicológica Americana).
Tinha interesse em compreender as mais elevadas realizações que o ser hu-
mano pode alcançar. Para isso, então comparou pessoas saudáveis com pes-
soas não saudáveis, diferentemente das outras abordagens até o presente mo-
mento que só tinham se preocupado com pessoas doentes.
Nos seus estudos, Maslow descobriu que cada pessoa traz em si mesmo a
capacidade de tornar-se autorrealizadora e isso que a motiva.
Abraham Maslow é considerado fundador do movimento humanista. A
respeito da psicanálise Maslow afirmou que Freud se deteve na doença e na
miséria humana e que era necessário considerar os aspectos saudáveis, que
dão sentido, riqueza e valor à vida. Uma das funções da forma humanista de se
analisar a Psicologia é resgatar o sentido da vida próprio da condição humana.
Maslow afirmava que o homem seria um ser com poderes e capacidades inibi-
das. Adoecemos, não só por termos aspectos patológicos, mas, muitas vezes,
por bloquearmos elementos saudáveis.
52 • capítulo 2
natureza, dedicação e compromisso com algum tipo de trabalho, simplicidade
e naturalidade em seu comportamento.
Autorrealização
Estima
Social
Segurança
Fisiológicas
capítulo 2 • 53
A necessidade de estima envolvem a auto apreciação, a autoconfiança, a
necessidade de aprovação social e de respeito, de status, prestígio e conside-
ração, além de desejo de força e de adequação, de confiança perante o mundo,
independência e autonomia. A necessidade de auto realização são as mais ele-
vadas, de cada pessoa realizar o seu próprio potencial e de auto desenvolver-se
continuamente.
Por muito anos e até os dias atuais essa teoria foi discutida. Em algum mo-
mento da época alguns autores disseram que Maslow estava rquivocado que
para uma necessidade ser satisfeita as fisiológicas precisam ter sido satisfeitas
anteriormente. Eles afirmavam que isso iria depender do objetivo, por exem-
plo: Eu posso muito querer me alimentar, mas tenho um trabalho imenso para
entregar. Deixo de comer e vou entregar o trabalho.
Assim sendo, algumas outras teorias da motivação surgiram posteriormen-
te, mas não conseguiram desvalorizar a de Maslow que até os dias atuais tem
sido utilizada em muitas esferas da vida humana.
54 • capítulo 2
consegue publicar algumas obras como: “ A relação terapêutica e seus impac-
tos: um estudo sobre psicoterapia com esquizofrênicos” e “ Tornar-se pessoa”.
Essa última muito bem reconhecida até os dias atuais.
Suas publicações com o olhar para a psicoterapia o faz abandonar em 1964
a carreira de professor e engrenar na psicoterapia e atividades de grupo, mas
quando fez uma viagem a França foi fortemente criticado pelos franceses, afir-
mavam que a teoria de Roger era pouco intelectual e puritana, não considerava
a dor, o mal e a morte, visto o momento da época que o país estava vivendo
dentro da Psicologia, impregnados pela Psicanálise e pelo intelectualismo
que abordam claramente esses conceitos que consideravam ser rejeitados por
Rogers.
Na continuidade dos seus estudos, Rogers dá ênfase também a área
Educacional, ao papel Político da Abordagem Centrada na Pessoa, às institui-
ções família e casamento e a liberdade para aprender. Defendia uma sociedade
do autoconhecimento, do respeito ao próximo e da liberdade de escolha.
Após a morte da esposa em 1979, Rogers se interessa mais ainda pela di-
mensão espiritual do homem, pela transcendência e pela integração do ho-
mem com o universo, temas esses que veremos nas linhas a seguir. Em 1987,
Rogers fratura o fêmur, permanece 3 dias em coma e vem a falecer.
capítulo 2 • 55
Acredita que a pessoa, qualquer pessoa, contém dentro de si as potenciali-
dades para a saúde e o crescimento criativo; e que a falha na realização destas
potencialidades se deve a influências constritivas e deformadoras, exercidas
pelos pais, pela educação e por outras pressões sociais;
Estes efeitos podem ser superados, no entanto, se o indivíduo aceita assu-
mir a responsabilidade pela própria vida.
Dentro do processo psicoterapêutico existem três condições facilitadoras:
Consideração positiva incondicional é receber e aceitar a pessoa como
ela é e expressar uma consideração positiva por ela, simplesmente porque ela
existe.
• Empatia consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, ver o
mundo através dos olhos dele e procurar sentir como ele sente.
• Congruência, a coerência interna do próprio terapeuta.
ATIVIDADE
Agora vamos pensar nas propostas de Rogers a terapia e analisar a figura abaixo? Discu-
ta com seus colegas em sala de aula o que o dizer da figura traz de reflexão para você sobre
o ser ou a pessoa. Pense nas propostas de Rogers para o autoconhecimento.
56 • capítulo 2
Entrevista concedida por Carl Rogers à revista veja Por Fabíola I. de Oliveira. Do-
mingo, 28 de junho de 2009.
Rogers – É uma oportunidade para as mais diversas pessoas se encontrarem, sem ne-
nhum planejamento, a não ser elas mesmas e seus inter-relacionamentos. Não existe um
tópico a ser discutido nem problemas imediatos a serem resolvidos. Então, sobre o que se vai
falar? Quando as pessoas percebem que qualquer coisa pode ser discutida, então começam
a falar mais de si mesmas e o encontro torna-se mais profundo. A pessoa começa a acreditar
que o grupo pode compreende-la e o processo pode ser descrito como uma percepção dos
próprios sentimentos, que as pessoas nunca pensaram possuir, tentando novas maneiras de
se comportar no grupo, desenvolvendo relacionamentos mais íntimos, sejam eles positivos
e de amor, ou de raiva e confrontação, mas, de um jeito ou de outro, se aproximando mais
como pessoas.
capítulo 2 • 57
Veja – Qual a diferença entre os grupos de encontro e a terapia individual?
Rogers – Na terapia de um-para-um, o cliente sente que é um milagre que ele possa
ser aceito e compreendido – mas será que alguém mais o compreenderá? Em um grupo de
encontro, ele logo percebe: “todas essas pessoas me aceitam? E nem ao menos estão sendo
pagas para isso?” E isso é muito forte, pois provoca o sentimento de que, “quem sabe, eu sou
uma pessoa aceitável”. Nesse sentido, o grupo de encontro pode ser de maior efeito que a
terapia individual.
Veja – Por que o senhor começou a chamar as pessoas de “clientes” , em vez de “pa-
cientes”?
Rogers – a razão mais profunda foi nunca ter sentido que as pessoas que me procuram
eram “pacientes”. Não eram doentes, e sim pessoas em dificuldade. Então, qual o termo mais
apropriado ? Em inglês, “cliente” é aquele que vem buscar o seu serviço. Mas ele ainda é
responsável por si mesmo.
58 • capítulo 2
3
O Gestaltismo
Você vai perceber ao ler este capítulo que a Psicologia da Gestalt fez uma re-
volução na forma como era entendida a percepção. Através de uma visão mais
integrada das experiências psicológicas, em que estas passam a ser vistas como
um todo, e não como partes fragmentadas, a Psicologia da Gestalt, ou Psicolo-
gia da Forma, apresenta uma maneira inédita de compreensão do fenômeno
perceptual humano.
Vamos conhecer os principais teóricos da Psicologia da Gestalt, além dos
autores que influenciaram o início desta escola de pensamento.
OBJETIVOS
Será importante você entender alguns pressupostos básicos da Gestalt, que são:
• O Fenômeno Phi;
• Percepção / constância perceptual;
• A ‘boa-forma’;
• Insight;
• As leis que regem a percepção humana das formas. Estas leis são: proximidade, conti-
nuidade, semelhança/similaridade, preenchimento/fechamento, simplicidade e figura/fundo;
• A teoria de Campo de Lewin;
• A Gestalt terapia e
• As críticas aos gestaltistas.
