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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA JUNTO AO INSTITUTO CHICO
MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
COORDENAÇÃO DE MATÉRIA FUNDIÁRIA

 
PARECER n. 00017/2021/COMAF/PFE-ICMBIO/PGF/AGU
 
NUP: 02070.002772/2009-24
INTERESSADOS: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE - ICMBIO
ASSUNTOS: MEIO AMBIENTE
 
EMENTA: DIREITO AMBIENTAL E AGRÁRIO. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO INTERIOR
DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE POSSE E DOMÍNIO PÚBLICO. FLORESTA NACIONAL
DE ITACAIÚNAS. OCUPAÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A
INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INSTRUÇÃO
PROCESSUAL NECESSÁRIA PARA O AJUIZAMENTO DE MEDIDAS DE RETOMADA DO
CONTROLE SOBRE A ÁREA. SEGURANÇA PÚBLICA NO INTERIOR DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO. EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
 
 
RELATÓRIO
 
Trata-se de processo administrativo instaurado em 02/10/2009 para a verificação da
possibilidade de indenização de benfeitorias na denominada Fazenda Castanheira, no município
de São Félix do Xingu/PA, cujos interessados são José Lázaro Soares e Laércio Moreira Vagas.
 
Em 16/10/2008 foi expedida notificação para os interessados a fim de atender ao ofício nº
138/2008 acerca da ocupação de terras no interior da Floresta Nacional do Itacaiunas,
Notificação reiterada em 16/06/2009, no qual se requisitou cópia dos documentos pessoais e
cópia dos documentos das respectivas áreas.
 
Em resposta foram apresentados apenas documentos pessoais, documentos de cessão de
direitos, e respectivos memoriais descritivos.
 
Foi expedida a Nota Técnica 356/2014/Coreg/CGTER/DISAT/ICMBio (fl 20), de 15 de
setembro de 2014, na qual se afirmou que as áreas requeridas apresentam sobreposição total
com a Gleba Federal Aquiri.
 
Em 20/08/2019 foi emitida Nota Técnica nº 56/2019/CGTER/DISAT/ICMBio, que traz um
abrangente estudo da situação fundiária da Flona Itacaiunas, consolidando as informações até
aquela data, vale a transcrição:
 
O processo trata de dois imóveis, a Fazenda Brasília II, totalmente sobreposta a FLONA de Itacaiunas e o
Sítio Recanto do Vale totalmente sobreposto á FLONA.
 
Área Memorial Descritivo Fazenda Brasília II: 293,2946 hectares.Área total do arquivo shapefile:
293,111578. Área Memorial Descritivo Sítio Recanto do Vale: 109,6259 hectares. Área calculada
sobreposta a FLONA de Itacaiunas: 54,006246 hectares.
 
Imóvel já analisado no item XXI desta análise referente ao Processo 02070.002152/2019-67 abrangido no
Processo 02070.002772/2009-24 com denominação de Sítio Recanto do Vale. Na folha 21 da digital
2440478 consta mapa cujos dados não condizem com a malha fundiária. O processo não trata de toda a
poligonal da Fazenda Brasília, mas apenas da parte ao norte, denominado de Fazenda Brasília II.
 
A poligonal que consta no mapa como Fazenda Brasília na malha fundiária está com o nome de Sítio
Recanto do Vale, sendo a área referente a Fazenda Brasília II, conforme memorial descritivo da folha 11 a
13.
 
Consta no processo, na folha 24 da digital 2440478, a não comprovação da boa fé da ocupação e
requerimento de orientação jurídica para providencias. Não há no processo parecer ou decisão da
PFE/ICMBio.
 
Detalhes espaciais podem ser verificados na figura 68.
 
O processo foi encaminhado pela CGTER para análise jurídica para subsidiar a decisão da
presidência do ICMBio para atender ao plano de trabalho apresentado na Ação Civil Pública
nº 00407.012512/2018-83.
 
É o relatório.
 
FUNDAMENTAÇÃO
 
O exame da questão se dará sob o enfoque eminentemente jurídico, desconsideradas as questões
de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do art. 10, §1º, da Lei nº 10.480/2002.
 
Inicialmente, cumpre observar que a regularização fundiária está sendo cobrada judicialmente
por meio da Ação Civil Pública nº 00407.012512/2018-83, acompanhada no dossiê eletrônico
SEI 00407.012512/2018-83, já sentenciada e em fase de execução, cujo histórico, análise do
sentido e alcance do provimento judicial está disciplinado pelo Parecer de Força Executória n.
00003/2019/EA/NUMAF/PSFMAR/PGF/AGU, exarado pelo órgão de contencioso da
Procuradoria-Geral Federal que atua diretamente no processo judicial. Nos termos do parecer,
os comandos exequíveis são os seguintes:
 
O pedido do MPF, nesse ponto, merece acolhida para que o ICMBIO seja condenado a:
1) elaborar e apresentar diagnóstico da situação fundiária da Flona Itacaiúnas, sujeito à homologação
judicial, ouvido o MPF;
2) após, a partir da homologação do diagnóstico do item 1, elaborar e apresentar o diagnóstico da situação
socioeconômica, também sujeito à oitiva do Ministério Público e homologação;
3) em seguida, após a homologação do segundo diagnóstico (item 2), elaborar e apresentar o plano de
regularização fundiária da Flona Itacaiaúnas, com o correspondente cronograma executivo, indicando o
prazo de conclusão, ouvindo-se o MPF e sendo igualmente objeto de homologação do Juizo;
4) depois disso, em um ano a contar da homologação do plano de regularização fundiária e seu
cronograma, iniciar efetivamente a execução do plano de regularização, observados formas e 09/07/2019
prazos nele previstos;
4.1) comprovar, semestralmente, em Juizo o cumprimento das etapas e medidas contidas no plano de
regularização fundiária da Flona Itacaiúnas. Entendo que eventual retirada do gado deve se dar
concomitantemente a execução do plano de regularização fundiária, já que indissociável a ocupação
humana a própria atividade pecuária predatória. Logo, o pedido do MPF, nos termos como posto
(promover em 06 meses a cessação de qualquer atividade de pecuária realizada no interior da FLONITA,
com a consequente retirada de todo o gado ali existente), não há de ser acolhido
[...]
O plano de trabalho se encontra desatualizado, razão porque determino ao ICMBIO, em especial, quanto
a não autuação de processos administrativos de ocupantes indicados no item 02, o seu cumprimento em
30 dias, considerando a data da manifestação do presidente do ICMBIO em 07/02/2017 (fls. 720/721) e a
presente data, em que já ultrapassamos meados de 2018, sob pena de aplicação de multa diária de
R$10.000,00 pelo descumprimento.
[...]
já que cumprida a determinação do item 02, deve o ICMBio cumprir a etapa 03 em três meses, a etapa 04
em três meses, a etapa 05 em três meses, as etapas 06 e 07 em dez meses. A conclusão total do prazo,
considerando nesta, eventual prazo final para a efetivação real do plano com a real desocupação depende
de circunstâncias e variáveis alheias ao ICMBIO, já que apontado ajuizamento de ações judiciais.
Por tais fundamentos, acolho em parte os pedidos, ratificando a tutela antecipada nos termos da
fundamentação, julgando procedente em parte a pretensão formulada na inicial (art. 487, I do CPC),
resolvendo o mérito da demanda para condenar o ICMBIO a:
1) elaboração e apresentação de diagnóstico da situação fundiária da Flona Itacaiúnas, sujeito à
homologação judicial, ouvido o MPF;
2) após, a partir da homologação do diagnóstico do item 1, elaborar e apresentar o diagnóstico da situação
socioeconômica, também sujeito à oitiva do Ministério Público e homologação;
3) em seguida, após a homologação do segundo diagnóstico (item 2), elaborar e apresentar o plano de
regularização fundiária da Flona Itacaiúnas, com o correspondente cronograma executivo, indicando o
prazo de conclusão, ouvindo-se o MPF e sendo igualmente objeto de homologação do juízo;
4) depois disso, em um ano a contar da homologação do plano de regularização fundiária e seu
cronograma, iniciar efetivamente a execução do plano de regularização, observados formas e prazos nele
previstos, inclusive com a retirada do gado eventualmente existente nesse momento;
4.1) comprovar, semestralmente, em Juízo o cumprimento das etapas e medidas contidas no plano de
regularização fundiária da Flona Itacaiúnas.
 
