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Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a musicalização na educação
infantil, considerando a importância da música como parte da cultura e, portanto, como conhe-
cimento a ser trabalhado no contexto da educação infantil. Para tanto, além da pesquisa biblio-
gráfica, foi realizado um estágio numa escola de educação infantil da rede privada de Campinas
durante 8 meses, no qual foi feito um acompanhamento direto das aulas de música desenvolvi-
das por uma professora "especialista", com turmas de 0 a 6 anos de idade. Inicialmente, no pri-
meiro capítulo, "O que é musicalizar?", discuto o conceito de musicalização procurando relaci-
oná-lo com o contexto escolar. Em seguida, no segundo capítulo, "O processo de musicaliza-
ção", reflito sobre as possibilidades de trabalho para o desenvolvimento das aulas de música na
educação infantil. No terceiro capítulo, "Vivência no estágio", relato as experiências vividas nas
aulas de música, procurando mostrar exemplos das atividades desenvolvidas. Por fim, nas "Con-
siderações finais", concluo este estudo enfatizando a importância do desenvolvimento de traba-
lhos em parceria no processo de musicalização na educação infantil.
Abstract: The present work has as objective to reflect on the musicalization in the basic educa-
tion, considering the importance of music as part of the culture and, therefore, as knowledge to
be worked in the context of the basic education. For in such a way, beyond the bibliographical
research, a period of training in a school of basic education of the private network of Campinas
during 8 months was carried through, in which was made a direct accompaniment of the lessons
of music developed by a teacher "specialist", with groups of 0 the 6 years of age. Initially, in the
first chapter, " What it is to musicalization?", I argue the musicalization concept looking for to
relate it with the pertaining to school context. After that, in as the chapter, " the musicalização
process ", I reflect on the possibilities of work for the development of the lessons of music in the
infantile education. In the third chapter, " Experience in the period of training ", story the expe-
riences lived in the music lessons, looking for to show examples of the developed activities.
Finally, in the " Final Considerations ", I conclude this study emphasizing the importance of the
development of works in partnership in the process of musicalization in the basic education
alunos tanto um conhecimento mais ção, o que fará com que elas deixem de
aprofundado desse universo já conheci- aceitar o direcionamento do professor.
do, como o acesso a um universo des-
conhecido. E nessa relação conheci- A participação dos alunos é fundamen-
do/desconhecido buscar nossas signifi- tal para o bom andamento do processo.
cações para a música como arte. Eles precisam participar de todas as
atividades propostas, e por isso é im-
Devemos acabar com o mito de que a portante que o processo seja lúdico. Os
música é uma arte destinada apenas para alunos precisam sentir envolver-se para
os grandes gênios, pois, segundo afirma participar. “É aconselhável (...) que a
Almeida (2001), se pensarmos em ins- música seja apresentada por meio de
trumentos e partituras, a música pode estórias, dramatizações, jogos e brin-
ser algo muito distante de nós, porém, cadeiras que motivem a participação”
não podemos nos esquecer de que te- (Silva, 1992, p. 93).
mos a voz e podemos cantar. Acredito
que devemos pensar assim para que Devemos incentivar a participação dos
possamos levar a música para dentro alunos desde muito pequenos. Bebês
das nossas escolas e proporcionar esse com menos de dois anos de idade tam-
conhecimento para nossos alunos. bém são capazes de distinguir som e
silêncio e, se dermos um instrumento
O PROCESSO DE MUSICALIZA- nas mãos deles, eles saberão que, se
ÇÃO você perguntar “cadê o som”, eles de-
vem tocar o instrumento para ouvirem o
No processo de musicalização, não po- som.