Vamos entender essa teoria da forma e da percepção?
60 • capítulo 3
3.1 Influências antecedentes sobre a
psicologia da Gestalt
1 Mecanicismo: doutrina que admite que determinado conjunto de fenômenos, ou mesmo toda a natureza, se reduz
a um sistema de determinações mecânicas. [Afirmar-se esta doutrina, sobretudo por conceber o movimento como
determinado por lei causal rigorosa, e por negar todo tipo de finalismo ou de qualidade oculta para a determinação
dos fenômenos naturais]. (FERREIRA, 1986, p. 1108)
2 Elementarismo: a propensão metodológica para analisar os estados e processos mentais e comportamentais
em seus elementos componentes, tanto quanto seja possível; fortemente atacado pela psicologia da Gestalt
(estruturalismo). (MARX & HILLIX, 2012, p.742)
capítulo 3 • 61
Para Wundt, a sensação era um conteúdo da experiência, apesar de admi-
tir os limites da sensação para definir a experiência psicológica. Partindo de
outro ponto de vista, Brentano sustentava uma diferenciação entre os atos e os
conteúdos da experiência. Este psicólogo acreditava que “os conteúdos não se-
riam psíquicos, mas físicos. A psicologia deveria investigar não o conteúdo da
experiência, não as representações, mas sim o ato de representar.” (MORAES,
2013, p. 342). A discriminação entre ato e conteúdo tornou-se essencial para o
entendimento da experiência psicológica. Logo mais, voltaremos nas ideias de
Brentano.
A escola de Wurzburg também foi opositora ao elementarismo associa-
cionista. Através da introspecção (entendida de maneira mais livre, menos
inflexível e mais ambiciosa do que difundida por Wundt e Titchner), chegou
ao “pensamento sem imagens”, que preconizava a desadequada concepção de
corrente mental justificadas apenas por uma singela associação de conteúdos
mentais. “As sequências mentais pareciam obedecer a uma (...) força que diri-
gia e organizava o pensamento, subordinando os seus elementos a uma estru-
tura cognitiva e motivacional.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 163).
O autor supracitado considera que a psicologia da Gestalt teve grande im-
portância partindo do estudo da percepção e estendendo-se para outras áreas
dos estudos psicológicos, principalmente sobre os processos cognitivos – per-
cepção, memória e solução de problemas – sem desfocar dos fatores motivacio-
nais e do comportamento.
CONEXÃO
Quer relembrar a psicologia científica de Wundt? Leia este artigo e relembre os princípios
fundamentais deste sistema teórico: ARAUJO, Saulo de Freitas. Uma visão panorâmica da
psicologia científica de Wilhelm Wundt. Sci. stud., São Paulo , v. 7, n. 2, June 2009 .
62 • capítulo 3
O fundamento da psicologia da Gestalt parte do trabalho do filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804), em que o objeto é organizado de uma maneira em
que tenha sentido para o observador, e não através de processo de associação.
Além de Kant, influências importantes sobre a psicologia da Gestalt foram
Franz Brentano, Ernst Mach, Willian James. Também houve grande influência
da fenomenologia3, em que há uma imparcialidade da descrição da experiên-
cia, sem diminuí-la em elementos.
Franz Brentano antecipou-se ao método instrospecionista da Gestalt, im-
putando respeitabilidade à expressão experiência, entretanto, não admitiu
a emergência de novos fenômenos capazes de uma complexidade cada vez
maior. A psicologia brentaniana julgava necessária a concentração no processo
ou ato de sentir e não na sensação como um elemento.
O físico Ernest Mach (1838-1916) sustentava que as sensações formam a base
de toda a ciência. Por se tratar de uma questão geral da epistemologia4, esta é uma
afirmação que poder ser feita tanto por um psicólogo como por um físico. A grande
novidade postulada por Mach foi relacionada à existência de dois tipos totalmente
novos de sensação: a sensação de forma espacial (como em um círculo, ou uma
forma geométrica) e a sensação temporal (por exemplo, como em uma melodia). Já
Wiliam James focou em desafiar o atomismo psicológico. (MARX & HILLIX, 2008)
COUTINHO (2008) traz outras contribuições ao surgimento da Gestalt, que
são pesquisadores alemães e austríacos, como Ehrenfels (1859-1932) e Kruger
(1874-1948), que, através de seus estudos, intentavam entender como ocorriam
os fenômenos perceptuais humanos, sendo que estes estudos se utilizavam de
obras de arte como elemento de percepção. A intenção era perceber o que acon-
tecia durante o processo perceptivo para que algumas pessoas percebessem
efeito ‘x’, enquanto outras pessoas percebiam efeito ‘y’.
As divulgações dos estudos levaram a descoberta de há duas espécies de
qualidade de forma, ou ainda, há dois modos de interpretarmos as formas:
3 Epistemologia: um ramo da filosofia que se ocupa da aquisição e validade do conhecimento. (MARX & HILLIX, p.
742). Para FERREIRA (1986) é o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e
que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; teoria da ciência. (p. 673)
4 Fenomenologia: um método de observação em que os dados experimentais são aceitos de maneira mais ou
menos ingênua, sem qualquer tentativa de análise. (MARX & HILLIX, 2012, p.743)
capítulo 3 • 63
As pesquisas de Ehrenfels possibilitaram outros estudos em relação à com-
preensão das formas psicológicas. Apenas há forma psicológica na percepção
humana, e é assim que a Gestalt a examina. Convencionou-se chamar estes es-
tudos de Psicologia da Gestalt. MARX & HILLIX (2008) ainda acrescentam que
Ehrenfels é usualmente reconhecido como o pioneiro intelectual imediato
do movimento gestaltista, apesar de os teóricos da Gestalt não reconhecerem
qualquer influência direta.
64 • capítulo 3
tímpano em uma sinfonia. Sucedendo-se no cérebro, a percepção utiliza a in-
formação sensorial (material bruto) em experiências perceptivas. (MORRIS &
MAISTO, 2010). Esta é a base da teoria da Gestalt.
capítulo 3 • 65
Segundo MORRIS & MAISTO (2010), além da aprendizagem e experiên-
cias passadas, há outros fatores pessoais que influenciam nossa percepção.
Pensando nas diferenças entre os indivíduos, deve considerar-se também nes-
sas experiências sensoriais e perceptivas a influência da raça, cultura e gênero.
Dentre os fatores que influenciam nossa percepção estão: a motivação, os valo-
res, as expectativas, estilo cognitivo, ideias culturais e a personalidade.
Sobre a motivação, é interessante perceber que, dependendo da nossa ne-
cessidade, esta poderá induzir a percepção do que almejamos, ou seja, nossa
percepção será moldada por nossos desejos e necessidades. Exemplo disso é
quando pessoas perdidas no deserto têm, através da miragem, fantasias visuais
de oásis.
Em relação aos valores, quando agregamos a determinado estímulo uma
associação que nos é interessante, este estímulo pode mudar. Em um experi-
mento com crianças, foi pedido que comparassem o tamanho de uma ficha a
um feixe de luz. Quando o tamanho estava ajustado corretamente, estas crian-
ças foram levadas até uma máquina em que estas fichas eram utilizadas para
pegar os doces. Dessa forma, as crianças aprenderam a valorizar as fichas, já
que poderiam trocá-las por doces. Posteriormente quando se pedia a estas
crianças para compararem o tamanho da ficha novamente, elas suponham que
estas fichas estavam maiores.
Quanto às expectativas, nossa percepção é capaz de ser influenciada pe-
las ideias preconcebidas sobre o que deveríamos perceber. Na familiarização
perceptiva ou generalização perceptiva, há uma grande tendência de vermos
o que o esperamos ver, mesmo que nossa expectativa e a realidade entrem em
embate.