O ICMBio fez um plano de trabalho atualizado incluso na Nota Técnica 34 (SEI
5419545), diagnóstico da situação fundiária (SEI 5374304), o relatório socioeconômico (SEI
5374176), bem como o cronograma para regularização fundiária, emitiu a nota técnica 56/2019
CGTER/DISAT (SEI 5945190), com informações consolidadas acerca das áreas afetadas no
interior da Flona, bem como a planilha de imóveis (SEI 5965992).
 
Em razão dessa ação civil pública, os processos de regularização fundiária pertinentes estão
sendo encaminhados à PFE/ICMBio para análise jurídica e eventual ajuizamento de demandas
judiciais, como é o caso do presente processo administrativo, passo à análise jurídica desse caso,
portanto.
 
A questão da indenização de benfeitorias e a desapropriação de imóveis no interior de unidades
de conservação de posse e domínio público é disciplinada pela a Instrução Normativa ICMBio
nº 04, de 2 de abril de 2020, veio substituir a antiga Instrução Normativa ICMBio nº 02, de 3 de
setembro de 2009. 
 
No caso, conforme relatado, estamos diante de uma ocupação de área pública no interior de
unidade de conservação de posse e domínio público. Para que seja possível o pagamento de
indenização das benfeitorias ao ocupante, é necessário o preenchimento dos requisitos da
referida IN ICMBio nº 04/2020, listados em seus artigos 23 e 26, vejamos:
 
Art. 23 - Quando se tratar de ocupação mansa, pacífica e de boa-fé incidente sobre terras públicas
anteriormente à criação da unidade de conservação, o processo será instruído com a seguinte
documentação:
I- Cópia da carteira de identidade e do Cadastro de Pessoa Física - CPF junto à Secretaria da Receita
Federal do responsável pela ocupação, se pessoa natural;
II- Ato constitutivo, estatuto ou contrato social, devidamente registrados e atualizados, e comprovação de
sua representação legal, quando o ocupante for pessoa jurídica de direito privado; e
III- Cópia do contrato de concessão, alienação, legitimação, título de posse, contrato de transferência de
direitos possessórios ou instrumento similar relativo ao imóvel, se houver;
IV- Planta em escala compatível e memorial descritivo da área ocupada assinados por profissional
habilitado, preferencialmente com declaração de confinantes;
V- Cópia do processo administrativo de regularização fundiária, se houver;
VI- Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, emitido pelo INCRA, quando houver sido efetuado
o cadastramento da ocupação;
VII- Comprovante da inexistência de débitos relativos ao Imposto Territorial Rural - ITR, quando o
imóvel estiver inscrito na Secretaria da Receita Federal, sendo aceita certidão emitida por meio
eletrônico;
VIII- Comprovação de inexistência de débitos perante o IBAMA, emitido por meio eletrônico; e
IX- Declaração de inexistência de débitos perante ICMBio, emitida pela Coordenação Geral de Finanças
e Arrecadação - CGFIN/ICMBIO.
 
Art. 26 - Constatada a regularidade técnica e jurídica do processo e uma vez considerada a boa-fé da
ocupação, será efetuada a avaliação das benfeitorias indenizáveis realizadas na área ocupada, observados
os critérios estabelecidos no artigo 21.
§1º - Considerar-se-á para fins de indenização apenas o valor das benfeitorias indenizáveis, excluído do
montante indenizatório qualquer valor referente à terra nua.
§2º - O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos imóveis objeto de processo de regularização de posse
não concluído, de concessão e de alienação sob condições resolutivas não ratificadas pelo órgão fundiário
competente.
 
A tormentosa questão é definir os contornos aceitáveis da ocupação mansa, pacífica e de boa-fé
apta a ensejar o pagamento de indenização pelo ICMBio. É especialmente difícil porque, como
é o caso da Flona Itacauiúnas, criada pelo Decreto Federal nº 2.480, de 02/02/1998, há notícia
de ocupações que perduram por anos sem que haja uma solução definitiva, causando um imenso
impacto socioambiental na região, reforçando a o desrespeito à atuação dos órgãos e entidades
ambientais, e, causando grave ameaça ao domínio do poder público na região, o que, como
veremos, é inadmissível sob qualquer ângulo que se observe.
 
Passa-se a definir o que é ocupação é mansa, pacífica e de boa-fé.
 
O Código Civil em seu art. 1.201 estabelece que é de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o
vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
 
No caso de bens públicos, é inadmissível a alegação de desconhecimento de ignorância ou
obstáculo uma vez ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece, como
determina o art. 3º do Decreto-Lei n. 4.657/1942, que é a denominada Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro. Portanto, aquele que ocupar bem público sem o consentimento da
administração pública o faz irregularmente. O consentimento consiste em autorizações,
permissões, concessões, licenças etc. algum ato que indique a manifestação da vontade do poder
público expressa por seus órgãos e entidades. No caso mais específico dos bens da União, há a
regulamentação geral prevista no Decreto-Lei nº 9.760/1946, que estabelece as normas para
ocupações lícitas de bens públicos.
 
Com efeito, ainda que existam atos do poder público consentindo na ocupação, no momento da
criação da unidade de conservação de posse e domínio público, esses atos caducam
imediatamente porque incompatíveis com o regime jurídico inaugurado. Portanto, cessada o ato
de consentimento do poder público, deve o ocupante procurar a Administração pública
imediatamente para regularizar a sua situação, e, eventualmente, pleitear a indenização por
benfeitorias realizadas no imóvel. Note-se que é o ocupante que deixou de ter o consentimento
do poder público para a ocupação lícita da área pública, não a administração pública que passou
a esbulha-lo, uma vez que estamos diante de bem público.
 
Por outro lado, o ocupante irregular de terras públicas sem o consentimento do poder público é
mero detentor, conceito previsto no Código Civil, art. 1.198:
 
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
 
O ocupante de bem público está em relação de dependência, ou seja, subordinado, ao regime
jurídico administrativo incidente sobre a área, que precisa consentir com a sua ocupação. Assim,
não há se falar em posse de bens públicos por particulares. A própria legislação utiliza a
equivocada expressão "posseiro" que recomenda-se evitar, tratando-se as situações pelos nomes
devidos. No caso, trata-se de ocupante irregular ou mero detentor, que não tem posse sobre a
área pública, nem tem direito à proteção possessória, como o direito à retenção pelas
benfeitorias enquanto não indenizado. Portanto não exerce qualquer dos poderes inerentes à
propriedade senão por ordem de outrem, no caso, o poder público. A conduta de insubordinação
do detentor caracteriza esbulho contra o poder público, sem prejuízo das demais sanções cíveis,
administrativas e criminais.
 
