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Mudança social, modernidade e globalização

António Pedro Sousa Marques

“(...) até finais dos anos 80, o termo [globalização]


quase não era usado, nem na literatura académica nem
na linguagem corrente. Apareceu não se sabe de
onde, para chegar a quase todos os sítios”

GIDDENS, Anthony (2000) – O Mundo na Era da


Globalização, Lisboa, Presença (2ª ed.), p. 20

Do pós-modernismo à emergência do conceito de globalização

Nunca a mudança social assumiu uma tal rapidez como aquela que se
tem vindo a observar nas últimas duas décadas. Essa mudança tem sido de tal
ordem, (quer em dimensão, quer em diversidade), que hoje só conseguimos
delimitar, com alguma precisão, os seus contornos e algumas das suas
consequências.
Embora na década de 80, do século XX, o conceito de pós-modernismo
tenha tido um papel importante para a análise da mudança social, na década
que se seguiu foi o conceito de globalização que emergiu, se consolidou e se
expandiu. Como afirma Anthony Giddens “a modernidade é inerentemente
globalizante.”1
Essa inerência apresenta-se sobejamente evidente ao nível das
características básicas em que assentam as instituições da modernidade, para
além de serem detentoras, a um nível mais particularizado, de
descontextualização – ou seja, a ” «desinserção» do conjunto das relações
sociais dos contextos locais de interacção e à sua reestruturação através de
2
extensões indefinidas de espaço-tempo.” e de reflexividade, que reside “no
facto de as práticas sociais serem constantemente examinadas e reformadas à
luz da informação adquirida sobre essas mesmas práticas, alterando assim
constitutivamente o seu carácter.” 3

1
- GIDDENS, Anthony (1995) – As Consequências da Modernidade, Oeiras, Celta, (2ª ed.), p. 51
2
- idem, p. 16
3
- idem, p. 31
As poucas dificuldades que os Estados encontraram, nas décadas que
se seguiram à Grande Depressão, em demonstrar a sua capacidade em
dominar os Mercados, promover o crescimento e reproduzir as desigualdades
sociais, foi cedendo lugar a uma nova configuração, que caracteriza as
sociedades actuais.
Hoje, são os Mercados os grandes responsáveis pela definição dos
limites da Política. Aos Estados cabe a tarefa de procurar as formas que lhes
parecem ser as mais capazes para competir e aumentar as quotas de
exportação.
Os Estados-nação, em termos da ordem política mundial, constituem os
seus actores principais, sendo as empresas os agentes dominantes em termos
de economia mundial. 4
No conjunto das relações que mantêm, quer entre si, quer com os
Estados, quer com os consumidores, as empresas (independentemente de
serem industriais, de serviços, financeiras ou bancárias) dependem da
produção para a obtenção do lucro. De modo a alcançarem esse supremo
objectivo, a expansão do seu espaço de influência seja a responsável pela
ampliação dos Mercados de produtos.
Simultaneamente a este processo, os países tradicionalmente
industrializados procuram alargar o seu espaço de mercado, em detrimento de
considerarem o seu próprio mercado interno como crucial para uma forte
performance, cabendo aos novos países industrializados o desafio de forma
aberta e frontal à liderança técnica dos países tradicionalmente
industrializados. Como referem Robert Boyer e Daniel Drache, “ Se toda esta
intensa actividade pudesse ser reduzida a um simples conceito, seria o de
globalização”.5
No entanto, todo este processo de globalização tem vindo a mostrar-se
como o grande responsável pela redefinição do papel do Estado-nação,
nomeadamente no papel que este desempenha em matéria de eficácia na
gestão da economia nacional.