O estilo cognitivo, ou um modo pessoal de lidar com o ambiente, modifica
o modo como vemos o mundo. Estas visões de mundo podem ser as seguintes:
a dependência de campo e a independência de campo. Na primeira, as pesso-
as tendem a ver o mundo como um todo, sem projetar claramente forma, cor,
tamanho e outras características individuais. No outro extremo, os que são in-
dependentes de campo separam os elementos do espaço, discriminando uns
dos outros.
Há, também no estilo cognitivo, os “niveladores” e os “aguçadores”. A di-
ferença entre eles é que, enquanto um nivela das diferenças entre os objetos,
os outros ressaltam. Enquanto os niveladores não percebem diferenças entre
figuras, os aguçadores são capazes de diferenciar tamanhos e realizar observa-
ções adequadas.
66 • capítulo 3
A influência do meio cultural na percepção das pessoas inclui linguagem (o
modo como se fala influencia a percepção do que está ao redor) como também
as diferenças culturais (por exemplo: um criador de cachorros profissional é
capaz de reconhecer características de uma linhagem de cães campeões que
um leigo não conseguiria, ou um músico pode identificar diferenças nas notas
de uma melodia que um espectador não seria capaz).
Outra forma de influência de percepção é a personalidade. Quando pala-
vras foram projetadas em uma tela, pessoas com anorexia eram capazes de
identificar ligeiramente as palavras relacionadas a alimentos que estavam sem-
pre no pensamento delas em detrimentos das palavras que não faziam parte
de suas ideias corriqueiramente. Com estudantes deprimidos, as palavras com
as quais eles se identificavam como tímido, quieto, eram mais rapidamente
identificadas do que as que eles pouco pensavam (como confiante, animado).
A percepção é influenciada então não apenas pela personalidade, mas também
provavelmente por distúrbios de personalidade. (MORRIS & MAISTO)
capítulo 3 • 67
A importância deste fenômeno, denominado Phi5, ou Fi, é que, entre uma
imagem e outra, não há qualquer estímulo, e o sujeito não conseguem perce-
ber se o movimento é real ou aparente. Esse processo total e contínuo é uma
Gestalt6.
Para MARX & HILLIX (2008), a psicologia da Gestalt foi e ainda é inclinada a incom-
preensão. Por ser resultado da cultura europeia, com sua doutrina publicada na língua
alemã, a ida de três de seus fundadores para os Estados Unidos (fugindo do nazismo)
contribuiu para explanar sobre a posição gestaltista e facilitar o acesso aos seus prin-
cípios em inglês. Esta interação da Gestalt com correntes mais americanizadas levou
a uma melhor admissão das suas ideias básicas. COUTINHO (2008) ainda traz que, a
palavra Gestalt é intraduzível do alemão para o português, sendo que a aproximação
para este termo seria a Psicologia da Forma.
5 Fenômeno Phi: ilusão de que dois focos fixos de luz piscante estão em movimento de um lugar para outro
(SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 263).
6 A palavra alemã “Gestalt” significa “padrão” ou “estrutura” (DAVIDOFF, 2001, p. 164). Ainda cabe falar em
“configuração” ou “forma” (FREIRE, 2012). Para Houaiss, Villar e Franco, (apud Engelmann, 2002, p. 2), Gestalt
“considera os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas, indivisíveis, articuladas, isto é, como
configurações”.
7 Constância perceptual: qualidade de integridade ou plenitude da experiência perceptual, que não se altera
mesmo com a mudança dos elementos sensoriais (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014).
68 • capítulo 3
retiniana do observador muda de tamanho. Quando você vê o perfil de um re-
lógio de parede redondo, continua a pensar nele como sendo circular, embora
projete uma imagem elíptica na retina. (...) Em termos gerais, constância signi-
fica que objetos vistos de diferentes ângulos, a distâncias variadas, ou sob con-
dições diversas de iluminação, são percebidos como se mantivessem o mesmo
formato, o mesmo tamanho e a mesma cor. (DAVIDOFF, 2001, p. 166)
Graças à memória e à experiência, mantemos também a constância de ta-
manho, ou seja, há uma tendência de percebermos objetos conhecidos com o
seu tamanho real, apesar da distância em que se encontram, mesmo que a ima-
gem na retina seja diferente. Quando vemos uma mulher a uma determinada
distância, por exemplo, podemos supor que ela meça 1,60 metro mesmo que
ela, na verdade, meça 1,70 metro. Mas dificilmente acharíamos que ela meça
90 centímetros, pois nossa experiência nos mostra que raramente uma mulher
adulta tenha essa altura. (MORRIS & MAISTO, 2010)
Há ainda a constância de forma, em que os objetos, mesmo variando de ân-
gulo pela nossa visão, possuem uma forma constante. Sabendo que uma porta
é retangular vista de frente e não passamos a supor que ela se tornou trapezoi-
dal só pelo fato de ser vista de outro ângulo.
De modo muito parecido, a constância de cor ocorre quando objetos que
nos são familiares tendem a manter as cores para nós mesmo em situações
desfavoráveis a nossos olhos. Se soubermos que um carro é vermelho, ele man-
terá essa cor na nossa retina mesmo em uma rua escura ou muito iluminada.
Entretanto, se o objeto não nos é familiar, pode haver distorção da cor, como
por exemplo, quando comparamos uma calça em uma loja com iluminação
excelente e quando a olha em um local com luz comum, a cor não é a mesma.
(MORRIS & MAISTO, 2010)
Conclui-se que a percepção é um fenômeno unificado, não podendo ser
compreendido como soma de elementos, ou sensações isoladas. Mesmo os
processos psicológicos constituem um todo, não sendo vistos como soma das
unidades ou partes. A partir de todas as pesquisas, pode se depreender que
percebemos casas, árvores, ao invés de enxergar cores ou formas separadas.
(FREIRE, 2012).
A autora supracitada ainda aponta que para a Gestalt, há uma importância
no estudo da relação das partes que compõe o todo, sendo que esta relação não
é inerte, mas sim capaz de proporcionar uma síntese criadora e nova. A me-
lodia não é composta do conjunto de notas, mas de uma configuração total.
capítulo 3 • 69
Esta sempre será idêntica, a não ser que se mude a relação entre os elementos.
“Nessa conformidade, pode concluir-se que a relação entre os elementos é es-
sencial para se determinar o tipo ou qualidade da forma ou do processo psíqui-
co em geral”. (FREIRE, 2012, p. 117).
FILHO (2009) esclarece que a hipótese da Gestalt para justificar a origem
destas forças integradoras do processo fisiológico central está relacionada a
um dinamismo autorregulador que, ao buscar sua própria estabilidade, incli-
na-se a organizar as formas em todos coerentes e unos. “Essas organizações
originárias da estrutura cerebral são, pois, espontâneas, não arbitrárias, inde-
pendentemente de nossa vontade e qualquer aprendizado” (p.19)
É interessante perceber como a Gestalt pode ser aplicada de maneira bastante prática
na Educação. Vendo o homem como uma totalidade, não é possível enxergar uma edu-
cação fundamentada somente no físico ou só no psíquico. Desta forma, não há como
acontecer o estudo de partes isoladas de uma matéria, como por exemplo, estudar a
revolução de 1930 isolada da revolução de 1964. Só percebendo as ligações entre os
fatos, sob o aspecto de um contexto maior, pode-se fazer uma verdadeira educação,
baseada na interdisciplinaridade.(FREIRE, 2012)
Este início da psicologia da Gestalt não foi tão fácil como aparentava ser.