Não se ignora que existem as diversas normas que promovem a regularização fundiária,
especialmente na Amazônia Legal, como a Lei 11.952/2009. Porém, não cabe ao ICMBio se
substituir ao interessado para identificar a legislação aplicável, verificar os requisitos, reunir
documentos e promover a regularização pleiteando a outro ente público o acolhimento do
pedido. É  dever do ocupante irregular buscar a entidade ou o órgão competente para que tenha
eventualmente, caso preencha os inúmeros requisitos, a sua situação regularizada. Perceba-se
que o procedimento busca tornar regular aquilo que é irregular. Outro aspecto relevante é que a
regularização fundiária não é gratuita, e que não são todas as pessoas que têm direito à
regularização. Vale dizer: é preciso resguardar a isonomia entre as pessoas. A violação da
isonomia no caso dos ocupantes irregulares de terras públicas fica evidente quando, p.ex.,
consideramos a quantidade de pessoas que seria atraída por um edital público de doação sem
encargo pelo poder público de uma extensão considerável de terras férteis. Mesmo em caso de
alienação onerosa dessas terras, ou mesmo uma concessão florestal, um número considerável de
pessoas seria atraído para a disputa. Portanto, a situação dos ocupantes irregulares há muito já
deixou de ser tolerável nos dias atuais. Não faz sentido a promoção da colonização do território
brasileiro, que já precisou ser povoado e explorado, ao contrário, estamos aqui diante de uma
unidade de conservação, que precisa exatamente ser resguardada do avanço populacional com
suas necessidades econômicas.
 
Veja-se que situação completamente distinta é a da área com registro imobiliário. A
Administração pública, nesse caso, tem o dever de ter ciência, uma vez que trata-se de registro
público, verificar a sua validade, e, assim, promover os atos desapropriatórios. Caso o
proprietário recuse a proposta administrativa, há o dever de promoção da desapropriação
judicial. Enquanto não for indenizado, o proprietário fica sujeito a um regime de transição onde
sua presença e atividade econômica no interior da unidade de conservação pode ser mantida.
 
Com efeito, o que não se admite é igualar a situação de um proprietário particular com registro
imobiliário válido e a de um ocupante irregular. 
 
Seguindo na verificação da boa-fé, como visto, esta requer consentimento do poder público, ou
que pelo menos tenha sido buscada a regularização da situação para que se possa cogitar dela.
Para tanto, é fundamental a delimitação do marco temporal em relação às unidades de
conservação. Nesse sentido, a Lei 9.985/2000, que disciplina o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza - SNUC determina em seu art. 45 que:
 
Art. 45. Excluem-se das indenizações referentes à regularização fundiária das unidades de
conservação, derivadas ou não de desapropriação:
I - (VETADO)
II - (VETADO)
III - as espécies arbóreas declaradas imunes de corte pelo Poder Público;
IV - expectativas de ganhos e lucro cessante;
V - o resultado de cálculo efetuado mediante a operação de juros compostos;
VI - as áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação da unidade.
 
A IN ICMBio nº 04/2020, por sua vez, estabelece:
 
Art. 20 - Salvo as benfeitorias necessárias, somente serão indenizadas as benfeitorias existentes à época
da criação da unidade de conservação.
§1º - Excepcionalmente, também serão indenizadas as benfeitorias úteis, posteriores à criação da unidade,
realizadas com a anuência do ICMBio.
§2º - Ao interessado assiste o direito de levantar as benfeitorias não indenizáveis, desde que a ação não
implique prejuízo financeiro ou ambiental.
 
Ou seja, o marco temporal fundamental para a verificação da boa-fé da ocupação é a criação da
unidade de conservação. Isso porque a criação da unidade inaugura um regime jurídico
administrativo especial para a área, que é protegido por normas constitucionais de alta
densidade, aplicáveis diretamente, conforme o art. 225, §1º, III da Constituição Federal,
vejamos:
 
  Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção;         (Regulamento)
(...)
 
Esse marco temporal se dá em razão do regime jurídico inaugurado quando da criação das
unidades de conservação. Regulamentando as disposições constitucionais, a Lei 9.985/2000,
conceituou unidade de conservação em seu art. 2º, inciso I:
 
Art. 2º, I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de proteção;
 
As unidades de conservação são espaços territoriais especialmente protegidos em sentido
estrito, e, como se vê, há um regime especial de administração, característico da prestação de
serviço público, sendo os bens das unidades de conservação, pelo critério da afetação, bens de
uso especial, conceituados pelo art. 99 do Código Civil, que disciplina os bens públicos em
geral:
 
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de
direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto
conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido
legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.
 
Pois bem, após a criação, a área deixa de ser bem de uso comum do povo e passa ser bem de uso
especial pois há a prestação de serviço público em seu território. Para a unidade deixar de ser
um espaço ambientalmente protegido, é necessária a sua desafetação ao serviço público, para,
só aí, tornar-se um bem dominical, este tipo de bem, sim, passível de disposição pelo poder
público.
 
É imperioso perceber que esse regime jurídico é válido até que lei específica em sentido
contrário seja editada. Ou seja, para a desafetação de unidades de conservação é
necessário observar que existe uma restrição constitucional  que é a edição de lei. A Lei
9.885/2000, ainda prevê a necessidade de edição de lei específica, e o Supremo Tribunal
Federal, por unanimidade, entendeu em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, que medida provisória, mesmo convertida em lei, não é suficiente
para desafetação de unidade de conservação.
 
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N. 558/2012.
CONVERSÃO NA LEI N. 12.678/2012. INÉPCIA DA INICIAL E PREJUÍZO DA AÇÃO QUANTO
AOS ARTS. 6º E 11 DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 558/2012 E AO ART. 20 DA LEI N. 12.678/2012.
POSSIBILIDADE DE EXAME DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA O EXERCÍCIO DA
COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA NORMATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. AUSÊNCIA
DOS PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. ALTERAÇÃO DA ÁREA DE UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURADA
OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIOAMBIENTAL. AÇÃO
PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, JULGADA PROCEDENTE, SEM PRONÚNCIA
DE NULIDADE. 1. Este Supremo Tribunal manifestou-se pela possibilidade e análise dos requisitos
constitucionais para a edição de medida provisória após a sua conversão em lei. 2. A jurisprudência deste
Supremo Tribunal admite, em caráter excepcional, a declaração de inconstitucionalidade de medida
provisória quando se comprove abuso da competência normativa do Chefe do Executivo, pela ausência
dos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Na espécie, na exposição de motivos da medida
provisória não se demonstrou, de forma suficiente, os requisitos constitucionais de urgência do caso.
3. As medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços territoriais especialmente
protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc. III, da Constituição da República. 4. As alterações
promovidas pela Lei n. 12.678/2012 importaram diminuição da proteção dos ecossistemas
abrangidos pelas unidades de conservação por ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da
proibição de retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da República.  5.
Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nessa parte, julgada procedente, sem
pronúncia de nulidade.(ADI 4717, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em
05/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 14-02-2019 PUBLIC 15-02-2019)
 
Essa é a maior das garantias ao regime jurídico da unidades de conservação. Assim, o art.
225, §1º, inciso III da Constituição Federal deve sempre ser invocado em caso de ataques às
unidades de conservação. Por conseguinte, independe da vontade do ICMBio modificar os
limites da unidade de conservação, e uma vez instituída, o seu regime jurídico deve ser
aplicado, e o administrador tem o poder-dever de aplicar essas regras.
 