4
- idem, p. 58
5
- BOYER, Robert; DRACHE, Daniel (1997) - Estados Contra Mercados- os limites da globalização,
Lisboa, Instituto Piaget, p. 13
Ora, as economias nacionais são hoje cada vez mais abertas e os
países apresentam uma menor capacidade para desenvolverem e
prosseguirem as suas políticas económicas independentes, uma vez que se
defrontam com empresas cujo crescimento é manifestamente concretizado
sem o respeito pelas próprias fronteiras internas.
O destino económico de cada país parece estar, desta forma,
condenado perante um processo de globalização que se mostra decidido a
estabelecer uma nova ordem económica mundial assente sobre o que resta
das economias nacionais. 6
Por outro lado, a globalização não se circunscreve apenas e só aos
aspectos económicos . Esta rede complexa de processos estende-se às
esferas política, tecnológica e cultural. “A globalização não é apenas mais uma
coisa que «anda por aí», remota e afastada do indivíduo. É também um
fenómeno interior que influencia aspectos íntimos e pessoais das nossas
vidas.” 7

A Sociologia face à Globalização: das teorias clássicas às teorias actuais

Não se pode determinar com exactidão em que momento o conceito de


globalização entrou nas Ciências Sociais e na Sociologia em particular. No
entanto, é possível constatar a existência de aproximações teóricas
tendencialmente globalizantes feitas por autores clássicos da Sociologia
quando procedem a análises sobre as sociedades.
Saint-Simon defendia que a industrialização era a responsável por levar
8
as diferentes sociedades europeias a apresentarem práticas comuns. De
forma a que este princípio fosse observado mais rapidamente, propõe a
formação de um governo pan-europeu e uma nova filosofia assente em
princípios universais.

6
- Cf. DRACHE, Daniel “De keynes ao k-mart – competitividade numa era colectiva” in BOYER, Robert;
DRACHE, Daniel (1997) - Estados Contra Mercados- os limites da globalização, Lisboa, Instituto Piaget,
p. 45
7
- GIDDENS, Anthony (2000) – O Mundo na Era da Globalização, Lisboa, Presença (2ª ed.), p.23
8
- Cf. SAINT-SIMON, Henri (1975) – Selected Writings on Science, Industry and Social Organizations,
London, Croom Helm, pp.130-136
Auguste Comte, inspirado pelo pensamento Saint-simoniano, é o
sociólogo que vai colocar como ponto nevrálgico da sua doutrina a unidade
social e humana, bem como a unidade da história humana. A sua procura
teórica em torno da unidade da humanidade é feita de tal forma que a principal
dificuldade da sua teoria reside precisamente na diversidade.
Esta tendência globalizadora do social e da história humana não são os
únicos aspectos do seu pensamento. Considera-se basicamente três grandes
temas: 9

a) a sociedade industrial existente na Europa Ocidental, sendo um


modelo exemplar a seguir, tornar-se-á no modelo de sociedade para
toda a Humanidade;
b) o pensamento científico é duplamente universalista. Este
pensamento que começa primeiramente por influenciar a
Matemática, a Física e a Biologia e às outras ciências adquire depois
um carácter de pensamento geral, o que implica que pensar
positivamente em astronomia teria a mesma implicação em pensar
em termos de política ou de religião;
c) a sociedade ocidental ao atingir o estádio positivo, torna-se exemplar,
pelo que o conjunta da humanidade seguirá esse exemplo como
forma de organização social.

Karl Marx foi, sem qualquer duvida, o autor que mais desenvolveu a sua
teoria social globalizante da modernização.10
Nas suas obras de economia política, Karl Marx atribui à descoberta da
América e às rotas marítimas que foram abertas para a Ásia a criação do
“mercado mundial” para a indústria que então se estabeleceu na Europa.
Estes factores foram decisivos para que se verificasse o aumento do poder da
classe capitalista. A burguesia teria, segundo Karl Marx, articulado a produção
industrial e os novos mercados que se lhe ofereciam. “ Em todo o mundo, a
burguesia é confrontada com a necessidade de uma constante expansão dos

