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Revista Brasileira de Terapia

e-ISSN: 1982-3541 Comportamental e Cognitiva

ARTIGOS CONCEITUAIS | CONCEPTUAL ARTICLES| ARTÍCULOS CONCEPTUALES


Percepção de Figuras Ambíguas e Criatividade: uma
interpretação analítico-comportamental
Perception and Insight: contributions to a behavioral-analytical interpretation of
problem solving

Percepción e Insight: contribuciones a una interpretación conductual de la


solución de problemas

RESUMO: As figuras ambíguas, como o pato-coelho e o


cubo de Necker, podem ser vistas ora de uma forma, ora de
outra, mesmo sem passar por nenhuma alteração física. Tal
fenômeno é usualmente associado à criatividade, devido às
suas semelhanças com o insight. Este trabalho expõe uma
análise teórica da percepção de figuras ambíguas e de sua
possível relevância para o estudo da solução de problemas. Autor
São examinadas, principalmente, as interpretações de Skin-
Tiago de Oliveira Magalhães 1*
ner, bem como dados experimentais sobre recombinação de 1
Unicatólica Quixadá
repertórios inspirados nos estudos de Köhler. Partindo des-
sas contribuições, propõem-se interpretações sobre como Correspondente
as diversas interações entre operantes e respondentes po- * tiagoomagalhaes@gmail.com

dem explicar os fenômenos perceptuais e como estes inte- Endereço: R. Juvêncio Alves, 660 - Cen-
tro, Quixadá - CE, 63900-000, Brasil.
gram as cadeias de solução de problemas. A capacidade de
reverter a percepção de figuras ambíguas pode ser compre-
endida como um comportamento operante cuja consequência
imediata consiste na eliciação de uma nova resposta condi-
cionada de ver. Simultaneamente, ocorre também a supres- Dados do Artigo
são da resposta condicionada de ver que estava sendo eli- DOI: 10.31505/rbtcc.v21i3.1354
ciada antes da reversão. A realização dessa mudança súbita
Recebido: 02 de Agosto de 2019
de percepção parece ser um importante precorrente em di-
Revisado: 07 de Novembro de 2019
versas situações de solução de problemas, especialmente as Aprovado: 21 de Novembro de 2019
classificadas como insight. Com essa análise, espera-se con-
Como citar este documento
tribuir para uma compreensão mais refinada dos fenômenos
Magalhães, T. (2019). Percepção de Fi-
em questão, o que pode ser útil para a construção de futuros guras Ambíguas e Criatividade: uma in-
delineamentos experimentais e para a elaboração de inter- terpretação analítico-comportamental.
Revista Brasileira de Terapia Comporta-
venções voltadas à promoção da criatividade. mental e Cognitiva. 21(3), 303-316. doi:
Palavras-chave: figuras ambíguas; percepção; solução de https://10.31505/rbtcc.v21i3.1354
problemas; insight; criatividade

ABSTRACT: Ambiguous figures, such as the rabbit duck


and the Necker’s cube, can be seen in two distinct ways, even É permitido compartilhar e adaptar. Deve dar o crédito
apropriado, não pode usar para fins comerciais.
without any physical changes. This phenomenon is usually

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PERCEPÇÃO DE FIGURAS AMBÍGUAS E CRIATIVIDADE: UMA INTERPRETAÇÃO ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
MAGALHÃES, T.

associated with creativity, because of its similarities to insight. This paper presents a theoreti-
cal analysis of the perception of ambiguous figures and their possible relevance to the study of
problem solving. Skinner’s interpretations as well as experimental data on spontaneous inter-
connection of repertoires inspired by Köhler’s studies are examined. From these contributions,
I propose interpretations about how the various interactions between operants and respondents
can explain the perceptual phenomena and how they integrate the problem solving behavioral
chains. The ability to reverse the perception of ambiguous figures can be understood as an op-
erant behavior whose immediate consequence is the elicitation of a new conditioned seeing re-
sponse. At the same time, there is also the suppression of the conditioned response of seeing
the other way, which was being elicited before reversal. Achieving this sudden change of per-
ception seems to be an important precurrent behavior in many problem-solving situations, es-
pecially those classified as insight. With this analysis, I hope to contribute to a more refined un-
derstanding of the phenomena in question, which may be useful for the construction of future
experimental designs and for the elaboration of interventions aimed at promoting creativity.
Keywords: ambiguous figures; perception; problem-solving; insight; creativity

RESUMEN: Las figuras ambíguas, como como el pato conejo y el cubo de Necker, se pueden
ver de dos maneras distintas, incluso si los objetos observados no cambian físicamente. Es ha-
bitual considerar que este fenómeno está asociado con la creatividad, debido a sus similitudes
con el fenómeno conocido como insight. Este artículo presenta un análisis teórico de la percep-
ción de figuras ambiguas y su posible relevancia para el estudio de la resolución de problemas.
Se examinan las interpretaciones de Skinner, así como los datos experimentales sobre la recom-
binación de repertorios inspirados en los estudios de Köhler. A partir de estas contribuciones,
proponemos interpretaciones sobre cómo las diversas interacciones entre operantes y reflejos
pueden explicar los fenómenos perceptivos y cómo integran las cadenas de resolución de pro-
blemas. La capacidad de revertir la percepción de figuras ambiguas puede entenderse como un
comportamiento operante cuya consecuencia inmediata es la provocación de una nueva respues-
ta condicionada a la vista. Al mismo tiempo, también ocurre la supresión de la respuesta con-
dicionada de ver que se estaba generando antes de la reversión. Lograr este cambio repentino
de percepción parece ser un precedente importante en muchas situaciones de resolución de pro-
blemas, especialmente aquellas clasificadas como insight. Con este análisis, esperamos contri-
buir a una comprensión más refinada de los fenómenos en cuestión, que pueden ser útil para la
construcción de futuros diseños experimentales y para la elaboración de intervenciones desti-
nadas a promover la creatividad.
Palabras clave: figuras ambiguas; percepción; resolución de problemas; insight; creatividad