O Poder Judiciário, ao se deparar com questões fundiárias relacionadas à unidades de
conservação, em razão do princípio constitucional do direito à propriedade, vem sopesando e
mitigando o princípio do direito ao meio ambiente equilibrado, princípio do acesso equitativo
aos recursos naturais, princípios da prevenção e precaução dentre tantos outros princípios do
Direito Ambiental, diante da proteção à propriedade das áreas particulares no interior de
unidades de conservação até que seus donos sejam indenizados. De fato, é uma obrigação do
poder público, por força da própria lei do SNUC, a desapropriação das áreas particulares, mas
aos ocupantes, salvo em casos de comprovada boa-fé, o regime jurídico de proteção das
unidades deve ser aplicado em sua plenitude.
 
Resta considerar além da boa-fé, o requisito da posse mansa e pacífica. No caso da prática de
infrações ambientais, que costumam igualmente ser crimes ambientais, não é possível
considerar a posse mansa e pacífica. O ocupante irregular, mero detentor da área, precisa
pleitear a indenização por suas benfeitorias com a devida urgência e diligência, e pedir
autorizações e licenças do ICMBio para desenvolver suas atividades regulares não pratique
ilícitos ambientais, o ICMBio, por sua, vez, precisa dar uma resposta célere aos pedidos de
indenização, especialmente nos casos de ocupação irregular, para que sejam tomadas, com igual
urgência, providências de proteção à unidade dentro do poder-dever fiscalizatório, inafastável
pela vontade da autoridade.
 
No caso de populações tradicionais há uma regulamentação própria, porém, mesmo essas
populações precisam buscar demonstrar a sua condição e presença regular na unidade, vejamos
o art. 42 da Lei do SNUC:
 
Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência
não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente
realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.(Regulamento)
§ 1o O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o reassentamento das populações
tradicionais a serem realocadas.
§ 2o Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e
ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os
objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia
destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o, as normas regulando o prazo de permanência e suas condições serão
estabelecidas em regulamento.
(...)
 
Perceba-se que a lei, quando quis admitir a presença de populações tradicionais em unidades de
conservação teve o cuidado de disciplinar que a presença precisará de acordo entre as partes,
com normas e ações específicas para compatibilizar a presença com os objetivos da unidade. Os
ocupante irregulares, como se costuma ver, sequer firmam esse tipo de compromisso com o
ICMBio, de modo que seus tratamento atualmente parece ser mais vantajoso que o dispensado
a  proprietários de imóvel registrados e populações tradicionais.
 
Existem ainda as valiosas considerações do PARECER n. 00010/2017/DFUND/PFE-
ICMBIO/PGF/AGU, que trata do direito à moradia e à populações vulneráveis, sopesando
importantes princípios constitucionais no sentido que é preciso ter atenção com essas situações,
e que a população em estado de vulnerabilidade, igualmente, precisa pedir, informar, colaborar,
demonstrar a sua situação, se explicar ao ICMBio, pois, se não for assim, como distinguir os
infratores ambientais dos que vivem, cultivam e moram na terra sobrevivendo com
dificuldades?
 
No sentido de todo o exposto, que vem sendo abordado em inúmeros pareceres da PFE/ICMBio
ao longo dos anos, transcrevo a ementa de importante julgado do Superior Tribunal de Justiça
acerca da ocupação, invasão, esbulho de bens públicos, embora extenso, vale a leitura atenta,
vejamos:
 