9
- Cf. ARON, Raymond (1991) – As Etapas do Pensamento Sociológico, Lisboa, Publicações Dom
Quixote, pp.87-88
10
- Cf. WATERS, Malcom (1999) – Globalização, Oeiras, Celta, p. 5
mercados para os seus produtos. Para tal, a burguesia deve instalar-se,
estabelecer-se e desenvolver contactos em todo o lado.” 11
Como tal, este desenvolvimento ultrapassa a mera esfera cultural, para se
estender à esfera económica, uma vez que o carácter cosmopolita está
presente quer na produção quer ao nível do consumo. 12
Este processo não estaria, segundo Karl Marx, circunscrito à Europa
industrializada, mas a todo o mundo, uma vez que a burguesia procurava atrair
para a “civilização” as nações “bárbaras”, através da produção de mercadorias
de baixo custo, capazes de destruir qualquer economia rudimentar , colocando-
a na dependência das economias mais “fortes”.
A contribuição de Emile Durkheim para as questões da globalização,
embora também elas não estejam explicitamente colocadas, foram
desenvolvidas através de teorias sobre a diferenciação e a cultura. Estas
teorias estão claramente expressas na sua obra Da Divisão do Trabalho Social
. Nela, Durkheim coloca o tema central de todo o seu pensamento, ou seja, a
relação entre indivíduos e a colectividade. A esta questão, responde Durkheim
com a distinção entre duas formas de solidariedade : a solidariedade
mecânica característica das sociedades arcaicas, e a solidariedade orgânica
que caracteriza as sociedades contemporâneas.
O sociólogo alemão Max Weber ao longo das suas obras identificou a
racionalidade como solução globalizante. 13
Weber baseia este princípio com base na expansão do protestantismo
de cariz calvinista que, em sua opinião, se espalharia por todas as culturas
ocidentais.
Essa racionalidade das culturas caracterizar-se-ia graças a quatro
importantes factores: por uma crescente forma de despersonalização do
conjunto das relações sociais; pela sofisticação das técnicas de cálculo; pelo
aumento da especialização ao nível do conhecimento especializado e pelo
alargamento do controlo técnico racional sobre os processos de índole natural
e social.

11
- MARX, Karl (1977) – Selected Writings, Oxford, Oxford University Press, p.227
12
- Cf. WATERS, Malcom (1999) – Op. cit., p. 5
13
- idem
Embora se tenha vindo a verificar um uso corrente do conceito de
globalização na Sociologia a partir de meados da década de oitenta do século
passado, o seu desenvolvimento, enquanto conceito sociológico deve-se a
Roland Robertson.
Quando Robertson produziu os seus primeiros escritos sobre a
globalização, em meados da década de oitenta, quer as questões sobre o
globo quer os aspectos da cultura a ele associada apresentavam-se com uma
maior pertinência teórica que as questões surgidas em torno do Estado-nação.
A par desta preocupação, Robertson começou por “retirar o conceito de
sociedade nacional do autentico colete de forças a que estava sujeito, e que
afastava a sociologia das grandes mudanças que o mundo atravessava.” 14
Em parceria com J.P. Nettl, procuram perceber qual a ligação entre a
modernização e o sistema internacional desenvolvido pelos Estados,
defendendo a tese que esse sistema existe e de forma palpável.
Os citados autores partem da construção teórica de Talcott Parsons
sobre o sistema, nomeadamente do bem conhecido AGIL.
Segundo este princípio Parsoniano sobre o sistema, este só é
considerado um sistema completo se a sua estrutura ou componentes
funcionem de forma a dar resposta a quatro problemas inerentes ao sistema:
- adaptação ao meio ambiente (A)
- elaboração de acções que possibilitem alcançar os fins à vista (G)
- trocas inter componentes dos sistema (I)
- garantia da permanente reprodução do sistema (L)
É um dado adquirido para a Sociologia que em qualquer sistema social
terão de existir as actividades económicas, políticas, de comunidade e
culturais.
Nos finais da década de sessenta, concluem que o sistema internacional
ainda não estava completamente concluído, uma vez que existia um processo
de construção do sistema a partir das interacções internacionais dos Estados,
ou seja, através do subsistema G, processo esse que se confrontou com
dificuldades que não tinham sido resolvidas na esfera cultural, ou seja, o

