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WITTIG, Monique.O Pensamento Hétero (1980)
WITTIG, Monique.O Pensamento Hétero (1980)
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Este texto foi lido pela primeira vez em New York na Modern Language Association Convention em
1978 e dedicado às lésbicas estadunidenses.
Está versão em português foi tirada do site: http://mulheresrebeldes.blogspot.com.br/2010/07/sempre-
viva-wittig.html. Acessado em 23/12/2015
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Monique Wittig (1935-2003) tem doutorado em Ciências Sócias pela École des Hautes Études en
Sciences Sociales, é poetisa e teórica feminista francesa. Sua primeira obra publicada foi “L'Opoponax”
(1964), sua segunda obra foi “ Les Guérillères”(1969). Em 1973 publicou o “Le Corps Lesbien (traduzido
para o inglês “Lesbians Body” em 1975 como o).Em 1992 publicou o livro The Straight Mind and Other
Essays”. Suas obras tiveram grande impacto nos Woman’s Studies e Gays and Lesbians Studies no EUA.
Wittig está ligada a corrente do feminismo lésbico radical.
Fonte: www.moniquewittig.com/bio/bio.html
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Todavia, os Gregos clássicos sabiam que não existia poder político sem domínio da arte da retórica,
sobretudo na democracia.
para estabelecer uma relação entre este ou aquele sistema de signos - por exemplo,
os mitos da classe da pequena burguesia - e a luta de classes dentro do capitalismo
que esse sistema tende a ocultar. Fomos quase salvas, pois a semiologia política é
uma arma (um método) de que precisamos para analisar aquilo a que se chama a
ideologia. Mas o milagre não durou. Em vez de introduzir na semiologia conceitos
que lhe são estranhos – neste caso os conceitos do Marxismo - Barthes rapidamente
declarou que a semiologia era apenas um ramo da lingüística e que a linguagem era
vácuo a-histórico.
Porque esses discursos produzem uma leitura científica da realidade social na qual
os seres humanos são dados como invariantes, não tocados pela história e não
trabalhados por conflitos de classe, com psiques idênticas porque geneticamente
programadas. Esta psique, igualmente intocada pela história e não trabalhada por
conflitos de classe, fornece aos especialistas, desde o princípio do século XX, um
arsenal inteiro de invariantes: a linguagem simbólica que, muito vantajosamente,
funciona com muito poucos elementos, já que, como os dígitos (0-9), os símbolos
"inconscientemente" produzidos pela psique não são muito numerosos. Assim, estes
símbolos são muito fáceis de serem impostos, através da terapia e da teorização, ao
inconsciente coletivo e individual. Ensinam-nos que o inconsciente, com perfeito
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Ao longo deste artigo, quando se refere o uso de Lacan do termo “o inconsciente” ele é posto em
maiúsculas, seguindo o seu estilo.
bom gosto, se estrutura por metáforas, por exemplo, o nome-do-pai, o complexo de
Édipo, a castração, o assassínio-ou-morte-do-pai, a troca de mulheres, etc. Se o
Inconsciente é fácil de controlar, não o é, porém, por qualquer pessoa. À semelhança
das revelações místicas, a aparição dos símbolos na psique exige interpretações
múltiplas. Apenas os especialistas conseguem decifrar o inconsciente. Apenas eles,
os psicanalistas, podem (são autorizados?) a organizar e interpretar manifestações
psíquicas que mostrarão o símbolo no seu significado pleno. E, enquanto que a
linguagem simbólica é extremamente pobre e na sua essência cheia de lacunas, as
linguagens ou metalinguagens que a interpretam estão-se a desenvolver, cada uma
delas, com uma riqueza, um aparato, que até agora apenas as exegeses lógicas
conseguiram igualar.
Quem deu aos psicanalistas o seu conhecimento? Por exemplo, para Lacan,
aquilo a que ele chama o "discurso psicanalítico", ou a "experiência analítica", ambos
lhe "ensinam" aquilo que ele já sabe. E cada um lhe ensina aquilo que o outro lhe
ensinou. Mas quem irá negar que Lacan descobriu cientificamente, através da
"experiência analítica" (de alguma forma uma experiência) as estruturas do
Inconsciente? Quem será suficientemente irresponsável a ponto de ignorar os
discursos das pessoas psicanalizadas deitadas nos seus divãs? Na minha opinião não
há dúvida que Lacan encontrou no inconsciente as estruturas que disse que lá
encontrou, pois tinha-as previamente posto lá. As pessoas que não caíram sob o
poder da instituição psicanalítica poderão sentir uma incomensurável sensação de
tristeza perante o grau de opressão (de manipulação) que os discursos
psicanalizados demonstram. Na experiência psicanalítica há uma pessoa oprimida, a
pessoa psicanalizada, cuja necessidade de comunicação é explorada e que (da
mesma maneira que as bruxas podiam, sob tortura, apenas repetir a linguagem que
os inquisidores queriam ouvir) não tem outra hipótese (se não quer destruir o pacto
implícito que lhe permite comunicar e de que precisa) senão tentar dizer o que é
suposto ser dito. Dizem que isto pode durar uma vida inteira - cruel contrato que
constrange um ser humano a exibir o seu infortúnio a um opressor que é
diretamente responsável por esse infortúnio, que o(a) explora econômica, política e
ideologicamente e cuja interpretação reduz esse infortúnio a umas quantas figuras
de retórica.