F  iguras como o cubo de Necker, o pato-­


coelho de Jastrow e o vaso-faces de Ru-
bin (Figura 1) – denominadas ambíguas, bies-
duas maneiras ao mesmo tempo e é possível
alternar entre elas voluntariamente. A mudan-
ça na forma de ver a figura caracteriza-se por
táveis ou reversíveis – podem ser interpretadas uma nítida e repentina reestruturação da ima-
de duas formas claramente distintas (Long & gem, assemelhando-se, portanto, à vivência do
Toppino, 2004). Não é possível percebê-las das momento Eureka característico de certo tipo de

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solução de problemas a que se convencionou mento pode ajudar a compreender esses fenô-
chamar de insight (Ohlsson, 1984; Laukkonen menos e suas possíveis inter-relações? Este ar-
& Tangen, 2016; Shettleworth, 2012). tigo esboça uma resposta para essa pergunta,
realizando uma análise teórica da percepção
de figuras ambíguas, com base em conceitos
e dados empíricos analítico-comportamentais.
As interpretações de Skinner (1953; 1974) so-
bre a percepção e estudos experimentais sobre
solução de problemas (Delage, 2006; Epstein,
1981; Epstein, 1985; Epstein, 1996; Neves Fi-
lho, 2015; Neves Filho, 2018) oferecem possi-
bilidades promissoras de compreensão desses
Figura 1: Exemplos de Figuras Ambíguas intrigantes fenômenos, como se pretende evi-
denciar a seguir.
Para os propositores da Psicologia da Ges-
talt, essa similaridade entre a percepção de fi- O Comportamento de Perceber
guras ambíguas e certos tipos de solução de
problemas não seria uma coincidência irrele- Segundo o Behaviorismo Radical, respos-
vante. Esses autores privilegiaram os estudos tas perceptuais podem ser operantes ou res-
sobre fenômenos perceptuais, atribuindo-lhes pondentes (Lopes & Abib, 2002). Observa-se
o status de modelos para estudo de outros fe- a eliciação do perceber, por exemplo, quando
nômenos psicológicos (Penna, 1999). Assim, o sujeito ouve um som nítido que ocorre perto
segundo essa tradição de pensamento, esclare- de si. Em casos assim, sendo a resposta elicia-
cer as propriedades das mudanças perceptuais da sem necessidade de um pareamento de estí-
características da observação de figuras ambí- mulos prévio, diz-se que a percepção é incon-
guas pode colaborar de maneira significativa dicionada. Já na situação em que um logotipo
para a compreensão da criatividade humana. é visto como sinal de que o estabelecimento
Na literatura científica mais recente, não são que o ostenta serve comidas saborosas, a per-
raros os estudos que tentam demonstrar empiri- cepção é condicionada. Essa forma de ver con-
camente a relação entre esses fenômenos, me- dicionado deve-se aos pareamentos de estímu-
dindo a criatividade por meio de testes como los pelos quais o indivíduo passou ao longo de
o Guilford’s Alternative Uses Task (Guilford et suas experiências alimentares. Cada história de
al., 1978) ou o Pattern Meanings Test (Wallach vida constrói repertórios de percepção condi-
and Kogan, 1965), e mensurando, por exemplo, cionada peculiares, de modo que o que alguém
a quantidade de reversões por minuto para cer- vê em um objeto sempre difere de algum modo
ta figura. Wiseman, Watt, Gilhooly e Georgiou do que é visto por outro indivíduo.
(2011) e Doherty e Mair (2012) concluíram que Olhar para algo e procurar por algo são, se-
há correlações relevantes entre as habilidades gundo Skinner (1953), exemplos de visão ope-
relacionadas à reversão de figuras ambíguas rante. Uma mãe amorosa que viajou para lon-
e o desempenho criativo em certos contextos. ge de casa, tendo por isso ficado privada da
Diante da aparente relevância das figuras companhia dos filhos, pode passar horas con-
ambíguas para a compreensão da criativida- templando uma foto da família. Essa operação
de e da solução de problemas, cabe perguntar: motivadora de privação torna provável que ela
como o referencial da Análise do Comporta- olhe para a foto e, também, que emita compor-

