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PROJETO REDIGIR • 2º semestre de 2007 • Turma 1 de sábado • Zé e Régener • Aula 14

Bolo industrializado

Poucas coisas neste mundo são mais tristes feito). O problema não é o paladar, meu caro, é
do que um bolo industrializado. Ali no supermer- uma questão de princípios. Acredito que o merca-
cado, diante da embalagem plástica histericamente do de fato melhore muitas coisas. Podem privatizar
colorida, suspiro e penso: estamos perdidos. Bolo a telefonia, as estradas, as siderúrgicas. Mas não
industrializado é como amor de prostituta, feliz toquem no bolo! Ele não precisa de eficiência. Ele
natal de caixa automático, bom dia de atendente da é o exemplo, talvez anacrônico, de um tempo que
Blockbuster. É um anti-bolo. não é dinheiro. Um tempo íntimo, vagaroso, inútil,
Não discuto aqui o gosto, a textura, a quali- em que um momento pode ser vivido no presente,
dade ou abundância do recheio de baunilha, choco- pelo que ele tem ali, e não como meio para, com o
late ou qualquer outro sabor. (O capitalismo, quan- objetivo de.
do se mete a fazer alguma coisa, faz muito bem
(Antonio Prata, O Estado de São Paulo)

Os dias da Comuna (Bertold Brecht)

Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram Considerando que está sobrando carvão
Suas leis, para nos escravizarem. Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão
As leis não mais serão respeitadas Nós decidimos que vamos tomá-lo
Considerando que não queremos mais ser Considerando que ele nos aquecerá
[escravos. Considerando que os senhores nos ameaçam
Considerando que os senhores nos ameaçam Com fuzis e canhões
Com fuzis e com canhões Nós decidimos, de agora em diante
Nós decidimos: de agora em diante Temeremos mais a miséria do que a morte.
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Considerando que para os senhores não é possível
Consideramos que ficaremos famintos Nos pagarem um salário justo
Se suportarmos que continuem nos roubando Tomaremos nós mesmos as fábricas
Queremos deixar bem claro que são apenas Considerando que sem os senhores, tudo será
[vidraças [melhor para nós.
Que nos separam deste bom pão que nos falta. Considerando que os senhores nos ameaçam
Considerando que os senhores nos ameaçam Com fuzis e canhões
Com fuzis e canhões Nós decidimos: de agora em diante
Nós decidimos, de agora em diante Temeremos mais a miséria que a morte.
Temeremos mais a miséria que a morte.
Considerando que o que o governo nos promete
Considerando que existem grandes mansões Está muito longe de nos inspirar confiança
Enquanto os senhores nos deixam sem teto Nós decidimos tomar o poder
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos Para podermos levar uma vida melhor.
Porque em nossos buracos não temos mais Considerando: vocês escutam os canhões
[condições de ficar. Outra linguagem não conseguem compreender
Considerando que os senhores nos ameaçam Deveremos então, sim, isso valerá a pena
Com fuzis e canhões Apontar os canhões contra os senhores!
Nós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Proposta de redação • Os textos da coletânea de hoje tratam das desigualdades sociais e de como elas se tornam mais ou
menos transparentes de acordo com o ponto de vista adotado. O peso da opinião e da ideologia é fundamental para que
entendamos a função do texto dissertativo. A partir dos textos que lemos em aula, redija um texto dissertativo, em prosa, com
tamanho entre 30 e 50 linhas, sobre o tema “Pobres e ricos: relações e conflitos”. Lembre-se de contrapor diferentes
argumentos para defender seu ponto de vista. Cuidado com a coerência e evite ficar “em cima do muro”.
Dissertação
O que é um texto dissertativo? Estrutura básica da dissertação:
Para que serve uma dissertação? – Introdução
A exposição e a argumentação – Desenvolvimento
Delimitações: tema, assunto e título – Conclusão

Globalização ou generalização de hegemonias?