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ESBULHO DE TERRENO DA UNIÃO. ARTS.43, 98 A
103 E 1.210 DO CÓDIGO CIVIL. REINTEGRAÇÃO E IMISSÃO NA POSSE. ARTS. 8º E 560 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015.IMPRESCRITIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS. ART. 102
DO CÓDIGO CIVIL.REGIME NORMATIVO ESPECIAL DO DOMÍNIO DA UNIÃO. ARTS. 20 E 71,
CAPUT, DO DECRETO-LEI 9.760/1946. PAGAMENTO PELA MERA PRIVAÇÃO DA POSSE DE
IMÓVEL PÚBLICO. ART. 10, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.636/1998. DANO
PRESUMIDO. ART. 6º DO DECRETO-LEI 22.398/1987.ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ART.
884, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL.AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. DESFORÇO IMEDIATO.
IRRELEVÂNCIA POSSESSÓRIA DA INCÚRIA DE AGENTES PÚBLICOS. ART. 1.208 DO
CÓDIGO CIVIL. ÔNUS DA PROVA. ART. 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015.1. Na
origem, trata-se de ação movida pela União com pedidos de reintegração e imissão na posse, demolição
de construções existentes e pagamento pela ocupação e aproveitamento irregulares de terreno de
propriedade da Marinha do Brasil (antigo Sanatório Naval de Nova Friburgo). Atribui-se a invasão inicial
a ex-funcionário civil do Comando da Marinha, o qual, posteriormente, transferiu a área a diversas
pessoas, entre elas o réu na presente demanda.DOMÍNIO PÚBLICO: PROPRIEDADE, POSSE E
DETENÇÃO PRECARÍSSIMA 2. Ao contrário do que poderia sugerir a história fundiária do Brasil,
o domínio público não se encontra em posição jurídica de inferioridade perante o domínio privado,
como se equivalesse a algo de segunda classe ou, pior, de nenhuma classe. Longe disso, o legislador,
com o objetivo primordial de salvaguardar interesses maiores da coletividade do hoje e do amanhã,
encarregou-se de instituir um superdireito de propriedade do Estado, conferindo-lhe qualidades e
prerrogativas peculiares, como indisponibilidade (inalienabilidade e imprescritibilidade) e
autotutela administrativa, inclusive desforço imediato. Por isso, as garantias estabelecidas nos arts.
1.210 do Código Civil e 560 do Código de Processo Civil/2015 ganham densidade, realce e urgência
extremos no campo do patrimônio público, embora normas especiais possam afastar, sempre e
exclusivamente para ampliar, o grau de proteção, o regime civilístico e processual ordinário (lex specialis
derogat legi generali).3. Em boa técnica jurídica, ocupação, uso ou aproveitamento irregulares de
bem público repelem atributos de posse nova, velha ou de boa-fé, dado ecoarem apenas detenção
precaríssima, decorrência da afronta nua e crua a numerosas normas constitucionais e
legais.Rechaçada a natureza jurídica de posse, inútil requerer ou produzir prova de ser a ocupação
de longa data, visto que o tempo em nada influencia ou altera o regime dessa categoria de coisas,
disciplinadas nos arts. 98 e seguintes do Código Civil. 4. Representa despropósito pretender, sob o
pálio do art. 43 do Código Civil, transmudar o particular que esbulha imóvel público em vítima de
dano causado pelo Estado que, sem liberdade alguma, precisa atuar no exercício legítimo do direito
de reavê-lo, administrativa ou judicialmente, de quem o ocupa, usa, aproveita ou explora
ilegalmente. Se a apropriação do bem público opera contra legem, intuitivo que gere multiplicidade
de obrigações contra o esbulhador, mas não direitos exercitáveis contra a vítima, mormente efeitos
possessórios. Postulado nuclear do Estado de Direito é que ninguém adquira direitos passando por cima
do Direito e que o ato ilícito, para o infrator, não gere vantagens, só obrigações, ressalvadas hipóteses
excepcionais, ética e socialmente justificadas, de enfraquecimento da antijuridicidade, como a prescrição
e a boa-fé de terceiro inocente. À luz do art. 8º do Código de Processo Civil/2015, afronta os "fins
sociais" do ordenamento, as "exigências do bem comum", a "legalidade" e a "razoabilidade" o juiz
assegurar ao usurpador de bem público consectários típicos da posse, habilitando-o a reclamar seja
retenção e indenização por construções, acessões, benfeitorias e obras normalmente de nenhuma ou
mínima utilidade para o proprietário, seja prerrogativas, sem respaldo legal, derivadas de "cessão
de direitos" feita por quem patavina poderia ceder, por carecer de título (si non habuit, ad eum qui
accipit nihil transfert).ESBULHO DE BEM PÚBLICO 5. O legislador atribui ao Administrador
inafastável obrigação de agir, dever-poder não discricionário de zelar pelo patrimônio público, cujo
descumprimento provoca reações de várias ordens para o funcionário relapso, desidioso, medroso,
ímprobo ou corrupto. Entre as medidas de tutela de imóveis públicos, incluem-se: a) despejo sumário e
imissão imediata na posse (art. 10, caput, da Lei 9.636/1998 e art. 71, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946);
b) "demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos
equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado" (art. 6º, § 4º, IV, do Decreto-Lei
22.398/1987); c) perda, "sem direito a qualquer indenização", de eventuais acessões e benfeitorias
realizadas (art. 71, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946), exceto as necessárias, desde que com notificação
prévia e inequívoca ao Estado; d) ressarcimento-piso tarifado pela mera privação da posse da União (art.
10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998); e) pagamento complementar por benefícios econômicos
auferidos, apurados em perícia, sobretudo se houver exploração comercial do bem (vedação de
enriquecimento sem causa, art. 884, caput, do Código Civil); f) restauração integral do imóvel ao seu
estado original, g) indenização por danos morais coletivos, nomeadamente quando o imóvel estiver
afetado a uso comum do povo ou a uso especial; h) cancelamento imediato de anotações imobiliárias
existentes (art. 10, caput, da Lei 9.636/1998), inclusive "registro de posse", inoponível à União; i)
impossibilidade de alegar direito de retenção.ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA:
RESSARCIMENTO PELA OCUPAÇÃO, USO OU APROVEITAMENTO IRREGULAR DE
BEM PÚBLICO 6. O legislador se encarregou de arbitrar, em percentual prefixado mínimo,
remuneração a ser paga pelo ocupante ilegal, tomando por base o valor de mercado da coisa (art.
10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998). Na perspectiva jurídica, não se cuida nem de pena, nem
propriamente de indenização por danos causados ao bem ou ao proprietário, mas de ressarcimento ao
Estado - reservado a evitar enriquecimento sem causa - pela mera "privação" do imóvel. Na essência,
está-se diante de dever de "restituir o indevidamente auferido" com a ocupação "sem justa causa"
do bem. Conforme o art.884, caput, do Código Civil, caracteriza enriquecimento sem causa ocupar,
usar ou aproveitar ilicitamente a totalidade ou parte do patrimônio alheio, comportamento
agravado quando envolve privatização e exploração comercial de bens constitucional ou legalmente
afetados ao serviço da sociedade e das gerações futuras.7. O percentual de 10% vem amparado em
duas únicas causas objetivas: o domínio público e a ocupação irregular, nada mais. Configuração que se
equipara a dano presumido, in re ipsa, alheia quer à má-fé do esbulhador, quer à demonstração
matemática, pela União, de lesão concreta e de sua extensão, já que o legislador trouxe a si o arbitramento
de percentual razoável, calculado a partir do valor de mercado, real e atualizado, do bem. Em síntese,
paga-se exclusivamente pela ilicitude da ocupação e pelo desfalque direto e indireto do patrimônio
federal. A tarifação em 10% não obsta que a União busque, em acréscimo, mediante prova pericial,
restituição do "indevidamente auferido" (art. 884, caput, do Código Civil), de modo a retirar do
infrator tudo - centavo a centavo - o que lucrou com uso e aproveitamento irregulares do imóvel,
mormente se para finalidade comercial. Potente mecanismo talhado outrossim para evitar que a
ilicitude compense financeiramente, desidratação monetária que constrange incentivos à massificação,
banalização e perpetuação de esbulho do patrimônio público.IRRELEVÂNCIA POSSESSÓRIA DO
PAGAMENTO DE TRIBUTOS, DE REGISTROS EM ÓRGÃOS ESTATAIS E DE INCÚRIA DE
AGENTES ESTATAIS NA VIGILÂNCIA DE BENS PÚBLICOS 8. Eventual negligência ou
corrupção de servidores de plantão na guarda do patrimônio público tipifica ilícito disciplinar,
civil, penal e de improbidade, não servindo para descaracterizar ou abalar o predicado de
indisponibilidade ope legis da coisa. A ser diferente, inverter-se-ia a polaridade do princípio da
legalidade, em sinalização de insensatez jurídica e postura arbitrária de destinatários da norma,
correspondente a aceitar que volição pessoal contra legem, comissiva ou omissiva, do administrador exiba
o dom de afastar comandos de império da Constituição e das leis.9. Se mesmo no relacionamento entre
particulares, consoante o art.1.208 do Código Civil, "não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância", com maior razão na esfera do domínio coletivo.Óbvio, então, não se aceitar que leniência -
inocente ou criminosa - de agentes do Estado converta o bem público em bem privado, ou sirva
para outorgar ao ocupante ilídimo o direito de perpetuar esbulho ou procrastinar sua pronta
correção.10. Igualmente destituídos de efeitos possessórios inscrição em Junta Comercial ou cadastros
estatais similares e pagamento - pouco importando o rótulo ou qualificação, inclusive o de natureza
tributária - a quem não ostenta o título de proprietário. Além disso, eventual desembolso com laudêmio,
taxa de ocupação e tributos não impede a Administração de buscar reaver aquilo que integra o patrimônio
da sociedade.11. Repita-se, no universo do domínio público é incabível, como regra geral, discussão
de elemento subjetivo. Quando a lei, contudo, dispuser em sentido diverso, incorre a máxima
segundo a qual, se o sujeito figurar em posição de incontestável ilicitude, boa-fé e probidade - como
proposições de defesa - não se presumem, exigem prova cabal por aquele que delas se aproveita, nos
termos do art.373, II, do Código de Processo Civil.12. Recurso Especial provido.(REsp 1755340/RJ,
Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 05/10/2020)
 
Ora, toda essa argumentação diz respeito a um terreno dominical da União sem qualquer
afetação ao serviço público. No caso das unidades de conservação, alie-se tudo isso, à
necessidade de observância da normas constitucionais atinentes ao meio ambiente e às unidades
de conservação mais especificamente.
 
Com base nessas premissas, voltamos ao caso concreto da Flona Itacaiúnas. No plano de
trabalho atualizado apresentado na referida Ação Civil Pública e homologado pelo Ministério
Público Federal (SEI 5419545) constou o seguinte:
 
Embora está atribuição, conforme artigos 17 e 26 da IN nº 02/2009, seja de competência da UC, ou
supletivamente da CR vinculada, considerando mensagem eletrônica encaminhada pelo Chefe do NGI
Carajás, em 18/07/2019: "(...) não existe condições de segurança para a realização da vistoria de campo
por equipe local até outubro de 2019, uma vez que a situação na região está bastante tensa devido a
conflitos recentes referentes a tentativas de ocupação de área da FLONA do Tapirapé Aquiri e Base
Pena Branca no interior desta UC, num ponto localizado a aproximadamente 50 Km da FLONA
Itacaiúnas. As realizações das vistorias técnicas podem fortalecer os conflitos e resultar em represálias
contra as equipes do ICMBio ou contra as Unidades de Conservação". Ante o exposto, esta ação deverá
ser realizada pela equipe da CGTER mediante Vistoria Remota das ocupações a partir da análise temporal
de imagens de satélite de alta resolução.
 