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tamentos precorrentes de procura desse estímu- é similar à que existe entre a resposta de inse-
lo, caso ele não esteja facilmente acessível. A rir pó de tabaco nas próprias narinas e o espirro
depender da intensidade da operação motiva- assim eliciado. O espirro continua sendo uma
dora, é possível que essa mãe passe a ver as fei- resposta reflexa, mesmo quando sua eliciação
ções de seus filhos até mesmo em rostos pou- advém de comportamentos operantes do pró-
co similares aos deles. prio sujeito. Há, portanto, uma interação entre
Operações motivadoras também tornam operantes e respondentes em casos desse tipo.
prováveis os comportamentos encobertos que A consideração das respostas de “prestar
Skinner (1974) chama de ver na ausência da atenção” pode ajudar a compreender as dife-
coisa vista. Aquela sofrida mãe, por exemplo, rentes formas como princípios operantes e res-
não precisa de estímulos antecedentes imedia- pondentes atuam na percepção (Strapasson &
tos para evocar a imagem dos filhos. Ela pode, Dittrich, 2008). Fenômenos repentinos e poten-
a todo momento, imaginar-se na presença de- cialmente ameaçadores tendem a captar auto-
les, devaneando sobre o momento de reencon- maticamente a atenção. Nesses casos, o prestar
trá-los. O devaneio, a procura e o ato de olhar, atenção é de natureza respondente. Por outro
por si sós, não alteram a operação motivado- lado, quando a atenção é dirigida deliberada-
ra que os ocasionam, mas podem atuar como mente a determinado estímulo, geralmente se
precorrentes importantes em cadeias de com- diz que prestar atenção é operante, como no
portamento de solução de problemas, ajudan- caso do praticante de yoga que, na intenção de
do a produzir estímulos discriminativos que facilitar a meditação, mantém o olhar fixo em
antecedem as respostas que levarão ao reforço. um ponto à sua frente, durante alguns minutos.
Cabe, aqui, uma breve ressalva a essas ideias. É relevante observar que nesse tipo de
Skinner (1953) estabelece uma distinção cate- comportamento deliberado de prestar atenção
górica entre operantes e respondentes percep- também existem aspectos respondentes. O
tuais, pois cada modalidade é caracterizada exercício de fixação do olhar fornece um
por relações de controle peculiares. Diferente- exemplo claro disso. O comportamento de
mente do que ocorre na respondente, na visão manter-se dez minutos ininterruptos sem mudar
operante “os comportamentos não são elicia- o foco da visão tem, obviamente, propriedades
dos por antecedentes imediatos e não depen- operantes, pois é mantido por consequências
dem de pareamento prévio de estímulos. As como benefícios à saúde e/ou aprovação social,
variáveis primárias de controle são o reforça- entre outros. Mas, durante a realização dessa
mento operante e a privação” (Skinner p. 272). prática, observa-se o fenômeno da adaptação
Todavia, o exame dos próprios exemplos apre- sensorial, em que, gradativamente, partes
sentados por Skinner parece indicar que as ca- da imagem inicialmente formada deixam de
tegorias de operante e respondente, separada- ser vistas. De certa forma, esse efeito pode
mente, não são suficientes para caracterizar as ser compreendido como uma instância da
relações funcionais inerentes às diferentes mo- habituação ou lei da fadiga, típica dos compor-
dalidades de comportamentos perceptuais. No tamentos respondentes, em que a magnitude da
caso do comportamento de procurar, é possí- resposta diminui aos poucos após ser eliciada,
vel identificar uma resposta ou uma cadeia de recorrentemente, e em um curto intervalo de
respostas cujo reforçador imediato é a elicia- tempo, pelo mesmo estímulo (Millenson, 1975).
ção, pelo objeto procurado, da resposta respon- Há também casos em que propriedades tipi-
dente de vê-lo. A relação entre essas respostas camente operantes, como o controle por estí-
e as respostas de ver os estímulos encontrados mulos antecedentes verbais, também chamados

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de regras (Skinner, 1969), são observados em o que está em jogo é que os envolvidos tratem
respostas de percepção condicionadas. Quan- o objeto de forma condizente com a atividade
do um cliente, de olhos fechados, se submete lúdica e, não, como no caso das duas regras re-
a uma sessão de imaginação guiada, em que o lacionadas à Figura 2, uma estruturação especí-
terapeuta lhe indica, momento a momento, que fica da resposta perceptual encoberta. Essa re-
cenários deve visualizar, observa-se uma clara lação entre respostas perceptuais encobertas e
relação de controle operante, pois as verbali- respostas públicas que modificam efetivamen-
zações do terapeuta apenas ocasionam as res- te o ambiente serão abordadas mais detalhada-
postas visuais, não as eliciam. mente na seção “Figuras ambíguas e solução
O controle das respostas perceptuais apresen- de problemas”.
ta propriedades respondentes quando as instru-
ções são direcionadas à modificação do modo Propriedades Funcionais das Figuras
de ver um objeto presente. Diante da figura 2, Ambíguas
por exemplo, caso o comportamento do indiví-
duo fique sob controle da regra “veja-a como Passemos agora à consideração das caracte-
um assoalho em cujo centro se encontra um bu- rísticas peculiares às figuras ambíguas. As inter-
raco triangular” sua vivência será bastante dis- pretações alternativas propostas para a Figura 2
tinta da ocasionada por outra regra, como “ve- dependem de regras arbitrárias. Caso o instru-
ja-a como uma plataforma triangular sobre um tor, indicando o triângulo, diga apenas “você
assoalho”. É possível, inclusive, de maneira si- consegue identificar as duas formas de ver essa
milar ao que ocorre com as figuras ambíguas, imagem?”, os sujeitos podem ficar confusos, e
alternar entre as duas formas de perceber su- nada responder, ou fornecer inúmeras respostas
geridas pelas regras. diferentes. Figuras ambíguas, como o pato-co-
elho, não dependem de convenções dessa na-
tureza. Muitas pessoas conseguem identificar
as duas formas de perceber a imagem, mesmo
sem nenhum esclarecimento verbal (Long &
Toppino, 2004). E, mesmo quando esse escla-
recimento é necessário, as instruções são ela-
boradas sob controle de propriedades formais
determinadas e, não, de aspectos inespecífi-
cos da história de vida de quem propõe a regra.
Figura 2: Triângulo preto sobre fundo branco Quando uma figura ambígua é apresentada
pela primeira vez, acompanhada da instrução
Esse comportamento de ver o triângulo ora de que ela é ambígua, pode ocorrer algo simi-
de um modo, ora de outro modo é muito dis- lar ao comportamento de procurar um objeto.
tinto do que Skinner chama de ver na ausência Diversas respostas são emitidas até que o indi-
da coisa vista, já que há um estímulo presen- víduo, finalmente, consegue perceber a inter-
te controlando a ocorrência da percepção. Isso pretação alternativa. É frequente que esse mo-
se torna mais claro quando essa situação é con- mento Eureka venha acompanhado de reações
trastada com os casos de faz-de-conta, em que de surpresa e de admiração. Contudo, diferen-
se estabelecem relações quase completamente temente da procura por objetos, a procura pela
arbitrárias, como “esta caixa vai ser o castelo” interpretação alternativa da figura não depen-
ou “esta caixa vai ser o carro”. Nesses casos, de da emissão de respostas públicas que alte-