“Os seus princípios eram complemente contrários à maioria da tradição aca-
dêmica da psicologia alemã. Proclamar que uma experiência complexa tinha
existência própria era uma revolução.” (MARX & HILLIX, 2008, p. 280). Quando
Wertheimer afirma que os dados primários da percepção são Gestaltens (estru-
turas), ele vai contra a tradição introspecionista alemã e seus discípulos ame-
ricanos. “Para esses psicólogos, as estruturas eram coisas a decompor em seus
elementos – e só estes eram primários.” (IDEM, 2008, p.280)
Mesmo com toda esta revolta, o autor supracitado afirma que a Gestalt ga-
nhou impulso devido ao fato de muitos estarem insatisfeitos com os resulta-
dos alcançados pela psicologia antiga, julgando-os pobres e artificiais. Assim,
muitos psicólogos, crendo que não seria mais possível negar a abordagem fe-
nomenológica ou os fenômenos reais emergentes, felicitavam este novo modo
de enxergar a psicologia.
BOCK, FURTADO & TEIXEIRA (1999) cita que a nossa percepção pode de-
monstrar algo diferente da realidade, pois ‘entendemos’ o ambiente de um
70 • capítulo 3
jeito diferente do que ele existe realmente. Por exemplo, quando cumprimen-
tamos uma pessoa conhecida e ao nos aproximarmos, percebemos que não era
esta a pessoa que imaginávamos. Este erro de percepção, que nos levou a cum-
primentar um desconhecido, ocorre porque na nossa percepção, a interpreta-
ção foi a de que estávamos vendo uma pessoa conhecida.
Só é possível alcançar a boa-forma quando há equilíbrio, estabilidade e sim-
plicidade. Se o elemento não for apresentado em aspectos básicos, possibili-
tando a sua decodificação, não será possível a percepção da boa-forma.
Um bom exemplo de boa-forma, segundo BOCK, FURTADO & TEIXEIRA
(1999) é a figura abaixo.
É comum perceber a reta abaixo maior que a reta acima. Entretanto, as retas
medem exatamente o mesmo tamanho. Isso se dá pelo fato de não haver entre
as figuras equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade, não podendo evitar
assim a ilusão de ótica e garantir a boa-forma.
É interessante perceber que a ilusão de ótica, ou ilusão visual deve-se ao
fato de percepções serem baseadas em hipóteses não apropriadas, resultando
em ilusões visuais. “Uma ilusão visual envolve uma aparentemente inexplicá-
vel discrepância entre a aparência de um estímulo visual e sua realidade física”
(WEITEN, 2010, p.116). Ao sermos ‘levados’ a perceber algo que não existe, os
psicólogos passam a conhecer melhor como funcionam os processos percepti-
vos nas situações cotidianas. (MORRIS & MAISTO, 2010).
Há diferença entre ilusões físicas e perceptivas, que são diferenciadas pe-
los psicólogos. A ilusão física ocorre quando vemos um palito inclinado em
um copo de água – pelo fato da água agir como prisma, há uma inclinação das
ondas de luz. Já nas ilusões perceptivas, o estímulo contem sinais enganosos,
como no exemplo acima.
capítulo 3 • 71
Outro exemplo de ilusões, que mostram como os processos perceptivos
funcionam, é a ilusão de movimento induzido. Quando estamos em um trem
parado e um outro trem ao lado começa a andar, temos a sensação de estarmos
movendo para trás. Mas se olharmos para o chão e o tomarmos como referên-
cia, cessará a ambiguidade e o momento se clareará. (MORRIS & MAISTO, 2010)
O cálculo da distância entre nós e os objetos é uma importante percepção
de distância e profundidade. Apesar de vermos o mundo em três dimensões, a
imagem projetada em nossa retina é essencialmente plana ou bidimensional.
Embora não seja uma orientação teórica ativa atualmente na psicologia,
a Gestalt é ainda influente na compreensão da percepção. (WEITEN, 2010).
“Como escola psicológica, a Gestalt deixou de existir desde meados do século
XX”. (FREIRE, 2012). Mas nos campos da educação e psicoterapia sua aplicação
continua presente e de grande importância. COUTINHO (2008) corrobora tra-
zendo que a psicologia da Gestalt vem sendo retomada desde a última década
do século passado, por te grande relevância na terapia, educação e mesmo na
saúde dos homens. Esta nova empreitada denomina-se neo-gestáltica, sendo
muito intensa nos países de língua inglesa.
A síntese apresentada por FILHO (2009) define esta abordagem da seguinte
maneira:
A Gestalt, após sistemáticas pesquisas, apresenta uma teoria nova sobre o fenômeno
da percepção. Segundo esta teoria, o que acontece no cérebro não é idêntico ao que
acontece na retina. A excitação cerebral não se dá em pontos isolados, mas por ex-
tensão. Não existe, na percepção da forma, um processo posterior de associação das
várias sensações. A primeira sensação já é de forma, já é global e unificada. (...) Não
vemos partes isoladas, mas relações. Isto é, uma parte na dependência da outra parte.
Para nossa percepção, que é resultado de uma sensação global, as partes são insepa-
ráveis do todo e são outra coisa que não elas mesmas, fora deste todo. (p.19)
72 • capítulo 3
lho de Wundt. Segundo DAVIDOFF (2001), “o que mais os contrariava era a ten-
dência de analisar fenômenos psicológicos isoladamente, em vez de examinar
a organização como um todo. Fenômenos psicológicos (...) são destruídos pela
abordagem fragmentada” (p. 164). Porém, as divergências entre a psicologia
Gestalt e o behaviorismo acabaram por levá-las a tornarem-se opostas, já que
a Gestalt admite o valor da consciência, enquanto o behaviorismo rejeita este
conceito na psicologia científica.
A diferenciação principal entre a Gestalt e o Behaviorismo pode ser resumi-
da na postura que cada corrente assume em relação ao objeto da Psicologia:
o comportamento (ambos decretam a psicologia como a ciência que estuda o
comportamento). A crítica da Gestalt em relação ao Behaviorismo, que com-
preende o comportamento relacionado ao estímulo-resposta, engloba o fato de
que o comportamento não deve ser estudado de maneira isolada, já que desta
forma pode-se perder o seu significado para o psicólogo (BOCK, FURTADO &
TEIXEIRA, 1999).
Os princípios da Gestalt:
8 Associacionismo: ponto de vista segundo o qual o comportamento aprendido é o resultado das associações de
simples sensações e ideias em complexos mentais. (MARX & HILLIX, 2008, p.738)
capítulo 3 • 73
um circulo, por exemplo. Há assim, uma grande diferença entre as experiên-
cias, já que “o modo de aparecimento de uma parte é afetado pela estrutura de
que faz parte” (MARX & HILLIX, 2008, p. 282)
Uma boa analogia para exemplificar o mérito da estrutura e a diferença entre todos
e somas de partes é a água. A mistura de seus elementos, hidrogênio e oxigênio, é
muito diferente da água em si. Só conseguimos conhecer as características do com-
posto “água” quando a estudamos diretamente, sendo que estudar seus elementos
separados não possibilitam o mesmo todo. As qualidades emergentes da água surgem
somente com a combinação de seus elementos. (MARX & HILLIX, 2008)
9 Isomorfismo: doutrina que afirma existir uma correspondência entre a experiência psicológica ou consciente
e a experiência cerebral latente. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 275). Para MARX & HILLIX, a definição de
isomorfismo seria a relação de 1:1 que se supõe existir entre os campos cerebrais e a experiência (p. 746).
74 • capítulo 3
Do mesmo jeito que o movimento real e o aparente são percebidos como idênticos,
devem ser parecidos também os processos corticais respectivos. “Em outras palavras,
deve haver uma correspondência entre a experiência consciente ou psicológica e a
cerebral subjacente, responsável pelo fenômeno phi. Essa ideia é denominada isomor-
fismo.” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 275) Comparando a percepção a um mapa,
os psicólogos da Gestalt afirmam que a percepção é uma cópia idêntica ao que repre-
senta, sem ser literal. Mas sabe-se que a percepção não é um referencial confiável para
perceber o mundo real.
capítulo 3 • 75
3. Semelhança/Similaridade: As partes semelhantes inclinam-se a se-
rem vistas juntas, agrupando-se. Elementos visuais (de acordo com cores, for-
mas ou texturas parecidas) são percebidos como agrupados. Há também uma
tendência de se ver agrupamentos que se direcionam em rumo semelhante.