Na era pós-industrial ou tecnológica, assisti- países, a quem não parece interessar qualquer mu-
mos a uma pretensa globalização, que orgulhosa- dança no establishment ou no apartheid instaurado; a
mente afirma a vitória do capitalismo sobre o pobreza simplesmente os incomoda, mas é marginal.
socialismo. As comunicações parecem transpor os Onde se situaria o Terceiro Mundo na “aldeia
limites geográficos e o sucesso econômico estaria global”? Em geral, na situação de eficiente consumi-
aberto, assim, para os mais aptos, em uma espécie de dor e reprodutor da tecnologia alheia, regozijando-se
darwinismo produtivo que se tenta provar como com as novidades, deixando assassinar aos poucos
natural. É a lei das selvas. sua própria cultura, suas referências, uniformizando
Este aborígine capitalismo, excludente, man- seus gostos à “média”, à mediocridade do globo
tém na periferia os países que, por uma longa his- massificado.
tória de exploração colonizadora, não podem com- Como Carl Gustav Iung colocava, o homem
petir no processo, como África e América Latina. estabelece símbolos e os indivíduos configuram-se
Enquanto a população destes países pobres aceita, como “tipos”, influenciados por arquétipos em seu
um pouco confusa, o devorar de suas empresas pá- sentido geracional, e o imaginário coletivo produz
trias pelo mercado de capitais e a profusa onda de sociedades. A sociedade pós-moderna, sob o “signo
privatização a assolar o que gerações anteriores da globalização”, acredita-se em franco progresso
puderam com dificuldades construir, enquanto a lín- para uma situação melhor; o fato é que está simples-
gua inglesa imperialista progride em abafar a voz mente mudando para uma situação diferente, que
nacional dos negócios e das ciências e enquanto a não altera ainda a configuração de exclusão e mani-
cultura estrangeira atropela as autóctones, as identi- pulação das massas pelos blocos detentores da tec-
dades vão-se enfraquecendo. nologia e da ideologia, isto é, os intelectuais.
É procedente afirmar que o conhecimento Nenhum povo deve aceitar submissão, e não
tornado público democratiza o desenvolvimento glo- se trata de xenofobia ou ufanismo, ninguém aqui
bal e diminui reservas de mercado, porém isto é almeja ser um valente Ubirajara e inverter hegemo-
relativo, pois a manipulação das informações é nias. Trata-se, ora sim, das sobrevivências nacionais,
também livre e os dados estratégicos que efetiva- de justiça interna, de “rejeição patente à imposição
mente poderiam reverter a injustiça hierárquica latente” da dominação. Devemos conviver pacifica-
estarão sempre muito bem protegidos. Além disso, a mente com a diversidade, mas é justo que o estran-
parcela da população que tem acesso a tais mídias é geiro continue o estranho.
também a classe dominante internamente nestes
(Rita de Cássia Correa Franco Cruz)

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Entidade fecha parceria com polícia para blindar os Jardins

Num auditório do 15º Distrito Policial, no tamento. Terão nome, RG, endereço, local e tempo
Itaim Bibi (zona oeste), vigilantes que trabalham na de trabalho anotados e checados.
segurança particular de residências nos Jardins rece- As mudanças, diz ele, não param por aí. Além
beram ontem de um sargento, um delegado e um re- de fichar os vigias, a associação quer cadastrar os
presentante de moradores a notícia de que as coisas, catadores de papelão. Sem uma plaquinha de identi-
agora, serão diferentes: haverá o rigor da lei. ficação (e autorização) no carrinho, a polícia será
Para continuarem na vigilância de uma das acionada. Nessa parceria, segundo o delegado Gio-
regiões mais ricas — e seguras — do país, explicou vanni Roma, 41, os policiais serão acionados e vão
o trio, terão de se legalizar: obter uma carteira da para o local checar quem é o catador sem a autori-
Polícia Civil, que exige bons antecedentes e instru- zação.
ção mínima. E mais: terão de assinar um “livro de Para blindar ainda mais o bairro, os moradores
ponto” todos os meses na delegacia e, ainda, receber dos Jardins encaminharam a órgãos públicos um
instruções da PM, incluindo uso de apostilas, para pedido para ser implementada uma ação para res-
aprimorar o discernimento de uma pessoa em atitude tringir o acesso às ruas do bairro. Uma proposta é
suspeita. ampliar o tempo em que o semáforo fica fechado nas
O sargento Carlos Alberto Silva Freitas, 44, ruas que dão acesso ao bairro, para incentivar o
exortou os vigilantes (que trabalham desarmados) a motorista a se manter nos principais corredores de
atuarem como olheiros da polícia, informando qual- trânsito (como a av. Nove de Julho).
quer movimento estranho na área, em uma ação “Queremos colaborar com a polícia, porque
conjunta. Primeira lição: “Caneta e papel para anotar entendemos que somos um bairro muito rico em um
uma placa”. “A gente vai caprichar para fazer tudo país muito pobre, e que não é possível dar a atenção
direitinho”, disse aos palestrantes o vigia Francisco de que precisamos”, diz Saboya. Ele afirma que já
Aquino Neto, 67 anos — 25 deles trabalhando na doou quatro bicicletas para a polícia e está à dis-
rua Bélgica. posição “para colaborar no que for preciso”. “Não é
A iniciativa, uma espécie de PPP (Parceria possível que uma delegacia de polícia não tenha
Público-Privada), foi da AME Jardins (Associação banda larga. Custa R$ 30 por mês”, diz ele.
dos Moradores do Jardim Europa, América, Paulista O presidente da Comissão de Direitos Huma-
e Paulistano). Segundo a entidade, o aumento da cri- nos da OAB de São Paulo, Mário de Oliveira Filho,
minalidade assustou os seus cerca de 30 mil habi- e o especialista em segurança pública José Vicente
tantes. Eram seis casos de furtos e roubos a imóveis da Silva Filho disseram não ver irregularidades na
em 2006, que passaram, segundo a entidade, para parceria, menos quanto à restrição de acesso às ruas
48. dos bairros.
Ontem, 18 vigilantes foram cadastrados pela
polícia após uma preleção na delegacia. No total, (Rogério Pagnan e Paulo Sampaio,
132 profissionais autônomos receberão o mesmo tra- Folha de S. Paulo, 27/06/2007)