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rem o ambiente externo. Movimentos oculares A aquisição dos comportamentos de nome-


são frequentes durante as tarefas de reversão ar objetos, que Skinner (1957) categoriza como
de figuras ambíguas, mas não são necessários, tatos, depende da generalização apropriada dos
como evidenciam pesquisas sobre pós-imagem repertórios adquiridos por meio da exposição às
e estabilização artificial da posição da retina contingências dispostas pela comunidade ver-
(Long; Toppino, 2004). bal. A mera apresentação de um estímulo e a
Quando alguém recebe a instrução de iden- enunciação de seu nome, seguida do refoço para
tificar a ambiguidade de uma figura nova ou a a resposta de repetir esse nome corretamente,
de realizar o maior número possível de rever- não necessariamente leva à aprendizagem efe-
sões durante um minuto, as respostas que pre- tiva do conceito (Wittgenstein, 1999). Se o ob-
cedem a eliciação da resposta condicionada de jeto é uma caneta e se o instrutor diz a palavra
ver cada interpretação caracterizam-se como “caneta”, por exemplo, pode ser que o apren-
operantes. Mas isso não se aplica a todos os diz venha a emitir a resposta “caneta” diante
casos em que ocorre a reversão. Quando rece- de objetos azuis, tendo seu comportamento fi-
bem a instrução de olhar fixamente para uma cado sob controle da cor e não do tipo de obje-
figura ambígua e evitar a reversão durante al- to. Como observa Dube (1997), esse “controle
guns minutos, os sujeitos tendem a relatar que restrito de estímulo” ocorre tipicamente em in-
ocorrem reversões espontâneas, independente- divíduos com deficiência intelectual, mas essa
mente de seus esforços para manter a resposta forma de controle pode ser observada nos re-
perceptual inicial (Wang, Arteaga & He, 2013). pertórios de todos os seres humanos em dife-
Isso sugere que a eliciação das respostas con- rentes momentos da vida.
dicionadas é um evento independente das res- Chamar de coelho o desenho não ambíguo
postas operantes que possibilitam a reversão, de um coelho já é, por si só, uma tarefa de con-
podendo ocorrer contingentemente a essas res- siderável complexidade. Diferentemente dos
postas ou não. pombos de Herrnstein e Loveland (1966), um
Para perceber a ambiguidade do pato-coe- ser humano que precisa responder perguntas
lho é necessário, obviamente, um histórico de sobre a figura não dispõe apenas das possibili-
treinamento para reconhecimento de cada um dades bicar ou não bicar. Dependendo dos an-
desses animais individualmente. Quando um tecedentes verbais fornecidos por seu ouvinte,
sujeito recebe reforço por emitir uma respos- a resposta correta pode ser: animal, mamífero,
ta apenas diante de estímulos que comparti- lagomorfo, peludo, orelhudo e assim sucessi-
lham certa propriedade, mas diferem em vá- vamente. Esse complexo repertório de discri-
rias outras, e não recebe reforço ao emitir a minação condicional de propriedades arbitra-
mesma resposta diante de estímulos que ca- riamente escolhidas depende do reforçamento
recem dessa propriedade, ocorre um proces- diferencial, proporcionado pela comunidade
so conhecido como abstração (Catania, 1999). verbal, do uso adequado de variadas relações
Herrnstein e Loveland (1966), por exemplo, simbólicas (de Rose, 1993; Dymond & Ro-
conseguiram ensinar pombos a bicar apenas che, 2013).
fotos que continham figuras humanas. O mais Imaginemos uma situação em que um su-
interessante nesse procedimento é que os ani- jeito, com as retinas paralisadas, seja exposto
mais bicaram segundo esses critérios também pela primeira vez ao pato-coelho. O experimen-
as fotos novas que lhes foram apresentadas e tador lhe pergunta “que animal está vendo?”
não apenas as que já haviam sido utilizadas e ele responde “coelho”. Depois o sujeito re-
nos treinos. cebe a instrução: “diga, agora, a cor do dese-