14
- idem, p. 38
subsistema L, situação que impedia o desenvolvimento pleno do próprio
sistema internacional.
Dessa limitação foram detectados três tipos de clivagens:
- de natureza religiosa, que se alicerça nas formas de percepção e
representação do mundo e da vida, no que se refere,
nomeadamente, às questões valorativas e cognitivas. Baseia-se na
oposição entre racionalismo e tradicionalismo, entre as concepções
lineares sobre o tempo e as concepções cíclicas, etc.;
- de natureza jurídico-diplomática, assente na oposição entre as
culturas que vêem nos contactos internacionais e na norma do direito
como desenvolvimentos regulares e vulgares entre os Estados e as
culturas de cariz absolutista internacionalmente orientadas;
- de natureza industrial, onde se confrontam as culturas que valorizam
o conjunto de normas que se mostram compatíveis com a industria,
nomeadamente a racionalidade industrial, a individualização, etc., e
as culturas que menosprezam essas normas. 15

Estas descontinuidades teriam sido as responsáveis, de acordo com


Nettl e Robertson, por não se ter verificado, nos anos sessenta, a unificação
global e, simultaneamente, por terem levado o mundo a dividir-se em duas
dimensões de acordo com os pontos cardeais. Assim o Oriente afasta-se do
Ocidente, nos aspectos jurídico e religioso; o Norte separa-se do Sul nos
aspectos diplomáticos e industriais.
Partindo do princípio teórico que estas três clivagens constituem-se em
níveis hierárquicos, encontrando-se no topo da pirâmide aquela que apresenta
o grau máximo de eficácia e de controlo. Estando a religião a ocupar esse
lugar de topo, é natural que ela se apresente como o factor crítico no processo
de globalização.
A pouco mais de duas décadas do aparecimento deste trabalho,
Robertson conclui que estas clivagens podiam desaparecer. É dada uma

15
- idem, p. 40
ênfase muito maior ao nível cultural, em detrimento do sistema internacional de
Estados.
Quando refere que “enquanto conceito, a globalização refere-se tanto à
compressão do mundo como à intensificação da percepção do mundo como
um todo...estes dois aspectos concretizam a interdependência global e a
percepção do todo global no século XX” 16
Estamos perante duas situações que se contrapõem temporalmente: a
compressão do mundo e a intensificação da percepção do mundo. Se, para
Robertson o processo de compressão do mundo é anterior ao século XVI, ou
seja, é um processo que antecede a modernidade e o nascimento do
capitalismo. Já a intensificação da percepção do mundo é um fenómeno
recente.
Ou seja, os fenómenos individuais vão ganhando uma maior
possibilidade de passarem a dizer respeito ao mundo inteiro. Estes fenómenos
individuais não se circunscrevem apenas aos fenómenos culturais como
também se estendem a todos os fenómenos globais e que são confrontados,
de forma individual. Trata-se de representações sociais sobre fenómenos
globais que individualmente podem ser redefinidos ou relativizados
culturalmente.
Este processo de que tem levado ao aumento da percepção global,
articulado com o crescimento da interdependência material, conduz, segundo
Robertson, a que se verifique o aumento da probabilidade da reprodução do
mundo num sistema único.
A globalização, ao envolver a relativização das dimensões nacional e
individual face aos pontos de natureza geral ou supranacional, vai implicar a
existência de ligações sociais e fenomenológicas entre o próprio indivíduo, a
sociedade nacional, o sistema internacional de Estados e a humanidade em
geral.

