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Cinética Química – UNAERP - Prof. Murilo D.M.

Innocentini

UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO – UNAERP


CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DE TECNOLOGIA
CURSO DE ENGENHARIA QUÍMICA

CINÉTICA QUÍMICA
(Apostila de Introdução)

“Cinética é o modo que a natureza encontrou para evitar que todas as coisas
acontecessem de uma só vez.”
S.E. LeBlanc

Prof. Dr. Murilo Daniel de Mello Innocentini


muriloinnocentini@yahoo.com.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5681181471077426

RIBEIRÃO PRETO – SP
AGOSTO 2013

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Cinética Química – UNAERP - Prof. Murilo D.M. Innocentini

1. Introdução

A cinética química e o projeto de reatores são o coração de quase todo processo


industrial de produção de compostos químicos (Figura 1). É primariamente o conhecimento
da cinética e do projeto do reator que distingue um engenheiro químico dos outros tipos de
engenheiro. A seleção de um sistema de reação que opera de modo seguro e econômico
pode ser a chave do sucesso ou do fracasso da planta química. Por exemplo, se o sistema
reativo produz uma quantidade elevada de subprodutos indesejáveis, a subseqüente
purificação e separação do produto desejado podem tornar o processo inviável. Do mesmo
modo, a escolha de um reator inadequado para a uma reação específica tem implicações
diretas na economia do sistema.
O projeto de um reator não é trabalho de rotina, podendo existir vários projetos para
um mesmo processo e, na escolha, nem sempre é o custo do reator que deve ser
minimizado. No projeto de um reator, utilizamos informações, conhecimentos e experiência
pertencentes a diversas áreas: termodinâmica, cinética química, mecânica dos fluidos,
transferência de calor, transferência de massa e economia.

FIGURA 1. Processo químico típico.

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No projeto de um reator químico, há algumas questões que devem ser respondidas,


pertencentes a duas grandes áreas:

Termodinâmica: Esta área nos fornece três importantes informações para o projeto de um
sistema reativo:

 A reação desejada é viável termodinamicamente? E em que condições de pressão e


temperatura?
 Qual é o grau máximo (teórico) de conversão do reagente?
 A reação é endotérmica ou exotérmica? Qual é o calor transferido do sistema para o
reator durante a reação?

Cinética Química: Esta área nos diz:

 Com que velocidade a reação desejada ocorre?


 Quais os fatores que afetam a velocidade de reação (temperatura, concentração, pressão)
e como?

Quando a reação for suficientemente rápida a ponto de ser considerada em


equilíbrio, as informações cinéticas não serão necessárias, bastado informações
termodinâmicas.

“Comparativamente, a termodinâmica informa o destino final da reação ao passo que a


cinética diz a rapidez com que a reação atinge o seu destino (equilíbrio).”

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2. CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES QUÍMICAS

2.1. Quanto ao número de fases


2.1.1. Homogênea
O sistema químico possui apenas uma fase (líquida ou gasosa).
Exemplos: 2 H2S + 3 O2  2 SO2 + 2 H2O em fase gasosa
H2SO4 + (C2H5)2SO4  2C2H5SO4H em fase líquida

2.1.2. Heterogênea
O sistema químico possui mais que uma fase.
Exemplos: Óleo vegetal (líquido apolar) + NaOH (líquido polar)  sabão (pasta)
C (sólido) + O2 (gasoso) + CO2 (gasoso)

2.2. Quanto à forma que é realizada


2.2.1. Termicamente
A reação só ocorre por efeito da temperatura.
Exemplos: S (g) + O2 (g)  SO2 (g)

2 H2S (g)  2 H2 (g) + S2 (g)

2.2.2. Cataliticamente
A reação necessita de um agente externo (catalisador) para diminuir a energia de ativação e
tornar a reação mais rápida e econômica.
Mo-Pr-Bi (s)
Exemplos: 2 CH3CH=CH2 + O2  CH2=CHCHO + H2O
(propeno) (acroleína)
V2O5 (s)

2 SO2 (g) + O2 (g)  2 SO3 (g)

2.3. Quanto à seletividade da reação


2.3.1. Simples ou Seletivas
As matérias-primas reagem de apenas uma só forma.
Exemplo: A  B: S (g) + O2 (g)  SO2 (g)

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2.3.2. Múltiplas
As matérias-primas reagem por mais de uma forma.
A) Em série (A  B  C)
Exemplo: C (s) + O2 (g)  CO (g) + O2 (g)  CO2 (g)

B) Em paralelo (A  B; A  C)
Exemplo: C (s) + O2 (g)  CO (g)
C (s) + O2 (g)  CO2 (g)

2.4. Quanto ao grau de conversão


2.4.1. Reação irreversível
É aquela que se processa em uma única direção e que continua naquela direção até
que os reagentes se esgotem. Neste caso a conversão dos reagentes cedo ou tarde atingirá
100%.
Exemplo: 2 H2 (g) + O2 (g)  2 H2O (vapor)

2.4.2. Reação reversível


É aquela que ocorre em ambos os sentidos, dependendo das concentrações relativas
de reagentes e produtos correspondentes às concentrações de equilíbrio. Neste caso, a
conversão dos reagentes não será de 100%.

