Você está na página 1de 3

PROJETO REDIGIR • 2º semestre de 2007 • Turma 1 de sábado • Zé e Régener • Aula 10

Não embarque nessa aventura


Mais de metade das crianças opina sobre o consumo familiar, escolhendo produtos e até marcas para uso
próprio e da casa. Elas sabem como persuadir os pais e a publicidade exerce forte influência na hora da
decisão

As crianças brasileiras passam, em média, A “contra-educação”, no entanto, é muito


40 horas por semana em frente à televisão. Se forte. Quase metade das publicidades veiculadas
considerarmos que elas nunca vão assistir a uma nas duas maiores emissoras de TV do país, durante
superalface mostrando seus poderes ou a um toma- o horário infantil, é de guloseimas. Do restante,
te que prometa energia para ser forte como um cerca de 20% é de bebidas não-lácteas, como re-
leão, a constatação é preocupante. Os personagens frigerantes. Todas tentam agregar valores emocio-
publicitários mais irresistíveis são, no geral, os que nais ao produto, usando personagens infantis, apre-
apresentam guloseimas, refrigerantes e brinquedos sentadores de TV famosos, cores fortes, objetos
caros, convencendo crianças e até a família inteira para colecionar e brindes, e conseguem chamar
a consumir. atenção. “A publicidade influencia porque diz às
Elas escolhem por critérios subjetivos, como crianças que serão mais felizes se tiverem um
gosto, emoção e imagem da marca. Cerca de 80% produto ou usarem um serviço. Cria vontades e
das mães latino-americanas, por exemplo, permi- desejos. Funciona como com os adultos, com a
tem que seus filhos escolham bolachas e chocola- diferença de que os menores não compreendem a
tes preferidos; 70% delas também aceitam a deci- complexidade das relações de consumo, não sabem
são na compra de iogurtes e 61% ampliam a per- que não precisam ter produtos ou serviços para se-
missão para bebidas e sucos. Os dados são da pés- rem felizes e integrados ao grupo. Acreditam no
quisa mais recente sobre consumo infantil da TNS que ouvem”, afirma Isabella Henriques, coordena-
(Taylor Nelson Sofres, instituto britânico de pes- dora do Projeto Criança e Consumo, do Instituto
quisa vice-líder no ranking mundial de empresas Alana. Pesquisas internacionais apontam que 30
de pesquisa de mercado), que conversou com fa- segundos são suficientes para uma marca influen-
mílias da Argentina, Brasil, Chile, Guatemala e ciar. Com horas e horas de comerciais em meio
México. Se elas podem decidir, vão querer o pa- aos programas infantis, é fácil imaginar a destrui-
cote de bolachas com mais nutrientes e menos ção causada.
gordura e sódio ou aquele em cuja publicidade
ocorrem as mais incríveis armações quando se Consumo x consumismo
come a bolacha? Os índices alarmantes de obesi- A criança se torna consumidora no momento
dade na população infantil de todo o mundo res- em que acompanha os pais pela primeira vez nas
pondem facilmente. compras. A partir daí, “sente-se parte integrante da
“As crianças estão muito expostas a estí- família quando consegue influenciar. Pode não ter
mulos e têm consciência de seu poder frente aos noção de marca, mas escolhe produtos para se in-
pais. Logo no primeiro contato com o mundo do serir e destacar”, comenta João Osvaldo Matta,
consumo, que será com os gêneros alimentícios, consultor sobre marcas, produtos e serviços infan-
elas vão se manifestar”, afirma Ivani Rossi, direto- tis e professor de marketing da ESPM (Escola Su-
ra de planejamento da TNS. Hoje em dia as marcas perior de Propaganda e Marketing).
se comunicam diretamente com a criança e são Os adultos funcionam como modelos e in-
bem mais agressivas. Por isso, é importante ensi- fluenciam comportamentos consumistas. Mas, sem
nar sobre a importância do consumo consciente e dúvida, a comunicação do mercado – incluindo
sobre o papel da publicidade. embalagens, merchandising, produtos nas prate-
É assim que Eliana procura conscientizar os leiras mais baixas do supermercado e a própria
dois filhos do que pode ou não entrar no carrinho publicidade — têm significativa parcela de in-
do supermercado. “Eles batem o olho na prateleira fluência na formação de hábitos não saudáveis.
e sabem o que querem. São muito guiados por co- As conseqüências são várias e podem ser
