A ciência antiga é muitas vezes subestimada ou dada como fácil devido a
simplicidade de suas teorias, desenvolvidas em condições infraestruturais e tecnológicas inferiores quando comparadas à ciência contemporânea. Muitas das ideias do passado são, hoje, consideradas absurdas e foram substituidas por novos paradigmas, muitas vezes em revoluções científicas, depois de embates pela “ciência extraordinária”, termo utilizado por Thomas Kuhn. As teorias antigas, entretanto, realizaram papel fundamental para o conhecimento atual da humanidade e, por isso, jamais devem ser minimizadas de forma alguma, como já dizia Sir Isaac Newton “Se cheguei até aqui foi porque me apoiei no ombro dos gigantes”. Exemplos disso são Einstein, Maxwell e Darwin, na relatividade, eletromagnetismo e teoria da evolução respectivamente. O físico americano Thomas Kuhn, foi o primeiro a utilizar-se do termo “ciência extraordinária”. Kuhn definia a ciência extraordinária como o embate científico de um novo paradigma com algum antigo, chamado de “ciência normal”. O filósofo defendia que sempre há uma ideia, chamada de ciência normal, que rege e orienta a investigação na comunidade científica em uma determinada área específica, e que, quando estremecida por questionamentos, é rivalizada por outro possível modelo. O novo paradigma, então, é submetido a testes dentro de seus limites, se as provas confirmarem a nova hipótese há uma revolução científica a qual a ideia antiga é substituída pela nova. Na fase da ciência normal, o cientista ou pesquisador tem o trabalho de “juntar as peças” do quebra cabeça em sua respectiva área, e, à partir desse quebra cabeça, se percebido qualquer tipo de anomalia, questionar as mesmas. Apesar de em alguns casos haver a substituição de teoria no meio científico por meio do mecanismo citado por Kuhn, vale ressaltar que os questionamentos necessários para o desenvolvimento da novos modelos científicos jamais seriam alcançados sem o paradigma anterior, ou seja, a importância da ciência antiga continua sendo gigantesca para o meio científico contemporâneo. Há diversos exemplos de desenvolvimento científico baseado em conceitos mais antigos, como a teoria geral da relatividade de Einsten, publicada em 1915. O físico teórico alemão se fundamentou na gravitação universal de Isaac Newton, teoria a qual apenas explica as consequências do campo gravitacional gerado por um corpo, em outro corpo, sem aprofundar-se nas causas desse fenômeno. Einstein se utilizou dessas informações e da geometria não euclidiana, 228 anos depois da publicação de Newton, para desenvolver uma explicação para as causas de um corpo qualquer gerar um campo gravitacional em volta de si mesmo, através da curvatura do tecido do espaço-tempo. A situação apresenta- se irônica, já que Einstein “utilizou-se” da expressão de Newton com o próprio Newton, jamais desprezando os avanços os quais a antiga teoria alcançou, e sim aprimorando-os. No eletromagnetismo, James Clerk Maxwell também se baseou em uma ideia anterior para desenvolver o novo. Apresentando uma correção à Lei de Ampére, James revolucionou a ciência em 1861, descobrindo uma das 4 forças fundamentais da física, a força eletromagnetica, que é acompanhada da força gravitacional, força fraca e forte. A Lei de Ampére relaciona a distribuição de corrente elétrica a um campo magnético criado por tal distribuição, permitindo o cálculo do valor do mesmo. Maxwell propôs a correção relacionando a geração de um campo magnético à de um campo elétrico e vice-versa, unificando os dois domínios da física para criar o eletromagnetismo. Os avanços científicos oriundos dessas conclusões são extremamente vastos, já que grande parte da tecnologia se baseia na teoria por trás das “ondas eletromagnéticas” descobertas por Maxwell. Tais progressos jamais seriam possíveis sem o paradigma antigo, que gerou os questionamentos necessários para o físico desenvolver sua ideia. Darwin é lembrado pelo desenvolvimento da teoria da evolução, baseada na seleção natural e é até hoje lembrado em novas ideias como o Neodarwinismo, onde tem o envolvimento, também, da genética. Sua teoria, entretanto, jamais seria desenvolvida sem os questionamentos gerados por modelos científicos anteriores ao dele. Em 1809, Lamarck publicou “Filosofia zoológica”, texto o qual tratava de suas ideias. Dentre elas estava a da geração espontânea, que dizia que a vida surgia da matéria inanimada, e a da “evolução de Lamarck”, a qual tratava a evolução como uma progressão a um estágio