Exemplo: 2 NOCl (g)  2 NO (g) + Cl2 (g)

A 25C, a conversão de equilíbrio é 75%.

2.5. Quanto ao mecanismo de reação


Para que uma reação ocorra, muitas vezes é necessária uma série de etapas
intermediárias, nem sempre de fácil identificação. O mecanismo de uma reação é o conjunto
de etapas necessárias para que a reação global ocorra.

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2.5.1. Reação elementar


É a reação que ocorre com a participação de todos os reagentes na etapa mais lenta. Neste
caso há uma correspondência direta entre a estequiometria e a velocidade da reação, ou
seja, a soma dos coeficientes estequiométricos dos reagentes corresponde a ordem global
da reação.

Exemplo: 1 NaOH +1 CH3Br  1 CH3OH + 1 NaBr


Velocidade da reação proporcional a [NaOH] x [CH 3Br]

2.5.2. Reação não-elementar


É a reação que ocorre sem a participação de todos os reagentes na etapa lenta. Não há,
neste caso, uma relação clara e direta entre a estequiometria e a velocidade da reação.

Exemplo: 2 O3 (g)  3 O2 (g)


Velocidade da reação proporcional a [O3]2 x [O2]-1

3. CINÉTICA DE REAÇÕES HOMOGÊNEAS

A cinética de uma reação relaciona a velocidade de formação de um produto ou de


consumo de um reagente com as concentrações (ou pressões) dos componentes do sistema.

Coeficientes estequiométricos

aAbB+cC

Espécies químicas
Sistema inicial Sistema final

Nio Nif
Cio Cif
To Tf
Vo Vf
Po Pf
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Nio = Número de moles iniciais no sistema Nif = Número de moles finais no sistema
Cio = Concentração inicial de moles do sistema Cif = Concentração final de moles do sistema
To = Temperatura inicial do sistema Tf = Temperatura final do sistema
Po = Pressão inicial do sistema Pf = Pressão final do sistema
Vo = Volume inicial do sistema Vf = Volume final do sistema
Concentração dos componentes

Probuto B

Produto C

Reagente A

Tempo

Conforme já mencionado, a velocidade de uma reação é a taxa com que determinado


reagente é consumido ou produto formado em função do tempo. A expressão algébrica que
relaciona a transformação de um componente com as concentrações das espécies presentes
na reação é dada por:
(ri )  função(Temperatura )  função(concentração)
ou
(ri )  k(T)  função(C A , C B , C C ,...)

A constante de velocidade k não é verdadeiramente uma constante, mas


simplesmente independente da concentração das espécies envolvidas na reação. Ela é,
contudo, quase sempre fortemente dependente da temperatura da reação. Em reações em
fase gasosa, k também pode depender do tipo de catalisador usado e da pressão total dos
gases reagentes. Em fase líquida, k pode ser influenciada pela força iônica e tipo de solvente.
Nenhum desses fatores, no entanto, é mais decisivo do que a temperatura na qual a reação
ocorre.

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3.1. Influência da concentração sobre a velocidade de reação

A dependência da velocidade de reação com as concentrações das espécies químicas


presentes é quase sempre determinada por observação experimental. Uma das formas mais
comuns de expressar essa dependência é através do produto das concentrações de cada
espécie reagente, cada qual elevada a um expoente. Por exemplo, para a reação:
aA + bB  cC
A velocidade de consumo do reagente A é dada por:

( rA )  k CA C B (1)

Os expoentes das concentrações na equação (1) levam ao conceito de ordem de


reação.

A ordem de reação refere-se às potências as quais as concentrações


estão elevadas na expressão cinética.

A ordem da reação é  em relação ao reagente A e  em relação ao reagente B. A ordem


global da reação é a soma dos expoentes:  + . Por exemplo, para a reação em fase gasosa:

2NO + O2  2NO2
a expressão cinética é:

( rNO )  k C NO 2CO 2

A reação é de segunda ordem em relação ao óxido nítrico (NO), de primeira ordem


em relação ao oxigênio (O2). A ordem global da reação é 3.

A ordem de uma reação não precisa ser um número inteiro e nem tem que ser igual
aos coeficientes estequiométricos da reação. Na equação (1), a ordem da reação  não tem
que ser necessariamente igual ao coeficiente a, do mesmo modo que a ordem global (+ 
não tem que ser igual a (a + b).