16
- ROBERTSON, Roland (1992) – Globalization, London, Sage, p.8
O Campo Global segundo Roland Robertson

Individuo

individuo
Sociedade Nacional

Sistema Internacional de Estados

Humanidade

Fonte: ROBERTSON, Roland (1992) - Op. cit. pp. 25-32

Chega-se, assim, ao campo global, que pode ser definido como o


conjunto de elementos, ligados entre si, e que têm de ser tomados como
referência na análise sobre a globalização. Pelo que se torna possível
proceder-se às ligações fenomenológicas:
- o indivíduo: este pode ser definido como um cidadão que pertence a
uma Sociedade Nacional e cujo desenvolvimento pessoal pode ser
feito tendo como comparação os processos existentes noutras
sociedades (Sistema Internacional de Estados) e também como
exemplo da Humanidade;
- a Sociedade Nacional: mantêm relações complexas e com os seus
cidadãos, nomeadamente em termos de liberdades, vigilância e
controlo, tem de si uma imagem de integração numa comunidade de
outros Estados-nação (Sistema Internacional de Estados) e deve
garantir a existência de direitos de cidadania individual que se vão
contrapor aos direitos da Humanidade;
- o Sistema Internacional de Estados: encontra-se na dependência da
decisão do Estado em abdicar dos princípios de soberania
(Sociedades Nacionais), sendo o responsável por estabelecer quais
os padrões para os comportamentos individuais (Indivíduos),
proporcionando a transmissão de conhecimentos sobre as
aspirações humanas (Humanidade) ;
- a Humanidade: deve ser definida em termos de direitos individuais,
que por sua vez se encontram consignados nas normas sobre
cidadania ao nível das Sociedades Nacionais, e cuja legitimidade e
reforço são realizadas pelo Sistema Internacional de Estados.

Tomados no seu conjunto, estes processos tornam-se nos processos


sociais da globalização e desenvolvem-se independentemente da dinâmica
desenvolvida por cada Sociedade Nacional. Possuindo uma lógica própria, a
globalização acabará por influenciar essas mesmas dinâmicas.
Como foi referenciado anteriormente, Robertson defende que este
processo de globalização é pré-modernista e pré-capitalista, todavia, é a
modernidade que se torna no cerne do processo de aceleração da globalização
verificando-se que a consciencialização só tem a sua actuação sobre este
processo de globalização ao longo do período contemporâneo.
A globalização actual distingue-se das suas manifestações anteriores
através da reflexividade, “o mundo ‘evoluiu’ de uma forma de estar meramente
‘em si próprio’ para a possibilidade de estar ‘para si próprio’ “. 17
Os indivíduos ao conceptualizarem o mundo como um todo,
reproduzem-no como uma unidade singular, o que contribui para o aumento
das possibilidades em torno da forma em como ele vai ser pensado
futuramente.
É certo que nem todos os teóricos partilham destas opiniões de
Robertson. Dentro dos autores que têm aliado a globalização, como modelo
dominante na mudança social, sobressai Anthony Giddens, sendo até

17
- idem, p. 55
considerado como o principal opositor no que respeita às questões de
paternidade do conceito. 18
A Trajectória da Globalização segundo Roland Robertson
Dissolução da cristandade e aparecimento das comunidades
estatais;
Igrejas católicas (universais)
Generalizações sobre a humanidade e o indivíduo
Aparecimento dos primeiros mapas do planeta
Fase Embrionária Heliocentrismo
Europa 1400-1750 Calendário universal no Ocidente
Exploração global
Colonialismo
Estado-nação
Diplomacia formal entre Estados
Cidadania e passaportes
Fase Incipiente
Exposições internacionais e acordos sobre comunicações
Europa 1750-1875
Convenções sobre Direito Internacional
Primeiras nações não europeias
Primeiras ideias sobre o internacionalismo e o universalismo
Conceptualização do mundo com base nos quatro pontos de
referência globalizantes – Estado-nação, o indivíduo, uma
sociedade internacional única e uma só humanidade (com
predominância do masculino)
Comunicações, desportos e laços culturais internacionais
Fase de Arranque Calendário global
1875-1925 Primeira guerra mundial de sempre
Migrações internacionais em massa e respectivas restrições
Novos membros não europeus juntam-se ao sistema
internacional dos Estados-nação
Sociedade das Nações e ONU
Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria
Noções de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade
Fase de luta pela Hegemonia
Tratado nuclear universal sobre a bomba atómica
1925-1969
Emergência do Terceiro Mundo
Exploração do espaço
Valores pós-materialistas e discursos sobre direitos
Comunidades mundiais baseadas na preferência sexual, no
género, na etnia e na raça
Fase da Incerteza
Relações internacionais mais complexas e fluídas
1969-92 Reconhecimento da presença de problemas ambientais globais
Meios de comunicação globais através de tecnologias do
espaço