“Consequentemente, unificamos os membros de um corpo de balé que dan-
çam em linhas paralelas, incutindo ordem naquilo que de outra forma parece-
ria um caótico conjunto de indivíduos”. (DAVIDOFF, 2001, p. 167)
É mais fácil percebermos linhas do que colunas na figura abaixo, por serem
semelhantes.
76 • capítulo 3
6. Figura/fundo: Quando vemos um objeto (a figura), há uma tendência
de organizar esta percepção sendo vista sobre o fundo (a base) em que aparece.
De acordo com o modo com que a percepção é organizada, pode haver uma
reversão, vendo objetos diferentes.
DAVIDOFF (2001) enfatiza que antes mesmo de saber o que é um determi-
nado objeto, é necessário separá-lo de seu segundo plano. Há sempre um des-
taque do objeto ou figura contra o fundo. “O mesmo objeto pode ser interpre-
tado como figura ou fundo, dependendo de como você direciona sua atenção”.
(IDEM, 2001, p. 165).
Na imagem abaixo, a representação de figura/fundo fica bem evidente: po-
de-se ver um vaso ou dois perfis de rosto. Este é um belo exemplo de figura/fun-
do. Estas reversões das imagens são espontâneas e difíceis de controlar. É in-
teressante ressaltar que, quando o cérebro e os sentidos estão funcionando de
maneira normal, não é possível ver a figura e o fundo simultaneamente, além
de, ocasionalmente, não ser imediata a imersão da figura no fundo.
capítulo 3 • 77
mudança da percepção do homem, traduzindo o enfoque de cada pessoa na-
quele determinado momento em relação à realidade e à existência. Outro as-
pecto importante percebido por este estudo está relacionado à importância
dada a visão da realidade e não de pressupostos, podendo transformar figuras/
problemas em fundos sem importância. Ao invés de fixar em um só aspecto, a
busca por outras opções pode mostrar uma visão do todo e assim, relativizar as
partes em favor do todo.
Assim, cita BOCK, FURTADO & TEIXEIRA (1999) na figura/fundo, quanto
mais clara for a forma (adquirindo assim boa-forma), mais clara será a distin-
ção entre a figura e o fundo. Neste exemplo, a figura é ambígua, ora a figura
aparece, ora o fundo, dependendo da percepção de que olha.
FIGUEIREDO (2010) sintetiza claramente as experiências de percepção da
Gestalt a seguir:
CONEXÃO
Quer conhecer melhor a aplicação das leis da Gestalt na nossa vida cotidiana? E ver tam-
bém outros exemplos de organização perceptual que são citados neste texto? Não deixe de
acessar o link do artigo de Andrade (2012) intitulado Avaliação de símbolos pictóricos em
mapas turísticos. Acesse aqui: ANDRADE, Andrea Faria; SLUTER, Claudia Robbi. Avaliação
de símbolos pictóricos em mapas turísticos. Bol. Ciênc. Geod., Curitiba , v. 18, n. 2, p. 242-
261, June 2012 .
78 • capítulo 3
Principais teorias
capítulo 3 • 79
A aprendizagem de ideias está intimamente ligada a interpretação das situações e estas
dependem da percepção que temos no momento. Nossas primeiras interpretações são
provisórias, como tentativas para a compreensão. Quando conseguimos perceber as re-
lações existentes em uma situação problemática, formando uma estrutura e integrando
os elementos em um todo, compreendemos a situação, temos um insight, ou seja, uma
reorganização de pensamentos anteriores que leva à boa forma e compreensão. (p.36)
Em seus estudos sobre a inteligência de chipanzés, Köhler utilizou utensílios muito sim-
ples e pôde, através da visão de percepção da Gestalt, compreender sobre a reestrutu-
ração do campo perceptual. Em um de seus estudos, por exemplo, Köhler colocava uma
fruta na frente da jaula do chipanzé, além de seu alcance e, ao lado da fruta, ponha uma
vara. A fruta e a vara eram entendidas pelo animal como fazendo parte de um mesmo
problema, assim logo o chimpanzé utilizou a vara para poder pegar a fruta e comer. Entre-
tanto, se a vara estivesse no fundo da jaula, a vara e a fruta não eram imediatamente en-
tendidas como parte de um mesmo problema. Quando se modificava o campo perceptual
do chipanzé, a questão poderia ser resolvida. Outro exemplo é quando se colocava dentro
da jaula dois pedaços de varas que não alcançavam sozinhas a fruta colocada do lado de
fora da jaula. Era necessário que o animal percebesse que somente com a junção das
duas varas ele poderia pegar a fruta, ou seja, apenas a apreensão de uma nova relação
entre as varas resolveria o problema. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014)
Pavlov contaria a tese de Köhler quando realiza a mesma pesquisa com ma-
cacos. Quando os animais precisavam apoiar uma caixa em cima da outra para
obter a comida que se encontrava no alto, Pavlov chega à conclusão de que o
comportamento dos macacos envolvia aprendizagem por tentativa e erro (se-
melhantes a encontrada por Thorndike) e não evidências de Insight. (SCHULTZ
& SCHULTZ, 2014)
O insight para a psicologia da Gestalt acontece quando olhamos uma figura,
até então sem sentido para nós, e, de repente, há uma compreensão imediata,
um entendimento interno, quando a relação da figura/fundo passa a se mos-
trar, elucidando a parte/todo. Este insight não requer de nós nenhum esforço
especial. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 1999)
Outro aspecto de estudo para Köhler foi relacionado aos princípios de
aprendizagem, apesar desta área não ser recebido um enfoque tão grande
como a percepção por parte dos psicólogos da Gestalt.
80 • capítulo 3
A aprendizagem e resolução de problemas eram entendidas de forma aná-
loga à premissa da percepção em que se baseava a Gestalt. Assim, a solução de
problemas transformou-se em uma reestruturação do campo perceptual.
Quando um problema é apresentado, está faltando algo que é necessário a uma so-
lução adequada. A solução ocorre quando o ingrediente que falta é fornecido de tal
modo que o campo torna-se significativo, em relação ao problema apresentado. (...) Os
gestaltistas consideraram que algumas espécies de aprendizagem exigiam um único
ensaio ou tentativa, sendo o desempenho facilmente repetido sem necessidade de
uma prática mais extensa. A maior parte do trabalho dos gestaltistas interessou-se
mais pela resolução de problemas do que pela aprendizagem. (MARX & HILLIX, 2013)
capítulo 3 • 81
1920 foram considerados modelos de criatividade e imaginação teóricas alia-
das a uma firme metodologia experimental. Por outro lado, Lewin defendia a
teoria diretiva na pesquisa e tornou-se famoso pelo desenrolar do sistema de
psicologia motivacional ou vetorial, conhecido pela teoria de campo.
82 • capítulo 3
Kurt Lewin era alemão e judeu, fato que influenciou sua obra em relação
ao trabalho com grupos minoritários. Estudou matemática e física, além de re-
ceber o Ph.D em psicologia. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014)
A dinâmica de grupo, fundada dentro das diretrizes do trabalho de Lewin,
trouxe grandes reverberações na prática dos psicólogos, especialmente na área
dos psicólogos nas empresas. Lewin foi um dos primeiros pesquisadores em
psicologia “a problematizar a relação entre pesquisador e pesquisado, apon-
tando o papel ativo do pesquisador e sua inter-relação com o campo do pes-
quisado.” (MORAES, 2013, p. 355) E com o estudo da dinâmica de grupo, a
elaboração da psicologia social, além da teoria da motivação, aprendizagem,
personalidade e psicologia infantil foram muito beneficiadas. (FREIRE, 2012)
Bastante focado na motivação humana, Lewin procurava humanizar as fá-
bricas da época, tentando converter o trabalho em uma possibilidade de satis-
fação pessoal e não apenas um meio de ganhar a vida. Com a ideia da teoria de
campo da física como referência, Lewin imaginou as atividades psicológicas de
uma pessoa também contidas dentro de uma espécie de campo psicológico, a
que ele chamou de espaço vital11.