demos nos esquecer de que as crianças,
quando brincam, usam sons espontane- Penso que o processo de musicalização
amente, criam músicas, e essa atitude, deve começar o mais cedo possível, tão
se não é incentivada, tende a desapare- logo as crianças iniciem na educação
cer com o tempo. Quando atingem uma infantil (em creches e pré-escolas), po-
certa idade, geralmente depois que vão rém, no início do processo, até os dois
para o ensino fundamental, por volta anos de idade, creio que a música deve
dos seis ou sete anos, as crianças pas- fazer parte da rotina da sala, sendo tra-
sam a sentir vergonha de se expressar balhada pela própria professora em di-
por meio de sons, pois a escola não in- versos momentos, não havendo necessi-
centiva essa prática. Ao contrário, prio- dade da presença de um "especialista"
riza o silêncio, o que faz com que as para as aulas de música, pois as crianças
crianças calem-se, deixem de utilizar são muito pequenas e não conseguem
sons para se expressar. Portanto, não estabelecer vínculos com o "especialis-
podemos dizer que a musicalização ser- ta", que dá aula para eles durante vinte
ve para transformar as crianças em seres ou trinta minutos na semana. A partir
musicais, apenas precisamos incentivá- dos dois anos, mesmo que haja a pre-
las a continuar usando e criando sons. sença de um "especialista" na área, é
necessária a presença da professora du-
A musicalização deve ser trabalhada de rante as aulas de música, pois mesmo as
maneira lúdica. A criança deve sentir crianças já conseguindo estabelecer
prazer em freqüentar as aulas de músi- maiores vínculos e aprender alguns
ca, usar a criatividade. Porém, precisa- conceitos musicais como forte e fraco e
mos tomar cuidado para que as crianças ritmos simples, elas ainda estranham a
não considerem as aulas de música so- presença de uma pessoa dando aula para
mente como divertimento, descontra- elas apenas uma vez por semana, além
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bém considerar essa como sendo a fun- essas novas situações e dúvidas das cri-
ção da musicalização na escola. Vemos, anças que estão surgindo.
então, mais uma vez a importância da
musicalização na educação infantil, Penso que nós devemos incentivar as
colocar a criança em contato com a crianças a ouvirem músicas que façam
cultura artística/musical desde pequena. parte do universo infantil. Existem
muitos CDs que retratam isso e como
É importante ressaltar que não é neces- bons exemplos podemos citar as canti-
sário levar músicas que estão em moda gas de roda, que além de fazer parte da
no rádio e na televisão, pois a esses es- cultura, fazem parte também do univer-
tilos as crianças têm acesso em casa e, so infantil. Além das cantigas de roda,
quase sempre, representam uma banali- outras músicas infantis retratam o uni-
zação da cultura. Devemos apresentar às verso das crianças, incentivam a criati-
crianças músicas diferentes, para que vidade, as brincadeiras, que são neces-
elas possam conhecer um repertório sárias no processo de desenvolvimento
amplo, que não conheceriam fora do da criança. No entanto, não devemos
processo de musicalização. restringir o nosso trabalho às músicas
infantis, porque contamos com um
De acordo com Almeida (2001), a cul- vasto repertório musical de qualidade
tura de massas é uma produção simples, que pode ser conhecido pelas crianças.
sem dificuldades intelectuais, que não
precisa de questionamentos. Estamos Como a musicalização não tem o obje-
passando por um processo de banaliza- tivo de formar grandes músicos, não
ção da cultura, pois vemos bons artistas podemos enfatizar os aspectos gráficos
e compositores sendo desprezados pela e de harmonia. Devemos incentivar a
mídia, enquanto outros, com músicas criatividade das crianças, pois, de acor-
sem qualidade e técnica, são exaltados do com Peixoto (1988), primeiro preci-
pela mídia, fazendo grande sucesso e samos ampliar o universo sonoro das
atraindo as massas, inclusive as crianças crianças, para só depois pensar na grafia
que passam a querer vestir-se e com- musical, o que não caberia à educação
portar-se como esses “artistas”. É muito infantil, pois, segundo Jeandot (1993, p.
grave vermos meninas usando sapatos 21),
de salto, maquiagem, enquanto meninos
tingem o cabelo de loiro etc., e tudo isso “(...) uma aprendizagem
com o consentimento a apoio dos pais. voltada apenas para os as-
pectos técnicos da música é
As músicas que estão na mídia atual- inútil e até prejudicial, se ela
mente incentivam as crianças a se torna- não despertar o senso musi-
rem adultos precoces, pois apelam para cal, não desenvolver a sensi-
a sexualidade, a violência e o precon- bilidade. Tem que formar na
ceito (como o funk, por exemplo), entre criança o musicista, que tal-
outras coisas. E a escola, que na maioria vez não disponha de uma
das vezes não está atenta para fazer uma bagagem técnica ampla, mas
crítica à cultura massificada, acaba re- será capaz de sentir, viver e
forçando esses valores que estão sendo apreciar a música”.
impostos pela mídia às nossas crianças.