de, sempre, maior complexidade e perfeição. O modelo científico de Lamarck, hoje, não é considerado o correto, entretanto jamais deve ser subestimado ou tomado como absurdo, já que foi de grande importância pra época e gerou os questionamentos necessários para que os cientistas chegassem a um consenso em relação a teoria unificadora da biologia como um todo, a de Darwin. Outro grande exemplo de “evolução da teoria científica” é a do átomo. O modelo atômico não foi sempre baseado na mecânica quântica, domínio da física que surgiu por volta da primeira metade do século XX. Na verdade, as primeiras ideias no ramo apareceram há mais de 2500 anos, Leucipo (500 a.c) e Demócrito (460 a.c) já pensavam na ideia de haver um limite inferior em relação à dimensão das partículas. O primeiro modelo atômico registrado, entretanto, foi o de Dalton, o qual tratava o átomo como uma minúscula esfera indivisível, e ficou conhecido como “bola de bilhar”. Depois de Dalton, o próximo a desenvolver sua ideia oficialmente foi Thomson, tendo sido o primeiro a proporcionar a divisibilidade do átomo. O modelo do físico inglês ficou conhecido como pudim de passas, já que se tratava de de um núcleo com carga positiva repleto de partículas negativas chamadas elétrons. Thomson ficou conhecido como “o pai do elétron”. Rutherford desenvolveu sua teoria baseando-se no empirismo. Seu experimento consistia em uma fina folha de ouro em uma câmara metálica, a qual era bombardeada por partículas alpha. Rutherford descobriu por meio dessa experiência que o átomo possuia um espaço vazio gigantesco, já que a grande maioria das partículas alpha passava reto pela folha, e que os elétrons estavam em volta de um pequeno núcleo, composto por carga positiva. Suas ideias ficaram conhecidas como “modelo planetário”. Posterior a Rutherford, Bohr apresentou pequenas correções, que ficaram conhecidas como “Modelo atômico de Rutherford-Bohr”. O físico dinamarquês defendia ideias como o salto quântico o qual pode emitir radiação eletromagnética (luz), ou a órbita determinada descrita por elétrons em volta do núcleo. Apenas mais tarde os paradigmas atômicos foram mudados para os da mecânica quântica, com o princípio da incerteza de Heisenberg como um de seus principais pilares. A evolução dos modelos atômicos apresenta-se de maneira linear, com a teoria posterior sempre dependendo de questionamentos gerados pela anterior. O paradigma gerado por Thomson jamais teria surgido sem a hesitação em alguns pilares das ideias de Dalton, hesitação essa gerada pela própria teoria, ou o modelo de Rutherford nunca teria sido desenvolvido se Thomson não publicasse nada científicamente, e assim por diante, tornando a ciência anterior tão importante quanto a ciência posterior. Os mapas são objetos de extrema importância em diversas áreas, como na navegação marítma e aeronáutica, e são criados há pelo menos 2500 anos (contando a partir do mapa babilônio do mundo, feito em 500 a.c). Neste período, entretanto, as tecnologias vigentes não permitiam o desenho de mapas perfeitos como os que temos na contemporaneidade, logo, os mais antigos apresentam distorções em relação aos atuais. Essas “deformações”, contudo, não podem ser considerados erros, já que as mesmas geraram questionamentos que, unidos ao avanço tecnológico em diversas áreas responsáveis, foram responsáveis pelo desenvolvimento dos mais novos mapas. A tecnologia é determinante para o desenvolvimento de algumas teorias, contudo, novos paradigmas não surgem sem a existência de anteriores, os quais devemos valorizar e nunca considerar como falsos, mas apenas como antigos. A utilização da palavra “erro” associada a modelos científicos mais arcaicos já substituídos é pouco indicado principalmente em escolas e instituições de ensino, já que gera uma desvalorização da ideia presente. Ressaltar a importância dos questionamentos gerados pelos paradigmas anteriores para o acontecimento de revoluções é fundamental para o real entendimento da ciência, bem como de seu desenvolvimento simultâneo ao da história da humanidade. A criação de uma matéria no ensino básico escolar, com o objetivo de passar tal ideia é de grande benefício científico, na qual a ilustração por meio dos exemplos históricos citados e apresentação de teorias como a de Kuhn tornaria mais fácil o entendimento de seu principal propósito. A ciência contemporânea jamais existiria sem a antiga, e compreender isso, é o primeiro passo para entender os mecanismos das descobertas humanas para com a natureza.