pp
Fonte: WATERS, Malcom (1997) – Op. cit., .42-43

18
- Cf. WATERS, Malcom (1999) – Op.cit., p. 35
Anthony Giddens na primeira abordagem que fez sobre a emergência de
um sistema global tece críticas à teoria marxista, segundo a qual o
desenvolvimento do capitalismo teria sido o responsável, por si só, pela história
moderna das sociedades. A este reducionismo marxista, Giddens responde
que o sistema sofre influências através do próprio processo de evolução dos
Estados-nação e pela capacidade que possuem em declarar a guerra entre si.
Ao se universalizar, a partir do século XVIII, o Estado-nação contribuiu para
que o mundo se tivesse tornado numa rede de sociedades nacionais,
representadas pelos respectivos Estados num sistema global de relações
internacionais.
Ou seja, a sociedade moderna não se define apenas e só pela sua base
económica mas também, pelo facto de ser um Estado-nação.
Para o autor, o processo que levou à universalização do Estado-nação
estaria articulado de acordo com três ordens de ideias:

- as comunidades fictícias,
- as características burocrático-racionais
- existência de contingências históricas

As comunidades fictícias, que Giddens identifica com os Estados-nação


da Europa do século XIX, que procederam, com sucesso, ao entrosamento
entre a produção e industrial e a acção militar, ou seja, a industrialização da
guerra possibilitou o sucesso desses Estados-nação num conjunto de
campanhas militares que colonizaram logo a seguir.
Os aspectos burocrático-racionais possibilitaram uma maior eficácia em
termos de aproveitamento dos recursos e sua colocação ao serviço do
desenvolvimento nacional como possibilitou uma melhor gestão no campo das
relações com outros Estados-nação quer através de redes diplomáticas quer
através da participação em agências políticas transnacionais.
A existência de contingências históricas especiais, como a ausência de
guerras, pôde conduzir os Estados-nação para uma maior concentração dos
seus recursos económicas e canalizá-los para a industria, ou, pelo contrário, a
desestabilização das relações internacionais, materializada pelas duas guerras
mundiais que assolaram o século XX e que impôs o estabelecimento reflexivo
entre uma ordem militar internacional e os sistemas internacionais de
manutenção da paz.
Da análise que faz sobre as sociedades europeias pós-feudais até às
sociedades nossas contemporâneas, Giddens conclui que estas são detentoras
de quatro características institucionais ou dimensões organizacionais .19
De entre elas, as duas primeiras possuem um carácter económico. Ou
seja, a modernidade inclui em si um sistema capitalista de produção de
mercadorias que implica a existência de uma relação social entre o grupo que é
detentor de capital privado e o grupo que vende a sua força de trabalho em
troca de um salário. Em termos da análise de mercado, a competição
desencadeada pelas empresas entre si é feita pelo capital, pelo trabalho, pelas
matérias-primas e por componentes e produtos.
Por outro lado, a modernidade implica industrialismo. O industrialismo é
alcançado através da multiplicação do esforço humano obtido a partir da
utilização de fontes de energia inanimadas produzida a partir de máquinas.
O alcance desta escala em termos tecnológicos só se torna possível
através de um processo colectivo de produção. De forma a ser obtida uma
acumulação de recursos materiais há que coordenar as actividades colectivas
dos indivíduos.
As duas últimas características possuem um alcance mais de carácter
social.
Uma dessas característica relaciona-se com o facto do Estado-nação da
Europa do século XIX possuir competência administrativa. Isto quer dizer que
o Estado-nação era detentor de capacidade que lhe permitia exercer, de modo
coordenado, um controlo sobre as populações dentro do seu território.
A outra característica consiste no controlo que o Estado detém, de
modo centralizado, dos meios de violência, no âmbito de uma ordem militar
industrializada.
A partir da proposta teórica desenvolvida por McLuhan, o processo
básico é o alongamento
a) do, tempo e espaço