O problema é que com essa imposição
da mídia, as crianças estão se tornando O trabalho com o corpo é fundamental,
cada vez mais precoces, o que também pois a criança dos zero aos seis anos
afeta a escola, pois não sabe lidar com expressa-se por meio de sons e gestos.
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É necessário que o professor relacione a abril deste ano, e combinei com a Pris-
expressão corporal da criança com o cila que continuarei até o final do ano
trabalho musical. Ele pode, por exem- acompanhando as aulas de música de
plo, utilizar jogos que trabalhem com várias turmas, com total abertura da
sons e gestos para que seu trabalho tor- professora para participar de todas as
ne-se mais rico. atividades.
Podemos trabalhar, ainda, com os sons As aulas de música das quais participo
produzidos pelo corpo (palmas, pés, são muito dinâmicas. A professora pro-
vocais), com objetos da sala de aula, de cura fazer as crianças participarem de
fora da sala. O professor pode gravar todas as atividades propostas, que são
sons que ouve em casa, no dia-a-dia e bem diversificadas. Na mesma aula, a
trazer para os alunos identificarem, Priscila trabalha com o corpo, com
além de pedir para que os alunos tragam instrumentos, com a voz e toca músicas
de casa objetos que produzam sons. para que eles aprendam a cantar e fazer
Pode, ainda, pedir para os alunos imita- os gestos.
rem sons da natureza e dos animais.
As aulas têm sempre um caráter lúdico,
As aulas de música devem ter ativida- voltadas para o prazer e o envolvimento
des diferenciadas para garantir o envol- da criança. A Priscila procura fazer com
vimento dos alunos durante a maior que as crianças gostem de participar e
parte do tempo e, assim, possibilitar a elabora atividades que trabalham os
realização de um bom trabalho. Pode- conteúdos musicais de maneira diverti-
mos incluir em uma mesma aula: músi- da, muitas vezes utilizando brincadeiras.
cas para tocar, para dançar, para cantar, Uma das músicas que as crianças can-
conto sonoro, entre outras atividades tam na escola retrata bem essa dimensão
que o professor possa programar para as lúdica das aulas, e a letra diz:
aulas de música. O importante é garantir
a participação dos alunos na aula e, para "Nós vamos agora cantar,
que eles participem, é necessário diver- cantar
sificar as atividades, a fim de que a aula Vamos cantar juntos, brin-
não se torne chata, desinteressante. car, brincar
Cantando brincamos, vem
cá, vem cá
VIVÊNCIA NO ESTÁGIO Brinca de cantar".
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ra, trazendo bons resultados diante dos mento) “cadê o tambor” e os alunos que
objetivos da professora. estão escondidos respondem (também
batendo o ritmo) “aqui”. Depois que são
Outra brincadeira utilizada pela Priscila encontrados, invertem-se os papéis, os
com as crianças de 3 anos para o apren- que estão com o pandeiro escondem-se
dizado do conceito de altura é feita da e os que estavam com o tambor vão
seguinte maneira: as crianças ficam procurá-los.
todas abaixadas e eu toco uma escala no
teclado. Conforme as notas ficam agu- As aulas nem sempre acontecem como a
das, elas vão levantando, até ficar na professora planeja. Muitas vezes, por
ponta do pé. Depois eu vou descendo a causa da agitação dos alunos em algu-
escala e elas vão abaixando. Certo dia, mas turmas, a Priscila não consegue
quando cheguei na nota mais grave do alcançar seus objetivos. Existem vários
teclado, todas as crianças estavam dei- casos de aulas em que a professora pla-
tadas no chão, e uma aluna perguntou neja o seu trabalho e não consegue rea-
para a professora: "tia, por que o som lizá-lo porque os alunos ficam atrapa-
caiu?". Esse trabalho dentro de uma lhando o desenvolvimento das ativida-
abordagem "literal" do som também des. Nesses casos, ela geralmente encer-
pode ser feito objetivando uma aborda- ra a aula mais cedo.
gem "não literal", em que se procura
estimular diferentes interpretações cor- Mas também existem dias em que os
porais para os sons graves e agudos. alunos estão interessados nas aulas. Ge-
ralmente nesses dias eles mostram que
Outro ponto que percebi ser fundamen- eles sabem muitas coisas que a profes-
tal nas aulas de música é o trabalho com sora ensinou e só não fizeram antes
o corpo. Em todas as aulas, a Priscila porque não estavam com vontade.