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Por exemplo, ver Karla Jay, Allen Young, eds Out of the Closets (New York: Links Books, 1972)
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Heterossexualidade: uma palavra que apareceu pela primeira vez na língua francesa em 1911
pessoas oprimidas, violência essa produzida pelos discursos abstratos e "científicos",
assim como pelos discursos dos mass media. Gostaria de insistir na opressão
material dos indivíduos pelos discursos, e gostaria de sublinhar os seus efeitos
ciência.
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Ti-Grace Atkinson, Amazon Odyssey (New York: Links Books, 1974), pp.13-23.
os sexos, a ordem simbólica, o Inconsciente, Desejo, jouissance, Cultura, História,
dando um significado absoluto a estes conceitos, quando são apenas categorias
fundadas sobre a heterossexualidade, ou sobre um pensamento que produz a
"serás-hetero-ou-não-serás".
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Claude Faugeron and Phillipe Robert, La Justice et son Public et les représentations sociales du systeme
pénal (Paris: Masson, 1978)
que concerne a linguagem, a ciência e o pensamento se refere à pessoa enquanto
subjetividade e à sua relação com a sociedade9. Não podemos deixar estas coisas no
dos indivíduos.
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Ver Christine Delphy, “Pour un Féminisme Matérialiste,” l’Arc 61 Simone de Beauvoir et la lutte des
femmes, que aparece em Feminist Issues.
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São os milhões de dólares ganhos pelos psicanalistas todos os anos simbólicos?
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Roland Barthes, Mythologies (New York: Hill and Wang, 1971), p.11
Nome-do-pai, etc. Estes psicanalistas até "sobre-mitificaram" os mitos, uma
operação que lhes era necessária para sistematicamente heterossexualizarem aquela
dimensão pessoal que repentinamente surgiu no campo histórico através dos
indivíduos dominados, particularmente através das mulheres, que encetaram a sua
luta há quase dois séculos. E isto tem sido feito sistematicamente numa concertação
de interdisciplinaridade, nunca mais harmoniosamente do que quando os mitos
heterossexuais começaram a circular com à-vontade de um sistema formal para
outro, como valores certos e seguros que podem ser investidos na antropologia
No entanto, nos sistemas que pareciam tão eternos e universais que se lhes
podiam extrair leis, leis que podiam ser enfiadas em computadores, e em todo o
caso, para já, enfiadas no mecanismo inconsciente, nestes sistemas, graças à nossa
ação e à nossa linguagem, estão a acontecer deslocações de enfoques. Um modelo
tal como, por exemplo, a troca de mulheres, re-submerge a história de modo tão
violento e brutal que o sistema inteiro, que se acreditava fosse formal, desaba para
outra dimensão do conhecimento. Esta dimensão da história pertence-nos, já que de
algum modo fomos designadas e uma vez que, como disse Levi-Strauss, falamos,
vamos dizer que quebramos o contrato heterossexual.
Portanto, isto é o que dizem as lésbicas neste país e nalguns outros, se não
com teorias então pelo menos através da sua prática social, cujas repercussões na
cultura e sociedade hétero são ainda incalculáveis. Um antropólogo poderá dizer que
temos de esperar 50 anos. Sim, si se quiser universalizar o funcionamento destas
sociedades e fazer com que apareçam as suas invariantes. Entretanto os conceitos
hétero são minados. O que é a mulher? Pânico, alarme geral para uma defesa ativa.
Francamente, este é um problema que as lésbicas não têm por causa de uma
mudança de perspectiva, e seria incorreto dizer que as lésbicas se associam, fazem
amor, vivem com mulheres, pois "mulher" tem significado apenas em sistemas de
pensamento heterossexuais e em sistemas econômicos heterossexuais. As lésbicas
(Monique Wittig, The Straight Mind and other Essays, Boston: Beacon, 1992)