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Shopping dá R$ 40 mil para morador de favela se mudar

A construtora JHSF está distribuindo cheques longe, mas no meu nome. Vou finalmente ter algo
de R$ 40 mil para retirar cada uma das 70 famílias para deixar para meus filhos”, diz ela, que irá para o
invasoras de um terreno. O local será parte do Jardim Guarujá (zona sul). Já a empregada domésti-
projeto de um shopping-condomínio orçado em R$ ca Marluce Gomes de Lima, 44, que trabalha no
1,5 bilhão, que terá apartamentos de até R$ 18 Itaim, lamenta a remoção. “Comprei uma casa em
milhões. As casas formam parte da favela do Jardim Vargem Grande Paulista e agora, em vez de levar 20
Panorama, na zona sul de São Paulo. minutos até meu trabalho, vou levar duas horas e
O custo total da desocupação, cujo acordo foi meia para ir e o mesmo tempo para voltar. Rico não
assinado após reuniões das partes para que a ação de gosta de pobre mesmo, eles querem nos ver longe”.
despejo não seja levada adiante, é de R$ 2,8 mi- Álvaro Puntoni, professor da FAU (Faculdade
lhões. No terreno, a construtora estenderá a área ver- de Arquitetura e Urbanismo, da USP), critica o acor-
de do condomínio, que será cercada por um muro. do. “Sei que o terreno é particular e que, se eu fosse
Do lado de lá, a favela continua, em área da prefei- favelado, adoraria ganhar os R$ 40 mil, mas a lógica
tura, que tenta judicialmente o despejo dos barracos. é um pouco perversa. A elite blinda o carro para re-
Na última quarta-feira, uma fila de caminhões solver o problema da segurança. Nesse caso da cons-
de mudança aportou na favela. Era preciso que a trutora, poderia se pensar em uma solução com po-
casa começasse a ser demolida para o morador rece- der público para abrigar a população no espaço onde
ber o cheque — a maioria acertou pagar o valor da ela já vive.”
compra da moradia nova no dia da mudança. Com
os R$ 40 mil, é possível comprar, por exemplo, uma (Daniel Bergamasco,
casa de um quarto na Pedreira (divisa com Diadema, Folha de S. Paulo, 17/07/2007)
a cerca de 15 km da favela).
O empreendimento, batizado de Parque Cida- Idéia brilhante (Carta do Painel do Leitor,
de Jardim, terá shopping, spa e 13 torres, entre resi- Folha de S. Paulo, 19/07/2007) • Egmar Fraga
denciais e comerciais. O morador poderá trabalhar, “A idéia da construtora JHSF de oferecer R$
comprar e ir ao médico sem ultrapassar os muros do 40 mil aos moradores da favela vizinha a seu em-
local. preendimento é simplesmente brilhante. Não enten-
Maria Gomes, 66, conta que chegou lá nos do como alguém pode ser contra tal iniciativa. Os
anos 1960. “Meu marido pescava lambari para o moradores terão dinheiro para comprar uma pequena
nosso almoço no rio Pinheiros. Essa rua toda era casa, em local urbanizado, com esgoto, asfalto etc.
uma horta que eu cuidava, até que as pessoas foram Isso se traduz em melhoria para todos. Os moradores
chegando do Norte passando por dificuldades.” do condomínio não terão uma favela por perto (po-
Os moradores estão divididos sobre a mudan- luição visual), os imóveis da região serão valoriza-
ça. A desempregada Leila Aparecida Suzano, 29, é dos e a vida dos que mudarão dali será bem melhor.
favorável. “Saio de um barraco de madeira com di- Se eu fosse morador da favela, adoraria receber um
nheiro na mão para comprar uma casa num bairro cheque de daqueles. Parabéns à construtora.”

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