toca pelo menos uma música para as Como exemplo, posso citar as músicas
crianças dançarem, muitas vezes se- que são apresentadas na escola; muitas
guindo a letra da mesma. Um exemplo vezes eles não cantam durante os ensai-
de música utilizada é: os e, no último dia, mostram para a
Priscila que eles aprenderam e só não
“Ir na rua prá jogar amare- cantaram antes porque não quiseram.
linha (nha)
Jogar bola na janela da vizi- Um projeto elaborado pela professora
nha (nha) este ano foi chamado de "soldadinhos
Correr, pular, brincar, é da pátria", para ser apresentado no final
uma curtição, do mês de setembro. Nesse projeto, ela
Melhor que ver televisão”. ensaiou uma pequena apresentação mu-
sical com cada turma para apresentar
Há também uma atividade na qual os para os pais, além de ensinar aos alunos
alunos movimentam-se por toda a es- como deveriam comportar-se durante o
cola: é o esconde-esconde com instru- hino nacional. Ela até arrumou uma
mentos. A Priscila divide a turma em bandeira e deu um jeito de hasteá-la na
dois grupos e dá um instrumento dife- praça durante a apresentação.
rente para cada grupo, por exemplo:
para um, o tambor e para o outro, o Fiquei impressionada ao ver o desen-
pandeiro. Então, a turma do tambor es- volvimento rítmico da turma de três
conde-se em algum lugar da escola e a anos nos ensaios para essa apresentação.
turma do pandeiro tem de procurar per- A Priscila propôs um instrumento para
guntando (e batendo o ritmo no instru- cada turma, e para essa, foram as claves
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teclado para a escola e contou uma his- lado fica um salão onde as crianças to-
tória de bruxa para as crianças. Elas mam lanche, brincam, têm aula de culi-
gostaram muito e, a partir daí, querem nária, ou seja, sempre tem uma turma
histórias em todas as aulas. ali fazendo barulho, o que distrai as
crianças. Do outro lado dessa sala fica o
Nesse dia, ao invés de fazer os sons da parque, onde também sempre têm crian-
história com a boca, a Priscila usou o ças passando, brincando e gritando, o
teclado para fazer todos os sons que que acaba tirando a atenção das turmas
usou na história, mas mesmo assim, que estão tendo aula.
pedia para os alunos fazerem junto com
o teclado. Esse trabalho ficou muito Outro ponto que atrapalha o andamento
interessante. das aulas de música e, principalmente o
planejamento da professora, são as
As experiências vividas nesse estágio apresentações em eventos comemorati-
têm sido para mim um importante vos da escola: dia dos pais, das mães,
aprendizado como educadora e têm co- festa junina, natal etc. Creio que é muito
laborado como inspiração para minhas válido que as crianças façam apresenta-
reflexões sobre a musicalização na edu- ções para os pais assistirem, pois os pais
cação infantil. gostam de ver seus filhos dançando,
cantando e tocando algum instrumento e
CONSIDERAÇÕES FINAIS as crianças sentem-se felizes em mos-
trar aos pais o que estão aprendendo na
Estou gostando muito das aulas de mú- escola. Porém, os ensaios acontecem
sica que tenho assistido, mas alguns todos no horário das aulas de música, o
pontos me incomodam. O principal de- que dificulta o desenvolvimento do pla-
les é a falta de apoio da escola para es- nejamento elaborado pela professora.
sas aulas, pois apesar de proporcionar o
acesso à música para todos os alunos, Penso que as apresentações de dança e
não há uma colaboração efetiva para o canto podem ser ensaiadas também com
desenvolvimento do trabalho. as professoras de cada turma durante
toda a semana, assim, a Priscila não
Um dos motivos que me levam a afir- passaria toda a sua aula ensaiando para
mar isso é a falta de um espaço adequa- essas apresentações. As músicas especi-
do onde as aulas possam acontecer. No ais que as crianças cantaram no dia dos
caso das aulas do berçário e do mater- pais e dia das mães foram gravadas em
nal, existe uma sala de música mas, na fitas para que as professoras pudessem
maioria das vezes, ela não é usada, pois aprender e ensaiar com as crianças, mas
é a sala na qual muitas crianças dor- muitas vezes isso não acontecia, o que
mem. Por causa disso, cada dia as aulas dificultou também o aprendizado das
são dadas em um lugar diferente, muitas crianças menores, que de uma semana
vezes chegando a ser dadas na garagem, para a outra esqueciam a letra da músi-
que é um lugar onde passam muitas ca. Acredito que as apresentações preci-
pessoas, inclusive as crianças quando sam ser assumidas por toda a equipe
chegam, e a todo momento os alunos pedagógica da escola e não somente
distraem-se. pela área de música.