A vistoria remota é um importante instrumento para a regularização fundiária em unidades de
conservação, e deve ser feita sempre, em todos os casos, com o máximo de detalhamento
possível, mas a vistoria presencial é insubstituível.
 
Pra ver a questão sob diversos ângulos, partiremos inicialmente do pressuposto que o ocupante
irregular não está se desincumbindo de sua obrigação de promover a regularização de sua
situação perante o poder público, se furta às intimações ou não as responde, e  não se sabe o que
ocorre na área. Se o ocupante irregular devidamente intimado pelo ICMBio não promover a
justificação de sua ocupação, não há se cogitar em indenização administrativa por benfeitorias, e
deverá ser iniciado imediatamente o procedimento de sua retirada do local, com o exercício
imediato do poder de polícia, com apreensão, embargo, demolição do que for necessário etc.
Não se trata de uma faculdade da autoridade pública, dado o poder-dever de agir. Ora, nesse
caso, com a fiscalização é possível reunir elementos suficientes para a vistoria. Inclusive,
a situação de pendência de regularização pode ser integralmente solucionada com essa
providência, com a certificação de que a área está desocupada naquele momento, com o
embargo da área, e monitoramento para que não ocorram novas invasões, que se ocorrerem
facilmente se demonstrará a má-fé dos invasores. Se no exercício do poder de polícia constatar-
se situação em que é necessária medida judicial, como é o caso de construção habitada, p.ex., é
preciso reunir elementos suficientes para o ajuizamento da ação, o que requer a vistoria
presencial para que sejam identificados os ocupantes e a sua condição, além disso, na
oportunidade, fica mais viável reunir as informações sobre a natureza da área ocupada, o efetivo
dano ambiental causado à área, as benfeitorias e acessões existentes etc, isso tudo dentro do
relato da fiscalização para que haja elementos fortes para o ajuizamento.
 
A caraterização do ocupante é essencial, pois sabe-se de casos em que tem o alegado domínio
sobre a área age por meio de empregados, e constatar essa situação é importantíssima para
descaracterizar a moradia habitual, cultura efetiva, a boa-fé, a vulnerabilidade social etc.
Igualmente, serve para identificar os responsáveis financeiros pela degradação da área, o que é
importante para as futuras execuções em processos judiciais.
 
Mais um fator a se considerar é que quando proposta a demanda judicial, a experiência mostra
que há o risco de os ocupantes apresentarem documentos nunca antes conhecidos para alegar a
boa-fé da ocupação, e fazer afirmações contra as quais o ICMBio, caso não vistorie a área e não
faça as devidas constatações, não será capaz de contradizer adequadamente.
 
Outro ponto é que o ajuizamento precisa se fundar em provas robustas, pois a experiência
mostra, p.ex. que no projeto Amazônia Protege promovido pelo Ministério Público Federal, em
cooperação com diversas entidades, inclusive o
ICMBio (http://www.amazoniaprotege.mpf.mp.br/), ajuizou uma quantidade expressiva de
Ações Civis Públicas, com base em vistorias remotas, e cruzamento de dados nos sistemas
informatizados. Embora louvável a iniciativa, o que estamos vendo é uma crescente resistência
do Poder Judiciário em acolher os pedidos diante de informações imprecisas a respeito da
autoria das condutas ilícitas praticadas. Assim, não se recomenda que em unidades de
conservação sejam ajuizadas demandas sem o devido lastro probatório para que se obtenha
êxito.
 
Recomenda-se, ainda, que se considere avaliar o valor que o ocupante irregular auferiu
irregularmente com a ocupação, a ser cobrado em processo judicial. O enriquecimento sem
causa pela ocupação irregular de terras públicas é passível de ressarcimento ao poder público.
 
Por outro lado, considerando situação distinta em que o ocupante colabora e responde à
intimação do ICMBio, diligencia para obter a sua indenização, e assim o processo é concluído
com êxito, a fim de que a indenização seja paga ao ocupante, ainda é necessária a avaliação das
benfeitorias, nos termos da IN ICMBio 04/2020, arts. 22, 24 etc. 
 
Então, seja para não indenizar, seja para indenizar a vistoria presencial e a fiscalização é
indispensável, e, embora homologado o cronograma, é possível justificar a providência com
atos efetivos de fiscalização na área e a devida articulação com as demais entidades.
 
Quanto à notória insegurança pública na área, temos algumas considerações. A segurança
pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e é imprescindível que todas as
entidades e órgãos públicos exerçam suas competência dentro de seus limites. Mais
precisamente acerca dos órgãos que exercem o dever do Estado de garantir a segurança pública,
dispõe o art. 144 da Constituição Federal que:
 
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.           (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104,
de 2019)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se a:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho,
sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;         (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.         (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.         (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência
da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de
bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a
que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais.        (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 104, de 2019)
§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército
subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.            (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 104, de 2019)
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública,
de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada
na forma do § 4º do art. 39.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do seu patrimônio nas vias públicas:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em
lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e         (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 82, de 2014)
II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou
entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.         (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
 
Da leitura do artigo é possível concluir que a "segurança pública" é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, mas que a "ordem pública" é atribuição das polícias
militares estaduais (CF, art. 144, §5º).
 
A "segurança pública"é gênero do qual a ordem pública é espécie. Portanto, o dever das polícias
militares estaduais de preservar a ordem pública é específico e distinto da responsabilidade geral
de todos com a segurança pública. Logo, não há fundamento jurídico para que a polícia militar
estadual se exima de preservar a ordem pública, mesmo no interior de unidade de conservação
federal. 
 
Por outro lado, a Polícia Federal, nos termos do art. 144, § 1º da CF,  dentre outras atribuições,
tem o dever de apurar infrações penais já ocorridas em detrimento das entidades autárquicas da
União, e isso é de sua competência exclusiva, como polícia judiciária. O policiamento
ostensivo, preventivo, de preservação da ordem pública é atribuição das polícias
administrativas, como as polícias militares estaduais. Não exclui a possibilidade de colaboração
da Polícia Federal, menos ainda a obrigação de efetivamente investigar as infrações penais
ocorridas.
 
Assim, é necessário que as eventuais violações da ordem pública sejam sempre comunicadas
formalmente à Polícia Militar Estadual, sem prejuízo do encaminhamento das notícias de crime
ao Ministério Público Federal e à cobrança de todos os órgãos e entidades envolvidas para que
sejam investigados os crimes já praticados no interior ou em detrimento da Flona.
 
Esclareça-se que, além dos inúmeros crimes ambientais, na Lei 9.605/1998 há tipos penais
específicos para condutas praticadas no interior de unidades de conservação (art. 40), e para
condutas praticadas contra a Administração ambiental (art. 66 - 69-A). As penas estão longe de
ser brandas e os crimes ambientais precisam ser combatidos com o mesmo vigor dos crimes em
geral, especialmente quando se tratar de grave ameaça, violência, dano ambiental etc.
 