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nho”. Esses dois antecedentes verbais contro- Temas como variabilidade comportamental, es-
lam diferentes respostas públicas de tato, mas quemas de reforçamento, equivalência de estí-
não necessariamente afetam a resposta percep- mulos, comportamento verbalmente controlado,
tual eliciada pela figura. Não há necessidade entre outros, podem fornecer informações pre-
de alteração da configuração da resposta per- ciosas sobre como surgem repertórios compor-
ceptual para emitir corretamente essa sequên- tamentais inovadores (Neves Filho, 2018). Os
cia de respostas verbais. Já se a segunda ins- estudos sobre recombinação de repertório, ins-
trução for: “essa figura é ambígua. Diga qual é pirados na pesquisa seminal de Köhler (1925),
o outro animal”, a resposta de tato apropriada lidam diretamente com o fenômeno do insight
só poderá ser emitida caso ocorra a eliciação e, por esse motivo, parecem ser os mais ade-
da resposta condicionada alternativa. Forma- quados para uma aproximação com os fenôme-
-se, então, uma pequena cadeia comportamen- nos típicos da percepção de figuras ambíguas.
tal: as respostas precorrentes encobertas pro- Desde a década de 1940, autores vincula-
duzem, como reforço imediato, a eliciação da dos à tradição behaviorista procuram explicar
resposta de ver o pato; ver o pato é o estímu- como se originam os comportamentos de ani-
lo discriminativo da resposta pública de dizer mais, como o famoso chimpanzé Sultão, que
“vejo um pato” que, por sua vez, levará ao re- conseguem resolver, subitamente, problemas
forço fornecido pelo experimentador. cujas resoluções não foram diretamente treina-
Cabe ressaltar que mencionar a eliciação da das (Delage, 2006). Birch (1945), por exemplo,
resposta perceptual alternativa é essencial para apresenta evidências de que esses repertórios
descrever o que ocorre no caso acima. A res- não são independentes da história de vida do
posta pública de dizer “é um pato” poderia ser animal, mas resultam do treino de habilidades
emitida de forma idêntica, mas sob controle de adquiridas previamente em contextos distintos.
variáveis muito distintas. O sujeito poderia, por No experimento relatado por Epstein, Kir-
exemplo, ter aprendido por mera imitação das shnit, Lanza e Rubin (1984), o comportamen-
respostas verbais de pessoas que conseguem to-alvo que os pombos deveriam emitir consis-
ver a figura das duas formas. Nessas condi- tia em subir em uma caixa e, em seguida, bicar
ções, suas possibilidades de tatear a figura in- uma banana de plástico que estava pendurada
terpretada como pato seriam muito limitadas. no teto. Contudo, no início da sessão, a caixa
Ele terá, nesse caso, aprendido uma relação ar- estava distante da banana e deveria ser empur-
bitrária entre a figura e o nome “pato”, o que rada até se aproximar dela suficientemente. É
não o habilita a responder perguntas como “o relativamente fácil ensinar essa cadeia de res-
pato está de bico aberto ou fechado?” ou “seus postas através de treino explícito. O que torna
membros inferiores aparecem na figura?”. A esse experimento relevante para a compreen-
inclusão do respondente perceptual encoberto, são da criatividade é que apenas as habilidades
portanto, é fundamental para a análise funcio- básicas foram treinadas, mas não o encadea-
nal da reversão de figuras ambíguas. mento específico requerido pela situação-pro-
blema. Os pombos que resolveram o proble-
Figuras ambíguas e solução de problemas ma foram treinados, por exemplo, a empurrar
a caixa em direção a um pedaço de cartolina
Há décadas os analistas do comportamento verde e, não, em direção a uma banana. Esse
vêm estudando, conceitual e empiricamente, processo é chamado de generalização funcio-
uma série de processos relevantes à compreen- nal, já que não é por parecer fisicamente com
são da criatividade e da solução de problemas. a cartolina verde que a banana controla a res-