Nas aulas das crianças de três a seis Tenho questionado-me muito sobre a
anos, a sala destinada para as aulas de presença do "especialista" na educação
música é sempre utilizada, porém, a sua infantil. Será que é melhor que o "espe-
localização não é adequada, pois de um cialista" esteja mesmo nessas escolas,
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muitas vezes sem estabelecer vínculos tação do dia dos pais, e as crianças não
com as crianças e com as outras profes- me respeitaram. Naquele contexto, não
soras? O que tenho percebido no estágio foi possível fazer o que a Priscila tinha
é que as crianças pensam que as aulas me pedido porque eles não deixaram.
de música são apenas divertimento, um
momento de descontração, enquanto Acredito que a presença do "especialis-
muitas professoras consideram as aulas ta" é considerada indispensável por
como um descanso, pois deixam as cri- muitos pais, que querem que seus filhos
anças com o "especialista" e aproveitam sejam “pequenos gênios”, que saibam
esse tempo para preparar as aulas ou um pouco de tudo, e por muitas escolas,
terminar atividades que têm para fazer. que conhecem a falta de preparo das
professoras para trabalhar certos conhe-
Penso que, nesse caso, a melhor forma cimentos.
de solucionar esse problema seria in-
vestir na formação dos professores, para Entretanto, seria mais adequado que as
que eles mesmos pudessem trabalhar próprias professoras tivessem preparo
com a música, entre tantas muitos co- para trabalhar com a música na escola,
nhecimentos, com seus alunos. Talvez mas como isso não ocorre, acredito que
assim o desenvolvimento das crianças se faz necessário que as professoras
nessas áreas específicas fosse maior, pelo menos acompanhem essas aulas,
pois fica muito mais fácil realizar um que não deixem as crianças sozinhas
trabalho quando se tem vínculo com as com o "especialista", pois elas acabam
crianças. ficando sem referências conhecidas
dentro da sala de aula e assustam-se, o
O que eu percebi no estágio a esse res- que geralmente acaba resultando em
peito, é que as crianças maiores conse- receios, bagunça e desrespeito dos alu-
guem criar um vínculo melhor com o nos pelo professor "especialista".
"especialista", apesar de muitas vezes
elas excederem-se na bagunça. Mas as Não descarto a validade da presença do
crianças muito pequenas não têm muita "especialista" na educação infantil, ao
noção de que o "especialista" está ali contrário, penso que o trabalho pode
como professor dela naquele momento, tornar-se muito rico com isso, mas des-
e estranham estar na sala com uma pes- de que seja feito em conjunto com as
soa que não conhecem direito, sem a professoras. Sobre esse assunto, Ayoub
professora, o que acaba provocando (2001, p. 56) afirma que: "Reforçando a
choro na maioria das vezes. idéia da possibilidade de construirmos
relações de parceria, de confiança, não
Com relação a esse assunto, posso citar hierarquizadas, entre diferentes profis-
dois exemplos de experiências vividas sionais que atuam na educação infantil,
no estágio: a primeira delas foi a volta poderíamos pensar não mais em profes-
das férias, quando cheguei para a pri- soras(es) "generalistas" e "especialis-
meira aula do semestre e, ao olharem tas", mas em professoras(es) de educa-
para mim e para a professora de música, ção infantil que, juntas(os), com as
as crianças de um ano começaram a suas diversas especificidades de forma-
chorar, e quase que a professora não ção e atuação, irão compartilhar seus
conseguiu dar aula aquele dia. Uma diferentes saberes docentes para a
outra situação passou-se com a turma construção de projetos educativos com
do pré, que um dia a Priscila precisou as crianças"
deixar-me sozinha com eles para termi-
nar alguns preparativos para a apresen-
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