Lamentavelmente, embora a lei reprove com severidade as condutas, os crimes ambientais
parecem ser uma categoria à parte no direito penal dado do descuido estatal com o seu combate,
sendo que o art. 40 da Lei 9.605/1998, p.ex., que criminaliza a conduta de causar dano à
unidade de conservação, comina pena máxima superior a 02 (dois) anos, afastando o regramento
das infrações de menor potencial ofensivo. Trata-se de crime punido com reclusão de um a
cinco anos! Para ressaltar a gravidade do crime, o que deveria ser desnecessário, é pena
semelhante à crimes de furto, estelionato, sequestro e cárcere privado e maior do que
muitos outros crimes que escandalizam a sociedade e costumam ter atenção imediata dos
órgãos de segurança pública. Diga-se, por fim, que o art. 301 do Código de Processo Penal diz
que "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem
quer que seja encontrado em flagrante delito", ou seja, não há margem discricionária para a
realização da prisão em flagrante pelos órgãos de segurança pública, e o encaminhamento para a
autoridade policial específica, uma vez que é preciso que as infrações penais sejam devidamente
investigadas.
 
Assim, destaque-se o ICMBio não está listado dentre os órgãos de segurança pública no
exercício do dever Estatal, e suas competências ligam-se à fiscalização ambiental. Se a
fiscalização ambiental está sendo ameaçada ou inviabilizada pela ausência de segurança pública
e do mínimo de ordem pública, é dever dos responsáveis agir, devendo o ICMBio formalizar
suas demandas nesse sentido. Se o governo estadual não for capaz de garantir a ordem pública,
é necessário apurar a necessidade de uma eventual intervenção federal na área, pois o sistema
constitucional não admite a tolerância com a grave desordem pública. Todavia, recomenda-se a
devida prudência, e que sejam esgotadas todas as possibilidades de diálogo com essas entidades
e órgãos.
 
Já no âmbito da fiscalização ambiental, é preciso lembrar, ainda, que o art. 23 da Constituição
Federal estabelece competência material comum para conservação do patrimônio público
(todos os entes públicos têm o dever de conservar o patrimônio público seja de qual for o
ente) e proteger o meio ambiente dentre outras competências, confira-se.
 
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio
público;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos
hídricos e minerais em seus territórios;
 
Assim, não cabe a qualquer ente público se eximir da responsabilidade com a conservação do
patrimônio público em geral e a preservação do meio ambiente.
 
Recomenda-se nesse sentido a elaboração de listas de infrações ambientais comunicadas ao
Ministério Público para que este promova as devidas ações penais das quais é titular. Essa
medida é necessária para justificar ao Juízo as dificuldades e impossibilidades de solucionar a
questão fundiária na região.
 
Há um mais um ponto importante que, dentro da necessidade de promover a educação
ambiental, com a divulgação das ações do ICMBio, no sentido de explicar a razão pela qual as
unidades de conservação são indispensáveis para garantir o direito ao meio ambiente sadio,
recomenda-se que o ICMBio utilize todos os meios de comunicação possíveis para explicar à
sociedade as drásticas condutas que precisam ser tomadas em defesa do meio ambiente na
região da Flona Itacaiúnas, a fim de que a própria população tenha a oportunidade de formar
uma opinião adequada da conduta da autarquia e dissuadir a população de persistir na prática de
condutas ilícitas.
 
Por fim, no caso dos autos, é notória e constatada a ausência de diligência em se justificar e
ausência boa-fé do ocupante, bem assim da natureza pública do bem ocupado, de maneira que
verifica-se não haver fundamento jurídico para a indenização de benfeitorias. Há dificuldades,
inclusive, de delimitação exata do imóvel, o que demonstra a invalidade da ocupação.
 
Todavia, o processo encontra-se com a instrução defasada pelo longo tempo transcorrido, e é
possível que a área esteja sendo ocupada por outra pessoa, o que requer seja realizada vistoria e
fiscalização para identificar os atuais ocupantes, e, se for o caso o ajuizamento de medidas
judiciais. Caso haja outro ocupante na área, recomenda-se que a eventual regularização
fundiária seja tratada nesses mesmos autos, evitando-se a abertura de processos administrativos
distintos para o mesmo imóvel.
 
CONCLUSÃO
 
Diante do exposto, opina-se pela ausência dos requisitos para a indenização de benfeitorias pelo
ocupante atual, todavia, recomenda-se a devida instrução do presente processo administrativo
nos termos das considerações do presente parecer para que seja fiscalizada e vistoriada a área, e
avaliada a necessidade de propositura de ação judicial.
 
À consideração superior, com sugestão de encaminhamento à DIMAN, à CGTER, à COREG, à
CGPRO, à GR1 e à Floresta Nacional de Itacaiúnas para ciência e providências.
 
Porto Velho, 27 de fevereiro de 2021.
 
 
Fábio de Farias Feitosa
Procurador Federal
SEPFE-ICMBio
GR1- Base Avançada de Porto Velho
Coordenação de Matéria Fundiária
 
 

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em


http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP)
02070002772200924 e da chave de acesso 6b42fc92
 

Documento assinado eletronicamente por FABIO DE FARIAS FEITOSA, de acordo com os


normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com
o código 585712295 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais:
Signatário (a): FABIO DE FARIAS FEITOSA. Data e Hora: 01-03-2021 15:15. Número de
Série: 17343077. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA JUNTO AO INSTITUTO CHICO
MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
COORDENAÇÃO DE MATÉRIA FUNDIÁRIA

 
DESPACHO n. 00081/2021/COMAF/PFE-ICMBIO/PGF/AGU
 
NUP: 02070.002772/2009-24
INTERESSADOS: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE - ICMBIO
ASSUNTOS: MEIO AMBIENTE
 
Acolho parcialmente o bem fundamentado PARECER n. 00017/2021/COMAF/PFE-
ICMBIO/PGF/AGU. As divergência são pontuais, nos termos a seguir alinhavados.
 
Estou de acordo com referido parecer quanto à inexistência de comprovação de boa-fé da
ocupação e à inexistência de direito a qualquer indenização.
 
O art. 23 da IN/ICMBio n.º 04/2020 autoriza a indenização de benfeitorias "quando se tratar de
ocupação mansa, pacífica e de boa-fé incidente sobre terras públicas anteriormente à criação da
unidade de conservação". O PARECER n. 00017/2021/COMAF/PFE-ICMBIO/PGF/AGU
demonstrou muito bem a ausência de consentimento da Administração com a detenção pelo Sr.
José Lázaro Soares, interessado no feito, tendo assentado de maneira muito fundamentada a
legislação e a jurisprudência aplicáveis ao caso.
 
Além de tudo isso, a instrução demonstrou que a dita "posse" foi adquirida quando a
FLONA Itacaiúnas já  havia sido criada, o que tonifica a ilicitude da ocupação. No Doc. SEI
6545678, pp. 07 e 11, estão presentes dois instrumentos de compra e venda, relativos ao imóvel
Sítio Recanto do Vale e à Fazenda Santa Fé, datados, respectivamente, de 11.11.2004
e 25.04.2004. Tais instrumentos foram os títulos de compra do Sr. José Lázaro Soares. A
FLONA Itacaiúnas, por sua vez, foi instituída em 1998, pelo Decreto n.º 2480/1998.
 
Sendo assim, claro está, também por mais este fundamento, que o ora Interessado não possui
direito a qualquer indenização, já que chegou na área quando a unidade de conservação já
existia.
 