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posta de empurrar, mas por apresentar, nesse fusão, durante o qual elabora diversos rascu-
contexto, uma função similar. nhos que não são aproveitados. Depois disso,
Segundo Epstein et al. (1984) os desempe- é possível que lhe ocorra, subitamente, a res-
nhos desses sujeitos podem ser compreendidos posta encoberta de ver uma imagem com as
como solução de problema por insight, pois a propriedades especificadas, seguindo-se, en-
sequência de respostas ocorre de forma direta, tão, uma fluida cadeia de respostas de dese-
contínua e súbita. Isso só ocorre, contudo, após nhá-la no papel.
um momento inicial de hesitação, em que ain- O caso do desenhista envolve a criação de
da não são emitidas respostas eficientes para a uma nova imagem de difícil concepção, o que
solução do problema: torna muito mais complexo o comportamen-
to-alvo, mas as soluções de muitos problemas
O período de aparente confusão pode ser mais simples podem ser possibilitadas ou fa-
entendido como efeito do controle múltiplo cilitadas pela mera capacidade de perceber os
de estímulos. O pássaro começa a empurrar
por causa da dinâmica da competição entre estímulos de forma diferente. Exemplo disso
o comportamento com relação à banana e o são os desafios dispostos por certas combina-
comportamento com relação à caixa. O pás- ções de estímulos verbais, presentes em poe-
saro empurra em direção à banana devido à sias e piadas que se baseiam no duplo sentido
sua história de empurrar direcionadamen-
de determinado termo (Skinner, 1957). Nes-
te e à sua história de bicar a banana. . . . O
pássaro para de empurrar por causa do enca- ses casos, um único estímulo sonoro controla,
deamento automático: seu próprio compor- no ouvinte, respostas distintas, que devem ser
tamento produz um estímulo que controla emitidas de forma integrada para que ocorra o
outro comportamento. (Epstein, 1996, p. 21) efeito estético.
O momento Eureka característico da des-
Uma situação-problema muito similar à des- coberta da chave de interpretação de uma pas-
crita por Köhler (1925) e Epstein et al. (1984) se- sagem que até então soava misteriosa asseme-
ria a de um desenhista que precisasse criar uma lha-se à realização da reversão de uma figura
nova figura ambígua. Digamos que ele já sabe ambígua pela primeira vez. Esses desempenhos
desenhar um guarda-chuva e também uma mo- não apresentam todas as propriedades que ca-
tocicleta. Desenhar esses objetos lado a lado não racterizam as soluções por insight descritas por
resolveria o problema. Isso equivaleria a uma Epstein et al. (1984), mas podem ser descritos
sequência de respostas em que um pombo tanto como resultado da recombinação de repertó-
sobe na caixa como a empurra, recebendo refor- rios, caso se adote a definição mais ampla se-
ços logo após a emissão de cada resposta, inde- gundo a qual a recombinação ocorre quando
pendentemente da ordem em que são emitidas. velhos comportamentos se interconectam de
Produzir uma imagem que possa ser interpreta- novas maneiras (Epstein, 1985).
da ora como guarda-chuva ora como motocicle- Quando se trata de analisar funcionalmente
ta exige uma integração inovadora dessas duas os repertórios de solução de problemas que en-
habilidades. No caso dos pombos de Epstein et volvem manipulação direta do ambiente físico,
al. (1984), essa integração ocorre mediante en- como ocorre nos experimentos de Epstein et al.
cadeamento automático; no caso do desenhis- (1984) e Köhler (1925), considerações acerca
ta a integração é mais complexa, não envolve da habilidade de reverter figuras ambíguas pare-
apenas um encadeamento de fácil descrição. cem ainda mais pertinentes. A solução dos pro-
Tal como o pombo, ao receber o desafio, o blemas dispostos nesses delineamentos requer
desenhista pode apresentar um período de con- que o sujeito aja sob controle de propriedades

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causais dos objetos envolvidos e, não, de par- causais relevantes dos objetos envolvidos na so-
ticularidades das situações de treino. A ocor- lução do problema. No delineamento descrito
rência desse tipo de generalização funcional é por Cook e Fowler (2013, experimento 2), por
fundamental, como vimos, para diferenciar re- exemplo, os pombos não demonstraram com-
pertórios estereotipados de repertórios verda- preensão de causalidade, pois empurraram cai-
deiramente inovadores que se ajustam às exi- xas sobre as quais eles não poderiam subir para
gências de cada situação-problema. bicar a banana. O inverso poderia ser dito, caso
Cook e Fowler (2013, experimento 2) incre- tivessem empurrado, repetidas vezes, apenas as
mentaram os delineamentos de Epstein (1984) caixas dotadas das características necessárias
e Luciano (1991) para verificar se os pombos à criação do contexto em que poderia ser emi-
exibiram de fato esse desempenho mais sofisti- tida a resposta final.
cado. As condições foram praticamente as mes- A compreensão de causalidade, portanto, é
mas, exceto pela adição de uma caixa não fun- um fenômeno diacrônico, observado em pa-
cional, sobre o qual o pombo não conseguiria drões públicos de comportamento. Contudo,
se apoiar para bicar a banana. Os sujeitos fo- em determinados contextos, parece ser produti-
ram treinados a empurrar direcionadamente am- vo mencionar respostas perceptuais encobertas
bas as caixas. Na situação teste, quando ambas para construir uma interpretação mais comple-
as caixas foram apresentadas, os sujeitos não ta do fenômeno. Cabe ressaltar que a menção
escolheram consistentemente a caixa funcio- a essas respostas não é uma tentativa de hipos-
nal. Não se constatou, portanto, o que Cook e tasiar a compreensão, postulando a existência
Fowler (2013) chamam de “compreensão de re- de entidades fictícias. Respostas perceptuais,
lações meios-fins” – também denominada, por nesse caso, têm a função de precorrentes das
outros autores, “compreensão de causalidade” respostas que produzem a alteração direta do
(Taylor, Hunt, Medina & Gray, 2009; Nagano ambiente. Elas são, portanto, constituintes do
& Aoyama, 2017). A solução do problema das padrão comportamental e, não, a sua “essên-
duas caixas, sugerem Cook e Fowler (2013), cia” ou causa. Em certos contextos, não é ne-
requer treinos adicionais que possibilitem o cessário indicar respostas perceptuais para falar
surgimento dessa capacidade de compreensão. de compreensão de causalidade. Um motorista,
Apesar de o termo compreensão geralmente por exemplo, demonstra compreender os efei-
sugerir uma série de interpretações circulares tos que os pedais de seu carro exercem sobre
de natureza mentalista, é possível, neste con- o motor pelo simples fato de dirigir com des-
texto, operacionalizá-lo de forma satisfatória. treza. Ele pode também demonstrar sua com-
Compreensão não é um processo interno que preensão dessas relações causais por meio de
explica o desempenho apropriado. O termo é, tatos e intraverbais apropriados.
aqui, utilizado de forma meramente descritiva, Nos exemplos do pombo e do motorista, a
indicando um padrão de comportamento que descrição dos comportamentos públicos pare-
ocorre segundo certos critérios. Essa forma de ce ser suficiente para abordar a compreensão
se comportar não necessariamente implica as de causalidade dos sujeitos. Em outros casos,
sofisticadas habilidades verbais que os seres contudo, parece ser relevante falar de respos-
humanos demonstram ao falar sobre relações tas perceptuais encobertas, pois o indivíduo tem
causais, muito menos eventos mentais misterio- uma experiência subjetiva peculiar relacionada
sos. Diz-se que o animal apresenta compreen- ao modo como os eventos influenciam uns aos
são de causalidade quando emite, consistente- outros e essa experiência pode ser parte fun-
mente, respostas sob controle das propriedades damental da solução de um problema. Como