19
-Cf. GIDDENS, Anthony (1995) – Op. cit, pp. 56-63 e GIDDENS, Anthony (1994) - Modernidade e
Identidade Pessoal, Oeiras, Celta Editora, p.13
b) ou a separação entre tempo e espaço 20
Nas sociedades que antecederam a modernidade o tempo e o espaço
encontravam-se inerentes à localização concreta de cada pessoa e as
dinâmicas temporais da vida quotidiana eram fixados através dos ciclos diurnos
ou sazonais de cada lugar possuía.
O espaço, e também ele, apresentava-se limitado à percepção imediata
de cada um e media-se tendo como referência àquilo de que cada um tinha
percepção imediata e era medido tendo como ponto de referência a
localização da casa das pessoas.
A universalização do tempo teve a sua ocorrência no século XVIII por via
da invenção e difusão do relógio mecânico. “ O tempo continuou a estar ligado
ao espaço (e ao lugar)até que a uniformidade da medição do tempo pelo
relógio mecânico foi igualada pela uniformidade na organização social do
21
tempo.” Esta mudança decorre em simultâneo com a expansão da
modernidade, tendo sido completada no século XX.
Como consequência desta inovação nas sociedades europeias,
assiste-se ao fim dos condicionalismos espaciais sobre as formas de medir o
tempo o que vai permitir a reorganização social num sistema global de regiões.
“O ‘esvaziamento do tempo’ é, em grande medida, a pré-condição para
o ‘esvaziamento do espaço’, tendo, por isso, uma prioridade causal sobre
este.[...] a coordenação através do tempo é a base do controlo do espaço.” 22
O espaço tornou-se, assim, uma dimensão social universal cuja
realidade já não se encontra na dependência da localização social individual.
A libertação do tempo e do espaço constitui um acontecimento da
modernidade na medida em que permite a existência de uma organização
estável da actividade humana através de vastas extensões do espaço-tempo.
Este acontecimento constitui per si um pré-requisito para a globalização.
Giddens, ao contrário de Robertson, considera que a globalização é
uma consequência directa da modernização.
Cada uma das três dinâmicas principais presentes na modernidade –
separação do tempo e do espaço, o desenvolvimento de mecanismos de

20
- idem pp.13-15 ; ;idem, pp.14-15
21
- GIDDENS, Anthony (1995) – Op. cit,, p. 14
22
- idem
descontextualização e a apropriação reflexiva do conhecimento - envolve um
conjunto de tendências de cariz universalizante que criam relações sociais
cada vez mais inclusivas.
Essas dinâmicas para além de tornarem possível a existência de redes
globais de relações, representam também um factor crucial no alargamento da
distância temporal e espacial das relações sociais, contribuindo assim para a
existência de relações sociais globais.
O alongamento espaço-temporal, a descontextualização e a
reflexividade significam que entre as actividades locais e a interacção à
distância estabelecem-se relações complexas. Todas as actividades sociais,
económicas, culturais e políticas locais estão de algum modo articuladas, (e
também na dependência) de situações concretas verificadas noutros locais.

Local e Global: dominâncias e dependências

“A globalização pode assim ser definida como a intensificação das


relações sociais de escala mundial, relações que ligam localidades distantes de
tal maneira que as ocorrências locais são moldadas por acontecimentos que se
dão a muitos quilómetros de distância, e vice-versa. Este processo é dialéctico
porque essas ocorrências locais podem ir numa direcção inversa das relações
muito distanciadas que as moldaram. A transformação local faz parte da
globalização tanto como a extensão lateral das ligações sociais através do
espaço e do tempo.” 23
Isto pressupõe que as variáveis que usualmente são utilizadas para o
estudo de um território – independentemente da sua localização no mundo –
devem equacionar não só os aspectos intrínsecos a esse território, como
devem entrar em linha de conta com variáveis globais, como o dinheiro mundial
e os mercados de bens, que se encontram a uma distância indefinida desse
lugar.
Uma vez que só agora começam a ser percebidas as implicações gerais
da globalização como uma totalidade em processo de formação, talvez se