A divergência com o parecer destacado está mais relacionada aos encaminhamentos os quais
devem ser adotados para viabilizar a regularização fundiária da área objeto dos autos. No
mérito, estou de pleno acordo com todas as considerações lançadas pelo Dr. Fábio Feitosa a
respeito da natureza ilícita da ocupação de terras públicas sem autorização do Estado, da
necessidade de articulação do ICMBio com órgãos de segurança pública, dentre outros pontos.
 
Antes de adentrar a fundamentação referente à discordância citada, creio ser importante repisar
que, além de atender ao dever geral de regularização fundiária das unidades de conservação sob
gestão dessa Autarquia Ambiental, na forma da Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e da Lei nº 11.516/2007, que criou
o ICMBio e lhe incumbiu dessa missão, o presente feito visa também dar cumprimento à
decisão judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0001585-05.2013.4.01.3901 –
2ª Vara-Marabá/PA, objeto do cumprimento provisório de sentença nº 0000451-
30.2019.4.01.3901, onde o ICMBio apresentou Plano de Trabalho, em fase de execução. Tal
plano de trabalho previa uma  análise remota das ocupações por meio de imagens de satélites, o
que foi aceito pelo Ministério Público Federal e pelo Judiciário, uma vez que o tal  plano de
trabalho foi homologado em juízo.
 
Neste ponto, apresento uma divergência parcial com o Dr. Fábio, pois entendo que a vistoria
remota já efetuada na área tem validade para alicerçar a prolação de uma
decisão administrativa acerca da irregularidade da ocupação. Comungo do entendimento dele,
no entanto, a respeito da necessidade de se efetuar uma nova vistoria no local como condição
para o ajuizamento de ação judicial, uma vez que é preciso trazer elementos atualizado sobre a
situação fundiária dos imóveis enfocados, como será esposado mais adiante.
 
Antes de adentrar o aspecto supracitado, há de se traçar algumas linhas sobre a aplicabilidade
do PARECER n. 00010/2017/DFUND/PFE-ICMBIO/PGF/AGU (NUP 02070.001328/2017-
00), que cuidou a possibilidade de indenização de benfeitorias quando a ocupação se dá por
população não tradicional em situação de vulnerabilidade social, apresentando dois requisitos
para sua aplicação:

o Necessidade de consolidação da situação fática, mediante o decurso de determinado


tempo dessas ocupações, com demonstração de cultura efetiva e morada
permanente, sem que tenha havido oposição do Poder Público ao longo do tempo;
o Constatação da situação de vulnerabilidade socioeconômica dos ocupantes.

No caso em tela, não houve análise pela Administração quanto à presença de tais requisitos. No
entanto, os contratos de compra e venda inseridos no SEI 6545678 apontam que os Srs. José
Lázaro Guimarães e Laércio Moreira Vargas (interessados) têm endereço no Distrito Federal. O
mesmo foi apurado em consulta ao banco de dados da Receita Federal, no qual consta o
seguinte endereço: CL 208 LT B7 B8, S N, SANTA MARIA, BRASILIA/DF.
 
Mais do que isso, os dados da Receita Federal permitiram verificar que o ora Interessado é sócio
da empresa MADEIREIRA REAL LTDA - ME. Chama muita atenção que o Interessado seja
dono de uma madeireira e explore terra pública da União de maneira clandestina.
 
Já o Sr. Laércio Moreira Vargas tem endereço na QI 06 LT 1280 A 1380 BLOCO B APTO 40,
SN, RESIDENCIAL ENCANTO, INDUSTRIAL DO GAMA, BRASILIA/DF, e é sócio da
empresa RODRIGUES & MOREIRA LTDA - ME.
 
Claro está, portanto, que os Interessados não apresentam condição de hipossuficientes nem
exercem posse direta da terra para extração de seu sustento.
 
Desta feita, entendo que não se faz necessária a adoção de diligências complementares relativas
ao PARECER n. 00010/2017/DFUND/PFE-ICMBIO/PGF/AGU, uma vez que a documentação
encartada já é suficiente para tonificar sua não incidência na hipótese vertente.
 
Ultrapassado este ponto e tendo em vista o que já foi exposto, parece-me que a trilha a ser
seguida no presente caso é a mesma sugerida no PARECER n. 00015/2021/COMAF/PFE-
ICMBIO/PGF/AGU (NUP 02070.002767/2009-11), o qual ora reproduzo:
 
"21. Por fim, tendo em conta a desatualização das informações fáticas constantes dos autos, com a
ausência de vistoria recente a confirmar a permanência da ocupação pelo Interessado indicado nos autos,
ainda que essa circunstância esteja devidamente justificada nas manifestações técnicas que instruem o
presente feito, entendo necessário e recomendo que após a decisão da autoridade administrativa pela
desocupação da área sem indenização das benfeitorias, antes do ajuizamento de ação para a desocupação
do imóvel, acaso necessária a judicialização da desocupação, no momento da notificação da decisão
administrativa pela desocupação ou por ocasião da verificação do seu cumprimento voluntário, que se
realize um levantamento in loco, atualizando as informações sobre a situação do imóvel, de modo a
reunir elementos atualizados sobre a ocupação e os ocupantes a fim de subsidiar e conferir maior
segurança à atuação judicial, que se mostrar necessária." (destaques  no original)
 
Ante o exposto, entendo, em linhas gerais, que não ficou demonstrada a boa-fé da ocupação e
que os Interessados não têm direito a indenização pelas benfeitorias, quer seja pelos termos
da IN/ICMBio n.º 04/2020, como também por aqueles veiculados no PARECER n.
00010/2017/DFUND/PFE-ICMBIO/PGF/AGU.
 
Desta feita, entendo que o processo está apto para ser encaminhado à Presidência para decisão
sobre a desocupação. No entanto, tendo em vista a desatualização das informações sobre a
situação atual da área, deve-se realizar uma vistoria  in loco, de acordo com os termos
preconizados no parágrafo 15, como condição para o ajuizamento de qualquer ação  judicial..
 
Indico como relevante seja verificado pela CGTER junto à CGPRO a eventual existência de
fiscalização na área com notificação e/ou atuação do  Interessada pelo desmatamento irregular
da vegetação nativa no local ou por algum outro ilícito ambiental na área. A pesquisa deve ser
realizada considerando-se também os nomes dos ora interessados, como também
das empresas MADEIREIRA REAL LTDA - ME e RODRIGUES & MOREIRA LTDA - ME,
dos quais são sócios os ora interessados. Essa informação é relevante para o caso de ser
necessário postular em juízo ordem de desocupação do imóvel.
 
Recomenda-se também, para que se possa instruir eventual ação judicial, que se colacione a
estes autos a certidão de matrícula relativa à Gleba Federal Aquiri, bem como que se informe se
houve celebração de instrumento de cessão de uso da área para o ICMBio, promovendo-se
igualmente sua juntada ao processo, em caso afirmativo.
 
À CGTER, para conhecimento e adoção das providências pertinentes.
 
Brasília, 09 de março de 2021.
 
 
BRUNO RODRIGUES ARRUDA E SILVA
Procurador Federal
Coordenador Nacional de Matéria Fundiária da PFE/ICMBio
 
 

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em


http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP)
02070002772200924 e da chave de acesso 6b42fc92
 

Documento assinado eletronicamente por BRUNO RODRIGUES ARRUDA E SILVA, de


acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está
disponível com o código 591861226 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br.
Informações adicionais: Signatário (a): BRUNO RODRIGUES ARRUDA E SILVA. Data e
Hora: 09-03-2021 13:58. Número de Série: 56415654490709505201774554747298659645.
Emissor: AC OAB G3.

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