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observa Wittgenstein (1976), os elementos de alho pode ser visto flutuando no ar ou apoia-
uma cena são inseridos em relações causais sem do sobre a areia. As respostas perceptuais eli-
necessidade de especulação ou formulação ex- ciadas em cada caso são nitidamente distintas
plícita de hipóteses; simplesmente percebemos e podem ser facilmente alternadas.
que o evento A provoca a ocorrência do even-
to B e, consequentemente, conseguimos lidar
com o evento B de forma mais efetiva, provo-
cando ou evitando sua ocorrência. Em ambien-
tes estáveis, a percepção de uma relação cau-
sal usualmente se mantém constante ao longo
de uma observação. Nesses casos, geralmente,
não ocorre nada digno de nota. Já quando con-
dições excepcionais produzem mudanças repen-
tinas na maneira como se percebe a influência
que um acontecimento exerce sobre outro, po-
Figura 3: Ilusão do Tapete Voador
dem ocorrer vivências bastante curiosas, como
nos exemplos abaixo:
Diante de situações-problema em que o su-
Imagine que alguém está observando um car- jeito precisa modificar diretamente certas par-
rinho sendo puxado por um arame. De repen- tes do ambiente, como nos experimentos de
te, ela nota que, na verdade, o carrinho tem
um motor elétrico e que o arame é que está recombinação de repertórios, mudanças per-
sendo empurrado por ele. Ou digamos que ceptuais dessa natureza podem ser um impor-
alguém assiste a uma apresentação musical, tante precorrente da solução. Alguns casos do
pensando, inicialmente, que é ao vivo e, por que os cognitivistas (Sternberg, 2010) chamam
uma falha do ‘vocalista’, nota que se trata de
de fixação funcional, a incapacidade de “pensar
playback. Ou ainda: vemos uma cena em que
um cubo A apoia-se sobre um cubo B, não fora da caixa”, podem estar relacionados com
parecendo haver nada mais que o mantenha a ausência ou limitação desse repertório. As-
naquela posição. Mas, em certo momento, B sim, é plausível hipotetizar que o treinamento
é retirado do local e A não cai. Nessas três de reversão com figuras ambíguas pode aumen-
situações, os cenários são temporariamente
tar a eficiência de alguns tipos de precorrentes
envolvidos numa atmosfera de estranheza, a
partir do momento em que ocorre a descon- e, consequentemente, elevar a taxa de sucesso
firmação da relação causal inicialmente ima- com que indivíduos com certas limitações re-
ginada, que faz com que os sujeitos lidem de solvem determinadas modalidades de proble-
modo diferente com os fenômenos observa- mas. Por mais razoável que seja, essa possibili-
dos (Magalhães, 2017, pp. 96-97).
dade não passa de especulação. Cabe à Análise
Nesses casos, o caráter repentino da rein- Experimental do Comportamento verificá-la
terpretação da situação é similar ao da rever- empiricamente.
são de figuras ambíguas, mas a mudança tende
a ser unidirecional: o sujeito passa a ver a si- Considerações finais
tuação de outra forma e não consegue voltar a
vê-la como no início. Essa proximidade entre As propostas apresentadas nas seções an-
os dois conjuntos de fenômenos é evidencia- teriores, obviamente, não esgotam as possibi-
do pela possibilidade de construção de imagens lidades de compreensão analítico-comporta-
como a da Figura 3. Nessa fotografia, o asso- mental da percepção de figuras ambíguas e de