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“Só existe uma correspondência entre os coeficientes estequiométricos dos reagentes com
a ordem da reação quando a reação for elementar.”

Assim, para a reação elementar: 1 H2 + 1I2  2HI

A equação real de velocidade fica: ( rH 2 )  k CH 2 CI 2 (ordem global = 2)

Por outro lado, para a reação não elementar: 1 CO + 1 Cl2  1 COCl2

2
A expressão real de velocidade é: ( rCO )  k CCOCCl2 (ordem global = 3)

3.1.1. Análise dimensional

A velocidade de uma reação é expressa pelo número de moles convertidos por


unidade de tempo e unidade de volume da reação. Assim:

moles de A
[rA ] 
tempo. volume

n
Considerando-se então que: (rA )  k C , e que C tenha unidade de mol/volume,
tem-se então que:

n
moles de A  moles de A 
 kn  
tempo. volume  volume 

Assim,
1 n
 moles de A  1
[k n ]    (2)
 volume  tempo

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3.2. Influência da temperatura sobre a velocidade de reação

Foi o grande químico sueco Arrhenius, em 1889, quem primeiro sugeriu uma
dependência entre a temperatura da reação e a constante de velocidade k:

E
k(T)  k o . exp (- A ) (3)
RT
sendo:
ko = Fator pré-exponencial ou fator de freqüência (mesma unidade de k)
EA = Energia de ativação (J/mol ou cal/mol)
R = Constante dos gases (8,314 J/mol.K ou 1,987 cal/mol.K)
T = Temperatura absoluta (K)

A energia de ativação pode ser entendida como a energia mínima que as moléculas
reagentes devem possuir para que a reação ocorra.
Constante k

Temperatura absoluta (K)

Figura 2. Dependência da constante de velocidade k com a temperatura da reação.

A energia de ativação é determinada experimentalmente através de ensaios com a


mesma reação em diferentes temperaturas. Aplicando o logaritmo natural na equação (3),
tem-se:

E 1
ln( k )  ln(k o ) - A   (4)
R T

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O gráfico de Ln(k) versus (1/T) deve fornecer uma reta cujo coeficiente angular é
proporcional à energia de ativação (EA). Do ponto em que a reta cruza o eixo y obtém-se
ln(ko).

ln k

1/T

Figura 3. Gráfico experimental necessário para a obtenção da energia de ativação (EA) e do


fator de freqüência (ko).

EXEMPLO: A velocidade com que o N2O5 se decompõe foi estudada em uma série de
diferentes temperaturas. Foram encontrados os seguintes valores de constante de
velocidade:
T (C) k (s-1)
0 7,86x10-7
25 3,46x10-5
35 1,35x10-4
45 4,98x10-4
55 1,50x10-3
65 4,87x10-3

Calcular o valor da energia de ativação e do fator de freqüência para essa reação.

SOLUÇÃO:
O primeiro passo é preparar nova tabela com os valores do recíproco da temperatura
absoluta e do logaritmo natural da constante de velocidade:

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T (C) T (K) 1/T (K-1) k (s-1) Ln(k)


0 273 0.003663 7,86x10-7 -14.06
25 298 0.003356 3,46x10-5 -10.27
35 308 0.003247 1,35x10-4 -8.91
45 318 0.003145 4,98x10-4 -7.60
55 328 0.003049 1,50x10-3 -6.50
65 338 0.002958 4,87x10-3 -5.32

O próximo passo é preparar o gráfico de ln(k) versus 1/T e ajustar uma reta pelos
pontos experimentais:

40
pontos experimentais
30 Ajuste linear (y = a+bx)

20
ln (k)

10

0
ln(k) = 31.278 - 12377 (1/T)
-10 2
R = 0.9999
-20
0 0.0005 0.001 0.0015 0.002 0.0025 0.003 0.0035 0.004

1/T (K-1)

Figura 3. Gráfico experimental para a obtenção da energia de ativação (EA) e do fator


de freqüência (ko) do exemplo.

Do ajuste do gráfico, observa-se que:

Ln(ko) = 31,278  ko = exp(31,278)  ko = 3,83x1013 s-1)

- EA/R = - 12377  EA = (12377) . (8,314 J/mol.K)  EA = 102902 J/mol

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(1)
ln k

(2)
(3)

1/T

Figura 4. Variações observadas na constante de velocidade com alterações na energia


de ativação (EA) e do fator de freqüência (ko) da reação. (1) reação rápida (grande ko) e
pouco sensível à temperatura (baixa E A). (2) reação lenta (baixo ko) e pouco sensível à
temperatura (baixa EA). (3) reação rápida (grande ko) e muito sensível à temperatura (grande
EA).

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