No espaço vital, segundo SCHULTZ & SCHULTZ (2014), faria parte todos os
acontecimentos passados, presentes e futuros que nos afligem. Partindo do
ponto de vista psicológico, cada um destes acontecimentos demarcam algum
tipo de comportamento em um momento específico. O espaço vital, portanto,
funda-se na necessidade do indivíduo interagir com o ambiente psicológico.
É interessante perceber que o espaço vital de um bebê, que ainda possui
pouca experiência, contém poucas regiões diferenciadas. Em contra partida,
um adulto culto e requintado adquiriu com sua alta variedade de experiências
um espaço vital complexo e abrangente.
O conceito de espaço vital é o principal preceito da teoria de Lewin. É de-
finido como o conjunto de todos os fatos que determinam o comportamento
do indivíduo, enquanto campo psicológico, outro termo utilizado pela Teoria
de Campo é “o espaço de vida considerado dinamicamente, onde se levam em
conta não somente o indivíduo e o meio, mas também a totalidade dos fatos co-
existentes e mutuamente interdependentes”. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA,
1999, p.65)
11 Espaço vital: a totalidade dos fatores psicológicos efetivos para uma determinada pessoa, num determinado
momento do tempo (Lewin). MARX & HILLIX, 2012, p. 742)
capítulo 3 • 83
Com o intuito de compreender o comportamento individual a partir do gru-
po (ou do todo que rodeia o sujeito), Lewin pode chegar a interdependência que
há entre os seus membros. (FREIRE, 2012)
(...) o conteúdo teórico, entre as teorias de campo, possui um alto grau de características
comuns. A mais importante, para nós, é o interesse amplamente compartilhado pelos
problemas de percepção e cognição, e a tendência correlata para utilizar os processos
perceptuais e cognitivos como fatores explicativos. Isto não causará muito surpresa, se
atentarmos para as estreitas relações existentes entre as modernas teorias de campo
e a psicológica gestaltista clássica, a qual se interessava, primordialmente, por ênfases
semelhantes. (MARX & HILLIX, 2008, p. 431)
Gestalt terapia
84 • capítulo 3
despreza aspectos de si mesmo gasta muita energia, não percebendo suas ne-
cessidades reais, o que acarreta a adoção de características que não são suas.
Como objetivo de readquirir as capacidades inatas para o crescimento, os
clínicos gestálticos determinam tarefas árduas a si mesmos, pois assim conse-
guem quebrar bloqueios, fachadas, jogos, fingimentos e defesas dos pacientes.
É necessário nesta abordagem o estímulo à autoconsciência. O mais significa-
tivo seria ‘completar a Gestalt’, através da integração de todos os lados do self,
que harmonicamente passam a ser quem eles realmente são, vivendo o ‘agora’.
(DAVIDOFF, 2001)
Estes objetivos são alcançados através de várias práticas diferentes. Os te-
rapeutas desta abordagem observam e analisam em profundidade o cliente.
Observam voz, gestos, fala e a linguagem corporal e assim podem achar os pon-
tos nos quais os clientes estão evitando e se iludindo.
Dentre os exercícios utilizados pelos gestaltistas, sendo alguns recursos que
auxiliam na averiguação e na resolução de conflitos, podemos citar, de acordo
com DAVIDOFF, (2001):
capítulo 3 • 85
Aos gestaltistas desagrava a busca dos elementos da experiência e assinalavam que a
simples combinação de elementos não é adequada para produzir as características do
todo. Em psicologia, tal como na física, o todo requer leis próprias e a tarefa da psicolo-
gia consiste em tentar descobrir estas leis. (MARX & HILLIX, 2008, p. 313)
SCHULTZ & SCHLTZ (2014) apontam que as críticas à psicologia da Gestalt en-
volviam os seguintes temas:
86 • capítulo 3
LEITURA
O livro de Jorge Ponciano Ribeiro, intitulado de “Gestalt terapia: refazendo um caminho”,
trata desta corrente de pensamento e seu desenrolar no Brasil, desde seu início com poucos
profissionais interessados nesta área, até o aumento expressivo de gestaltistas brasileiros.
Também aborda os pressupostos teóricos da Gestalt.
Um clássico da literatura da Gestalt é o livro: “Gestalt Terapia Explicada”, de Frederick
Salomon Perls, que traz as ideias que fundamentam a Gestalt Terapia, por meio de palestras
e sessões gravadas. O livro, de mesmo autor, que também é rico na compreensão da abor-
dagem é “Isto é Gestalt”.
Na obra “Dicionário de Gestalt Terapia - Gestaltês”, de Gladys D’acri, vários autores
analisam os mais importantes conceitos de Gestalt-Terapia e sua evolução na atualidade.
Trata-se de um compêndio importante que embasa teoria e prática
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias – Uma introdução ao estudo de
psicologia. 13 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. 368p.
COUTINHO, K. R. R. A psicologia da Gestalt: aplicabilidade à pratica pedagógica da educação de
jovens e adultos. Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 11, n.1, p. 33-40, jan/abr. 2008
DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. 3 ed. São Paulo: Makron Books, 2001, 798p.
ENGELMANN, A. A psicologia da Gestalt e a ciência empírica contemporânea. Psicologia: Teoria
e Pesquisa, Vol. 18, n. 1, p. 01-16, 2002
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário as língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1996. 1837p.
FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010
FILHO, J. G. Gestalt do objeto – sistema de leitura visual da forma. 9 ed. São Paulo: Escritura Editora,
2009. 133p.
FREIRE, I. R. Raízes da psicologia. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 140p.
MARX, M. H.; HILLIX, W.A. Sistemas e teorias em Psicologia. São Paulo: Cultrix, 2008. 755p.
MORAES, M. O gestaltismo e o retorno à experiência psicológica In: JACÓ-VILELA, A. M.;
FERREIRA, A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia – Rumos e percursos Rio de Janeiro:
Nau Editora, 2013. p. 341-360
capítulo 3 • 87
MORRIS, C.G.; MAISTO, A. A. Introdução à Psicologia. São Paulo: Prentice Hall, 2004. 551p.
SCHULTZ, D.P.; SCHULTZ, S.E. História da Psicologia moderna. 10 ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2014. 418p.
WEITEN, W. Introdução à Psicologia - Temas e variações. 7 ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
605p.
88 • capítulo 3
4
Gestalt Terapia
e Psicologia da
Gestalt
4.1 Gestalt Terapia e Psicologia da Gestalt
Surgiu em 1951 por Frederick Perls buscando trazer contribuições para a
Psicologia da Personalidade voltadas para a psicoterapia e não para a teoria da
Personalidade conforme Freud, Jung, Adler e outros tinham propostos.
A Palavra Gestalt de origem Alemã não tem uma tradução ao “pé da letra”
para o português, mas pode ser compreendida como uma percepção; “uma dis-
posição ou configuração-uma organização específica de partes que constitui
um todo particular” (FRADIMAN E FRAGER, 1986, p. 127)
Para a reflexão dos seus conceitos e a formação das suas próprias teorias, a
Gestalt Terapia se respaldou nas bases filosóficas do humanismo, devido este
acreditar que todo comportamento humano é normal e acentua o desenvolvi-
mento do potencial dos indivíduos, ou seja, todos tem capacidade para desco-
brir seu potencial e assim desenvolve-los, mesmo dentro das nossas limitações;
existencialismo, aprendido nas linhas anteriores e que nos traz o aprendizado
de que a existência humana é singular e intransferível; fenomenologia, tam-
bém vista bem recentemente nesta disciplina e que afirma que a descrição é
mais importante que a observação, dando ênfase na percepção corporal da vi-
vencia imediata e importância no desenvolvimento do aqui-agora; e por fim, o
holismo, que se preocupa com o corpo, a integração das polaridades opostas,
concentração no aqui-agora, entre outras.