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suas relações com a solução criativa de proble- práticas mais bem aceitas pela Análise Expe-
mas. Novas pesquisas conceituais são necessá- rimental do Comportamento.
rias, sobretudo, para esclarecer a distinção en- Para Skinner, a experimentação, por meio da
tre comportamento operante e respondente, que qual são descobertos os princípios básicos, deve
fundamenta boa parte das análises acima ex- operar com variáveis que se possa quantificar
postas. Como observa Domjan (2016), classi- e observar com o máximo de rigor, enquanto
ficar as respostas como eliciadas ou emitidas que eventos privados, por não serem passíveis
não é tarefa simples. É necessário, em traba- de observação suficientemente confiável, de-
lhos posteriores, proceder a uma crítica meti- vem ser estudados por meio de análises teóri-
culosa da dicotomia proposta por Skinner, para cas fundamentadas naqueles princípios bási-
avaliar de forma mais rigorosa a pertinência de cos (Donahoe, 1993). Seguindo essa tradição,
sua aplicação ao fenômeno perceptual. os estudos experimentais analítico-comporta-
Outras contribuições relevantes da pesquisa mentais lidam com repertórios que possibilitam
conceitual podem advir da reflexão sobre os re- alto grau de concordância entre observadores,
sultados de pesquisas experimentais sobre con- o que permite maior qualidade do controle ex-
trole de estímulos. Este trabalho concentrou-se perimental. Exemplos disso podem ser encon-
nos dados sobre recombinação de repertórios, trados nos procedimentos para estudo de res-
mas a consideração dos estudos sobre discri- postas de observação (Wycoff, 1952). Nesses
minação com estímulos complexos (Debert, casos, é possível supor uma elevada correlação
Huziwara, Faggiani, de Mathis & McIlvane, entre as respostas públicas registradas, como as
2009; Stromer, McIlvane & Serna, 1993; Sil- de pressionar uma barra ou tocar uma tela, e as
veira, dos Santos & de Rose, 2016) ou atenção respostas perceptuais encobertas por elas pro-
dividida (Davison, 2018; Gomes-Ng, Ellife & vocadas, como a resposta de ver.
Cowie, 2019; Shanan & Podlesnik, 2006), por Respostas perceptuais mais complexas, como
exemplo, apresentam grande potencial para fo- a reversão de figuras ambíguas, não apresen-
mentar o desenvolvimento de análises funcio- tam vínculo tão confiável com respostas pú-
nais mais robustas. blicas, o que torna mais baixa a confiabilidade
Caso o trabalho de refinamento do quadro das observações. O próprio sujeito que realiza
conceitual e de construção de novas interpreta- a reversão pode ter bastante dificuldade para
ções teóricas venha acompanhado da realização tateá-la, já que os demais membros de sua co-
de pesquisas empíricas, a ampliação do conhe- munidade não têm acesso a indícios claros da
cimento sobre o comportamento perceptual e ocorrência da resposta, o que torna mais difícil
sobre as suas relações com a criatividade será a criação de contingências efetivas para instalar
ainda mais expressiva. A proposta de estudar essa habilidade verbal. Além disso, a reversão
experimentalmente respostas perceptuais enco- só ocorre após uma complexa história de vida.
bertas parece divergir da tradição behaviorista Rock, Gopnik & Hall (1994) e Gopnik & Ro-
radical, mas essa divergência é apenas parcial. sati (2001) estimam que esse comportamento,
Epistemologicamente, não há incompatibilida- em estadunidenses neurotípicos, costuma sur-
de alguma, já que Skinner (1945) admite expli- gir em torno dos cinco anos de idade. Devido a
citamente a existência de eventos privados e a essa complexidade, procedimentos experimen-
relevância de seu estudo pela ciência do com- tais com figuras ambíguas tendem a apresentar
portamento. No plano metodológico, contudo, inúmeras variáveis confundidoras.
a ideia de estudar as respostas perceptuais, tal Ainda assim, estudar experimentalmente a
como formulada na seção anterior, destoa das percepção desses estímulos parece proveitoso.

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Critchfield (2014) recomenda que os analistas tion, 17(2), 207–220. https://doi:10.1007/


do comportamento evitem o “excesso de segu- s10071-013-0653-8 
rança translacional”, ou seja, a crença de que a Critchfield, T. S. (2014). Punishment: De-
extrapolação direta de dados do laboratório são structive force or valuable social “adhe-
suficientes para interpretar fenômenos comple- sive”? Behavior Analysis in Practice, 7, 36-
xos. Não basta que os princípios sejam produ- 44. https://doi:10.1007/s40617-014-0005-4
zidos em condições rigorosamente controladas, Davison, M. (2018). Divided stimulus control:
é necessário também evidenciar que as condi- Which key did you peck, or what color
ções em que eles foram produzidos e as condi- was it?. Journal of the experimental anal-
ções em que ele são aplicados sejam suficien- ysis of behavior, 109(1), 107-124. https://
temente similares (Sidman, 1976). doi:10.1002/jeab.295
Estudos empíricos sobre a reversão de fi- Debert, P., Huziwara, E. M., Faggiani, R. B.,
guras ambíguas podem colaborar para esse de Mathis, M. E. S., & McIlvane, W. J.
fim. Mesmo que não seja possível realizá-los (2009). Emergent conditional relations
em condições ótimas de observação e contro- in a go/nogo procedure: Figure-ground
le, seus resultados podem contribuir de forma and stimulus-position compound rela-
significativa para caracterizar de maneira mais tions. Journal of the Experimental Analy-
detalhada o modo como seres humanos resol- sis of Behavior, 92, 233– 243. https://doi.
vem problemas. Experimentos sobre recom- org/10.1901/jeab.2009.92-233
binação de repertórios realizados com ratos, Delage, P. E. G. A. (2006). Investigações so-
pombos, corvos da Nova Caledônia e macacos- bre o papel da generalização funcional em
-prego, indicam que, em muitos casos, os efei- uma situação de resolução de problemas
tos de condições de treino similares facilitam a (“insight”) em Rattus norvegicus (Disser-
recombinação para uma espécie, mas não para tação de Mestrado). Universidade Fede-
outra. É necessário, portanto, elaborar um am- ral do Pará, Belém, Pará. Retrieved from
plo quadro comparativo das capacidades de so- http://www.repositorio.ufpa.br:8080/jspui/
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apresentam. Esse quadro se tornará mais com- De Rose, J. C. & Bortoloti, R. (2007). A equi-
pleto caso sejam levados em conta fenômenos valência de estímulos como modelo do
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