merciais, então preciso explicar e convencê-los de desastrosas. Estimula-se não apenas o consumo,
que nem todos os alimentos que viram na TV ou mas o exagero, o consumismo. “Sob o ponto de
que trazem brindes são bons para a saúde”. vista ambiental, se o planeta continuar no ritmo de
hoje, serão necessárias mais quatro Terras para que “força” que o cereal parece dar às crianças, ele
os recursos sejam suficientes. Até essas quatro se- possui quase apenas carboidratos. Uma porção de
rem consumidas e serem necessárias mais quatro”, 30 gramas chega a 7% da quantidade recomendada
afirma Isabella. de carboidratos para crianças de 7 a 10 anos. O
Na área da saúde, a insustentabilidade tam- mais chocante, no entanto, é que um produto que
bém está a caminho. Dados da Obesity Reviews, se diz “cereal” não chega a ter nem 1 grama de
veiculados pela Agência Nacional de Vigilância fibra por porção – nutriente naturalmente encon-
Sanitária (Anvisa), relacionam diretamente divul- trado nos cereais. O preço também é bem caro,
gação de alimentos a obesidade infantil. No Brasil, sendo de aproximadamente R$ 24 por quilo.
30% das crianças estão com sobrepeso e, dessas,
15% são obesas. Em contrapartida, mais de 80% Mc Lanche Feliz
das publicidades de alimentos infantis são de pro- A publicidade analisada foi da época em que
dutos calóricos e pobres em nutrientes. Confira ao o produto trazia como brinde personagens do filme
longo da reportagem exemplos de publicidade que “Carros”, da Disney-Pixar. Trazia cenas do filme e
não fazem nada bem para a saúde das crianças. A comentários de duas crianças pequenas sobre os
seleção foi feita por um grupo de pesquisa da “incríveis” brindes. Além de ser um produto nada
Universidade Federal de São Paulo – Escola Pau- nutritivo, a publicidade anula o papel dos pais na
lista de Medicina (Unifesp), coordenado por José escolha da alimentação, com a idéia de que se eles
Augusto Taddei e Tatiana Elias Pontes. dão brinquedos são mais legais que os pais, e ainda
O caráter de exclusão de todo tipo de pu- deixam a criança comer o que ela gosta – hambúr-
blicidade, deixando de fora os que não podem guer, refrigerante e batata frita.
comprar determinado produto ou serviço, pode
ainda ser causa de criminalidade. “Prometer felici- Trakinas Trakmix
dade com o consumo e criar expectativas não é éti- Na publicidade televisiva, duas crianças
co. Exclui quem não consome, porque a pessoa apresentam um show de mágica para a família. O
não vai alcançar a felicidade prometida. Em última truque é o desaparecimento de um pacote inteiro
análise, pode levar à marginalização e à violência”, de bolachas Trakinas Trakmix. É um bom exemplo
afirma Sérgio Miletto, produtor cultural e coorde- do quanto a publicidade de alimentos pode ser
nador da campanha “Quem financia a baixaria é prejudicial. O consumo de 100 gramas desse bis-
contra a cidadania”. coito (pouco mais de três pacotes) fornece 60
Para Noemi Friske Momberger, advogada gramas de carboidratos e 420 calorias, cerca de
especialista em publicidade infantil, os comerciais 25% da ingestão diária recomendada para crianças
são os principais culpados pelo consumismo. “Não entre 7 e 10 anos, além de fornecer 96% da quan-
basta trocar de canal: é preciso proibir a publici- tidade de sódio necessária. Outro ponto negativo é
dade e melhorar a qualidade dos programas. Só as- o preço do produto, que fica na faixa de R$ 27 por
sim será possível formar cidadãos que não se vol- quilo. Além de tudo, a publicidade incentiva o
tem para o consumo desenfreado”. consumo exagerado, já que as crianças acabam
com um pacote do produto em poucos minutos.
Nescau Cereal
Quatro garotos conseguem fazer passes mi- (Fonte: Lúcia Nascimento –
rabolantes com bola enquanto comem o produto. http://algumaprosa.blogspot.com)
Um deles consegue até chutar a bola em direção à
parede com força para deformá-la. Apesar dessa

Conceitos Questões
Publicidade, propaganda, marketing, promoção Por que as propagandas funcionam?
O poder de persuasão: influenciar, enganar, mentir Até que ponto somos influenciáveis?
Recursos da linguagem publicitária A publicidade é algo ruim por natureza?
Slogans, jingles e outras estratégias
Quando a publicidade não parece o que ela é
Consumo consciente X consumismo

Você também pode gostar