23
- idem, p.52
possa concluir que a problemática lançada sobre esse fenómeno se encontre,
ainda, numa demanda de formação teórica.
Por outro lado, as noções de espaço e de tempo estão a sofrer um
processo revolucionário, decorrente dos próprios desenvolvimentos científicos
e tecnológicos que se encontram incorporados e dinamizados pelo conjunto
dos movimentos presentes na sociedade global.
Este processo tem vindo a revelar que o local e o global estão,
simultaneamente, distantes e próximos, o mesmo será dizer que o mundo ora
se torna mais complexo, ora se torna mais simples, maior e mais pequeno.
Outra questão, que a globalização envolve, prende-se com o problema
da diversidade, uma vez que esta não pode ser eliminada, uma vez que implica
aspectos teórico-metodológicos.
No contexto metodológico, assiste-se a alguma controvérsia no seio das
ciências sociais, na medida em que alguns manifestam a sua preocupação em
torno do terreno da diversidade, manifestando o seu protesto contra a
globalização, por outro lado, outros autores opõem o saber global ao saber
local, ressaltando, deste modo, o problema da diversidade como
intrinsecamente presente quer nas configurações quer nos movimentos da
sociedade global.
Finalmente, é necessário perceber que o próprio capitalismo global
sofre, ele também, de uma movimento dialéctico, uma vez que é o promotor e é
condicionado pelas homogeneidade e heterogeneidade cultural. A
multiplicidade de micromercados –nacionais, regionais, rácicos, étnicos, de
género, socialmente estratificados, entre muitos outros -, em que o capitalismo
se encontra envolvido, tem fortemente contribuído quer para a produção quer
para a consolidação da diferença e da variedade. Contudo, os micromercados
emergem contextualizados num conjunto de práticas económicas globais, que
se têm mostrado cada vez mais crescentes.

Bibliografia consultada

ARON, Raymond (1991) – As Etapas do Pensamento Sociológico, Lisboa,


Publicações Dom Quixote
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott (2000) – Modernização
Reflexiva, Oeiras, Celta Editora
BOYER, Robert; DRACHE, Daniel (1997) - Estados Contra Mercados- os
limites da globalização, Lisboa, Instituto Piaget
GIDDENS, Anthony (1994) – Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras, Celta
Editora
GIDDENS, Anthony (1995) – As Consequências da Modernidade, Oeiras, Celta
Editora, (2ª ed)
GIDDENS, Anthony (2000) – O Mundo na Era da Globalização, Lisboa,
Presença (2ª ed.)
GRUPO DE LISBOA (1994) – Limites à Competição, Mem Martins, Publicações
Europa- América, (2ª ed.)
MARX, Karl (1977) – Selected Writings, Oxford, Oxford University Press
ROBERTSON, Roland (1992) – Globalization, London, Sage
SAINT-SIMON, Henri (1975) – Selected Writings on Science, Industry and
Social Organizations, London, Croom Helm,
WATERS, Malcom (1999) – Globalização, Oeiras, Celta

Resumo:
Análise de alguns aspetos da globalização, na perspetiva sociológica, e das
respetivas relações de dominância e dependência entre o local e o global, num
período em que o papel dos Mercados se faz incidir sobre os limites da Politica
e o dos Estados incide sobre as melhores formas de competir, procurando
aumentar as sues quotas de exportação.

Abstract:
An analysis of some aspects of globalization, on a sociological perspective, and
their relationships of domain and dependence between local and global, in a
period that the Markets decide the limits of Politics and the Sates try to find the
best strategies to compete with the many others.
Referências da publicação:

Marques, A. (2003) Mudança Social, Modernidade e Globalização, Studia


(Scientiæ Rerum Diffusio) ,nº 5, Loulé, Instituto Superior D. Afonso III, pp. 265-
284, ISSN: 1647-6468

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