De acordo com Fradiman e Frager (1986, p. 127), “as principais correntes
intelectuais que influenciaram diretamente Perls foram a psicanálise (prici-
palmente Freud e Reich), a Psicologia da Gestalt (Kohler, Wertheimer, Lewin,
Goldstein e outros) e o existencialismo e a fenomelogia”.
No que diz respeito à contribuição, a teoria de campo de Kurt Lewin a
Gestalt é que este estudo afirmava que o indivíduo é capaz de interpretar todo o
campo onde as situações acontecem, é capaz de reconhecer a situação presente
e fazer escolhas por modificar ou continuar na mesma situação, dessa forma o
indivíduo pode trazer um investimento em si próprio da maneira que foi, que
é e escolhendo o que será, como um todo. Assim, fala-se muito de espaço vital,
onde este é o universo do psicológico, é o todo da realidade psicológica; contém
a totalidade dos fatos possíveis, capazes de determinar o comportamento do
indivíduo.
Mas você pode estar perguntando: Qual a relação da Fenomenologia, que
vimos agora pouco, com a Gestalt Terapia? Vamos buscar compreender isso de
uma maneira simples.
90 • capítulo 4
A Gestalt utiliza da fenomenologia da seguinte forma: dando importância a
descrição dos fenômenos. Fazer com que o individuo entre em contato com sua
própria descrição, acredita que assim o indivíduo pode mudar ou aceitar a sua
condição fenomenológica. O indivíduo só percebe a situação que já foi percebi-
da através do aqui-agora, ou seja, através do contato com a sua fala, respiração,
voz, expressão corporal e com o espaço que está trazendo o conteúdo. Através
do contato do indivíduo com o mundo natural e o mundo observado é que ele
faz o seu fenômeno de vida.
Compreendeu? Vamos a um exemplo para ficar mais claro.
A minha relação com meu irmão está muito delicada. Eu percebi que tenho
que falar mais calmamente, que devo evitar determinados assuntos para não
brigarmos, entre outras restrições. (Este é o conteúdo que percebo). Quando
conto isso ao terapeuta, considero que é um conteúdo a mais, mas o terapeuta
vai pontuado a minha respiração, a minha fala, os meus gestos e noto que é um
conteúdo que mexe muito comigo no aqui-agora (nova percepção sobre o que
foi percebido anteriormente).
Para, então, compreendermos os conceitos da Gestalt-Terapia vamos estu-
dar, resumidamente o movimento da Psicologia da Gestalt e assim relacionar-
mos os conceitos estudados por elas.
As influências antecedentes sobre a Psicologia da Gestalt foram:
Kant (1724-1804): afirmava que a percepção é uma organização ativa dos
elementos sensoriais numa experiência coerente. Assim ia contra à doutrtina
da associação, afirmando que algumas experiências são inatas. (Ex: espaço,
tempo e causalidade).
Franz Brentano (1838 - 1917), visto também nos estudos da Fenomenologia,
se opôs aos estudos de Wundt sobre os elementos ou conteúdos, ia a favor do
ato da experiência, o que chamou de Psicologia do Ato.
capítulo 4 • 91
• Max Wetheimer (1910): comparou a experiência sobre a visão do movi-
mento através de um estroboscópio. (Somatário de elementos sensoriais). Esse
experimento é aquele usado para dar movimento aos bonecos nos desenhos
animados. Desenha-se movimento por movimento e depois mistura os papeis.
Aos nossos olhos, esses elementos separados viram unidade e nos parecem que
estão em movimento.
92 • capítulo 4
• Continuidade: descreve a preferência pelos contornos contínuos e sem
quebra ao invés de outras combinações mais complexas, mas igualmente plau-
síveis de figuras mais irregulares. Se for perguntado: O que você vê abaixo: Uma
resposta esperada será: Um triângulo de cabeça para baixo. Mesmo que uma
parte do triangulo esteja maior que a outra temos a tendência de simplifica-lo
e vê-lo como perfeito.
capítulo 4 • 93
Unidade
94 • capítulo 4
Alguns conceitos principais abordados pela Gestalt Terapia
O Ethos do Agora
capítulo 4 • 95
A Gestalt Terapia trabalha muito com o presente e afirma que o presente só
existe agora, desviar-se dele o afasta da realidade.
Dessa forma a Gestalt acredita que atos de lembrar e planejar são funções
presentes. E que afastar as histórias que dizem respeito a fatos que acontece-
ram e que podem acontecer, fora do ambiente do aqui-e-agora, é arbitrária.
Não é dizer que o Passado e o futuro estão abandonados, mas são expecta-
tivas do passado e do futuro no presente que formam limites psicológicos para
a experiência presente e um contexto psicológico de fundo para o presente e
figura para o passado ou futuro.
Saber estar no presente é aprendizagem que requer reflexão sobre o seu sen-
tido e valor, caso contrário fica-se preso ao passado e ao futuro.
Mas como a Gestalt Terapia trabalha o passado?
Através do conteúdo trazido no presente, ou seja, no aqui-agora. Através da
tomada de consciência, da interpretação dos movimentos corporais, do tom de
voz, da fala e da investigação de como esse conteúdo passado influencia no pre-
sente. A Gestalt só trabalha com o passado quando este é abordado pelo cliente,
caso contrário este não é o foco da terapia.
A Gestalt Terapia para desenvolver a consciência estimula que o paciente
Fale sobre, ou seja, faz com que as pessoas experenciem sua ação presente en-
quanto estão se comunicando. Ao invés de trazer um relato com sofrimento, o
apresenta com naturalidade, o visualizando no presente.
Para Freud não há importância nas interações presentes; elas são disfarces
do que vem do passado. (transferência). Para a Gestalt é preciso ter preferên-
cia pelo momento novo e presente. Afirma que não há necessidade de buscar
símbolos no passado; a própria experiência presente produz símbolos que são
afirmativas válidas.
É preciso atribuir significados às experiências coloca-os dentro de um mol-
de, algo que está em processo, mas é preciso registrar a experiência por meio do
significado. Exemplo: Hoje sai para jantar com meus amigos. Que significado
isto tem para mim, hoje? Como registrei essas informações?
Os instrumentos da Gestalt Terapia.
O primeiro instrumento é o próprio terapeuta, seu estado psicológico e
como ele vai conseguir visualizar o discurso do paciente é a principal ferramen-
ta. Ele recebe e avalia o que acontece na interação paciente-terapeuta e assim
vai apresentando suas intervenções. Mas não é porque é terapeuta que aceita
todo o conteúdo trazido pelo paciente com tranquilidade. Ele também se irrita,
fica entediado e frustrado.
96 • capítulo 4
O mais importante é conseguir trabalhar livremente e não ficar preso a
técnicas e a teorias. Para isso a Gestalt fala da Escolha livre onde o terapeuta
é ativo. Afirma que outros acontecimentos estão presentes na terapia, como a
dissociação livre (o paciente foge da responsabilidade); e a associação livre- o
terapeuta é passivo, sendo esta clássica da Psicanálise.
capítulo 4 • 97
2 Obstáculos para concluir uma situação inacabada:
Acessibilidade do fundo
Para a Gestalt Ter acesso ao fundo acontece por meio da experiência, da des-
crição dos fatos
A pessoa está presente na experiência quando está com atenção aberta às
alternativas e com o senso de escolha dentro das possibilidades.
As vezes isso pode soar como a mesma maneira que a Psicanálise trabalha o
inconsciente, mas tem suas diferenças.
O Inconsciente para Gestalt assim como para a Psicanálise, também é um
depósito das coisas que nossas defesas psíquicas, para evitar o sofrimento, não
nos permite lembrar. A Gestalt aborda o inconsciente no aqui-agora, não foca o
passado, mas sim o presente, acredita que através da investigação do presente
o terapeuta e o cliente podem chegar a conclusão do motivo daquele assunto
que em um dado momento pareceu ser inconsciente, mas com a investigação
tornou-se consciente.
Já a Psicanálise aborda o inconsciente através de experiências passadas e
através de teorias formuladas por ela, onde o cliente é figura ativa no processo.
A Gestalt não tem teorias formuladas acerca do inconsciente e num trabalho
conjunto-terapeuta-cliente- é que se chega a uma conclusão, mas sendo que
esta conclusão é no presente, não havendo necessidade de trazer experiências
passadas.
98 • capítulo 4
O contato
capítulo 4 • 99
Familiaridade: Modo como nos agarramos ao que conhecemos em vez de
nos aventurar no desconhecido. Ex: viajar para o mesmo lugar, sempre. Manter-
se casado, mesmo não dando mais certo. Assim cria-se comportamento enges-
sados do tipo: Eu sempre fui assim e não vou mudar.
Expressivas: referem-se às restrições que a vida impõe ao longo da existên-
cia e que posteriormente acabam dando continuidade ao longo da vida. Por
exemplo: Um pai que diz não chore, pode criar no adulto a dificuldade de ex-
pressar sentimento que exijam o choro.
Exposição: são pessoas que não querem ser identificadas então camuflam
seus sentimentos, seus valores, suas atitudes, entre outras reações.
Um termo muito apontado pela Gestal refere-se a AWARENESS
(consciência).
As pessoas quando estão em terapia já estão aware (consciente) do que es-
tão fazendo. O terapeuta vai investigar e perguntar do que o indivíduo está awa-
re, ou seja, o que o paciente está fazendo, o que está sentindo, ou o que deseja.
Segundo Ginger e Ginger (1995) para responder a essas perguntas, a pessoa
pode abandonar o fluxo contínuo da comunicação, voltar sua atenção para si
mesma, identificar o que estava realmente acontecendo consigo e conseguir
relatar isto a outra pessoa.
Estar aware, em sua maioria o indivíduo não está pronto em ter acesso as
suas sensações e não se permite ter acesso a awareness.
O obsessivo, por exemplo, concentra-se tanto nos mínimos detalhes do seu
próprio comportamento e o efeito que este mesmo evoca nos outros, se esque-
cendo de estar aware. Por exemplo, o obsessivo, pode ser homossexual, mas usa
de sua obsessão para fugir do seu próprio medo. Este evitar o deixa tenso, dese-
quilibrado, facilmente envergonhado e ofendido, mas seguro, pois a segurança
é seu apoio de que as pessoas dessa forma não notará sua sexualidade.
Embora o indivíduo possa não estar imediatamente aware do processo em
momentos de maior envolvimento, isto acontece só porque ele está focalizado
exteriormente, seu envolvimento com uma figura de interesse está aumentan-
do e sua função é aceitável.
O indivíduo aprende como se tornar aware ou por diversos exercícios ou
pela orientação sensível do terapeuta que dirige a atenção do paciente para de-
talhes de seu próprio comportamento que são relevantes, porém ignorados.
100 • capítulo 4
O processo de tornar-se aware acontece de 2 formas na terapia:
• Experiências culminantes- são formas compostas; é um evento total e uni-
ficado que é de importância central para o indivíduo. Ex: um molho, ida a um
show.
• Experiências ingredientes- são os elementos num todo composto. Essas
geralmente passam desapercebidas, mas poderíamos explorar e descobrir sua
relação com o evento culminante, intensificando assim a experiência.
capítulo 4 • 101
ter sensação; 2- a facilitação do processo de elaboração; por exemplo, pessoa
que foi promovida e acaba não sabendo lidar com os outros funcionários que
se encontram na sua situação anterior; e 3- recuperação de experiências anti-
gas, por exemplo; marido que morreu há muito tempo, mas não consegue ter
a sensação verdadeira.
102 • capítulo 4
4. Awareness de valores e avaliações
Se centra ao redor de unidades de experiência mais amplas do que as sensa-
ções, sentimentos e desejos.
É uma atividade unificadora, incluindo e resumindo grande parte da vida
anterior do indivíduo e sua reação a ela.
Quando estamos lidando com a awareness de valores e avaliações, estamos
acionando uma gama de julgamentos e contradições internas.
capítulo 4 • 103
Considerações Finais:
Abaixo você se deparará com alguma questões que envolvem todos os conte-
údos aqui abordados. Procure respondê-las sem olhar o gabarito e depois confi-
ra se você aprendeu mesmo o conteúdo.
104 • capítulo 4
dos indivíduos em diferentes situações. Neste momento, os estudiosos sobre
a fenomenologia apóiam os pensamentos de Locke (empirismo), afirmando
que a mente nasce como se fosse um papel em branco e que a capacidade do
homem em adquirir conhecimento está em associar os elementos expostos na
natureza e a partir destes construir suas ideias.
2. O que é fenomenologia?
capítulo 4 • 105
como fantasias e imaginações. Seu objeto de estudo era a consciência e o méto-
do a observação natural.
Percepção pode ser definida como observar sem interpretar e intuição como
saber o significado e torna-se invariante.
106 • capítulo 4
passava da média. A partir desse estudo, ele desenvolveu uma teoria da perso-
nalidade que se concentra na motivação para crescer, para se desenvolver e re-
alizar o eu a fim de concretizar de modo pleno nossas capacidades e potencia-
lidades humanas.
Para tornar-se auto-realizadora, a pessoa precisa satisfazer as necessidades
que estão na escala mais baixa da hierarquia de necessidades: 1) necessidades
fisiológicas (comida, sono, fome etc.); 2) necessidades de segurança (estabili-
dade, proteção); 3) necessidades de pertinência e amor; 4) necessidades de esti-
ma dos outros e de si mesmo (auto-estima); 5) necessidade de auto-realização.
capítulo 4 • 107
2. A partir de quais bases teóricas a Gestalt-terapia foi embasada?
Na Psicologia da Gestalt, na teoria de campo de Kurt Lewin e na Teoria
Organísmica Goldstein.
108 • capítulo 4
construídos através do ato do algo percebível, caso contrario fica apenas como
percebedor, sem formamos pensamentos, lembranças, imaginação, não pode-
remos tornar o fenômeno como algo percebível.
capítulo 4 • 109
assume responsabilidade, pode-se se dizer que encontrou o seu equilíbrio ou
tomada de consciência. A outra forma é a frustração, ou seja, através das nega-
ções do indivíduo e da insatisfação frente a essas negações o terapeuta o convi-
da a entrar em contato com este momento e o individuo quando percebe suas
negações e insatisfações se sente culpado ou frustrado por ser responsável por
sua própria condição, diante disso ele faz toma consciência do sintoma e faz
sua escolha.
110 • capítulo 4
permite lembrar. A Gestalt aborda o inconsciente no aqui-agora, não foca o pas-
sado, mas sim o presente, acredita que através da investigação do presente o te-
rapeuta e o cliente podem chegar a conclusão do motivo daquele assunto que em
dado momento pareceu ser inconsciente, mas com a investigação tornou-se cs.
capítulo 4 • 111
Ser-no-mundo é uma relação do indivíduo com o mundo de forma onde os
dois participam do processo de construção da existência e de mudança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em direção à maturidade: Uma proposta de clarificação do desafio de Carl Rogers. PCLI
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